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GRADUAÇÃO 2016.1 RELAÇÕES DE TRABALHO I AUTORES: LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E FLAVIA MARTINS DE AZEVEDO Sumário Relações de Trabalho I 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3 PLANO DE AULAS — BLOCO 1: O EMPREGO NO BRASIL ................................................................................................. 5 AULAS 1 E 2: O EMPREGO FORMAL E INFORMAL NO BRASIL; CUSTO BRASIL ....................................................................... 6 AULA 3 E 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO TRABALHO ............................................................................. 19 AULA 5. O TRABALHADOR E SEUS VÁRIOS TIPOS DE PRESTADORES DE SERVIÇO ................................................................ 30 AULA 7: RISCO DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO ................................................................................ 39 AULA 8: TERCEIRIZAÇÃO ..................................................................................................................................... 51 RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 3 1. INTRODUÇÃO 1.1 VISÃO GERAL A disciplina Relações de Trabalho I abordará de forma sistemática os te- mas mais relevantes atinentes às relações de trabalho, analisando inicialmente os princípios que regem o Direito do Trabalho, para, em seguida, discutir a formação e as modalidades de contratos de trabalho; formas tradicionais e modernas de remuneração; a terceirização como fenômeno moderno ainda em evolução; regras e soluções para os limites aplicáveis à jornada de trabalho e ao repouso remunerado; a indenização por tempo de serviço e o Fundo de Garantia; estabilidades; e as modalidades e efeitos do término do contrato de trabalho. Será dada grande ênfase aos casos geradores para que o aluno possa visualizar a aplicação prática dos conceitos e seus efeitos sociais e econômi- cos. Como base para este debate, nas primeiras aulas, abordar-se-á o trabalho formal e informal, o ingresso precoce no mercado de trabalho e o custo do trabalhador no Brasil, relacionando os três temas e criando desde o primeiro momento a noção de que as normas que regem o trabalho têm influência efetiva e real na vida das pessoas e devem ser assim consideradas durante todo o debate que será travado até o final do curso. 1.2 OBJETIVOS GERAIS Dar aos alunos elementos para a compreensão adequada das regras que regem as relações de trabalho e emprego, estimulando uma análise crítica dessas normas e dos seus efeitos na sociedade, sem deixar de compreender a sociedade brasileira com todas as suas matizes e peculiaridades, a deman- dar reflexão completa e soluções criativas para aproximar dois conceitos que parecem se excluir: desenvolvimento econômico e inclusão social. Espera-se que os alunos cheguem ao final do curso capacitados para atuar na área do Direito do Trabalho, mas também capazes de entender a sua relevância no cenário nacional e como utilizá-lo como ferramenta de desenvolvimento e de inclusão social. 1.3 METODOLOGIA Metodologia participativa calcada na exposição completa dos temas, com a promoção constante de debates, tendo como base e provocação casos con- cretos reais ou baseados em fatos reais e como ferramenta de desenvolvimen- RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 4 to exercícios individuais e em grupos que se aproximem de questões que se apresentam comumente aos profissionais do direito, em especial aos que atuam na área do Direito do Trabalho. 1.4 DESAFIOS E DIFICULDADES O maior desafio consiste em fazer com que os alunos entendam as com- plexidades sociais do Brasil, que apresenta pólos super-desenvolvidos con- vivendo lado a lado com áreas de miséria exemplar, o que torna qualquer discussão sobre a adequação de leis trabalhistas e sua modernização complexa e sensível. Espera-se que, do debate em sala de aula, decorra uma adequada compreensão das normas em vigor e a consolidação de sugestões concretas e possíveis de modernização das leis trabalhistas, sempre com o objetivo de promover desenvolvimento econômico e inclusão social. 1.5 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO Duas provas dissertativas, trabalhos individuais e em grupo e avaliação da participação dos alunos nas aulas. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 5 PLANO DE AULAS BLOCO 1: O EMPREGO NO BRASIL 1. INTRODUÇÃO Este primeiro bloco traz uma abordagem de temas absolutamente funda- mentais para o estudo e compreensão do Direito do Trabalho no contexto brasileiro. Para que se possa entender e debater questões fundamentais relati- vas ao Direito do Trabalho, é essencial que se adquira conhecimento básico a respeito do emprego formal e informal, do custo do empregado e da relação entre esses dois temas. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 6 1 PRADO, Ney. Economia Informal e Di- reito no brasil. 1991, Editora LTR AULAS 1 E 2: O EMPREGO FORMAL E INFORMAL NO BRASIL; CUSTO BRASIL 1. INTRODUÇÃO Esta aula pretende trazer ao debate os conceitos de emprego formal e in- formal, bem como a influência que a legislação trabalhista exerce sobre esses fenômenos. 1.2 OBJETIVOS • Entender os conceitos de emprego formal e informal; • Entender o papel da legislação trabalhista e sua inflexibilidade como elemento fomentador da informalidade; • Identificar os itens que compõem o Custo Brasil e sua utilidade prática; e • Estimular o debate entre os alunos sobre formas de conciliação da neces- sidade de normas protetoras e da formalização do trabalho informal. 2. TEMAS PRINCIPAIS 2.1 O Emprego Formal e Informal no Brasil O emprego informal normalmente se caracteriza pelo desempenho de uma atividade econômica em que concorre pouco capital e intensa mão-de- -obra, geralmente para a prestação de serviços ou para a produção artesanal. Ele ocorre à margem da proteção legal trabalhista, previdenciária e empresa- rial, ou seja, o emprego informal é aquele que se desenvolve fora do âmbito da legislação do trabalho, mas sem necessariamente violá-la.1 Um esforço classificatório bastante cuidadoso é o que se encontra no estu- do sobre a “Estrutura Ocupacional, Educação e Formação de Mão-de-obra — os países desenvolvidos e o caso brasileiro” de autoria de T.W. Merrick. Para este autor, o setor laboral informal apresenta as seguintes características: “1) arranjos de emprego tipificados pela condição de autônomo ou contratos pouco rígidos de natureza temporária, falta de observância das leis do salário mínimo, de previdência social e de outros tipos de regulamentos governa- mentais, bem como ausência de negociações coletivas, mesmo nos casos em que existem sindicatos; 2) facilidades de entrada e alta rotatividade do em- prego; 3) menor escala de operações e estabelecimentos menos capitalizados e, como consequência, 4) determinação de níveis salariais geralmente mais competitivos. 1. PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no brasil. 1991, Editora LTR RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 7 2 T.W. Merrick apud Ney Prado 1991 Em contraste, o setor formal é mais regulamentado, apresenta maiores dificuldades de entrada, opera em maior escala e com estabelecimentos mais capitalizados. O setor formal tem, por razões óbvias, maior acesso a linhas de financiamento oficiais e oferecidas por bancos em geral. Os estabelecimentos mais produtivos do setor formal disputam consumidores e mercados com os seus competidores do setor informal, especialmente na indústria de transfor- mação (vestuário, alimentos, etc.). Entretanto, a maior facilidade de entrada, menores necessidades de capital e uma ampla oferta de trabalho estimulam um crescimento continuado e mesmo uma certa vantagem competitiva do setor informal em atividadeda indústria de transformação e especialmente no setor de serviços”.2 O setor informal apresenta maior vantagem quanto menor é a necessidade de investi- mento de capital e de acesso a financiamento formal para o desenvolvimento do negócio. O grau de informalidade da economia brasileira é gigantesco. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio do Instituto Brasilei- ro de Geografia e Estatística — IBGE) de 2003, o Brasil tinha cerca de 62,8 milhões de trabalhadores em atividades não-agrícolas. Dentre esses trabalha- dores, cerca de 24 milhões trabalhavam com carteira de trabalho assinada, 15,4 milhões não tinham carteira assinada e 13,5 milhões eram trabalhadores por conta própria. Isso parece indicar que 15,4 milhões de trabalhadores eram empregados, mas não foram registrados como tal, e 13,5 milhões de trabalhadores se auto intitularam autônomos ou empresários do seu próprio negócio, mesmo que possam vir a ser considerados empregados em uma aná- lise técnico-jurídica tendo em conta os elementos do contrato de trabalho. Embora o número de trabalhadores com carteira assinada tenha apresen- tado constante crescimento na última década, este crescimento ainda é infe- rior ao crescimento da chamada População Ocupada. O conceito de Popula- ção Ocupada (PO) utilizado pelo IBGE, que inclui não só os trabalhadores de carteira assinada, mas também as chamadas categorias vulneráveis pela baixa taxa de formalização (domésticos, por exemplo). O que significa, em resumo, que o aumento do número de empregados com carteira assinada e, consequentemente, com acesso a todos os direitos trabalhistas garantidos por lei, ainda está longe de atingir toda a população ocupada, ou seja, todos os trabalhadores. E um dado ainda mais interessante