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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade Departamento de Administração DIVERSIDADE SEXUAL E POLÍTICAS DE GESTÃO DE PESSOAS Um estudo exploratório em três empresas de grande porte CASSIANO LUIZ MECCHI Monografia apresentada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Administração. Orientadora: Profª. Ana Cristina Limongi França SÃO PAULO 2006 a todos aqueles que acreditaram neste trabalho “Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” Boaventura de Sousa Santos AGRADECIMENTOS Um trabalho deste porte, naturalmente, não se faz sozinho. Devo a muitos o agradecimento por me apoiarem, das mais diversas formas, na realização desta conquista. Em primeiro lugar, naturalmente, agradeço a minha família, meu porto seguro. A Marcelo Rodrigo Pace, minha âncora que não me permitiu perder o prumo ao longo da jornada. A meus amigos da FEA, que acompanharam todas as minhas conquistas e aflições em todos esses anos: André Gustavo Amadio Rezende, Adriana Simone Ma, Esther Cheng, Fernanda Maria Rocha Soares e Fernando Narchi Dénes. Recebem um agradecimento também André Gustavo de França Archangelo e Monica Hitomi Mekaru, por tanto me ajudarem a dar a este trabalho a forma que ele assumiu e por servirem de inspiração pelos trabalhos de conclusão de curso exemplares que realizaram. Obrigado a Regina Maria Mattos Macedo de Almeida e também a toda equipe do IBENS, que pacientemente me escutaram e me apoiaram nos momentos de tensão. Fico grato pela compreensão! Sou grato também à FEA e aos professores que me repassaram parte de sua experiência, em especial às queridas Ana Cristina Limongi França, Tânia Casado e Maria Tereza Leme Fleury. Merecem menção também, por transpirarem paixão pelo que fazem, os professores José Roberto Securato, André Luiz Oda e Oswaldo Scaico. Outros profissionais também tiveram papel especial nesta realização: Klecius Borges, por semear em mim a fagulha de interesse no assunto; Lula Ramirez e Cláudio Picazio, por acreditarem no meu trabalho e me apoiarem; Maria Amélia de Moraes, Fabiana Melfi e Ellen Devai, por me receberem tão bem e me ajudarem a entender um pouco melhor a Natura, a IBM e o Banco Real, respectivamente. Por último, um agradecimento mais que especial a Reinaldo Bulgarelli, que me adotou como seu “orientando de criação” e me apoiou com bibliografias, idéias, materiais e – o mais importante – entusiasmo e confiança de que eu seria capaz de realizar um bom trabalho. A todas essas pessoas, o meu mais sincero MUITO OBRIGADO! RESUMO A diversidade cultural tem se mostrado um dos temas centrais da gestão de recursos humanos atualmente. Dentro desse contexto, as organizações enfrentam cada vez mais a questão da diversidade sexual de seus colaboradores. O presente trabalho procura jogar luz sobre a questão, que ainda é pouco explorada no Brasil, levantando trabalhos realizados a respeito do tema e apresentando estudos de caso realizados em organizações atuantes no Brasil. A metodologia usada foi exploratória descritiva com abordagem qualitativa e amostra intencional, formada por três grandes empresas, escolhidas segundo critérios de visibilidade das políticas e práticas de inclusão da diversidade no ambiente de trabalho. Pôde-se concluir que o assunto ainda é novo na agenda das organizações brasileiras e que políticas acolham a identidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) contribuem para o bom desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo, incrementando o comprometimento e a produtividade, se comparados às condições opostas. Palavras-chave: diversidade cultural; diversidade sexual; GLBT. ABSTRACT Cultural diversity has been shown as one of the main topics in human resources management nowadays. Inside this context, organizations have been facing more often the issue of sexual diversity among their employees. The present work intends to shed some light on this issue, raising papers that were developed around this theme and presenting case studies that were carried out in organizations in Brazil. An exploratory descriptive design was selected as the methodology appropriate to the present study, with a qualitative approach and purposeful sampling, composed of three large-sized companies, chosen according to the criteria of visibility of their policies and practices on diversity in the workplace. Some conclusions that could be drawn from this study are that such issue is still new in the agenda of Brazilian organizations and that policies that admit the identity of gay, lesbian, bisexual and transgender (GLBT) employees contribute to a good personal and professional development of the individual, increasing the commitment and the productivity, if compared to the opposing conditions. Keywords: cultural diversity; sexual diversity; GLBT. LISTA DE FIGURAS Figura 2.1. Renda média mensal por gênero e etnia na Grande São Paulo.....31 Figura 2.2. Condições de emprego em São Paulo, por gênero e etnia.............32 Figura 2.3. Efeitos de mecanismos de preservação da identidade pessoal sobre a comunicação no ambiente de trabalho...............................44 Figura 2.4. O processo iterativo de assumir a sexualidade...............................45 Figura 2.5. Modelo do efeito do discurso na efetivação da identidade social....46 Figura 3.1. Modelo de gestão da diversidade do Banco ABN AMRO Real.......73 LISTA DE QUADROS Quadro 2.1. Composição da heterossexualidade..............................................39 Quadro 2.2. Composição da homossexualidade...............................................39 Quadro 2.3. Composição da bissexualidade.....................................................40 Quadro 2.4. Composição da transexualidade....................................................41 Quadro 2.5. Composição do travestismo...........................................................42 Quadro 2.6. Dicas para tratar da diversidade sexual no ambiente corporativo.50 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................21 1.1. Apresentação .....................................................................................21 1.2. Aspectos técnicos e empecilhos práticos...........................................24 1.3. Estrutura.............................................................................................26 2. REVISÃO CONCEITUAL.........................................................................................27 2.1. Diversidade cultural ............................................................................27 2.1.1. Diversidade, ética e responsabilidade social......................................28 2.1.2. Diversidade no Brasil .........................................................................29 2.1.3. Importância do tema...........................................................................32 2.1.4. Principais temas de diversidade abordados.......................................35 2.2. Diversidadesexual .............................................................................36 2.2.1. Sexo biológico....................................................................................37 2.2.2. Identidade sexual (ou de gênero).......................................................37 2.2.3. Papel sexual (ou papel social de gênero) ..........................................38 2.2.4. Orientação do desejo .........................................................................38 2.2.5. Montando o quebra-cabeça da sexualidade humana.........................39 2.3. Diversidade sexual e o ambiente de trabalho.....................................42 2.3.1. O reconhecimento da identidade GLBT .............................................45 2.3.2. O acolhimento da identidade GLBT ...................................................49 3. ESTUDOS DE CASO .............................................................................................53 3.1. Natura.................................................................................................54 3.1.1. Ficha técnica ......................................................................................54 3.1.2. Apresentação da empresa .................................................................55 3.1.3. Políticas de diversidade .....................................................................56 3.1.4. Os GLBTs na Natura..........................................................................58 3.2. IBM Brasil ...........................................................................................61 3.2.1. Ficha técnica ......................................................................................61 3.2.2. Apresentação da empresa .................................................................61 3.2.3. Políticas de diversidade .....................................................................63 3.2.4. Os GLBTs na IBM ..............................................................................66 3.3. Banco ABN AMRO Real.....................................................................69 3.3.1. Ficha técnica ......................................................................................69 3.3.2. Apresentação da empresa .................................................................69 3.3.3. Políticas de diversidade .....................................................................70 3.3.4. Os GLBTs no ABN AMRO Real .........................................................74 4. APLICAÇÃO TEÓRICA: ANÁLISE CRÍTICA E SUGESTÕES ............................................77 5. CONCLUSÕES .....................................................................................................83 6. APÊNDICE: ROTEIRO DE ENTREVISTA....................................................................86 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................98 Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 20 Cassiano Luiz Mecchi 21 1. INTRODUÇÃO Inserida no contexto da diversidade cultural, a questão da diversidade sexual emerge como um dos temas recorrentes hoje como carentes de discussão por parte das organizações. Por diversidade sexual entendem-se as diferentes formas de expressão da sexualidade humana, contemplando heterossexuais, homossexuais, bissexuais e transgêneros1. Dificuldades advêm tanto no processo de assumir a sexualidade no ambiente de trabalho, quanto à energia que o gay, a lésbica, o bissexual ou o transgênero (GLBT) gastam para manter sua identidade sexual oculta dos demais membros da organização. Algumas organizações têm demonstrado interesse em desenvolver políticas e práticas para lidar com tais questões, que são ainda carregadas de estigmas e preconceitos. Alguns dos dilemas que a organização enfrenta são admitir ou não um empregado declaradamente GLBT, reconhecer ou não que ele tem os mesmos direitos (em relação ao parceiro), como em planos de saúde e punir ou ignorar os atos de discriminação. O presente trabalho procura jogar luz sobre a questão, levantando estudos realizados a respeito do tema e apresentando estudos de caso realizados em três organizações privadas de grande porte atuantes no Brasil. 1.1. Apresentação Desde o fim da era industrial, que foi marcada pela mecanização dos processos e automação das indústrias, o homem vive uma situação única dentro do trabalho: sua identidade entra em crise porque não mais seus braços são necessários à 1 Por “transgêneros” entendem-se indivíduos cujas dimensões da sexualidade vão além das tradicionais discussões de gênero. Nesta definição, enquadram-se transexuais e travestis, por exemplo. Definições mais detalhadas serão dadas adiante, ao longo do trabalho. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 22 manutenção da ordem, mas sim seu poder intelectual é valorizado para exercer um empenho criativo. Numa era pós-industrial, questões de gênero, porte físico e origem étnico-racial se tornariam virtualmente irrelevantes, posto que o que vale é a capacidade do indivíduo de análise e resolução de problemas essencialmente intelectuais. Dentro dessa nova realidade, várias dimensões da identidade humana foram florescendo dentro do contexto do trabalho. Não mais preocupado apenas em aperfeiçoar processos mecânicos, o trabalho de uma sociedade pós-industrial exige uma capacidade de interagir socialmente que antes simplesmente não existia. O trabalho se tornou uma relação essencialmente humana, em oposição à busca incessante por melhoria de procedimentos basicamente maquinais (DE MASI, 2001). Tal mudança no contexto do trabalho humano vem-se mostrando evidente principalmente no aumento da expressividade de cargos de liderança ocupados por mulheres na política, nas empresas, nas instituições sem fins lucrativos e até mesmo na religião (BAXANDALL, GORDON & REVERBY, 1995; ODENDAHL & O'NEILL, 1994). Esse fenômeno é muito bem ilustrado pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, em sua obra Ozio Creativo, na qual faz a seguinte afirmação: oggi, [...] la società postindustriale affida le mansioni faticose e ripetitive alle macchine, mentre agli umani lascia le attività flessibili, intuitive, estetiche. Attività cui, storicamente, sono meglio preparate le donne per il semplice fatto che gli uomini sono stati tradizionalmente educati all’agire razionale, rigido, programmato. Dove si affermano le attività flessibili, intuitive, emotive, estetiche – nella scienza, nell’arte, nel cinema, nella Cassiano Luiz Mecchi 23 moda, nei media – puntualmente arrivano le donne e scappano gli uomini.2 (DE MASI, 2000: 143-144) Essa reestruturação das relações homem-trabalho nos leva a repensar as próprias relações humanas. Será que as políticas de gestão de pessoas acompanharam as mudanças que a sociedade pós-industrial vem nos trazendo? Ou será que nos prendemos ainda a um modelo industrial? Aparentemente, ainda é um assunto novo observar a individualidade das pessoas no trabalho. Obras que cruzavam questões próprias da identidade (como origem étnico-racial, gênero ou classe) e o trabalho começaram a surgir na segunda metade do século passado, e só ganharam efetiva atenção por parte das organizações no final da década de 80 (COX, 1994: 3). Ainda assim, as obras posteriores foram priorizando uma visão pluralista da questão do que, agora, chamamos de diversidade cultural. É comum, na literatura, tratarem-se dimensões completamente distintas da identidade humana (tais como gênero, nacionalidade, etnia3,aptidão física ou classe social) sob um mesmo guarda-chuva conceitual (COX, 1994, FLEURY, 2000, entre outros). Pouco a pouco, foram surgindo trabalhos que atentassem de maneira mais apurada a cada um dos diferentes temas que dizem respeito à diversidade cultural nas organizações. 2 “Hoje, [...] a sociedade pós-industrial confia as tarefas cansativas e repetitivas às máquinas, enquanto que deixa aos humanos as atividades flexíveis, intuitivas, estéticas. Atividades estas que, historicamente, são melhor executadas por mulheres pelo simples fato que os homens foram tradicionalmente educados ao agir racional, rígido, programado. Onde se afirmam as atividades flexíveis, intuitivas, emotivas, estéticas – na ciência, na arte, no cinema, na moda, nos veículos de mídia –, pouco a pouco chegam as mulheres e saem os homens.” (tradução nossa) 3 Devido à diversidade de termos e definições usados para ilustrar a questão (raça, cor, etnia...), o autor usará, neste trabalho, as três expressões tomando como premissa que são sinônimas, sem o intuito de prejudicar grupo algum. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 24 Pouco, no entanto, tem sido feito a respeito da identidade sexual e sua influência no trabalho humano. De acordo com McQUARRIE (1998), a literatura se voltou principalmente para a integração na força de trabalho de pessoas com diferenças raciais, de gênero ou físicas. Assim, desenvolveu-se uma ampla gama de programas visando a atender a estes grupos. A identidade sexual dos empregados de uma organização, no entanto, continua sendo negligenciada. Ainda assim, a literatura em diversidade sexual4 no trabalho em países avançados (EUA, principalmente) já é extensa (McNAUGHT, 1994; ZUCKERMAN & SIMONS, 1995; FRISKOPP & SILVERSTONE, 1996; WINFELD & SPIELMAN, 2001; SNYDER, 2003; entre outros). No Brasil, no entanto, pouco foi publicado a respeito (DIAS, PEREIRA, BARBOSA & CRUZ, 2002; BITTENCOURT, 2003; SIQUEIRA, FERREIRA & ZAULI-FELLOWS, 2006). Sendo assim, o assunto da diversidade sexual no trabalho e as políticas de gestão de pessoas perante o tema são, definitivamente, algo de muito novo na realidade das organizações brasileiras e merece ser mais explorado. É a isso que este trabalho se propõe. 1.2. Aspectos técnicos e empecilhos práticos OBJETIVO DO TRABALHO Este trabalho se propõe, essencialmente, a cumprir duas tarefas: i. traçar um panorama atual da literatura em administração a respeito da diversidade sexual e o ambiente de trabalho, apoiando-se – quando/se necessário – na literatura de áreas 4 O autor gostaria de deixar clara a distinção usada, neste trabalho, entre os conceitos de ‘diversidade de gênero’ (masculino x feminino) e de ‘diversidade sexual’ (heterossexuais, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) Cassiano Luiz Mecchi 25 relacionadas; e ii. analisar casos em empresas brasileiras, verificando o que motivou as empresas a adotarem uma política de recursos humanos que atentasse às necessidades específicas de homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais e como tais programas impactaram na dinâmica da organização. METODOLOGIA • Fazer breve revisão bibliográfica sobre os conceitos de diversidade cultural e diversidade sexual no ambiente de trabalho; • Realizar pesquisa exploratória junto a três organizações privadas de grande porte que atuam no Brasil, a fim de sondar a realidade corporativa no que tange os aspectos anteriormente descritos; • À luz da teoria apresentada, fazer uma análise crítica dos dados obtidos a partir das pesquisas de campo. Se admissível, traçar um paralelismo entre a literatura acadêmica e a realidade corporativa, abrindo-se espaço para possíveis sugestões; • Delinear as eventuais conclusões que o presente trabalho pode trazer. Alguns empecilhos práticos irão se evidenciar durante a realização do trabalho. Há de se destacar, de antemão, que, por se tratar de um assunto delicado e não abertamente discutido na sociedade, algumas informações coletadas poderão se classificar como desvirtuadas ou maquiadas. Outro aspecto importante é o da confidência. Optou-se por não se fazer entrevistas individuais a gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros na presente pesquisa a fim de respeitar o direito à omissão de tais dimensões da identidade dentro do Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 26 ambiente de trabalho. Perde-se no sentido de não se ilustrar o trabalho com testemunhos pessoais, mas se ganha no respeito ao indivíduo e na minimização do efeito de possíveis vieses que esses contatos poderiam trazer à pesquisa. Tomar-se-á, portanto, o máximo de cuidado para que tais restrições não comprometam o resultado final do trabalho. 