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Antropológica do espelho com a televisão pode ascender, mas no interior do modelo neoliberal para o setor da mídia e das telecomunicações. É isto mesmo a dita "sociedade da informação": um slogan tecnicista, manejado por in- dustriais e políticos. Nada há aqui do que antes se chamaria de "revolucionário". Há tão-só hibridização dos meios, acompanhada da reciclagem acelerada dos conteúdos (sampling, no jargão da tecnocultura), com novos efei- tos sociais. Uma fórmula já antiga, como o noticiário jornalístico, quando transmitida em tempo real, torna-se estratégica nos termos globalistas do mercado financeiro: um pequeno boato pode repercutir como terremoto em regiões do planeta fisicamente distantes.Uma en- ciclopédia temporalmente acelerada torna-se "hipertexto". Apoiadas no computador, as redes e as neotecnologias do virtual deixam intacto, todavia, o conceito de médium, entendido como ca- nalização - em vez de inerte "canal" ou "veículo" - e ambiência es- truturados com códigos próprios. É inadequada, por isto, a designa- ção de "pós-midiáticas" - baseada na consideração de que a nova mí- dia não implica apenas uma extensão linear da tradicional - para as novas tecnologias. Médium, entenda-se bem, não é o dispositivo técnico. Um exem- plo comparativo: o género musical conhecido como "rock'n roll" é, na verdade, o negro rythm'n blues, acoplado à então novidade técnica do disco de vinil em 33 rotações por minuto e socialmente produzi- do por rádio (disc-jockey) e mercado. Da mesma maneira, médium é o fluxo comunicacional, acoplado a um dispositivo técnico (à base de tinta e papel, espectro hertziano, cabo, computação, etc.) e social- mente produzido pelo mercado capitalista, em tal extensão que o có- digo produtivo pode tornar-se "ambiência" existencial. Assim, a Internet, não o computador, é médium. O médium televisivo (com possibilidades de mutação técnica, a exemplo das previsões de especialistas sobre o "telecomputador") permanece ainda hoje como fulcro da mídia tradicional, enquanto que o virtual e as redes (Internet), até agora isentos do regime de concessões estatais, apontam para caminhos ainda não totalmente discerníveis. Indiscutível é a evidência de que tempo real e espaço virtual operam midiaticamente o redimensionamento da relação es- pácio-temporal clássica. I - O ethos midiatizaclo 1. Um quarto bios Tudo isto, associado a um tipo de poder designável como "cibe- rocracia", confirma a hipótese, já não tão nova, de que a sociedade contemporânea (dita "pós-industrial") rege-se pela midiatização, quer dizer, pela tendência à "virtualização" ou telerrealização das re- lações humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação. A estas se deve a multiplicação das iccnointerações setoriais. É preciso esclarecer o alcance do termo "midiatização", devido à sua diferença com "mediação" que, por sua vez, distingue-se sutilmente de "interação", um dos níveis operativos do processo mediador. Com i to, toda e qualquer cultura implica mediações simbólicas, que são linguagem, trabalho, leis, artes, etc. Está presente na palavra mediação 0 significado da ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas par- tes (o que implica diferentes tipos de interação), mas isto é na verdade • l i vorrência de um poder originário de descriminar, de fazer distinções, 1 " > i tanto de um lugar simbólico, fundador de todo o conhecimento. A linguagem é por isto considerada mediação universal. Para inscrever-se na ordem social, a mediação precisa de bases ma- i « 1 1 ais, que se consubstanciam em instituições ou formas reguladoras ilo relacionamento em sociedade. As variadas formas da linguagem e as i M I l i t a s instituições mediadoras (família, escola, sindicato, partido, etc.) i n \e de valores (orientações práticas de conduta) mobilizadores • l i consciência individual e coletiva. Valores e normas institucionaliza- i l i is legitimam e outorgam sentido social às mediações. J ú midiatização é uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação entendida como processo informacional, i i rboque de organizações