que traduz a relação entre o emprego informal e o desempenho do País em termos de desenvolvimento é o de que, até a década de 1980, os postos de trabalho destruídos pela crise econômica eram recriados nos períodos de crescimento. Contudo, a partir dos anos 90, grande parte dos postos de trabalho eliminados só ressurgiriam na informa- lidade, ou seja, ocupados por trabalhadores sem carteira assinada. Deve ser lembrado que, entre 1940 e 1970, houve uma grande expansão do número 2. T.W. Merrick apud Ney Prado 1991 RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 8 3 Revista Época nº 419-29/05/2006 4 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. de empregos e diversificação nas ofertas de emprego. De 1950 a 1960, o PIB cresceu de 5% a 7% ao ano. Esse crescimento aumentou e, entre 1967 e 1973, a média foi de 11,2% ao ano. Em 1973, o crescimento foi de 14%. Isso foi muito diferente a partir de 1980 e especialmente nos anos 90. Com um crescimento muito inferior ao verificado na década de 1970, nas décadas de 1980 e 1990 o mercado formal foi menos capaz de absorver os contingen- tes de trabalhadores novos e desempregados, forçando a criação de negócios informais. O custo de um contrato formal de trabalho, observada a legislação trabalhista, forçou empregados (ou desempregados) e empregadores a optar pela informalidade. A consultoria americana McKinsey desenvolveu um dos mais respeita- dos métodos de estudo sobre informalidade e seus impactos nos índices de crescimento de um país. Pelas contas do McKinsey, o Brasil poderia crescer 2,5 pontos percentuais a mais por ano se eliminasse totalmente a informa- lidade da economia. Isso quer dizer que em vez dos 3% do ano de 2005, o PIB poderia ter se expandido 5,5%.3. Isto porque, como se pode imaginar, os empreendimentos informais não geram impostos e empregos formais, como também não estão representados nos números oficiais de crescimento do PIB brasileiro. Eles representam uma economia informal que existe, mas não pode ser claramente delimitada e não pode ser medida e reconhecida formalmente. Com isso, perde o País, cujos índices não refletem a realidade econômica, não apenas em termos de produção de riquezas, mas também de capacidade de consumo. A informalidade causa mais informalidade e ilegali- dade, com perda para todos. Uma pergunta que surge diante de tais considerações é por que a infor- malidade é vista de forma negativa se ela está ocupando e gerando renda para a população até então desempregada. Uma das respostas, que vai além das questões relativas ao crescimento econômico, é o déficit previdenciário gerado pela ausência de recolhimento de INSS pelos trabalhadores informais. Em entrevista à Revista Veja, o economista José Pastore lembra que o Sis- tema Unificado de Saúde — SUS atende o trabalhador acidentado ou doente mesmo que ele não pague contribuição4. Ele continua, dizendo que a maior parte dos trabalhadores brasileiros, trabalhando no mercado informal, usa um sistema para o qual não contribui. A tendência, e conseqüência desse ci- clo vicioso, é a piora gradual dos serviços oferecidos pelo Estado, em especial pelo SUS, e um déficit crescente na previdência social. A dificuldade do combate à informalidade é proporcional à dificuldade do cumprimento integral das leis trabalhistas brasileiras que, em muitos casos, cria obstáculos ou até mesmo inviabiliza a ação das empresas. O conjunto destas leis, que garantem ao trabalhador o direito ao 13º salário anual, ao FGTS e a inúmeros adicionais (pelas horas extras trabalhadas, pelo trabalho 3. Revista Época nº 419-29/05/2006 4. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 9 5 integra do texto em http://www. ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218. pdf; matéria do O Globo em http:// o g l o b o . g l o b o . c o m / e c o n o m i a / mat/2006/10/02/285933533.asp 6 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. noturno, pelo trabalho em condições insalubres, etc.), torna o custo da con- tratação formal excessivamente alto. Diz-se sem muita preocupação e com precisão técnica que, para cada sa- lário pago ao trabalhador formal, outro é pago ao governo. Na realidade, como será demonstrado mais adiante, o custo de um trabalhador formal no Brasil em decorrência das leis trabalhistas é de aproximadamente 67% do seu salário. Se acrescidos outros itens, como o repouso semanal remunerado, que equivale normalmente a algo entre 16% e 20% do salário, e mesmo um valor médio de horas extras, pode-se chegar sem problemas à mencionada duplicação de custos, que, se não precisa, ao menos gera um discurso político contundente em favor da simplificação das normas trabalhistas. Segundo o interessantíssimo trabalho intitulado “Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mauricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeco- nômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, fundação li- gada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no Brasil, 26,8% do custo total de um empregado formal se perde em outros destinos que não o bolso do trabalhador, mesmo se considerados valores como o FGTS e o pagamento de férias e 13º salário, que apenas chegam ao bolso do empregado brasileiro com o passar do tempo e não a cada mês. Segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, um em- pregado formal no Brasil custa muito mais do que no resto da América La- tina e no Caribe, onde a diferença entre o que um empregado custa e o que ele recebe é de 15,9%. “Os economistas usaram uma metodologia do Banco Mundial para calcular a diferença líquida entre os custos do empregador e os benefícios pagos na folha de salário. A conta leva em consideração que parte dos encargos voltam para o empregadomais tarde sob a forma de 13º salário, adicional de férias e FGTS, por exemplo. O levantamento também mostra que o Brasil tem um índice altíssimo de ‘dificuldade de contratação’: 67, contra a média de 30 dos membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse cálculo, além dos custos do empregador ao longo do período de vigência do contrato de trabalho, tam- bém são computados os encargos com demissões. No Brasil, o empregador paga 50% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão, sendo 40% para o funcionário e 10% para o governo”.5 Isso significa que o governo brasileiro, e especialmente o falido sistema de previdência social, recebem parte significa- tiva do custo de um empregado. O custo excessivo do trabalho formal intimida, ainda, a criação de novos postos de trabalho originados com um atual fenômeno da economia mun- dial, que é a oferta de emprego globalizada. Conforme explica José Pastore, hoje, as empresas de um país podem buscar empregados em outros países6, o que significa que muitas empresas estão buscando estabelecer suas atividades 5. integra do texto em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf; matéria do O Globo em http://oglobo.globo.com/economia/mat/2006/10/02/285933533.asp 6. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 10 7 PRADO, Ney. Economia Informal e Di- reito no brasil. 1991 8 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. produtivas em países onde o custo dos profissionais de que necessitam é mais baixo. Nesse sentido, o alto custo do emprego formal no Brasil pode tirar o País da lista de locais onde essas empresas pretendem se estabelecer. É inegável que o custo excessivo do trabalho formal em uma economia que não cresce com a mesma força que crescia trinta anos atrás estimulou de forma importante o aumento do mercado informal de trabalho. Ocorre que esse movimento natural de sobrevivência em muitos casos não pode ser tratado pura e simplesmente como um problema policial e fiscal, a ser com- batido apenas com medidas sancionadoras. O problema é mais profundo e deve ser encarado como uma questão sócio-cultural, a ser enfrentada a nível político e jurídico, considerando-se as desigualdades profundas de um país como o Brasil.7 O custo excessivo nada mais é do que uma consequência do que José Pas- tore chamou da “cultura do garantirismo legal”, isto é, a crença de que quan- to mais direitos estiverem na lei, mais pessoas estarão protegidas8. O mercado mostra exatamente o contrário. No caso brasileiro, o garantirismo levou um número cada vez maior de trabalhadores à economia informal. 2.2 O início da Carreira no Brasil — Precocidade do Primeiro Trabalho Desde 1998, a lei brasileira permite que crianças a partir de 14 anos tra- balhem como aprendizes e a partir dos 16 anos como empregados formais, embora com algumas limitações, como a vedação ao trabalho em condições insalubres, perigosas, ou em horário noturno, que só podem ser executados pelos maiores de 18 anos de idade. A Constituição Federal de 1988 trata do assunto nos artigos 7º, incisos XXX e XXXIII, e 227, § 3º, I, II e II, que estabelecem a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho e garantem direitos previdenciários e tra- balhistas ao menor trabalhador, além da garantia do acesso à escola. Já a CLT dispõe sobre o trabalho do menor em seu capítulo IV e prevê penalidades para os infratores das disposições do capítulo. No direito internacional, também vigoram regras para a proteção da criança, como é o caso da Convenção dos Direitos da Criança, que protege especialmente o desenvolvimento físico, mental e social infantil, e prioriza a educação gratuita, o lazer e o direito de ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho. Tal texto, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1989, foi ratificado por 192 países e representa a maior aceitação de um texto legislativo em matéria de direitos humanos. Para erradicar o trabalho infantil, além da legislação vigente, o Governo brasileiro criou o CONANDA (Lei nº 8.242/1991), que, entre outras coisas, deve promover e apoiar iniciativas de emprego e geração de renda, de forma 7. PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no brasil. 