1.3. Estrutura Para facilitar a compreensão do estudo, optou-se por sua divisão em três principais partes. A primeira é a Revisão Conceitual, que contém uma retomada dos aspectos técnicos que permearão todo o trabalho. Ela começa com a explicação de conceitos sobre diversidade cultural. Em seguida, vêm notas a respeito da diversidade sexual humana e, posteriormente, um levantamento feito a partir de estudos acerca da presença de GLBTs no ambiente de trabalho. A segunda parte, intitulada Estudos de Caso, ilustra a realidade encontrada em três grandes organizações privadas atuantes no Brasil: Natura, IBM e Banco Real. O intuito, aqui, é poder cruzar as informações coletadas a partir das visitas às empresas para se chegar à terceira parte do trabalho, que se trata de uma análise crítica da teoria apresentada perante as políticas e práticas das empresas pesquisadas. Ainda, apresentam-se sugestões às organizações a fim de melhorias em seus processos. Por fim, segue a conclusão do estudo, que explicita os principais aspectos desvelados por este trabalho. Acompanhemos, portanto, o desenrolar desta argumentação. Cassiano Luiz Mecchi 27 2. REVISÃO CONCEITUAL 2.1. Diversidade cultural De acordo com a “Declaração universal sobre a diversidade cultural”, da UNESCO (2005), podemos definir cultura como o “conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social” (p. 1). Tal texto defende o fato de que a cultura tem um caráter maleável, e que “a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza” (p. 2). Além disso, o documento da Organização das Nações Unidas afirma que a defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Tal defesa deve ser garantida por todos os agentes da coletividade: governos, organizações da sociedade civil e – é claro – empresas (UNESCO, 2005). É indiscutível o fato de que a dinâmica das empresas mudou profundamente nas últimas décadas. Mudanças lentas e burocráticas deram lugar a um ambiente onde constantes revoluções forçam os gestores a ampliar sua capacidade de se flexibilizar de forma a atender as demandas de um mercado em constante mutação. Dentro desse contexto, a gestão da diversidade cultural tem-se mostrado um tema decisivo para o bom desempenho da organização. A diversidade pode tornar-se, internamente, um sinônimo de qualidade de vida no trabalho. Nas relações externas – com parceiros, consumidores e sociedade –, a adoção da diversidade como um princípio de atuação agrega valor à imagem da empresa. Tal iniciativa demonstra que ela está alinhada às expectativase demandas da sociedade e que assume a sua missão social. (ETHOS, 2000) Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 28 COX (1994) vai mais além: para ele, “a administração da diversidade cultural significa planejar e executar sistemas e práticas organizacionais de gestão de pessoas de modo a maximizar as vantagens potenciais da diversidade e minimizar suas desvantagens” (p. 11). Assim, segundo ele, administrar a diversidade significa adicionar valor à organização. Não se trata de “entrar numa onda” para não ficar para trás. Um efetivo compromisso social, agregado a produtividade e competitividade, são os requisitos básicos para a sustentabilidade – e sucesso – nos negócios. A gestão da diversidade cultural aparece como uma responsabilidade perante a sociedade, uma vez que muito do que se aplica nas organizações pode servir de referência para outros grupos e indivíduos (GOVATTO, 2005). 2.1.1. Diversidade, ética e responsabilidade social A diversidade, no âmbito da gestão de recursos humanos, se baseia em três pilares essenciais: a igualdade de oportunidades, o valor estratégico e a questão da ética e competitividade (ETHOS, 2000). (a) igualdade de oportunidades: visa ao respeito à dignidade de todas as pessoas, representando, assim, um princípio básico de cidadania, assegurando a cada um condições de pleno desenvolvimento de seus talentos e potencialidades. Refere-se à efetivação do direito à diferença, no qual se criam condições e ambientes em que as pessoas possam agir em conformidade com seus valores individuais. Aqui, estamos falando da gestão da diversidade como fator de ação afirmativa e inclusão social. (b) valor estratégico: a diversidade fortalece o poder da empresa de integração ao novo contexto, caracterizado pelo intenso fluxo de capitais e das Cassiano Luiz Mecchi 29 comunicações, pelo surgimento de novas ondas migratórias e pela constituição de imensas corporações transnacionais. Aqui, estamos falando de uma responsabilidade social compartilhada coletivamente por cidadãos, instituições, governos, comunidades e – é claro – as empresas. (c) ética e competitividade: a adoção da diversidade na força de trabalho, além de ser um compromisso ético, tem-se mostrado um caminho para a competitividade. Ações de atração, manutenção e incentivo a uma mão-de-obra cada vez mais diversificada podem fazer com que essa multiculturalidade seja transmitida aos seus produtos e serviços, permitindo que os mesmos sejam identificados por diferentes públicos. Outro aspecto ético é que as empresas são as principais promotoras de oportunidade de trabalho e de realização profissional, além de se tratarem de um importantíssimo espaço existencial para as pessoas que a compõem. Assim, espera-se que as corporações devam imanentemente comprometer-se a ser um instrumento de inclusão – e não discriminação como pode ser muitas vezes observado. 2.1.2. Diversidade no Brasil O Brasil – queiramos ou não – tem uma histórica herança de discriminação. Isso se deve, evidentemente, aos traços herdados de nosso processo de formação. A colonização européia promoveu, em larga escala, o extermínio das populações indígenas que aqui habitavam. De uma população total estimada em seis milhões no século XVI, hoje nos restam um contingente próximo a 350 mil remanescentes que se esforçam para preservar suas línguas e costumes. (ETHOS, 2000) Seguindo esse temível fato, tivemos a escravidão negra, base da economia da colônia e do império, nos séculos XVII a XIX, que também deixou cicatrizes Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 30 indeléveis que ainda repercutem nas desigualdades e preconceitos existentes no Brasil. Interessante é observar que, no Brasil, o preconceito se mostra de uma maneira velada, muito bem explorada por FLEURY (2000), ao afirmar: [os brasileiros] gostam de se imaginar como uma sociedade sem preconceitos [...]. Mas, por outro lado, é uma sociedade estratificada, em que o acesso às oportunidades educacionais e às posições de prestígio no mercado de trabalho é definido pelas origens econômica e racial. Neste contexto diversificado e contraditório, o tema da diversidade cultural é relativamente novo na agenda das empresas brasileiras (p. 19). Assim, falar em diversidade num país com tais características parece emergencial e essencial. Lembremos, por exemplo, que o final da escravidão não aboliu as práticas e valores escravistas da sociedade. Após a libertação, os negros livres permaneceram, de modo geral, ocupando as posições mais subalternas e não tiveram as condições de disputar as oportunidades de trabalho oferecidas pela economia no início da República, na maioria destinadas às novas levas de imigrantes europeus. Esse foi um fator determinante para que, no presente, os negros permanecessem como o principal contingente das camadas pobres do país, reafirmando o estigma da servidão do passado. O preconceito racial é apenas um dos que persistem em nossa cultura. Outro que podemos enumerar é o relacionado à subordinação das mulheres. Historicamente, a tradição patriarcal da família brasileira legou ao gênero feminino uma condição de subordinação que só nas décadas mais recentes tem sido alterada. A inferiorização das mulheres se manifesta em diferentes esferas da vida, especialmente nas relações de trabalho. Apesar da notável participação crescente, as mulheres ainda trabalham em condições piores que as dos homens, principalmente no que diz Cassiano Luiz Mecchi 31 respeito à remuneração, mesmo quando estão em ocupações semelhantes às de seus pares homens. Os maiores salários ficam com os homens não-negros, seguidos pelas mulheres não-negras, que por sua vez recebem salários maiores que os homens negros. O último lugar da escala salarial é o das mulheres negras, vítimas do duplo- preconceito. Para se ter uma idéia mais concreta do que isso significa, segue gráfico ilustrativo da renda média mensal dos diferentes estratos aqui tratados. Fonte: ETHOS (2000), pp. 16-17 E não é só no nível de salários que a população negra fica em desvantagem. Em pesquisa da SEADE/DIEESE ficou constatado que as condições de empregabilidade dos negros também ficam muito aquém da população não-negra na cidade de São Paulo. A pesquisa é referente aos dados médios de outubro de 2005 a setembro de 2006 e gerou os resultados a seguir: R$ 1.188,00 R$ 750,00 R$ 601,00 R$ 399,00 Homens não- negros Mulheres não- negras Homens negros Mulheres negras Figura 2.1. Renda média mensal por gênero e etnia na Grande São Paulo (1998) Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 32 Fonte: MANSO (2006) O que se pode concluir dessas observações é que se mostra urgente a necessidade de se estabelecerem políticas explícitas de gestão da diversidade cultural dentro das organizações brasileiras. Não só por uma iminente necessidade de justiça social, mas também – e, na visão da gestão de negócios, principalmente – por uma questão de produtividade e competitividade. 