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Conduta dietética na intolerância à lactose Karina Akemi Yamasaki Nutricionista – Especializanda Disciplina de Gastroenterologia Departamento de Pediatria Escola Paulista de Medicina - UNIFESP UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA DISCIPLINA DE GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICA Lactose • A lactose é um dissacarídeo produzido por uma molécula de β-d-galactose e outra de α-d-glicose; sua biossíntese é feita nas células epiteliais das glândulas mamárias. • Durante o processo de digestão, a lactose é hidrolisada no intestino delgado pela enzima lactase. • Essa enzima é uma β-galactosidase, que está presente na membrana microvilositária do enterócito e tem sua atividade aumentada no jejuno proximal. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008. LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 • Quando a atividade da lactase da mucosa intestinal é deficiente, a lactose da dieta passa ao longo do intestino delgado, alcança o cólon, e é metabolizada pela microflora colônica com produção de hidrogênio, dióxido de carbono e ácidos orgânicos de cadeia curta. • A lactose que permanece na luz intestinal exerce pressão osmótica promovendo afluxo de água e eletrólitos para seu interior, os quais juntamente com os produtos da digestão bacteriana, produzirão sintomas como distensão abdominal, cólicas, vômitos e diarréia. A gravidade dos sintomas dependerá da quantidade de lactose tolerada pelo indivíduo SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008 LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 A deficiência de lactase pode ocorrer de três formas • 1ª) Primária congênita: é um distúrbio raro, presumivelmente transmitido por herança genética autossômica recessiva, caracterizada pela ausência de lactase ao nascimento. A histologia da mucosa é normal, assim como a atividade das demais enzimas digestivas. Quando presente, manifesta-se logo após o nascimento com diarréia osmótica, que cessa com a retirada da lactose da dieta. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008. SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 � 2ª)Deficiência secundária de lactase: resultante de condições que alteram a mucosa intestinal. Freqüente em pacientes com diarréia persistente ou crônica de diversas etiologias (doença celíaca, DII, desnutrição, etc). � Pode ser decorrente de sobrecrescimento bacteriano, parasitoses, ressecção do intestino delgado, ingestão crônica de álcool, fibrose cística, etc. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo- brasileiros, 2008. SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 � 3ª)Hipolactasia primária do tipo adulto: considerada característica normal da espécie humana. Condição caracterizada por um declínio da atividade da lactase, uma alta atividade ao nascimento para uma baixa atividade residual durante a vida adulta. � A persistência ou não dessa elevada atividade sofre influência étnica. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008. SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 Prevalência da Intolerância à Lactose � 95% a 100% das populações da Ásia � 80% a 100% das populações nativas americanas � 60% a 80% de judeus Ashkenazi e populações africanas � 50% a 80% das populações hispânicas � 60% a 70% das populações do sul do subcontinente indiano � Apenas 6% a 22% da população americana branca sofre de deficiência primária tipo adulto de lactase SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 � A ingestão de lactose pelos indivíduos com deficiência de lactase pode ou não produzir manifestações clínicas, as quais variam de um ligeiro desconforto abdominal até o surgimento do quadro diarréico com flatulência, cólicas e vômitos. � Esses indivíduos podem ser classificados em: - intolerantes à lactose: aqueles que após a ingestão da lactose apresentam sintomatologia gastrointestinal como dor abdominal, flatulência, diarréia, náuseas. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008. - Maus absorvedores de lactose: aqueles que apresentam, após a ingestão da lactose, uma diminuição na absorção da mesma, entretanto sem manifestações clínicas. � É importante ressaltar que a má digestão e absorção da lactose não resultam necessariamente em intolerância à lactose¹ � É importante não confundir intolerância à lactose com APLV. Essa afeta mais de 20% dos pacientes com sintomas sugestivos de intolerância à lactose² ¹MONTALTO, M, et al. Management and treatment of lactose malabsorption. World J Gastroenterol. 2006 Jan 14;12(2):187-91. ²LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther 27, 93–103. � O aparecimento de sintomas de intolerância à lactose depende de diversos fatores, tais como a dose consumida, o grau de adaptação colônica (motilidade, trânsito, pH, microbiota intestinal), a taxa de esvaziamento gástrico, etc. HEYMAN, MB. Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents. PEDIATRICS Volume 118, Number 3, September 2006 Sintomas da Intolerância à Lactose � Os sintomas são resultados da fermentação bacteriana da lactose não digerida no cólon¹ � Os sintomas típicos da intolerância à lactose incluem dor abdominal, distensão abdominal, flatulência, diarréia, borborigmos e em algumas ocasiões, náuseas e vômitos² � Em alguns casos, a motilidade gastrointestinal está diminuída e os indivíduos podem apresentar constipação, possivelmente como conseqüência da produção de metano² ¹Frederick J. Suchy, et al.National Institutes of Health Consensus Development Conference:Lactose Intolerance and Health. Ann Intern Med. 2010;152:792-796. ²LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007 27, 93–103 Diagnóstico � Métodos diretos: - biópsia jejunal � Métodos indiretos: - avaliação de sinais e sintomas clínicos após a ingestão de lactose - testes de análises fecais (determinação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes) - testes de tolerância à lactose (sangüíneo, urinários, respiratórios e do hidrogênio no ar expirado) SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008 HEYMAN, MB. Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents. PEDIATRICS Volume 118, Number 3, September 2006 � Os métodos diagnósticos mais utilizados são os que se baseiam nas medidas da glicemia e a excreção do hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com lactose. SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008 LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther 27, 93–103 PRETTO, FM, et al.Má absorção de lactose em crianças e adolescentes: diagnóstico atravésdo teste do hidrogênio expirado com o leite de vaca como substratoJornal de Pediatria - Vol. 78, Nº3, 2002 Teste do hidrogênio no ar expirado � Baseia-se em três aspectos: 1º) a microbiota do cólon de humanos é capaz de produzir H pela fermentação dos CHO não absorvídos 2º) a fermentação bacteriana é a única fonte de produção de hidrogênio no ser humano 3º) a excreção pulmonar de hidrogênio reflete sua produção no cólon SHIMAMOTO, ATH. Tese: Má absorção e intolerância à lactose em crianças e adolescentes nipo-brasileiros, 2008 � O aumento na quantidade de hidrogênio no ar expirado, após a ingestão de lactose indica que esse carboidrato não foi absorvido de forma adequada. � Critério de positividade mais utilizado na literatura pediátrica é de >20 ppm de H em relação ao nível basal. � Porém alguns autores utilizam o ponto de corte de >10 ppm². ¹LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 ²PRETTO, FM, et al.Má absorção de lactose em crianças e adolescentes: diagnóstico através do teste do hidrogênio expirado com o leite de vaca como substratoJornal de Pediatria - Vol. 78, Nº3, 2002 Tratamento � O tratamento só deve ser iniciado na presença de sintomas de intolerância¹ � Deve ser ressaltado que, devido à variabilidade individual da intolerância à lactose, é de fundamental importância personalizar a orientação nutricional² � O consumo de lactose deve ser reduzido a uma quantidade que não proporcione o aparecimento de sintomas¹’² ¹SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 ² SHIMAMOTO , ATH e MORAIS, MB. Intolerância à lactose. Nutrição clínica na infância e adolescência. Manole, 2009. Tratamento � Não há qualquer evidência científica sobre a dose tolerável de lactose para crianças com má absorção de lactose � A evidência disponível sugere que os adultos e adolescentes com diagnóstico de má absorção de lactose podem ingerir cerca de 12g de lactose, quando administrada em dose única (equivalente em 1 xícara de leite), sem apresentar sintomas ¹Frederick J. Suchy, et al.National Institutes of Health Consensus Development Conference:Lactose Intolerance and Health. Ann Intern Med. 2010;152:792-796. Tratamento � Se uma dieta de exclusão total de lactose é usada para o tratamento da intolerância à lactose, a mesma deve incluir um boa fonte de cálcio e/ou suplementação de cálcio para atender diariamente os níveis de ingestão recomendados¹’² ¹SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 ²LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 Tratamento � Entretanto, a total exclusão de leite e derivados da dieta pode não trazer benefício¹ � Estudos mostram que pode resultar em sérias conseqüências nutricionais¹ � Produtos lácteos não devem ser totalmente eliminados, pois fornecem nutrientes essenciais, como cálcio, vitaminas A e D, riboflavina, e fósforo¹’² ¹SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 ²Frederick J. Suchy, et al.National Institutes of Health Consensus Development Conference:Lactose Intolerance