1991 8. José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo, em entrevista à Eliana Simonetti, Revista Veja, 1998. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 11 que a renda do grupo familiar se eleve, a fim de estimular o êxito e a perma- nência na escola das crianças e adolescentes que trabalham, principalmente, em situação de risco, e deve, ainda, fiscalizar e reprimir a ocorrência do tra- balho infantil e a exploração laboral do adolescente. No âmbito das Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho, foram criadas, a partir de 1995, Comissões Estaduais de Combate ao Trabalho In- fantil, que foram recentemente transformadas em Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho do Adolescente. Instalado em 29 de novembro de 1994, na sede da Organização Internacional do Trabalho — OIT, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infan- til envolve organizações não-governamentais, trabalhadores, empresários, a Igreja, os Poderes Legislativo e o Judiciário e conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da OIT. Composto por 40 entidades, o Fórum está sob a coordenação do Ministério do Trabalho. Mesmo com todo esse aparato, a realidade econômica brasileira atua como causa da entrada prematura das crianças e adolescentes no mercado de tra- balho. A pobreza, a má distribuição de renda e a falta de um sistema público de educação, mais abrangente e de qualidade, somados a uma forte demanda por mão-de-obra barata, incentivam crianças e adolescentes a ingressarem cada vez mais cedo no mercado de trabalho. Diante deste panorama, a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio — realizada pelo IBGE) de 2003 detectou 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil. Destes, 209 mil tinham de 5 a 9 anos, 1,7 milhão tinham de 10 a 14 anos e 3,2 milhões tinham de 15 a 17 anos. A atividade agrícola concentrava a maior parte desse contingente, com 74,6% das crianças entre 5 e 9 anos, 58 % das crianças entre 10 e 14 anos e 33,4% dos adolescentes entre 15 e 17 anos. Esse últi- mo percentual é superior ao percentual dos trabalhadores com 18 ou mais anos de idade (19,3%) na mesma atividade. Esses números já apresentaram redução, como detectou pesquisa realizada em 2009, que indicou redução do número de crianças de 5 a 17 anos de idade trabalhando para 4,2 milhões. Na agricultura, o trabalho do menor ocorre em condições precárias, seja nos canaviais, na cultura do sisal ou nas plantações de fumo. Nesses lugares, as crianças são muitas vezes submetidas a produtos tóxicos, ferramentas peri- gosas e longas jornadas de trabalho. Já nos centros urbanos, jovens e crianças trabalham no setor doméstico e também no setor informal, vendendo balas em sinais, engraxando sapatos, muitas vezes em lugares impróprios, como em bares e boates. O trabalho infantil também contribui para o abandono escolar, já que, na maioria dos casos, não existe como conciliar as tarefas. Esses dados se mostram especialmente importantes se combinados com algumas das conclusões a que chegaram os Professores José Pastore e Nelson do Valle Silva no espetacular trabalho intitulado “Mobilidade Social no Bra- RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 12 9 PASTORE, José e SILVA, Nelson do Val- le, 1999; Mobilidade Social no brasil – pág. 40 - Editora Makron books 10PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil – pág. 43 - Editora Makron books sil”9, ao tratarem da educação como determinante das trajetórias sociais dos indivíduos: “A educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante, central e decisivo no posicionamento socioeconômico das pessoas na hierar- quia social”. A amostra de chefes de família homens registra uma média de anos de escolaridade de em torno de 5,6, sendo de 6,3 nas zonas urbanas e de 2,7 nas zonas rurais. Essa amostra tem o problema de tomar por base apenas homens chefes de família, alguns muito jovens, a ponto de não poderem ter terminado seus estudos, o que distorce os resultados. Os dados de evolução da média dos anos de escolaridade dos brasileiros mostram uma tendência que, se não modificada, significará que, em 2020, os brasileiros ainda mal estarão completando o primeiro grau, sendo certo que, nas áreas rurais, nem nesse ponto estaremos. “No todo, esse modelo permite explorar, como foi feito anteriormente, a extensão das desigualdades educacionais no Brasil. Tomando-se um jovem, chefe de família, com cerca de 25 anos e cujo pai pertenceu ao extrato baixo- -inferior (trabalhador rural), analfabeto, por exemplo, o modelo prevê que ele deveria ter em média um nível de escolaridade inferior a 2,5 anos — será também funcionalmente analfabeto. Para um jovem da mesma idade que seja filho de um pai que estava no estrato alto, por exemplo, um médico, o mode- lo prevê que o indivíduo terá um nível equivalente a curso superior completo, ou seja, mais de 16 anos de escolaridade”.10 O trabalho infantil, portanto, além de engrossar as estatísticas de trabalho informal e, nesse caso, ilegal, pois normalmente não observa as regras que regulam esse tipo de trabalho, representam relevante fator de atraso do País, pois retiram precocemente da escola crianças que, por isso, perdem a sua melhor possibilidade de ascensão social, que tem na educação o seu mais re- levante fator. Portanto, o trabalho infantil deve ser combatido com rigor, mas de nada adiantará esse rigor se não forem garantidas condições mínimas de sobrevivência às famílias, de forma que o fruto do trabalho infantil se torne dispensável, sem que isso signifique privar famílias de necessidades as mais básicas. A realidade é que crianças, hoje, exercem papel relevante no sustento de famílias tanto em áreas rurais como em áreas urbanas. 2.3 O Custo do Trabalhador no Brasil ou, simplesmente, o Custo Brasil. O chamado Custo Brasil é definido como o custo agregado por força de lei a contratos de trabalho, desconsiderando os adicionais que têm propósito 9. PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil — pág. 40 - Editora Makron books 10. PASTORE, José e SILVA, Nelson do Valle, 1999; Mobilidade Social no brasil — pág. 43 - Editora Makron books RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 13 específico e não se aplicam a todos os trabalhadores, como, por exemplo, adicionais de periculosidade e insalubridade, adicional de transferência, etc. O Custo Brasil é a expressão matemática de todos os encargos trabalhistas básicos os quais o empregador está obrigado a observar por lei, quais sejam, (i) 13º salário, (ii) bônus de férias, (iii) depósitos no FGTS, (iv) multa decor- rente da rescisão imotivada do contrato de trabalho; (v) contribuições previ- denciárias; e (vi) férias de trinta dias, dependendo do propósito do cálculo e das circunstâncias do caso concreto. O Custo Brasil é elevado não apenas quando comparado com outros paí- ses em termos percentuais, mas ainda quando considerada qual a parcela des- te custo reverte-se em benefício do empregado. Conforme mencionado an- teriormente, pesquisas de economistas do IPEA apontam o índice de 26,8% como sendo a parcela do custo do trabalhador que se perde entre o bolso do empregador e o bolso do empregado, ficando nos cofres públicos. Esses mesmos economistas informam que esse percentual, em outros países latino- -americanos, não passa dos 15% em média. Portanto, demonstra o estudo que o custo elevado não decorre da necessidade de proteger o empregado apenas, mas também da necessidade de financiar a máquina pública. No Brasil, um empregado custa ao empregador 54,43% do seu salário, sem contar com o custo das férias anuais, que pode ser desconsiderado em algumas análises, por ser um custo comumente encontrado em outros países. Em outras palavras, cada R$1,00 pago a um empregado custa ao seu em- pregador R$1,54, aproximadamente. Em números arredondados, para cada R$1,00 que chega ao bolso do trabalhador ao final de cada mês de trabalho, R$0,30 vão para a Previdência Social, R$0,13 para conta vinculada do FGTS (depósito mensal e multa por rescisão imotivada), R$0,03 representam o bô- nus de férias de 1/3 e R$ 0,08 o décimo terceiro. Ou seja, grande parte do Custo Brasil não vai para o bolso dos empregados nem se reverte em benefí- cios em seu favor, mas, sim, converte-se em fonte de recursos para o governo. Partindo-se dos R$ 0,54 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empre- gado no Brasil, tem-se que uma parte desses R$ 0,54 acaba no bolso do em- pregado em prazo relativamente curto. É a parte relativa ao décimo terceiro salário (R$ 0,08), que chega ao bolso do empregado no final de cada ano e ao bônus de férias de 1/3 (R$ 0,03), que também chega ao seu bolso a cada doze meses de trabalho. Isso significa que, desses R$ 0,54 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empregado brasileiro, o empregado recebe aproximadamente R$ 0,11 anualmente. Uma outra parcela de Custo Brasil é correspondente aos depósitos na con- ta vinculada do FGTS e à multa por rescisão imotivada, sendo certo que apenas o saldo da conta vinculada é inquestionavelmente um direito do em- pregado (a regra é que o saldo da conta se torne disponível no momento da rescisão, mas existe exceção nos casos de doenças terminais, aquisição de casa RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 14 própria, etc.). Já o direito à multa por rescisão imotivada se dá apenas quando o seu contrato de trabalho é rescindido por iniciativa do empregador, sem justa causa, ou rescisão indireta ou aposentadoria por tempo de serviço. A parcela do FGTS, contudo, apresenta uma perversidade adicional: ela é desembolsada pelo empregador mensalmente e depositada em uma conta que está sujeita a juros e correção monetária pelos menores índices do mer- cado, de modo a proporcionar ao governo a utilização deste valor por anos e anos com um custo muito reduzido. O FGTS é, na realidade, um em- préstimo compulsório que os trabalhadores concedem ao governo com juros extremamente subsidiados. Portanto, se por um lado, na tentativa de ajustar suas contas muitas vezes deficitárias, os empregados pagam juros elevadíssimos a administradoras de cartões de crédito ou a bancos pela utilização de limites de cheque especial, são esses mesmos trabalhadores que emprestam mensalmente ao governo 8% do seu salário, a juros extremamente baixos. Por fim, há o pior de todos os encargos: o INSS. A falência completa do sistema de previdência pública no Brasil é notória. É consenso que não have- rá reversão no quadro triste de aumento gradativo do déficit da Previdência enquanto não se extinguirem benefícios sem limites pagos a funcionários pú- blicos. Enquanto este cenário não se altera, convive-se com o fato inegável de que aproximadamente R$ 0,30 para cada R$ 1,00 pago a um empregado no Brasil acabam nos cofres da previdência pública, de onde saem para engor- dar os cofres menos públicos — já que as fraudes envolvendo a previdência pública são lugar-comum do nosso cotidiano — ou para pagar benefícios a aposentados, coma já secular desproporção entre aposentados da iniciativa privada e pública. Definitivamente, essa é a parcela que tem a maior possibi- lidade de jamais retornar ao empregado. 2.4 Custo Brasil e Propostas para o Futuro Os dados aqui compilados sugerem pelo menos duas medidas para refle- xão; que os valores que são pagos indiretamente ao empregado (13º salário, bônus de férias e FGTS) sejam acrescidos ao salário dos empregados e pagos diretamente a eles mensalmente; e que a parcela de 30% relativa ao INSS seja reduzida ou parcialmente paga diretamente ao empregado (sugestão impro- vável ante o fenômeno da miopia social), mesmo que de forma vinculada ao seu investimento em um plano de previdência privada ou de saúde, quando não disponível pelo empregador. Conforme visto, os números trazidos demonstram que o caráter tutelar do direito do trabalho pode resultar na realidade em prejuízo para o em- pregado, apesar de ser propagado como uma proteção. Algumas medidas RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 15 prevendo um novo tratamento para os atuais benefícios obrigatórios, não- -obrigatórios e das contribuições previdenciárias poderiam ser uma solução para a situação atual. Os valores de FGTS, 13º salário e bônus de férias passariam a ser pa- gos mensalmente e diretamente aos empregados, ao invés de depositados em conta vinculada (FGTS), ou pagos a cada 12 meses (13º salário e bônus de fé- rias). Isso resultaria em um aumento imediato de 25% na remuneração men- sal dos empregados, sem qualquer aumento de custo para os empregadores. Naturalmente que a implementação de mudanças dessa natureza deve ser precedida de todos os estudos necessários e de cautela, além de ser estrutu- rada para que se evite a redução da remuneração total, ou seja, para que não se deixe de repassar integralmente aos empregados o custo desses benefícios sob a forma de aumento de salário antes de suprimi-los. Contudo, uma vez implementada essa alternativa, as empresas experimentariam uma economia operacional decorrente da desnecessidade de processar pagamentos mensais ao FGTS e anuais de férias e 13º salário. Os empregados, por sua vez, teriam mais 25% de salário em seu bolso a cada mês, ficando livres para aplicar esse aumento onde melhor lhes convier. Seria natural o lançamento de uma campanha institucional do governo es- timulando a poupança pessoal como alternativa em vista da eliminação do FGTS, mas a decisão quanto ao que poupar e como poupar ficaria a cargo dos empregados. Além disso, esses empregados deixariam de emprestar di- nheiro subsidiado ao governo, quando definitivamente esse não é o propósito declarado do FGTS. Do ponto de vista do governo e das políticas públicas, haveria uma redu- ção significativa nos custos para administrar o FGTS e, consequentemente, nas fraudes por parte de empregadores que deixam de recolher a contribuição sempre que em situação financeira delicada, e da burocracia, onde volta e meia se tem notícia de desvios e fraudes ao sistema. Enfim, exceto pela possibilidade de os empregados agirem irresponsavel- mente e gastarem todo o dinheiro adicional de forma fútil — o que deve ser encarado como uma possibilidade educativa — não parece haver outras desvantagens no pagamento direto desses benefícios aos empregados em di- nheiro e mensalmente. Quanto aos benefícios não obrigatórios, como o seguro-saúde e o vale ali- mentação, parece razoável que estes deveriam ser opcionais para os emprega- dos, que aproveitariam apenas a natural redução de custos pela sua contrata- ção em grupo, ficando, contudo livres para não fazê-lo. Assim, o empregado participaria ativamente da decisão quanto a quais benefícios lhe interessam e quanto quer pagar por eles, ficando livre para contratá-los diretamente, se assim preferir. Aqui não haveria qualquer aumento de custo para os empre- gadores nem perda para os empregados ou para o governo. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 16 Por fim, o valor que é hoje destinado ao INSS representa não apenas o percentual mais significativo dentre aqueles que compõem o Custo Brasil, mas também é o mais delicado quando se pretende analisar alternativas para redu- zi-lo ou eliminá-lo. Isto decorre do fato de que o sistema está falido e o seu déficit aumenta sem demonstrar qualquer tendência de queda a médio prazo. Portanto, qualquer sugestão que contemple a redução dos encargos pre- videnciários depende de uma modificação drástica nos direitos dos funcio- nários públicos que oneram sobremaneira as contas da previdência pública. Além disso, considerando que empregados a partir de determinado patamar de remuneração não mais contam com a previdência pública como fonte úni- ca de aposentadoria, em uma situação ideal, dever-se-ia poder segregar dois sistemas de custeio e benefício. Isso de modo que apenas até um certo nível salarial empregados continuassem a ter direito ao benefício previdenciário público e a realizar as contribuições previdenciárias, preferencialmente em patamar inferior ao atual. Quanto aos demais empregados, com remuneração mais elevada, estes deveriam passar a contribuir diretamente a fundos privados de previdência, de modo a construir a sua própria reserva de poupança. Naturalmente que essa mudança exigiria regras de transição destinadas a empregados que já contribuíram por muitos anos e que não podem se ver de uma hora para a outra completamente privados do benefício previdenciário. Mais ainda, essas mudanças dependem de uma forte regulamentação do setor de previdência privada, que ganharia maior relevância social. De qualquer forma, como o “cobertor é curto”, pode-se prever, para a via- bilidade dessa alternativa, a quebra de expectativas de benefícios previdenciá- rios daqueles empregados mais privilegiados: uma mudança dessa magnitude exigiria eliminar direitos de funcionários públicos. Ao final dessas medidas e passados os prazos de transição, idealmente, chegar-se-ia a uma realidade na qual parte dos empregados continuaria con- tribuindo para o sistema de previdência pública, com um custo inferior ao atual de aproximadamente 30% (algo em torno de 20% poderia ser uma meta), para o recebimento de benefícios limitados e outra parte dos empre- gados (de remuneração mais elevada) deixaria de contribuir para o sistema público e entraria no sistema privado de previdência, que seria facultativo, mantendo-se a coerência com a ideia de que os empregados devem ser trata- dos como donos do seu destino. As propostas aqui apresentadas, drásticas mais do ponto de vista cultural do que financeiro ou legal, poderiam representar uma mudança importante na filosofia do trabalhador brasileiro, transformando-o em um cidadão mais autônomo e empreendedor. A própria necessidade de definir onde aplicar o seu dinheiro, que seguro contratar, como planejar a aposentadoria etc., pode ser um passo importante RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 17 para que os jovens que entram no mercado de trabalho prefiram empreender e exceder limites a fazer um concurso público e trocar o seu possível sucesso estrondoso pela mediocridade da segurança sem perspectivas. 