2.1.3. Importância do tema A pertinência de se cultivar uma política de gestão de pessoas que contemple a diversidade humana está longe de ser algo apenas a ser apresentado aos stakeholders num relatório social. Tal prática pode trazer inúmeros benefícios para a companhia, que pode ter um alto investimento a princípio, mas gera rendimentos tanto mensuráveis quanto intangíveis no longo prazo. A seguir, enumeraremos alguns dessesimportantes aspectos, baseados no estudo do Instituo ETHOS (2000): (a) fator crítico de sucesso: é visivelmente crescente a tendência de valorização de marcas e bens produzidos por organizações que projetam uma 3,57 7,07 4,48 9,06 21,4 16,7 15,3 11,6 Negras Não- negras Negros Não- negros Negras Não- negras Negros Não- negros Mulheres Homens Mulheres Homens Rendimento por hora (em R$) Taxa de desemprego (em %) Figura 2.2. Condições de emprego em São Paulo, por gênero e etnia Cassiano Luiz Mecchi 33 imagem pluralista e de responsabilidade social. Assim, as políticas de diversidade incrementam a competitividade, ao possibilitar às empresas usufruírem de todo o potencial resultante das diferenças positivas de seus empregados, podendo se tornar um fator crítico de sucesso; (b) adaptação ao perfil dos clientes: se uma empresa deseja permanecer competitiva na economia globalizada, a composição de sua força de trabalho deve refletir a diversidade e as mudanças na composição dos clientes e dos mercados. Assim, as empresas com uma mão-de-obra diversificada têm melhores condições de colocar seus produtos e serviços no mercado, atendendo a consumidores cada vez mais diferenciados; (c) desempenho financeiro fortalecido: diversos estudos apontam que as empresas com programas de diversidade têm melhor desempenho que aquelas que não os possuem e que uma força de trabalho etnicamente diversa pode tornar uma companhia mais lucrativa. Assim, atraem-se novos investidores, que injetam mais capital na empresa e alimentam um círculo virtuoso para a companhia; (d) rotatividade reduzida: criando um ambiente multicultural, a empresa facilita a identificação do empregado com o modo de ser e de agir de seus pares, criando um vínculo que reduz o turnover; (e) produtividade melhorada: a valorização da diversidade contribui para a obtenção de um clima positivo que, pelo combate à intolerância, estimula a cooperação e a sinergia entre os profissionais da organização em torno de seus objetivos comuns. Assim, cria-se um ambiente que reforça os vínculos dos funcionários com o trabalho e sua identificação com a empresa. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 34 (f) aumento da satisfação no trabalho: estudos apontam que empregados que têm no local de trabalho um ambiente de incentivo mostram-se mais satisfeitos com suas atividades profissionais e que os empregados cujos ambientes de trabalho são de incentivo e respondem às suas necessidades individuais são os mais leais. (g) menor vulnerabilidade legal: as empresas que estabelecem programas de diversidade e métodos de gestão voltados para detectar e prevenir situações potenciais de discriminação e assédio são menos vulneráveis frente às exigências das legislações, que chegam a estabelecer penalidades milionárias. (h) imagem corporativa valorizada: a publicidade em torno de uma prática discriminatória pode ser bastante negativa para a organização, afetando sua imagem junto aos consumidores e à opinião pública. Por outro lado, na medida em que a diversidade seja um atributo característico das atividades da empresa, tornando-a conhecida como um bom lugar para trabalhar, com um ambiente aberto e inclusivo, ela pode agregar qualidades positivas à sua imagem no mercado. (i) maior flexibilidade: uma cultura pluralista favorece a adaptação a mudanças inerentes à realidade contemporânea das organizações, quando incorporações, fusões e desmembramentos têm se tornado cada vez mais comuns. (j) reconhecimento adequado: uma vez que o estímulo à diversidade representa um esforço à expressão dos talentos e potencialidades individuais, ele torna a empresa mais bem capacitada para avaliar e promover seus empregados tendo por base sua efetiva competência, minimizando um possível viés. Cassiano Luiz Mecchi 35 2.1.4. Principais temas de diversidade abordados Tradicionalmente voltadas quase apenas às questões de raça e gênero, hoje, as políticas das empresas vêm ampliando sua abordagem, passando a considerar questões como condição socioeconômica dos empregados, estilo de trabalho, idade, ascendência, nacionalidade, estado civil, orientação sexual, deficiência física ou mental e condições de saúde, entre outras diferenças. A promoção da diversidade se apresenta, em cada empresa, com características distintas e específicas. Além do compromisso abrangente com a diversidade, cabe a cada organização determinar que aspectos particulares devem estar sob o foco de suas políticas. A seguir, relataremos brevemente alguns deles: (a) gênero: diz respeito aos atributos positivos ou negativos que se aplicam como distinções entre homens e mulheres, determinando os papéis, funções e relações que desempenham na sociedade. Além de buscar maior equilíbrio na proporção entre profissionais de ambos os gêneros na empresa, programas voltados para tal questão devem ter um olhar crítico sobre a tradição que considera determinadas ocupações como características para homens ou mulheres, sem razões objetivas que a justifiquem. (b) raça e etnia: dependendo – naturalmente – da localização territorial da empresa, da comunidade em que está inserida e da composição de seu público, a empresa deve ter como objeto de suas políticas a de não-discriminação. No Brasil pensa-se imediatamente no preconceito negativo contra negros, mas vale lembrar que também é bastante presente a cultura discriminatória na região Sudeste, em relação a migrantes nordestinos, ou nas áreas fronteiriças com o Paraguai, em relação a trabalhadores imigrantes daquele país. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 36 (c) pessoas com deficiências: hoje em dia – felizmente – existe legislação específica para este caso, e o investimento das empresas na incorporação dessas pessoas tem um relevante impacto social. (d) crenças e opiniões: o enriquecimento da comunidade interna pode ocorrer através da criação de um ambiente de liberdade, em que os funcionários possam expressar suas convicções pessoais. A diversidade pressupõe o respeito aos valores e crenças pessoais e uma postura inclusiva, que incorpore e promova a heterogeneidade de modos de pensar e agir de seus empregados. (e) idade: muitas soluções criativas para situações específicas podem ser encontradas quando existe uma composição etária diversa no quadro de funcionários. A reincorporação de idosos, normalmente sem acesso a oportunidades de trabalho, tem forte repercussão social e permite usufruir os conhecimentos que a experiência de trabalho e vida lhes proporcionou. (f) temas específicos: no contexto particular de cada empresa, outros temas podem se mostrar importantes para propiciar a efetivação de um ambiente de diversidade e, nesses casos, devem ser tratados com a devida ênfase. Outras questões podem incluir: prevenção ao assédio sexual, não-discriminação de portadores do vírus HIV e liberdade de orientação sexual. Este último tema é justamente o enfoque deste trabalho. 