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FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 1 Aula 3. CONTRATOS/ INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS 1. CONCEITO E EXTENSÃO Toda manifestação de vontade necessita de interpretação para que se saiba o seu significado e alcance. O contrato origina-se de ato volitivo e por isso requer invariavelmente uma interpretação. Nem sempre o contrato traduz a exata vontade das partes. Muitas vezes a redação mostra-se obscura e ambígua, malgrado o cuidado quanto à clareza e precisão demonstrado pela pessoa encarregada dessa tarefa, em virtude da complexidade do negócio e das dificuldades próprias do vernáculo. Por essa razão, não só a lei deve ser interpretada, mas também os negócios jurídicos em geral. A execução de um contrato exige a correta compreensão da intenção das partes, a qual exterioriza-se por meio de sinais ou símbolos, dentre os quais as palavras. Interpretar o negócio jurídico é, portanto, precisar o sentido e alcance do conteúdo da declaração de vontade. Busca-se apurar a vontade concreta das partes, não a vontade interna, psicológica, mas a vontade objetiva, o conteúdo, as normas que nascem da sua declaração. Pode-se dizer que as regras de interpretação dos contratos previstas no Código Civil dirigem-se primeiramente às partes, que são as principais interessadas em seu cumprimento. Não havendo entendimento entre elas a respeito do exato alcance da avença e do sentido do texto por elas assinado, a interpretação deverá ser realizada pelo juiz, como representante do Poder Judiciário. INTERPRETAÇÃO DECLARATÓRIA: diz-se que a interpretação contratual é declaratória quando tem como único escopo a descoberta da intenção comum dos contratantes no momento da celebração do contrato; e INTERPRETAÇÃO CONSTRUTIVA OU INTEGRATIVA: quando objetiva o aproveitamento do contrato, mediante o suprimento das lacunas e pontos omissos deixados pelas partes. A integração contratual preenche, pois, as lacunas encontradas nos contratos, completando-os por meio de normas FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 2 supletivas, especialmente as que dizem respeito à sua função social, ao princípio da boa fé, aos usos e costumes do local, bem como buscando encontrar a verdadeira intenção das partes, muitas vezes reveladas nas entrelinhas. Seria, portanto, um modo de aplicação jurídica feita pelo órgão judicante, mediante o recurso à lei, à analogia, aos costumes , aos princípios gerais de direito ou à equidade, criando norma supletiva, a qual completará, então, o contrato, que é uma norma jurídica individual. A propósito, exemplifica Sílvio Venosa: ”Se os contratantes, por exemplo, estipularam determinado índice de correção monetária nos pagamentos e esse índice é extinto, infere-se que outro índice próximo de correção deve ser aplicado, ainda que assim não esteja expresso no contrato, porque a boa fé a equidade que regem os pactos ordenam que não haja injusto enriquecimento coma desvalorização da moeda”. Interpretação da lei X Interpretação do contrato A interpretação da lei seria a interpretação da vontade do legislador, isto é, a vontade objetiva e constante que se exprime no texto, não a vontade subjetiva das pessoas físicas que o elaboram ou do órgão que a aprovou. Já a interpretação do contrato é conceituada, na hermenêutica tradicional, como processo de esclarecimento da vontade subjetiva dos contraentes e, na doutrina mais recente, como investigação da vontade objetividade no conteúdo do vínculo contratual. Na interpretação da lei, o intérprete deve determinar o sentido e alcance, enquanto na interpretação do contrato, deve-se descobrir a vontade concreta das partes. FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 3 Tipos de interpretação Interpretação subjetiva X Interpretação objetiva A interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real dos contraentes, enquanto a interpretação objetiva visa a esclarecer o sentido das declarações que continuem dúbias ou ambíguas por não ter sido possível precisar a efetiva intenção das partes. É denominada pelo princípio da investigação da vontade real.Tal investigação precede a qualquer outra, devendo o intérprete indagar antes de mais nada, qual foi a intenção comum das partes, e não a vontade singular de cada declarante, atendendo ainda ao comportamento coetâneo e posterior à sua celebração. A intenção das partes passa a ser comum com a integração das vontades, mas não se sabe o que verdadeiramente se deve entender com o tal nem como conduzir a