3. O CASO A empresa WWP, Inc., que estava interessada em ingressar no mercado brasileiro para vender componentes eletrônicos fabricados em sua planta na Argentina, em 1º de março de 2007, contratou como consultor o Sr. Luiz Pereira, um engenheiro eletrônico, com o objetivo de estudar o mercado bra- sileiro, definindo quais seriam os principais clientes em potencial e concor- rentes, os custos de importação dos componentes fabricados na Argentina, os impostos incidentes e, em resumo, auxiliar os executivos da WWP, Inc. a montar um business plan para o ingresso da WWP, Inc. no mercado brasilei- ro. A WWP, Inc. firmou contrato de consultoria com o Sr. Pereira, prevendo uma remuneração anual total de R$144.000, paga em doze parcelas mensais de R$ 12.000. O contrato foi firmado por prazo indeterminado e previa a possibilidade de rescisão, a qualquer tempo, por qualquer das partes, me- diante aviso prévio de 30 dias. Durante dois anos e meio (de março de 2007 a agosto de 2009), o Sr. Pereira trabalhou intensamente para a WWP, Inc., provendo os seus executi- vos no exterior de todos os dados necessários à definição de seu ingresso no mercado brasileiro. Durante esses anos, em vista das claras indicações de que seria interessante seu ingresso no mercado brasileiro, a WWP, Inc. concordou em montar um escritório na cidade de São Paulo, bem como em formar a WWP do Brasil Ltda., tendo o Sr. Pereira como seu gerente delegado. Deste pequeno escritório, o Sr. Pereira, com a ajuda de uma secretária, coordenou todos os esforços para que, em janeiro de 2009, a WWP, Inc. fizesse a sua primeira venda a um grande cliente brasileiro. Passada a fase inicial e iniciadas as vendas a clientes locais, os executivos da WWP, Inc. constataram que o Sr. Pereira não era a pessoa mais indicada para conduzir essa fase dos negócios. Na sua avaliação, apesar de ele ter realizado um excelente trabalho de investigação inicial, não possuía qualificações para continuar conduzindo o negócio, agora com vendas efetivas e vários clientes a serem explorados. Em 1º de agosto de 2009, a WWP, Inc. avisou o Sr. Pe- reira de sua intenção de rescindir o contrato de consultoria, tendo sido esta rescisão efetivada em 31 de agosto de 2009, ao término do aviso prévio de 30 dias contratualmente previsto. Inconformado com a rescisão, em dezembro de 2009, o Sr. Pereira ajuizou contra a WWP, Inc. e a WWP do Brasil Ltda. uma ação trabalhista, postu- lando o reconhecimento de vínculo empregatício com estas empresas pelo RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 18 período de 30 meses, iniciando em 1º de março de 2007 e terminando em 31 de agosto de 2009. A WWP, Inc. foi aconselhada por seu advogado a reservar em seus livros o valor integral do pedido formulado na ação, em vista das altas chances de êxito do reclamante, uma vez consideradas as peculiaridades do caso. A WWP, Inc. quer definir, em números aproximados, qual o valor de seu risco nesta ação. 4. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR “Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mauricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf MIGLIORA, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do risco trabalhista. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003. PASTORE, José e Nelso do Valle Silva, Mobilidade Social no Brasil” (Editora Makron Books, 1999) PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no Brasil. 1991, Editora LTr RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 19 11 FLÓREZ-VALDÉS apud bASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 145. 12 Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 141. AULA 3 E 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO TRABALHO 1. INTRODUÇÃO Os princípios são “as ideias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade, emanados da consciência social, que cumprem funções fundamentadoras, interpretativas e supletivas a respeito de seu total ordena- mento jurídico”.11 Os princípios gerais do direito são fontes subsidiárias de direito e assim acontece no Brasil, como preconiza a Lei de Introdução ao Código Civil no seu artigo 4º. No campo do direito do trabalho, os princípios são a base, a fundamenta- ção, a diretriz que deve ser seguida para a interpretação da norma trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inclui os princípios entre as fontes as quais a Justiça do Trabalho deve recorrer para sanar omissões no campo das relações de trabalho, ou seja, os princípios são enunciados de- duzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis, como o interprete, ao aplicar as leis.12 No campo do direito do trabalho, os princípios exercem papel funda- mental, dando aos dispositivos legais uma interpretação muitas vezes diversa daquela que seria natural pela sua simples leitura. Como ocorre hoje em outras áreas do direito, especialmente quando se identifica uma parte hipos- suficiente (um bom exemplo é a área do direito do consumidor), no direito do trabalho as normas são flexibilizadas em nome da proteção e respeito a princípios fundamentais. Isso será notado na análise dos temas mais relevan- tes na área do direito do trabalho. 2 PRINCIPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS O princípio da irrenunciabilidade de direitos, consagrado nos artigos 9º e 468 da CLT, surge como consequência das normas cogentes, que visam a proteção do trabalhador e são a base do contrato de trabalho. Do princípio da irrenunciabilidade de direitos, decorre a mais marcante peculiaridade do direito do trabalho brasileiro, que é a ausência quase total de autonomia da vontade quando se trata do trabalhador. Os direitos trabalhistas como um todo, sejam decorrentes de lei, acordo ou convenção coletivos, ou mesmo de ajuste direto entre empregado e em- pregador, não podem ser objeto de renúncia por parte do empregado, a não ser em situações excepcionalíssimas, cercadas de formalidades que sempre 11. FLÓREZ-VALDÉS apud bASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 145. 12. Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 141. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 20 têm por objetivo garantir que a manifestação de vontade do empregado não está viciada. Ou seja, a renúncia de direitos somente será possível se feita de forma expressa e dentro das situações previstas em lei, inexistindo, no Direito do Trabalho, o que ocorre nos demais ramos do Direito Privado, ou seja, a possi- bilidade de renúncia tácita. O direito ao aviso prévio, por exemplo, é irrenun- ciável pelo empregado, conforme entendimento jurisprudencial sumulado no Enunciado nº 276 do TST. Alguns autores defendem ainda que o princípio da irrenunciabilidade de- correria do vício presumido do consentimento do trabalhador ao renunciar aos seus direitos, uma vez que o mesmo não teria total liberdade para emitir a sua vontade em razão da subordinação a que está sujeito. O trabalhador sem- pre estaria, portanto, sob coação psicológica ou econômica ou, ainda, em de- terminados casos estaria na condição de quem desconhece seus reais direitos. Independentemente da teoria adotada, verifica-se que a nulidade de pleno direito atribuída às alterações contratuais que possam ser entendidas como prejudiciais ao empregado, leia-se, que impliquem em renúncia a direito ga- rantido por lei ou contrato acaba por engessar as relações de trabalho. Embora este princípio tenha como finalidade a proteção ao empregado, o mesmo acaba por ser um entrave à flexibilização do Direito do Trabalho, vista como uma moderna solução para o problema do desemprego, pelo menos em algumas camadas da sociedade. Um exemplo interessante é a obrigação de pagamento de horas extras a todos os empregados que não possam ser qualificados como ocupantes de cargos de gestão ou exercentes de atividades externas, nos termos do artigo 62 da CLT. Como estas exceções legais são demasiadamente limitadas, a lei acaba por exigir que a maioria esmagadora dos empregados, independente- mente do seu nível de educação ou da independência que possam usufruir no desempenho de suas funções, estejam sujeitos ao controle de horário e ao consequente pagamento de horas extras. Como de nada adiantaria aos empregadores convencionar com seus em- pregados de nível superior e ocupantes de cargos estratégicos (que mesmo assim não se qualificam como cargos de confiança para os efeitos do art. 62, inciso II, da CLT) a renúnciaao controle de jornada e ao recebimento de ho- ras extras, estas empresas normalmente optam pelo simples descumprimento da lei. Não é incomum que empresas que possuem um grupo de empregados de nível elevado e alto grau de comprometimento no desempenho das ativi- dades isente estes empregados do controle de horário. Estas empresas acabam por constantemente administrar um potencial passivo trabalhista consistente na possibilidade de estes empregados postularem horas extras com significati- vas chances de sucesso. Interessante notar que este passivo pode muitas vezes inviabilizar ou significativamente influenciar operações de compra e venda de RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 21 13 MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. empresas, já que o comprador facilmente identifica o risco e tenta afastá-lo de si através da prestação de garantias por parte do vendedor, ou mesmo pela simples redução do preço ajustado.13 O princípio da irrenunciabilidade não cuida apenas da renúncia de direi- tos, mas também da intransigibilidade. Três são tipos de direito que podem ser encontrados no Direito do Trabalho: (i) com conteúdo imperativo, cujo alcance é geral; (ii) com natureza imperativa, decorrente, por exemplo, do contrato de trabalho; e (iii) dispositivos ou supletivos. Os dois primeiros não poderão ser objeto de transação, mas somente o terceiro. Não pode o empregado, por exemplo, optar por ter anotada sua CTPS para não sofrer descontos de INSS. Mesmo que acordado entre o empregador e o emprega- do, o empregador seria intimado a pagar as cotas previdenciárias caso sofresse fiscalização, independentemente daquilo que havia acordado pelo emprega- do, por se tratar de norma cogente, cuja observância é obrigatória. Um outro caso interessante e real é o de um executivo que foi contratado por uma empresa estrangeira para trabalhar em sua subsidiária no País e teve o seu salário definido em moeda estrangeira. Assim, a cada mês, o seu salário em reais era calculado tomando-se por base a taxa de conversão da moeda estrangeira para reais. Passados alguns anos, com a alta da moeda estrangeira, o salário desse executivo em reais se tornou excessivamente alto, a ponto de se sugerir a sua demissão e a contratação de outro executivo para o seu lugar por não ser possível a redução do seu salário para níveis de mercado. Neste caso, o próprio executivo concordava que seu salário deveria ser reduzido em reais e queria poder manter o seu emprego. Entretanto, as par- tes sabiam que qualquer documento assinado pelo empregado nesse sentido seria inválido e criar-se-ia uma contingência em potencial para a empresa, caso o executivo viesse a questionar essa redução salarial no futuro. Este é um caso no qual a proteção aos diretos do empregado funcionou contra ele e contra a empresa, impedindo uma solução simples para o que poderia ser um problema simples. 