and Health. Ann Intern Med. 2010;152:792-796. Tratamento � Outras modificações dietéticas que colaboram com a redução dos sintomas incluem consumir alimentos com baixo teor de lactose, tais como iogurte e produtos lácteos tratados com Lactobacillus¹ � O iogurte é uma alternativa visto que a lactose presente nele encontra-se em concentração reduzida pela metade. Além disso deve-se levar em conta o retardo no esvaziamento gástrico, ao tempo de trânsito intestinal e à capacidade de seus microorganismos em digerir a lactose² ¹SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 ²SHIMAMOTO , ATH e MORAIS, MB. Intolerância à lactose. Nutrição clínica na infância e adolescência. Manole, 2009 Tratamento � Alimentos lácteos na forma de queijo e leite fermentado, são boas fontes de proteína e cálcio e muitas vezes não levam a sintomas de intolerância à lactose¹’² � Esses produtos (além de coalhadas e iogurtes) podem ser bem tolerados, devido ao seu conteúdo reduzido de lactose e pela presença de significativa atividade de beta-galactosidase³ ¹LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 ²Frederick J. Suchy, et al.National Institutes of Health Consensus Development Conference:Lactose Intolerance and Health. Ann Intern Med. 2010;152:792-796. ³SHIMAMOTO , ATH e MORAIS, MB. Intolerância à lactose. Nutrição clínica na infância e adolescência. Manole, 2009. LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 Tratamento � A tolerância à lactose também pode ser melhorada modificando a quantidade e a forma da lactose contida nos alimentos � Assim, alguns tipos de leite e queijos são mais bem tolerados que outros � Ex: leite integral gera menos sintomas e com menor intensidade, quando comparado ao consumo do leite desnatado. Uma das explicações é o retardo no esvaziamento gástrico SHIMAMOTO , ATH e MORAIS, MB. Intolerância à lactose. Nutrição clínica na infância e adolescência. Manole, 2009. TÉO, CRPA. Intolerância à lactose: uma breve revisão para o cuidado nutricional. Arq. Ciênc. Saúde Unipar 6(3): 135-140,2002 Tratamento � Pequenas quantidades de lactose consumidas diversas vezes ao longo do dia são melhor toleradas do que se consumidas em uma única refeição � Alimentos contendo lactose são melhor tolerados se consumidos juntamente com outros alimentos; tal fato pode ser atribuído ao retardo no esvaziamento gástrico. TÉO, CRPA. Intolerância à lactose: uma breve revisão para o cuidado nutricional. Arq. Ciênc. Saúde Unipar 6(3): 135-140,2002. Tratamento � Substitutos do leite de vaca à base de arroz, soja ou outras proteínas estão disponíveis¹ no mercado e geralmente são isentos de lactose, embora o teor dos nutrientes da maioria desses alimentos não seja equivalente ao do leite de vaca² ¹SIDDIQUI & OSAYANDE. Selected. Disorders of Malabsorption. Prim Care Clin Office Pract 38 (2011) 395–414 ²HEYMAN, MB. Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents. PEDIATRICS Volume 118, Number 3, September 2006 Tratamento � Os probióticos são capazes de propiciar melhor digestão da lactose e eliminar os sintomas de intolerância. � Os mecanismos pelos quais os probióticos exercem seus efeitos não são claros, mas podem envolver a modificação do pH do intestino, promovendo efeitos positivos sobre as funções intestinais e na microbiota do cólon. T. He, K. Venema, M. G. Priebe, et al. The role of colonic metabolism in lactose Intolerance. European Journal of Clinical Investigation Vol 38, 541-547. LOMER, MCE, PARKES, GC & SANDERSON, JD. Review article: l lactose intolerance in clinical practice – myths and realities. Aliment Pharmacol Ther , 2007.27, 93–103 Tratamento � A alteração do metabolismo microbiano pelos probióticos ocorre por meio do aumento ou diminuição da atividade enzimática¹ � Diversas evidências têm demonstrado que o consumo de quantidades adequadas de cepas apropriadas de bactérias lácticas (incluindo Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus) é capaz de aliviar os sintomas de intolerânciaà lactose² ¹S. M. I. Saad. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences . Probióticos e prebióticos: o estado da arte. 2006, 42(1 ): 1-16 ²Kopp-Hoolihan L. Prophylactic and therapeutic uses of probiotics: a review. J Am Diet Assoc 2001;101:229–38. Considerações finais � Deve ser enfatizado que não existe tratamento para aumentar a capacidade de produção da lactase, porém, os sintomas de intolerância à lactose podem ser controlados utilizando-se uma dieta com teor reduzido em lactose; é importante assinalar que a dieta deve suprir as necessidades nutricionais do indivíduo e garantir a manutenção de um estado nutricional adequado. SHIMAMOTO , ATH e MORAIS, MB. Intolerância à lactose. Nutrição clínica na infância e adolescência. Manole, 2009.
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