2.2. Diversidade sexual A esta altura mostra-se necessário garantir que o leitor tenha afinidade com os termos utilizados neste trabalho, no que diz respeito à diversidade sexual. Para tanto, é essencial explicitar os pilares que sustentam a composição das diferentes sexualidades humanas. Cassiano Luiz Mecchi 37 PICAZIO (1999) estudou exaustivamente a composição das sexualidades e, em linguagem bastante acessível à população leiga no assunto, apresentou tais pilares de maneira bastante simples. Seguem as dimensões propostaspor ele: 2.2.1. Sexo biológico Trata-se dos traços fenotípicos (como a presença de barba ou mamas) e genotípicos (cromossomos XY – homem – ou XX – mulher). Biologicamente, existem apenas dois sexos: o masculino e o feminino, embora em casos raros bebês nasçam com órgãos genitais de ambos os sexos, sendo assim chamados hermafroditas. Em uma escala bipolar, o sexo biológico poderia ser assim representado graficamente: homem_______________hermafrodita_______________mulher 2.2.2. Identidade sexual (ou de gênero) Refere-se a quem a pessoa acredita ser: homem, mulher, ou ambos. Não basta a referência do sexo biológico, há um componente interno que dita a que gênero a pessoa sente pertencer. A forma como a criança se desenvolve é bastante importante – embora não determinante, por si só – na construção de sua identidade sexual. Em uma escala bipolar, a identidade sexual poderia ser assim representada graficamente: masculina_______________mista (travestis)_______________feminina Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 38 2.2.3. Papel sexual (ou papel social de gênero) É o comportamento considerado – e determinado – pela sociedade como masculino ou feminino. Família, escola, amigos e mídia dão referências do que é visto como adequado ao comportamento do homem e da mulher. Em exemplos práticos, brincar de carrinho é uma atividade lúdica associada ao papel sexual masculino e brincar com a boneca, ao papel sexual feminino. Naturalmente, por ser uma característica cultural, muda de acordo com o tempo e o local. É importante frisar que esta característica não corresponde a quem se deseja afetiva e sexualmente, mas apenas ao comportamento observado. Em uma escala bipolar, o papel sexual poderia ser assim representado graficamente: masculina_______________mistos (drags)_______________feminina 2.2.4. Orientação do desejo É definido como um sentimento de atração direcionado à pessoa que se deseja para se relacionar afetiva e sexualmente. Na orientação do desejo moram os afetos, as emoções de paixão, de amor e de desejos eróticos. Vale frisar que a orientação do desejo não é uma opção, sendo ela espontânea e imutável – embora se possa adotar um comportamento sexual diferente da orientação devido a pressões externas às quais o indivíduo sucumbe. Há estudos voltados a descobrir a origem das diferentes manifestações da orientação do desejo (hétero, homo, ou bissexual), mas nada é conclusivo. Em uma escala bipolar, a orientação do desejo poderia ser assim representada graficamente: Cassiano Luiz Mecchi 39 homossexual_______________bissexual_______________heterossexual (mesmo sexo) (ambos os sexos) (outro sexo) 2.2.5. Montando o quebra-cabeça da sexualidade humana Cruzando-se as variáveis acima apresentadas, teremos como configurar as diferentes composições da sexualidade humana. Cada composição será exposta na forma de um quadro, para fins didáticos. Quadro 2.1. Composição da heterossexualidade Heterossexual Homem Mulher Sexo biológico (características genotípicas e fenotípicas) Homem Mulher Identidade sexual (quem acredita ser) Masculina Feminina Papel sexual (como se comporta) Variável, pode ser masculino e/ou feminino Variável, pode ser masculino e/ou feminino Orientação do desejo (a quem deseja) Sexo oposto, portanto heterossexual Sexo oposto, portanto heterossexual Fonte: adaptado de PICAZIO (1999) Quadro 2.2. Composição da homossexualidade Homossexual Homem Mulher Sexo biológico (características genotípicas e fenotípicas) Homem Mulher Identidade sexual (quem acredita ser) Masculina Feminina Papel sexual (como se comporta) Variável, pode ser masculino e/ou feminino Variável, pode ser masculino e/ou feminino Orientação do desejo (a quem deseja) Mesmo sexo, portanto homossexual Mesmo sexo, portanto homossexual Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 40 Fonte: adaptado de PICAZIO (1999) Quadro 2.3. Composição da bissexualidade Bissexual Homem Mulher Sexo biológico (características genotípicas e fenotípicas) Homem Mulher Identidade sexual (quem acredita ser) Masculina Feminina Papel sexual (como se comporta) Variável, pode ser masculino e/ou feminino Variável, pode ser masculino e/ou feminino Orientação do desejo (a quem deseja) Ambos os sexos, portanto bissexual Ambos os sexos, portanto bissexual Fonte: adaptado de PICAZIO (1999) Quadro 2.4. Composição da transexualidade Transexual Homem Mulher Sexo biológico (características genotípicas e fenotípicas) Homem Mulher Identidade sexual (quem acredita ser) Feminina Masculina Papel sexual (como se comporta) Essencialmente feminino Essencialmente masculino Orientação do desejo (a quem deseja) Na grande maioria heterossexual, mas pode ser homo ou bissexual Na grande maioria heterossexual, mas pode ser homo ou bissexual Fonte: adaptado de PICAZIO (1999) Cassiano Luiz Mecchi 41 Quadro 2.5. Composição do travestismo Travesti Homem Mulher Sexo biológico (características genotípicas e fenotípicas) Homem Mulher Identidade sexual (quem acredita ser) Masculina e feminina Feminina e masculina Papel sexual (como se comporta) Predominantemente feminino Predominantemente masculino Orientação do desejo (a quem deseja) Predominantemente homossexual, mas pode ser hétero ou bissexual Predominantemente homossexual, mas pode ser hétero ou bissexual Fonte: adaptado de PICAZIO (1999) Além das dimensões acima expressas, existem outras de igual relevância (transformista, drag, cross-dresser e hermafrodita). Para fins deste trabalho, no entanto, optou-se por destacar essas cinco manifestações a fim de que não se perca o enfoque nas manifestações da sexualidade humana que ocorrem dentro do ambiente de trabalho comum às organizações aqui contempladas. É de se esperar que o leitor fique confuso – e talvez até espantado – pela complexidade acima apresentada. O intuito deste trabalho não é esgotar esse assunto, muito menos tornar o leitor um especialista na matéria. A finalidade, até aqui, era esclarecer apenas que a sexualidade humana não é linear e, muito menos, uniforme. A visão maniqueísta de se dividir o mundo entre hétero e homossexuais não faz sentido dentro dessa abordagem teórica, e é necessária muita cautela para tratar do assunto quando se trata de alguém que foge da maioria heterossexual, principalmente no espaço laboral. Por isso, julgamos pertinente fazer também um Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 42 breve levantamento das obras que trataram da diversidade sexual e o ambiente de trabalho. 2.3. Diversidade sexual e o ambiente de trabalho Uma vez que está contextualizada a gestão da diversidade cultural dentro das empresas, e compreendidas as principais composições da sexualidade humana, podemos cruzar ambos os assuntos e fazer um estudo da gestão da diversidade sexual no ambiente de trabalho. Nos últimos anos, muito da literatura em administração tratou do assunto da diversidade na força de trabalho. Aumentos projetados no número de mulheres e minorias no mercado de trabalho estimularam o interesse, por parte das organizações, em integrar à sua força de trabalho pessoas com diferenças étnicas, físicas ou de gênero.Conseqüentemente, mais discussões nas salas – tanto de reunião, quanto de aula – foram surgindo a fim de aprofundar os estudos e atuações junto a esses grupos. Apesar dessa crescente sensibilização acerca dos assuntos de diversidade, no entanto, uma diferença que tem implicações potencialmente significantes nas organizações – a diversidade sexual – tem sido tacitamente ignorada (McQUARRIE, 1998). O que se observa é que justamente formas de diversidade onde a invisibilidade é possível – como a diversidade sexual, por exemplo – foram menos estudadas na área de gestão que as formas mais visíveis, como gênero ou etnia (WARD & WINSTANLEY, 2005). Tal observação se mostra ainda mais evidente num país como o Brasil, onde – conforme apresentado –, apesar da aparência de uma cultura “liberal”, discussões relativas à sexualidade são consideradas essencialmente um tabu. Durante a pesquisa bibliográfica, justamente, foram encontrados inúmeros artigos tratando do Cassiano Luiz Mecchi 43 assunto e foi de se espantar o fato que a imensa maioria dos estudos era anglo- saxão. No meio acadêmico, apenas um estudo específico foi encontrado no Brasil (SIQUEIRA et al, 2006), reforçando a pertinência deste trabalho. Mas, por que estudar a presença de GLBTs nas organizações? ADAMS, CAHILL & ACKERLIND (2005), DINIZ (2002), DAY & SCHOENRADE (1997) e WARD & WINSTANLEY (2005) concordam que o desenvolvimento ótimo da carreira não pode acontecer quando os indivíduos são forçados a suprimir partes de suas identidades que são desvalorizadas pela sociedade. Tal “clandestinidade” gera um permanente estado de angústia e, muitas vezes, depressão, desespero e auto- anulação. Assim, tendo em vista a retenção de talentos e a criação de um ambiente de trabalho propício à produtividade, torna-se obrigação da organização criar uma postura institucional a favor do acolhimento de GLBTs. BOWEN & BLACKMON (2003), por meio do conceito de “voz