3 PRINCIPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha assegurado a estabili- dade absoluta do trabalhador, a interpretação das normas referentes as inde- nizações devidas, quando da dispensa do empregado sem justa causa, sugere a presunção da duração do contrato de trabalho por tempo indeterminado. O contrato por prazo determinado (obra certa, escopo limitado no tempo, etc.) é uma exceção e, como tal, encontra uma série de restrições na legisla- ção trabalhista, como, por exemplo, o limite máximo de 2 (dois) anos e a possibilidade de uma única renovação, estabelecido no artigo 445 da CLT. O 13. MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 22 contrato de experiência é sem dúvida o mais usual dos contratos por tempo determinado, e tem duração limitada de 90 dias (artigo 445, parágrafo úni- co), prazo após o qual teria início o contrato por prazo indeterminado. O princípio da continuidade do contrato de trabalho também está presen- te nos artigos 10 e 448 da CLT, que tratam, respectivamente, das alterações na estrutura da empresa e na mudança de sua propriedade, que não irão afetar os direitos adquiridos e o contrato de trabalho. Ou seja, o legislador procurou proteger o trabalhador com a garantia de continuidade de seu con- trato de trabalho e das condições do mesmo, independentemente da venda, fusão ou incorporação, ou qualquer outra alteração no controle da empresa em que trabalha. 4 PRINCIPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE No Direito do Trabalho, a força dos documentos escritos é muito relativa e estes sucumbem às evidencias que o contrariem, que demonstrem que a realidade foi diferente do que estava no papel. A relação jurídica definida pelos fatos define a verdadeira relação jurídica. Isto significa que as relações jurídicas trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços. Ensina Arnaldo Sussekind que o princípio da primazia da realidade é aquele “em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contraentes, ainda que sob capa simulada, não corresponde à realidade”. Trata-se, portanto, de um princípio bastante peculiar do Direito do Traba- lho, em razão do sistema jurídico brasileiro privilegiar a forma e o conteúdo dos documentos escritos, em lugar da realidade das relações. Tome-se, por exemplo, um contrato no qual as partes estabelecem que uma intermediará vendas para a outra e que esta relação será uma relação de representação comercial, regida por lei específica, sendo o representante re- gistrado perante o competente órgão de classe dos representantes comerciais. Imagine-se que este contrato é firmado e, por anos a fio, as partes cumprem- -no à risca, até que o representado resolve rescindir o contrato, o que faz nos termos da lei aplicável a esta modalidade de relação jurídica. Se, neste mo- mento, o representante, sentindo-se lesado ou infeliz, resolver propor ação trabalhista contra o representado, alegando que a relação que havia entre eles era, de fato, uma relação de emprego, na qual estava ele sujeito a um nível de subordinação típico de um empregado, e o juiz do trabalho, ao analisar a conduta das partes durante a vigência do contrato, concordar que estavam presentes os elementos da relação de emprego, condenará o representado a pagar ao representante as verbas de natureza trabalhista aplicáveis, desconsi- RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 23 14 MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. 15 Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 191. derando totalmente os termos do contrato firmado e executado pelas partes por anos e anos.14 5 PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS BENÉFICA O princípio da proteção ao trabalhador se concretiza em três outros prin- cípios: (i) in dúbio pro operario; (ii) aplicação da norma mais favorável; e (iii) condição mais benéfica. O princípio do in dúbio pro operario significa dizer que sempre que houver dúvida acerca do alcance ou interpretação de determinada norma, ela deverá ser interpretada favoravelmente ao empregado, que seria a parte mais frágil da relação de emprego. O princípio da aplicação da norma mais favorável traduz a ideia de que a norma a ser aplicada será sempre aquela que for mais benéfica para o trabalhador, independentemente de sua posição hierárquica. Em termos práticos, isto equivale a dizer que prevalecerá sempre a condição mais benéfica ao trabalhador, seja ela decorrente da Constituição Federal ou de um regulamento interno da empresa. A condição mais benéfica se traduzi- ránaquele que se reverter em maior benefício para o empregado. As normas de hierarquia mais elevadas acabam por estabelecer pisos de direitos, e não os seus limites. As normas de hierarquia inferior e mesmo os contratos individuais de trabalho prevalecem quando se trata de definir direi- tos dos trabalhadores. 6. APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO DO TRABALHO 6.1. Introdução Uma norma jurídica, quando é criada, não visa à regulação de um caso concreto. O objetivo da criação da norma é antecipar, mediante um processo de abstração, as classes de relações interindividuais que exijam a intervenção do Estado. As leis, portanto, são meios de comandos abstratos e gerais. Mas é necessário que o direito seja aplicado. Para que o direito cumpra sua missão, é necessária, também, a “efetividade social”, que se traduz na sua vigência, na sua aplicação.15 A aplicação do direito é a adaptação da norma abstrata a um caso concre- to, o aplicador do direito tira a lei abstrata do papel e aplica a um caso real, existe uma passagem do geral para o particular. 14. MIGLIORA, Luiz Guilherme e VEIGA, Luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. 15. Süssekind, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, pág. 191. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 24 6.2. Interpretação Interpretar a lei é aplicá-la a um caso concreto; é atribuir-lhe um signifi- cado, determinando um sentido, ou seja, descobrindo a vontade da lei. Pelo sistema tradicional, o intérprete seria um simples explicador da lei; ele apli- caria exatamente o que está na lei. Por esse método, todo direito está na lei, sendo esta a expressão da vontade do legislador. Existe também o método histórico evolutivo de interpretação de leis, que parte da premissa de que a norma tem uma vida própria, ela pode ter uma interpretação na época de sua criação e outra na época de sua aplicação, ou seja, a mesma norma pode ter um sentido na sua formação e outro sentido no momento que é aplicada. O sistema teleológico visa buscar a finalidade da norma. O intérprete deve aplicar a norma de acordo com as necessidades práticas que o direito busca atender. Portanto, da leitura desses sistemas, nota-se que os sistemas inter- pretativos oscilam entre dois extremos: a busca da vontade do legislador ou a busca por se atender as necessidades sociais do momento. Para alcançar o sentido da lei, devem ser usados vários meios de interpreta- ção, como a interpretação gramatical, a interpretação lógica e a interpretação sistemática. Esses meios devem ser usados em conjunto, e não isoladamente. Somente assim o interprete pode conduzir a interpretação da lei a um resul- tado satisfatório. Pode acontecer de não existir uma lei para uma certa relação da vida social, isto é, o legislador pode não ter previsto um caso que o Estado será chamado a resolver. Nesses casos, o juiz poderá usar a analogia, a doutrina e os princípios gerais do direito para conseguir solucionar o caso concreto que a lei não previu. A analogia é um processo de indução pelo qual se extrai o princípio a apli- car-se ao caso concreto não previsto. Então a analogia consiste na aplicação ao caso concreto não contemplado pela norma jurídica de um dispositivo de lei ou princípio do direito previsto para uma hipótese semelhante. Se a razão da lei é a mesma, idêntica há de ser a solução. A doutrina conceitua-se como o conjunto de trabalhos científicos que tra- duzem a opinião dos autores sobre o direito. Se o objeto de seu estudo é um tema especifico, dela surgirão várias correntes e pensamentos. Por sua vez, os princípios gerais do direito são, como dito anteriormente, enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico per- tinente que visam ajudar o interprete a aplicar as normas ou a sanar omissões. O intérprete do direito deve, na aplicação das normas, visar atender os fins sociais aos quais elas se dirigem. Em razão disso, no Direito do Trabalho esse in- térprete deve se guiar pelos princípios específicos dessa área para aplicar a norma. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 25 7. EFICÁCIA NO TEMPO E NO ESPAÇO A aplicação das normas do direito do trabalho é de caráter imediato. Po- rém, deve-se respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O artigo 912 da CLT preceitua que “os dispositivos de caráter im- perativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”. As normas trabalhistas têm efeito imediato, mas, como se pode observar do artigo 912 da CLT, não têm efeito retroativo. A Constituição brasileira não admite a retroatividade da lei conforme seu artigo 5º, XXXVI. A lei não pode retroagir para mudar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Quanto à aplicação da lei trabalhista no espaço, no Direito do Trabalho é aplicado o princípio da territorialidade, isto é, a norma aplicada é a do local onde aconteceu a relação trabalhista. O artigo 651 da CLT e o Enunciado 207 do TST consagram o princípio da territorialidade nas relações traba- lhistas. Essa norma se aplica também no caso de conflito internacional de normas trabalhistas. 8. CASO “Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário em que são partes: FRANCISCO JOSE SERRADOR E TURNER INTER- NATIONAL DO BRASIL LTDA como recorrentes e OS MESMOS como recorridos. Inconformados com a r. sentença de 1º grau proferida pela MM 1ª Vara do trabalho às fls. 1141/1162, complementada pela decisão dos embargos às fls. 1194/1197, recorrem ordinariamente ambas as partes, o reclamante atra- vés das razões de fls. 1201/1226 e a reclamada às fls. 1227/1257. Sustenta o reclamante o seu inconformismo em relação ao não acolhimen- to das teses de existência de sucessão empresarial e unicidade contratual, bem como no reconhecimento da justa causa. Pretende que a reclamada seja con- denada no pagamento em dobro das férias relativas ao período aquisitivo de 87/88 e 91/91, na integração à sua remuneração do salário pago no exterior, do benefício concedido em razão de passagens aéreas que deve ser reconheci- do como salário in natura, assim como o direito de participar de um progra- ma de compra de ações de qualquer empresa do grupo, por preço subsidiado, devendo tais parcelas integrar a remuneração e repercutir nas parcelas legais e o pagamento em dobro das férias relativas aos períodos de 87/88 e 91/92. A reclamada em seu apelo demonstra seu inconformismo, sustentando em síntese em preliminar à inépcia da petição inicial e, no mérito, entende que RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 26 devem ser excluídas da condenação as parcelas deferidas no julgado a quo, tais como: as comissões “programa de FS”, a integração na remuneração do reclamante dos benefícios concedidos a título de automóvel e combustível, já que as mesmas não se caracterizam salário in natura, a integração do bônus por ter caráter eventual, a não aplicação do benefício produtividade em razão das cláusulas específicas do contrato de trabalho do reclamante, que preveem aumento real de remuneração, o pagamento das férias relativa ao período de 20 dias do ano de 1982, 20 dias do ano de 1990 e 5 dias do ano de 1991, bem como a condenação das diferenças relativas aos depósitos fundiários.” (trecho do acórdão proferido pela 3a. Turma do TRT da 1a. Região no RO No. 6387/00). A partir do relatório do acórdão transcrito no caso gerador, mais especifi- camente no que concerne ao recurso do reclamante, Francisco José Serrador, dispensado quando exercia a função de Presidente de Vendas para a América Latina da empresa Turner International do Brasil Ltda., pode-se identificar a aplicação dos os seguintes princípios: • Primeiramente, o princípio da continuidade do contratode trabalho, identificado pelo acórdão no seguinte trecho: “A resposta aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a fls. 1004, onde consta que encontram-se acostados às fls. 164/173, cópias reprográficas da AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO, sendo certo que o item 3 da mesma tem o seguinte teor: “3 — O co-réu Francisco serrador (doravante denominado simples- mente ‘SERRADOR’), começou a prestar serviços à TURNER IN- TERNATIONAL TELEVISION LICENSING COMPANY, INC., em 1986, ocasião em que a UNITED ARTISTS TV INTERNATIO- NAL, empresa na qual SERRADOR trabalhava desde 1973, foi adqui- rida pelo GRUPO TURNER”. É, por si só, suficiente para afastar qualquer dúvida que pudesse existir quanto à existência de sucessões trabalhista e de empregador único (o Grupo Turner). Devidamente provado que houve a aquisição de uma empresa pela outra, tal alteração na estrutura jurídica da empresa não afeta os direitos adquiridos pelos empregados, nem seus contratos de trabalhos, tudo consoante o dispos- to nos arts. 10 e 448 da CLT.” Aqui se nota a utilização do princípio da continuidade do contrato de trabalho, embora não de forma típica, que seria a proteção do ajuste por prazo indeterminado em detrimento do ajuste por prazo certo. No caso do RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 27 acórdão em estudo, desconsidera-se a existência de dois contratos distintos para declarar, com base em dispositivos específicos que regulam a sucessão de empregadores, a continuidade de um só contrato de trabalho (o chamado “contrato único”). • Logo a seguir, quando o reclamante/recorrente requer o reconheci- mento de parcelas não constantes de seu contato de trabalho e não quitadas no Brasil, como, por exemplo, o salário pago no exterior, constata-se a utilização de outro princípio. Nesse caso, temos que, em função do princípio da primazia da realidade no Direito do Traba- lho: restando demonstrado (i) que o reclamante percebia determina- dos valores no exterior, não importando se estes valores constavam de seu contrato de trabalho, e (ii) que os mesmos eram decorrentes dos serviços prestados pelo empregado no País, nos termos do contrato firmado com a sua empregadora aqui, o tribunal declarou que esses pagamentos deveriam ser considerados como integrantes do contra- to de trabalho com a empresa local, independentemente de estarem previstos em contrato de prestação de serviços firmados com a sua coligada no exterior, como se denota do seguinte trecho: “DO SALÁRIO PAGO NO EXTERIOR Declarado pela Reclamada que o Reclamante trabalhava para o Grupo Turner (itens 2 a 4 da Ação de Indenização proposta pela Re- clamada no Juízo Cível, a fls. 478), além de serem devidas as diferenças de FGTS, férias e 13o salário em razão das comissões e bônus pagos pela empresa estrangeira, como decidido pelo d. Juízo a quo, devidas são também as diferenças de FGTS (observada a prescrição trintenária, na forma do Enunciado no. 295 do C. TST), e de férias e 13o salário (observada, para ambos, a prescrição quinquenal) em razão dos salários pagos no exterior, consoante documentos a fls. 47/52, 667/73, 84/87, e fls. 191 (item 5).” • Há aqui, também, a contribuição dos princípios da aplicação da nor- ma mais benéfica, bem como da irrenunciabilidade de direitos. No caso concreto que gerou o acórdão, o empregado firmara contrato de prestação de serviços através do qual receberia parte de sua remune- ração de uma empresa estrangeira coligada da sua empregadora lo- cal. Este contrato previa a prestação de serviços a esta empresa e a remuneração do empregado nos termos das leis aplicáveis no país da contratação no exterior. A decisão de que este contrato deveria ser desconsiderado e que os pagamentos realizados sob a sua tutela de- veriam ser agregados aos pagamentos decorrentes do contrato com a RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 28 empresa brasileira decorreram certamente do entendimento de que: (i) a aplicação da lei brasileira a estes pagamentos, além de condizente com o princípio da aplicação da lei do local da prestação de serviços, decorre também do fato inegável de que a lei brasileira era mais bené- fica ao trabalhador; e (ii) a desconsideração do contrato firmado pelo empregado com a empresa no exterior, sob o qual pagamentos foram feitos a ele, equivale à declaração de invalidade de um documento fir- mado pelo empregado através do qual estaria renunciando a direitos seus decorrentes da aplicação da lei brasileira aos pagamentos por ele recebidos também no exterior. Interessante notar a aplicação destes princípios, sem ressalvas, mesmo num caso em que o empregado ocupava a mais elevada posição dentro da hierarquia da empresa. No Direito do Trabalho, a proteção aos empregados, que se baseia em muito nos princípios antes citados, não é aplicada de forma discriminatória dependendo do nível social do empregado: todos são prote- gidos da mesma forma, ficando qualquer possibilidade de relativização desta norma a cargo de cada julgador, variando caso a caso. 9. QUESTÕES DE CONCURSO OAB/Goiás 2003 (1ª fase — 1º exame) 047) — No julgamento da ação trabalhista, inexistindo normas legais, o Juiz recorrerá: a) ( ) à solução mais favorável ao hipossuficiente. b) ( ) à legislação revogada. c) ( ) ao ser livre arbítrio. d) ( ) à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito. OAB /MATO GROSSO 2003 (1ª fase, 1º exame) 53. Pelo princípio da norma mais favorável, aplicável ao direito do traba- lho, havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma ma- téria, será hierarquicamente superior, e, portanto, aplicável ao caso concreto, a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis. Todavia, esse princípio possui exceções. A saber: I — na hipótese das leis proibitivas do Estado; II — quando a norma decorre de negociações coletivas para dar atendi- mento a situações emergenciais; III — nas cláusulas normativas que cedem à necessidade de flexibilização, pactuando reduções transitórias de direitos dos trabalhadores; RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 29 IV — quando o conflito de leis ocorrer entre norma de origem profissio- nal e norma estatal, hipótese em que prevalece esta. Responda: a) ( ) Todas as opções acima atendem ao enunciado da questão. b) ( ) Somente a opção IV não atende ao enunciado da questão. c) ( ) Somente a opção I atende ao enunciado da questão. d) ( ) As opções I e II atendem ao enunciado da questão, enquanto que as opções III e IV não atendem ao enunciado da questão. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 30 16 Valentim Carrion, In: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., 2002, Editora Saraiva, pág. 20, aponta a menção aos que chamou de “sem relação de emprego” em determi- nados dispositivos da CLT. “a) o emprei- teiro ou artífice (só para lhe permitir pleitear perante a Justiça do Trabalho o preço estipulado com seu cliente, art. 652, III), b) os avulsos, que trabalham mediante intermediação de mão-de- -obra: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigi- lância de embarcações, L. 8.630/93 e L.9.719/98, e aos que a CF de 1988, art. 7º, XXXIV, garante os mesmos direitos dos empregados; c) os que devem pos- suir carteira de trabalho e previdência social (art.13 e segs.)” 17 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do Risco Traba- lhista. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Juris, 2003, pp. AULA 5. O TRABALHADOR E SEUS VÁRIOS TIPOS DE PRESTADORES DE SERVIÇO Entende-se por relação de trabalho aquela que envolve um alguém que necessita de determinado serviço e outro alguém que irá prestar o serviço de que o outro necessita. Nas relações de trabalho modernas existem diversas espécies de prestação de serviço. Cada uma delas é regida de uma formaespecial, como, por exemplo, o colaborador em obra social, o estagiário, o síndico e o sócio. Podemos dizer que a diferenciação mais relevante para determinar como será regida a prestação de serviço está na pessoa do prestador de serviço e im- plica em determinar sua qualidade de empregado ou não-empregado. A Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) rege a prestação de serviço pelo empregado16, isto é, a relação de emprego, que é espécie do gênero rela- ção de trabalho. Portanto, para definir o que é relação de emprego, é neces- sário conhecer os elementos caracterizadores dessa relação que a diferenciam das demais relações de trabalho, determinando assim a legislação aplicável. 1. VÍNCULO EMPREGATÍCIO E ELEMENTOS CONFIGURADORES O artigo 3º da CLT define como empregado “toda pessoa física que pres- tar serviços de natureza não-eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”. Ou seja, para que seja caracterizada a existência de vínculo de emprego é necessária a presença concomitante dos requisitos elencados no artigo 3º da CLT, a saber17: 1.1 Pessoalidade A prestação de serviço deve ser feita com pessoalidade, isto é, trata-se de uma relação intuitu persone, em que existe a necessidade de que os serviços sejam sempre prestados pessoalmente pelo empregado. Nesse caso, o empre- gado não pode se fazer substituir por outra pessoa. 1.2 Subordinação Trata-se do elemento mais característico da relação de emprego. A su- bordinação consiste, basicamente, na sujeição do empregado ao poder de direção e comando exercido pelo empregador de determinar as condições de utilização da força de trabalho do empregado. Por se tratar de um conceito 16. Valentim Carrion, In: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Ed., 2002, Editora Saraiva, pág. 20, aponta a menção aos que chamou de “sem relação de emprego” em determi- nados dispositivos da CLT. “a) o emprei- teiro ou artífice (só para lhe permitir pleitear perante a Justiça do Trabalho o preço estipulado com seu cliente, art. 652, III), b) os avulsos, que trabalham mediante intermediação de mão-de- -obra: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigi- lância de embarcações, L. 8.630/93 e L.9.719/98, e aos que a CF de 1988, art. 7º, XXXIV, garante os mesmos direitos dos empregados; c) os que devem pos- suir carteira de trabalho e previdência social (art.13 e segs.)” 17. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do Risco Trabalhista. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Juris, 2003, pp. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 31 18 Martins, sérgio Pinto, Direito do Traba- lho. São Paulo, Atlas S.A., 2002, pp 19 Martins, sérgio Pinto, op. cit., , pp vago, determinar a presença do elemento em uma relação de trabalho nem sempre é tarefa fácil. 1.3 Não-Eventualidade A prestação de serviços deve se dar, ainda, de modo contínuo para o em- pregador. A não-eventualidade talvez seja o mais polêmico dos requisitos do artigo 3º da CLT, uma vez que possui um elemento subjetivo, que é a percep- ção do conceito de eventualidade, ou, como alguns doutrinadores preferem chamar, habitualidade. A grande discussão refere-se à frequência com a qual determinado serviço deve ser prestado para que seja considerado não-eventu- al, ou seja, habitual. Conforme ensina Sérgio Pinto Martins18, a prestação de serviços é na maioria das vezes feita diariamente, muito embora pudesse ser feita de outra forma. Poderia o empregado trabalhar uma ou duas vezes por semana, mas sempre no mesmo dia e horário para que ficasse caracterizada a continuidade da prestação de serviços. Nesse sentido, importa lembrar que, diferentemente de um contrato de compra e venda, por exemplo, que se exaure numa única prestação (é pago o preço e entregue a coisa), o contrato do trabalho é de trato sucessivo, se prolongando no tempo. 1.4 Onerosidade Por fim, o último requisito seria a onerosidade, que significa a retribuição pecuniária pelo serviço prestado pelo empregado. Quando os serviços forem prestados gratuitamente não se caracterizará o vínculo de emprego. Exem- plo sempre lembrado para esclarecer essa questão é o caso da pessoa que se voluntaria para prestar gratuitamente serviços para um hospital ou entidade beneficente. Nesse sentido, a Lei 9.608/98, em seu artigo 1º, estabelece que o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, uma vez que se trata de atividade não-remunerada. Sergio Pinto Martins19 enumera, além desses 4 requisitos, um requisito adicional, que seria a alteridade. Alteridade significa o empregado prestar serviços por conta alheia. É o trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. Já o trabalhador autônomo presta serviço por conta própria e assume os riscos de sua atividade. 18. Martins, sérgio Pinto, Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A., 2002, pp 19. Martins, sérgio Pinto, op. cit., , pp RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO RIO 32 20 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, op. cit., p. 21 Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, ob. cit., Pág. 2. TRABALHADOR AUTÔNOMO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL A CLT não se aplica aos trabalhadores autônomos, mas apenas a empre- gados, razão pela qual não se encontra a sua definição no referido diploma legal. A definição de trabalhador autônomo pode ser encontrada na legislação previdenciária como a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não (Lei 8.121/91, artigo 12, V, “a”). A principal diferença entre o trabalhador autônomo e o empregado é que o autônomo não é subordinado àquele que contrata sua prestação de servi- ços, não estando sujeito ao poder diretivo do empregador, podendo exercer livremente sua atividade de acordo com sua conveniência. Além disso, o au- tônomo trabalha por conta própria e não alheia: ele tem os riscos do negócio. Deve ser registrado, no entanto, que a contratação de serviços ligados di- retamente à atividade de uma empresa através de trabalhadores autônomos geralmente implica em riscos para a empresa contratante. Na realidade, o trabalho autônomo é comum e não traz riscos quando desenvolvido eventu- almente. São claramente autônomos, por exemplo, técnicos em informática que vão a empresas de pequeno porte, quando solicitados para resolver pro- blemas além de uma ou duas vezes por mês para manutenção. Esses traba- lhadores geralmente gozam de total autonomia na prestação de seus serviços. Se, entretanto, eles passam a estar na empresa com maior frequência, a seguir normas da empresa, a respeitar horário e, especialmente, a se reportar a al- guém na empresa, deixam de ser autônomos e passam à categoria de empre- gados.20 Como já dito acima, a subordinação é a nota característica do contrato de trabalho. Assim, uma vez verificada a existência de subordinação, cuja con- figuração pode ocorrer, por exemplo, quando o prestador de serviços estiver sujeito ao cumprimento de (a) jornadas de trabalho previamente definidas pelo empregador e (b) ordens emanadas do empregador, relacionadas tanto aos aspectos técnicos quanto disciplinares, restará configurado o vínculo de emprego.21 3. EMPREGADO URBANO E RURAL De acordo com redação do artigo 7º, b, da CLT, os preceitos deste di- ploma legal não se aplicavam aos trabalhadores rurais. Referido dispositivo, contudo, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 7º, equiparou os trabalhadores urbanos e rurais ao garantir-lhes os mesmos direitos. Assim, não mais aproveita a definição de trabalhador 20. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, op. cit., p. 21. Migliora, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, ob. cit., Pág. RELAçõES DE TRAbALHO I FGV DIREITO
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