investigação para descobri-la. A indicação da causa do contrato como meio interpretativo próprio para definir a intenção comum dos contraentes peca por escassez. A vontade comum no contrato é, para a doutrina objetivista, um conceito vazio, se elaborado em termos subjetivos. Mas, a interpretação subjetiva é necessária, pois o objeto da interpretação do contrato é sempre a vontade e a meta a ser alcançada pelo intérprete, a exata determinação dos efeitos jurídicos que as partes quiseram provocar. A interpretação objetiva é subsidiária, pois suas regras só se invocam se falharem as que comandam a interpretação subjetiva. O intérprete deve examinar o contrato principalmente do ponto de vista da vontade das partes. O legislador o ajuda à medida que dita preceitos interpretativos. Juntamente ditam-se regras para a solução de dúvidas que perdurem após a pesquisa feita para a descoberta da vontade real do contrato em exame. FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 4 PRINCÍPIOS BÁSICOS Dois princípios hão de ser sempre observados na interpretação do contrato: a) Princípio da boa fé; e b) princípio da conservação do contrato. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: dispõe art. 113 do novo Código que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Deve o intérprete presumir que os contratantes procedem com lealdade e que tanto a proposta como aceitação foram formuladas dentro do que podiam e deviam eles entender razoável, segundo a regra da boa-fé. O princípio da boa fé é uma regra que contribui para precisar o que se deve entender como o consenso, assim considerando o encontro e a consumação de duas vontades para a produção de efeitos jurídicos vinculativos. O que importa é o “significado objetivo” que o aceitante de proposta de contrato “podia e devia” entender razoavelmente segundo a regra da boa fé. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO OU APROVEITAMENTO DO CONTRATO: Se uma clausula contratual permitir duas interpretações diferentes, prevalecerá a que possa produzir algum efeito, pois não se deve supor que os contratantes tenham celebrado um contrato carecedor de qualquer utilidade. Na III jornada de direito civil promovida pelo conselho de justiça federal foi aprovado o enunciado 176: “em atenção ao principio da conservação dos negócios jurídicos, o artigo 478 do CC/02 deverá conduzir, sempre que possível, a revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual do contrato”. E na IV jornada foi aprovado o enunciado 376, relativo ao mesmo tema: “Em observância ao principio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modifica-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observadoo contraditório”. Prescreve, ainda, o art. 114 do CC/02 que “os negócios jurídicos benéficos e a renuncia interpretam-se restritamente.” Benéficos ou gratuitos são os que envolvem FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 5 uma liberalidade: somente um dos contratantes se obrigam, enquanto o outro apenas aufere um beneficio. A doação pura constitui o melhor exemplo dessa espécie. Devem ter interpretação estrita porque representam renuncia de direitos. O princípio da conservação do contrato, funda-se na razão principal de que não se deve supor que as partes tenham celebrado um contrato inutilmente e sem seriedade. O contrato deve ser interpretado, como qualquer de suas cláusulas, no sentido de que possa ter qualquer efeito, devendo prevalecer a interpretação que lhe dê o significado mais útil. REGRAS ESPARSAS quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar interpretação mais favorável ao aderente(art 423); a transação interpreta-se restritivamente (art 843); a fiança não admite interpretação extensiva(art 919); sendo a clausula testamentária suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade testador (art. 1899) . Podem ser mencionados, ainda, os artigos 110 e 111 do CC/02, que tratam, respectivamente, da reserva mental e dos silencio como manifestação da vontade. INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 6 Proclama no artigo 47 do CDC (Lei 8078/90): “as clausulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. A excepcionalidade decorre de previsão especifica do rol dos direitos fundamentais como disposto nos srt. 5º, XXXII, combinado com o art 170, V, da CF/88. O dispositivo em destaque aplica-se a todos os contratos que tenham por objeto relações de consumo e harmoniza-se com o espirito do referido diploma, que visa a proteção do hipossuficiente, isto é, do Consumidor, visto que as regras que