organizacional”, que representaria a livre comunicação dentro da organização, sistematizaram tal fenômeno de maneira bastante ilustrativa, apresentada a seguir: Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 44 Fonte: adaptado de BOWEN & BLACKMON (2003) Assim, há de se destacar que um colaborador GLBT que tenha espaço para se expressar sem medo de represálias terá uma tendência maior de se sentir psicologicamente comprometido com a organização, uma vez que passa por menos experiências de conflito. Tal “aceitação”, por assim dizer, refere-se ao acolhimento da identidade reconhecidamente GLBT. SIQUEIRA et al (2006) deram uma contribuição marcante para o estudo do assunto no Brasil, ao publicar o pioneiro mapeamento de artigos e de categorias que “Eu não posso falar francamente sobre questões importantes” “Eu não posso me entregar por completo ao trabalho” “Eu não posso dividir minha vida com meus colegas de trabalho” “Eu não tenho liberdade para falar sobre quem eu sou” Repressão da voz organizacional Menos conversas informais Menor troca de tarefas Ambiguidade de papéis Interações sociais naturais inibidas Menor troca social Menor satisfação no trabalho Repreensão de aspectos da identidade pessoal Conflito de identidade Menor comprometimento organizacional Dispêndio de energia emocional com manutenção do sigilo Estresse no trabalho Figura 2.3. Efeitos de mecanismos de preservação da identidade pessoal sobre a comunicação no ambiente de trabalho Cassiano Luiz Mecchi 45 analisam identidade gay no ambiente de trabalho, em nove periódicos internacionais, no período de 1985 a 2005. De cunho essencialmente bibliográfico e quantitativo, o estudo relacionou sua bibliografia em quatro categorias de análise: (a) discriminação, estigma e homofobia5, (b) desenvolvimento de carreira, (c) coming out e in closeted6 e (d) igualdade de direitos. VAN HOYE & LIEVENS (2003), por sua vez, identificaram três campos de pesquisa principais no que diz respeito aos GLBTs no ambiente de trabalho: um que examina, em um nível geral, o nível de discriminação e o status de minoria experimentado por GLBTs no trabalho; um segundo formado por estudos acerca do assunto de assumir-se como GLBT perante colegas e/ou superiores; e um terceiro que enfoca questões de problemas específicos relacionados ao trabalho enfrentados por indivíduos GLBTs, como discriminação e violência. São inúmeras as possibilidades de pesquisa dentro de cada uma dessas categorias. No entanto, de certa forma, todas elas se entrelaçam e se relacionam de tal forma que giram em torno de um ponto em comum: o reconhecimento da identidade GLBT no ambiente de trabalho. 2.3.1. O reconhecimento da identidade GLBT CASTELL (2000) define identidade como um processo de construção de significados com base em um atributo cultural que prevalece sobre outras fontes de significado. Sua manifestação depende da internalização por parte dos atores sociais construindo a partir daí seu significado. 5 Neologismo que combina a palavra grega phobos, com o significado de medo e fobia, com o prefixo homo-, também grego. Aqui não com o seu significado original de o mesmo, mas como derivado da palavra "homossexual". O termo aplica-se comumente à aversão, ao desacordo, à desaprovação e à discriminação contra homossexuais e a homossexualidade. Atribui-se também aos indivíduos em quem se observam estes comportamentos. 6 Refere-se à condição de assumir-se GLBT (coming out) ou manter tal informação em sigilo (in closeted). Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 46 WARD & WINSTANLEY (2005), por sua vez, ilustram em seu trabalho as quatro formas mais comuns de se lidar com a identidade GLBT dentro do ambiente de trabalho. A descrição é a que segue: • Fingir: quando o indivíduo se comporta de forma a ser visto como pertencente à maioria sexual; • Encobrir: oculta toda e qualquer informação que diga respeito a sua sexualidade; • Assumir implicitamente: usar de artefatos e linguagem implícita para indicar sua condição sexual; • Afirmar a identidade: encorajar os outros a enxergá-lo(a) como gay, lésbica, bissexual ou transgênero. Os autores ainda destacam que assumir uma identidade sexual que “fuja do padrão” é um esforço contínuo, uma vez que há sempre a presunção de que todos são heterossexuais e de que suas identidades sexuais conferem com o sexo biológico. Assim, a cada nova situação, mostra-se necessário o esforço de “assumir”. Outro aspecto é que, uma vez “fora do armário” 7, indivíduos GLBTs têm constantemente que lidar com situações nas quais essa informação lhes dá descrédito (WARD & WINSTANLEY, 2005). Na figura abaixo se ilustra um diagrama desse processo de efetivação da identidade sexual no trabalho, onde cada situação representa uma possível mudança de cargo, localização ou mesmo emprego. Note que o esforço contínuo de cada tomada de decisão pode ser evitado tomando-se um “atalho” 7 Referência à expressão “sair do armário”, que quer dizer “assumir a (homos)sexualidade”. Cassiano Luiz Mecchi 47 (representado pela seta pontilhada), caso haja terreno fértil para que se assuma a identidade GLBT no ambiente em questão. Fonte: Adaptado de WARD & WINSTANLEY (2005). Outro aspecto relevante levantado pelos mesmos autores é a possível dicotomia existente entre discurso e prática no que tange a identidade sexual.Aqui, interagem três variáveis importantes, tomadas da Teoria de Atos da Fala, de AUSTIN (1975): • Ato locucionário: ato de emitir sons – emissão de palavras e sentenças com algum significado (expressão oral). Ex. “está chovendo” x “grablistrod zetagflx dapu” No armário Decisão de assumir-se Sair do armário (por opção ou coerção) Efetivação da identidade Situação 1 No armário Decisão de assumir-se Sair do armário (por opção ou coerção) Efetivação da identidade Situação 2 No armário Decisão de assumir-se Sair do armário (por opção ou coerção) Efetivação da identidade Situação 3 P roce sso d e assu m ir -se Processo de efetivação da identidade sexual Figura 2.4. O processo iterativo de assumir a sexualidade Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 48 • Ato ilocucionário: corresponde à intenção da emissão: Ex: “vou pagar o que te devo na próxima semana”. Está sendo realizado o ato ilocucionário de fazer uma promessa. • Ato perlocucionário: corresponde ao resultado (desejado ou não) da emissão (convencer, insultar ou intimidar, por exemplo). Ex: alguém ao contar uma história de fantasmas para uma criança, à noite, está executando o ato perlocucionário de assustar a criança. (ALVARES, 2005) Fonte: Adaptado de WARD & WINSTANLEY (2005). Prática social (atos de discurso ilocucionários) Fala (atos de discurso perlocucionários) Prática social, ou ação: forma não- verbal de discurso A efetivação: estes são atos de discurso que desempenham uma ação como um resultado O ponto de efetivação do assumir a sexualidade, no qual o discurso, na forma da fala, combina com a prática social Figura 2.5. Modelo do efeito do discurso na efetivação da identidade social Cassiano Luiz Mecchi 49 Assim, o processo de se assumir como GLBT pode ser considerado em duas partes-chave, ilustradas na figura acima. • O ato ou discurso de “sair do armário”. É, por sua vez, subdividido em fazer uma escolha ativa e ser coagido; • Os discursos ou os atos que cercam a atitude de “sair do armário”; em outras palavras as reações das outras pessoas ao ato de assumir-se. Tanto na figura acima, quanto na anterior, ilustram-se situações que demandam muita energia do indivíduo GLBT. Para tal, dentro da organização, torna-se muito difícil equilibrar essas duas variáveis caso não haja um ambiente favorável à expressão da identidade social em sua íntegra. Daí a relevância de a organização voltar seu olhar para essa questão. 2.3.2. O acolhimento da identidade GLBT De acordo com DAY & SCHOENRADE (1997), inúmeros estudos sustentam que a ocultação da identidade ou de parte significativa dela pode vir a trazer uma grande carga de estresse e ansiedade. Além disso, requer grande dispêndio de energia e resulta em insatisfação, sentimento de ser mal compreendido, pressionado, deslocado e/ou alienado. Tais fatores levam o indivíduo a ter sua produtividade reduzida e, em muitos casos, desejar sair da organização. Na perspectiva de negócio, essa segregação leva a resultados como perda de eficiência resultante do trauma emocional, times de trabalho não coesos, comunicação prejudicada e/ou conflitos destrutivos entre os colaboradores. Tais “sintomas”, de acordo com as autoras, parecem não ser Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 50 sentidos com a mesma intensidade no caso de indivíduos abertamente GLBT no trabalho (DAY & SCHOENRADE, 1997). Assim, o que pode ser feito para que a relação indivíduo-trabalho não seja de conflito e, sim, garanta a efetivação dos potenciais humanos dentro da organização? Klecius Borges, psicólogo especialista em psicoterapia afirmativa para homossexuais e consultor organizacional, dá as seguintes dicas para tratar abertamente do assunto no ambiente corporativo: Quadro 2.6. Dicas para tratar da diversidade sexual no ambiente corporativo Para a empresa Para o(a) executivo(a) GLBT Aborde o assunto de maneira sutil e inclua-o sob o guarda-chuva da diversidade, sem identificar colaboradores interessados Certifique-se de que a organização em que você trabalha possui uma cultura aberta e liberal Promova atividades que eduquem sobre o tema, como palestras, seminários e grupos de discussão, sempre usando uma abordagem ampla Procure verificar se na empresa há outros casos semelhantes e saber o tratamento que receberam Inclua ao portfolio de ações sociais patrocínios a entidades ou eventos associados á comunidade GLBT Identifique possíveis aliados (chefes, colegas) que possam apoiá-lo(a) nesse processo Mantenha sigilo no tratamento das questões individuais relativas ao tema Esteja preparado(a) para lidar com situações constrangedoras Levante informações sobre os GLBTs no Brasil, seus estilos de vida, principais dificuldades e aspirações Informe-se sobre a legislação vigente no Brasil e os avanços determinados pela Justiça. Entre em contato com as entidades que cuidam dos direitos dos GLBTs e acompanhe as discussões sobre o tema Evite ações baseadas em estereótipos ou em modelos importados Pesquise e faça uma lista de organizações que possuem políticas explícitas de não-discriminação. Isso vale tanto para fortalecer seu argumento como para o caso de a empresa não aceitar sua condição GLBT Fonte: adaptado de DINIZ (2002) Cassiano Luiz Mecchi 51 Klecius Borges, no entanto, não é o único preocupado em ajudar organizações e colaboradores a sintonizar a identidade GLBT com o universo corporativo. A Human Rights Campaign Foundation, organização não-governamental sediada nos Estados Unidos que luta por igualdade de direitos para os GLBTs, provê orientação a organizações e indivíduos norte-americanos interessados em desenvolver ações mais inclusivas no ambiente de trabalho. O projeto desenvolveu uma série de ferramentas que visam dar apoio a iniciativas de eqüidade de direitos a colaboradores GLBT. Tais ferramentas incluem exemplos de políticas inclusivas e uma lista de consultores especializados em capacitação para assuntos GLBT. Paralelamente, a organização continuamente monitora a legislação local, estadual e federal, bem como as atividades judiciais e das organizações norte-americanas que afetam – direta ou indiretamente – os indivíduos GLBT no trabalho. Relatórios com os mais recentes achados são publicados quinzenalmente. A organização também publica, anualmente, o guia Buying for Equality, voltado para o consumo consciente de produtos de empresas que minimizam as disparidades de direitos dos GLBTs para com o resto da população e o Corporate Equality Index, sobre o qual será mais falado adiante (HRC FOUNDATION, 2006a). Tal fato reflete um nível de organização que inexiste no Brasil. Não há, ainda, um índice que reflita quão inclusiva as organizações são para com a comunidade GLBT, bem como fica difícil para o indivíduo identificar que empresas estão lutando contra ou a favor de seus direitos. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 52 Para minimizar essa lacuna, são aqui propostos os estudos de caso de três organizações de grande porte, atuantes no mercado brasileiro, a fim de se ter uma idéia do que acontece no cenário nacional acerca deste assunto. Cassiano Luiz Mecchi 53 3. ESTUDOS DE CASO Para confrontar a literatura com a realidade corporativa brasileira, optou-se por enriquecer este estudocom estudos de caso em empresas de grande porte que atuam no mercado nacional. A metodologia usada foi exploratória descritiva com amostra intencional e abordagem qualitativa, usando como técnicas para coleta de dados pesquisa na Internet, contatos telefônicos e entrevistas presenciais semi- estruturadas8. A amostra foi formada por três empresas, escolhidas segundo critérios de visibilidade das políticas e práticas de inclusão da diversidade no ambiente de trabalho. Com isso, pretende-se verificar o grau de comprometimento das empresas para com os colaboradores GLBTs, explorando aspectos de políticas de não- discriminação, benefícios, políticas de inclusão de transgêneros, gestão e capacitação para a diversidade e as ações externas na área de diversidade sexual. O roteiro de entrevistas para coleta de dados primários foi baseado no Human Rights Campaign Foundation Corporate Equality Index, um índice desenvolvido por uma organização não-governamental norte-americana que objetiva sondar a postura das empresas dos Estados Unidos perante empregados e consumidores GLBTs. (HRC FOUNDATION, 2005) Tal índice – publicado anualmente desde 2002 – vem demonstrando um crescente interesse por parte das empresas em promover ações de inserção efetiva de GLBTs no mercado de trabalho, sendo usado, muitas vezes, como um guia para que as próprias empresas aprendam a lidar com o assunto. Ele é assim definido pela própria organização: 8 O roteiro das entrevistas pode ser encontrado no Apêndice do presente documento. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 54 The Corporate Equality Index is a tool to rate American businesses on how they are treating gay, lesbian, bisexual and transgender employees, consumers and investors. Companies are using the index the way the Human Rights Campaign had intended: as a road map to equal treatment for GLBT Americans in the workplace and marketplace. The index has also had a profound impact on many workplaces and has spurred significant change among companies that initially had been slow to adopt more equitable policies. 9 (HRC FOUNDATION, 2006b) Baseado nessas constatações, julgou-se como justo e pertinente usar esse documento (com as devidas adaptações visando à “tropicalização” das idéias) como um guia para a sondagem da realidade de algumas empresas brasileiras, a seguir apresentadas. 3.1. Natura 3.1.1. Ficha técnica Nome da empresa: Natura Cosméticos S. A. Nome do contato: Maria Amélia de Moraes Cargo: Analista III Departamento / divisão: Recursos Humanos / Assistência Social Número de funcionários: Aprox. 4.600 colaboradores e 500 mil consultoras Endereço: Rodovia Anhanguera, km 30,5, s/nº CEP 07750-000, Cajamar/SP Telefone: (11) 4446-2000 Site: http://www.natura.net Data da entrevista: 08/11/2006 9 “O Índice de Eqüidade Corporativa é uma ferramenta para avaliar empresas americanas a respeito de como elas estão tratando empregados, consumidores e investidores gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. As empresas estão usando o Índice de Eqüidade Corporativa como a Campanha para Direitos Humanos o idealizou: como um roteiro para um tratamento igualitário de GLBT americanos no ambiente de trabalho e no mercado. O índice também tem tido um profundo impacto em muitos ambientes de trabalho e estimulou mudanças significativas em empresas que, inicialmente, eram lentas na adoção de políticas mais eqüitativas.” (tradução nossa) Cassiano Luiz Mecchi 55 3.1.2. Apresentação da empresa A Natura é uma empresa brasileira que atua na fabricação, distribuição e venda de cosméticos. Fundada em 1969, na cidade de São Paulo, atualmente a empresa é uma das líderes do setor no Brasil. É famosa por adotar o sistema de vendas porta a porta, entregando o produto diretamente na residência do consumidor por meio de uma representante, chamada “consultora”. Em 37 anos, a história da Natura pode ser sintetizada na busca constante da realização de sonhos, na crença das pessoas, na importância das relações e na possibilidade do aperfeiçoamento. Acreditando, desde seu nascimento, na consulta personalizada como a maneira mais adequada de o consumidor entrar em contato com suas linhas de tratamento, fez com que a empresa optasse pela venda direta, fazendo crescer o atendimento personalizado. Nos anos 80, a empresa ganhou força com a adição de novos empresários, novas empresas, novos produtos e novos mercados, gerando condições para grande expansão. O crescimento vertiginoso e uma nova conjuntura de mercado fizeram com que a Natura entrasse em descompasso em relação a seu futuro. Assim, em 1989, a fusão das empresas da época e uma ampla reorganização deram início à constituição da Natura atual. No momento, a Natura conta com um quadro de 4.600 colaboradores e mais de 500 mil consultoras em todo o País. Em 2002, seu volume de negócios foi da ordem de R$ 1,9 bilhão. Além de atuar no mercado brasileiro, a empresa também está presente na América Latina e Europa, com operações na Argentina, Chile, Peru, Bolívia, México e França (NATURA, 2006). Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 56 Optou-se por explorar as ações da Natura no que tange a diversidade na força de trabalho por ela ser vista, no mercado brasileiro, como uma das empresas-modelo em responsabilidade social. Corroborando essa informação, o ranking da SustainAbility10, realizado de dois em dois anos desde 1994, elegeu, no ano de 2004, 50 empresas de todo o mundo com relatórios anuais considerados eficientes na integração de informações financeiras, sociais e ambientais. A Natura foi a única brasileira na lista. (TERRA/ETHOS, 2006) 3.1.3. Políticas de diversidade A Natura tem se dedicado à inclusão de grupos sociais no negócio e ao desenvolvimento de políticas de oportunidades de trabalho igualitárias. Posiciona-se claramente em relação à diversidade e à igualdade em suas crenças e valores, posição que será ainda mais explícita na carta de princípio de relacionamento, a ser divulgada em 2006. (NATURA, 2006, p. 99) Focadas essencialmente na inclusão de deficientes físicos nas plantas da empresa, as ações em diversidade cultural da Natura começaram há muito tempo, mas ganharam corpo efetivamente a partir de 1999. De acordo com o contato, a planta de Cajamar, por exemplo, já está inteiramente adaptada em termos de acessibilidade a cadeirantes. Na data da entrevista, a empresa empregava 186 deficientes físicos em seu quadro, sendo a maioria deles formada por deficientes auditivos. Há um censo anual, para fins de relatório social, do perfil dos colaboradores da companhia. Tal censo contempla aspectos de origem racial, deficiência, gênero, idade, grau de escolaridade e faixa salarial. Não são levantados aspectos de orientação sexual, identidade / expressão de gênero, ou naturalidade / 10 Agência inglesa que, em parceria com a Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Standard & Poors (fornecedora de classificações de crédito, índices, risco, investimento e dados e de avaliações independentes), publica o relatório Risk & Opportunity: Best Practice in Non-Financial Reporting (“Risco & Oportunidade: A melhor prática em relatório não-financeiro”). Cassiano Luiz Mecchi 57 nacionalidade. No entanto, a empresa nunca teve nenhuma iniciativa formal específica para questões de origem racial, gênero ou sexualidade no que diz respeito à captaçãoe retenção de colaboradores. Há de se destacar que, em seu Relatório Anual de 2005, a empresa reconhece que “o percentual de colaboradores que se autoclassificaram como ‘negros’ ou ‘pardos’ no nível gerencial é bastante baixo. A empresa considera essa questão algo que exigirá planos de ação específicos” (NATURA, 2006, p. 100). Ainda, a empresa – até o fechamento do período de 2005 – não possuía nenhum homem ou mulher negro(a) ou pardo(a) nos cargos de direção. O próprio contato na empresa identificou a ação inclusiva de deficientes físicos na Natura como “o primeiro passo de uma caminhada rumo à diversidade efetiva”. De acordo com a mesma fonte, na empresa, a declaração de não-discriminação está implícita na afirmação das crenças da companhia, segundo as quais: A vida se manifesta através da diversidade. Quanto maior a diversidade maior a riqueza e vitalidade de todo o sistema, de toda a rede de relações. É assim na ecologia ambiental. Assim é também na ecologia das relações humanas. Acreditamos que do cultivo da interação entre os diferentes gera-se a energia necessária à evolução dos indivíduos, das organizações e da sociedade. (NATURA, 2006) A questão da diversidade surge também na declaração de um dos valores da empresa, o humanismo, segundo o qual na Natura se “valoriza ao máximo as relações e o potencial humano”, se “respeita e estimula a individualidade que enriquece a diversidade” e se “busca contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade e da qualidade das relações em cada uma de suas ações” (NATURA, 2006). Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 58 A empresa tem investido fortemente na capacitação de seu corpo de funcionários a fim de que eles aprendam a lidar com a diversidade no que diz respeito às deficiências físicas. Até 2003, todos os colaboradores recebiam capacitação voltada às deficiências. A partir de então, apenas os empregados que interagem diretamente com portadores de deficiência vêm recebendo a devida capacitação. A empresa não tem mais nenhuma capacitação voltada para a diversidade, seja ela abordando questões de sexualidade, raça / etnia, gênero ou outras. Uma questão interessante de gênero, na companhia, é o fato de que, para ocupar o cargo de promotora. A candidata precisa ser mulher. Por se pressupor que a pessoa terá que acessar com freqüência a casa dos consultores – que são, na sua imensa maioria, mulheres – a empresa julgou razoável evitar que essa posição seja ocupada por homens, uma vez que a presença deles dentro de lares alheios poderia ser mal vista. 3.1.4. Os GLBTs na Natura “Ih, homossexual tem de monte aqui na Natura!”, afirmou o contato durante a entrevista, com um sorriso no rosto. “Aqui não há problema nenhum, aliás, isso não é visto como um problema de maneira alguma”, afirmou em seguida. Ao ser questionada se há alguma política ou prática voltada especificamente para esse grupo, a fonte informou que não há necessidade, já que a organização é, por sua natureza, bastante inclusiva. Apesar de não estar formalmente expressa em nenhuma declaração formal da empresa, a postura da companhia perante a diversidade sexual é razoável. Desde 2004, parceiros de uniões homoafetivas têm os mesmos direitos declarados aos Cassiano Luiz Mecchi 59 parceiros de uniões heterossexuais, sendo necessária apenas a apresentação de uma “declaração de convivência”, efetivada em um cartório. Tal prática, no entanto, não é divulgada. De acordo com o médico responsável pelas questões de benefícios-saúde, até a data da entrevista, havia um único caso de parceiro do mesmo sexo coberto pelo plano, dentre os mais de 4.500 colaboradores da companhia. Segundo o contato, caso isso seja do interesse do colaborador, é papel dele ir atrás do departamento responsável e comunicar sua requisição. Foi afirmado que, em qualquer caso, o sigilo é garantido caso o proponente o requeira. Aparentemente, no entanto, não há nenhuma formalidade nesse processo. No que tange aspectos de transgêneros, foi declarado que a companhia não tem ainda nenhuma postura institucional voltada ao grupo. A entrevistada afirmou que, no passado, houve o caso de um colaborador que se dirigiu a ela requisitando que o nome de tratamento de seu crachá mudasse de seu nome de batismo para um outro nome, feminino. O pedido foi prontamente negado. Quanto à formação de grupos de discussão das diversidades, a empresa acolhe um grupo de deficientes auditivos que se encontra regularmente. Não há nenhum grupo de discussões GLBT e a entrevistada não soube informar se a empresa estaria disposta a ceder espaço físico e recursos para que se formasse tal grupo. Como nunca ninguém procurou a companhia neste sentido, seria difícil afirmar algo. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 60 A empresa não tem nenhuma ação externa voltada à área de diversidade sexual, pois, pelo ver do contato, não é o foco de atuação da empresa – embora a postura institucional seja de enxergar a homossexualidade com naturalidade. Assim, a Natura não realizou nenhuma campanha de marketing voltada especialmente para o público GLBT, nem participou ou patrocinou diretamente algum evento ou organização GLBT em sua história. Por fim, a entrevistada disse que, certamente, há dentro da empresa alguns tipos de preconceito – como dentro de absolutamente qualquer círculo social. Disse que muito raramente chega aos seus ouvidos alguma solicitação feita junto ao departamento de recursos humanos no que diz respeito a ações perante a diversidade sexual, mas enxerga a empresa como aberta para discutir quaisquer questões. Cassiano Luiz Mecchi 61 3.2. IBM Brasil 3.2.1. Ficha técnica Nome da empresa: IBM Brasil Nome do contato: Fabiana Melfi Cargo: Analista Departamento / divisão: Recursos Humanos Número de funcionários: 8.300 Endereço: Rua Tutóia, 1157, 7º andar CEP: 04007-900 Paraíso, São Paulo/SP Telefone: 0800-7014262 Site: http://www.ibm.com/br/ Data da entrevista: 13/11/2006 3.2.2. Apresentação da empresa Fundada em 1911, a IBM (International Business Machines) é hoje uma das maiores companhias de tecnologia do mundo. Suas receitas provêm, majoritariamente, da prestação de serviços relacionados a tecnologia de informação e da produção de equipamentos de informática. A empresa mantém operações em 170 países e dispõe de 319 mil funcionários. Em 2003, ocupou o 5º lugar do ranking publicado pela revista DiversityInc11 e a 9ª posição da revista Fortune. (MENDES, 2005) No final do século XIX, nos Estados Unidos, o estatístico Herman Hollerith idealizou uma solução eficiente para o censo de 1890. Hollerith concebeu diversas máquinas elétricas para a soma e contagem de dados, representados sob a forma de 11 Portal eletrônico que reúne inúmeras organizações e empresas engajadas na questão da diversidade. Diversidade sexual e políticas de gestão de pessoas: Um estudo exploratório em três empresas de grande porte 62 perfurações, distribuídas em fita de papel. Estabeleciam-se circuitos elétricos e os dados podiam ser computados de forma automática e rápida. Com o uso dessas máquinas, os Estados Unidos acompanharam o crescimento de sua população. Os resultados do censo de 1890 foram fornecidos três anos depois e com isso, fez-se uma economia de vários anos de trabalho. Em 1896, a fita de papel foi substituída por cartões, elemento básico das máquinas IBM, e também Hollerith criou a Tabulating Machine Company. Em
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