ditam tais relações são, em geral, elaboradas pelo fornecedor. O referido diploma ainda avança ao dispor no seu art 46 que os contratos que regulam as relações de consumo deixam de ser obrigatórios se ao consumidor não for dada a oportunidade de conhecer previamente o seu conteúdo ou se estes forem redigidos de forma a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Trata-se de norma que constitui, ao mesmo tempo, regra de interpretação e de garantia do prévio conhecimento e entendimento do conteúdo do contrato por parte do consumidor. O CDC dedicou um capitulo ao contrato de adesão conceituando-se da seguinte forma: no art 54: “contrato de adesão é aquele cujas clausulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.” CRITERIOS PRATICOS PARA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS A melhor maneira de apurar a intenção dos contratantes é verificar o modo pelo qual o vinham executando, de comum acordo. FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 7 Deve-se interpretar o contrato, na duvida, da maneira menos onerosa para o devedor. As clausulas contratuais não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto com as demais; Qualquer obscuridade é imputada à quem redigiu a estipulação, pois podendo ser claro não o foi; Na clausula suscetível de dois significados, interpretar-se-á em atenção ao que pode ser exequível “ principio da conservação ou do aproveitamento do contrato”; INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE ADESÃO O CC/02 estabeleceu duas regras de interpretação dos contratos de adesão que se caracterizam pelo fato de o seu conteúdo ser determinado unilateralmente por um dos contratantes, cabendo a outro contratante apenas aderir ou não aos seus termos. Consta no art. 423 que assim dispõe ”quando houver no contrato de adesão clausulas ambíguas ou contraditórias dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderante” . será “ambígua a clausula que da sua interpretação gramatical a extração de mais de um sentido” . De outro lado, há contradição se o conteúdo das clausulas foi inconciliável tal como dispor que o mutuo é celebrado sem vantagens para o mutuante e estabelecer cobranças de juros. Exatamente polo fato de, nessa espécie de contrato não se dar ao aderante oportunidade de discutir suas clausulas e influir no seu conteúdo é que o aludido artigo 423 do CC/02 determinou que eventuais clausulas ambíguas ou contraditórias sejam interpretadas de maneira mais favorável a ele. Vem expressa no art 424 do CC/02 que proclama: “nos contratos de adesão, são nulas as clausulas que estipulam a renuncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. O legislador deve ter em mira proteger principalmente os direitos correlatos que na prática comercial são comumente excluídos por clausulas padrão, como a de não reparação pelos danos decorrentes de FACAM – FACULDADE DO MARANHÃO CURSO DE DIREITO Direito Civil III - CONTRATOS Profª Ivane Rodrigues 8 defeitos da coisa ou pela má prestação de serviços, não indenizabilidade de vícios redibitórios e evicção. PACTOS SUCESSÓRIOS Dispõe o art 426 do CC/02: “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva” Trata-se de regra tradicional e de ordem pública destinada a afastar os pacta corvina ou votum captandae mortis. A sua inobservância torna nulo o contrato em razão da impossibilidade jurídica do objeto. O nosso ordenamento só admite duas formas de sucessão: causa mortis: a legitima e a testamentária. O dispositivo em questão afasta a sucessão contratual. Apontam os autores, no entanto, duas exceções: a) É permites aos nubentes fazer doações antenupciais dispondo a respeito da reciproca e futura sucessão, desde que não excedam a metade dos bens (CC/02, art 1.668, IV, e 546); b) Podem os pais, por ato entre vivos, partilhar o seu patrimônio entre os descendentes (CC/02, art 2018) Parece-nos que em face do CC/02 somente a partilha intervivos pode ser considerada exceção Pà norma do at 426 por conrresponder a uma sucessão antecipada, visto que os citados art. 546 e 1668, que tratam de doações entre cônjuges não contemplam a hipóteses de reciproca e futura sucessão causa mortis. A clausula que assim dispõe é considerada não escrita, por fradar Lei imperativa contrariando disposição absoluta de Lei (CC/02, art 166, VI, e 1655). Na realidade, nas doações propter nuptias a exceção é apenas aparente, porquanto a doação, como foi dito, não vem subordinada ao evento morte, mas sim ao casamento, sendo a morte mera consequência.
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