empresariais e com ênfase num tipo parti - • 1 1 lar de interação - a que poderíamos chamar de "tecnointeração" -, u icrizada por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica < l i realidade sensível, denominada médium5. Trata-se de dispositivo l" I I I " é, na História humana, a prótese primitiva que mais se assemelha ao médium COM I M I M I I C O , j;uardudas as devidas diferenças. É que o espelho - superfície capaz de re- i l ' I N .1 i . iduçio l um ino s a i r a d u x ix- f lcx iva i iK-nic <> mundo sensível, fechando em sua rasa llpcrflcic tudo aquilo que i r l l r l i - . ( I n i f i l i n i n , por sim \v/, .V I /MH/ Í Í o espelho, nus 11:10 c jamais l . i i n l u n i i o n d i i 11 i n . u l d ! ItíVO diqUÍlo qUC d i / n l l r l i r . cultural historicamente emergente no momento em que o processo da comunicação é técnica e industrialmente redefinido pela informação, isto é, por um regime posto quase que exclusivamente a serviço da lei estrutural do valor, o capital, e que constitui propriamente uma nova tecnologia societal (e não uma neutra "tecnologia da inteligência") em- penhada num outro tipo de hegemonia ético-política. A astúcia das ideologias tecnicistas consiste geralmente na ten- tativa de deixar visível apenas o aspecto técnico do dispositivo mi- diático, da "prótese", ocultando a sua dimensão societal compro- metida com uma forma específica de hegemonia, onde a articula- ção entre democracia e mercadoria é parte vital de estratégias cor- porativas. Essas ideologias costumam permear discursos e ações de conglomerados transnacionais e de ideólogos dos novos forma- tos de Estado. Aplicado a médium, o termo "prótese" (do grego prosthenos, ex- tensão), entretanto, não designa algo separado do sujeito, à maneira de um instrumento manipulável, e sim a forma tecnointeracional re- sultante de uma extensão especular ou espectral que se habita, como um novo mundo, com nova ambiência, código próprio e sugestões de condutas. Isto equivale a dizer que essa forma é que não se pode instrumentalizar por inteiro, isto é, objetivá-la socialmente como um dispositivo submetido a um sujeito, por ser uma entidade capaz de uma retroação expropriativa de faculdades tradicionalmente ati- nentes à soberania do sujeito, como saberes e memória. Já existe, aliás, algo de especular em toda e qualquer conduta, como bem viu Goethe, ao dizer que "a conduta é o espelho em que todos exibem a sua imagem". Mas a canalização em que implica a prótese midiática não se confunde com a prótese clássica de um es- pelho, ainda que possa, a exemplo da imagem especular, ser chama- da de "extensiva e intrusiva", por nos permitir olhar onde o olho não alcança (o rosto, as costas, etc.). A palavra deve ser agora tomada como metáfora intelectiva, para um ordenamento cultural da socie- dade em que as imagens deixam de ser reflexos e máscaras de uma realidade referencial para se tornarem simulacros tecnicamente au- to-referentes, embora político-economicamente a serviço de um novo tipo de gestão da vida social. 22 No espclhamcnto de parte da mídia tradicional ou "linear" (ci- nema, televisão), ainda se mostra ou se aponta com imagens "paraes- peculares", para um espaço externo (como na figura retórica da hi- potipose), que se busca representar realisticamente. Ou seja, ainda há na representação um efeito irradiado do referente externo. Já nos ambientes digitais da nova mídia, porém, o usuário pode "entrar" e mover-se, graças à interface gráfica, trocando a representação clássi- ca pela vivência apresentativa. O "espelho" midiático não é simples cópia, reprodução ou refle- xo, porqueimplica uma forma nova de vida, com um novo espaço e modo de interpelação coletiva dos indivíduos, portanto, outros parâ- metros para a constituição das identidades pessoais. Dispõe, conse- qúentemente, de um potencial de transformação da realidade vivi- da, que não se confunde com manipulação de conteúdos ideológicos (como se pode às vezes descrever a comunicação em sua forma tradi- cional). É forma condicionante da experiência vivida, com caracte- rísticas particulares de temporalidade e espacialização, mas certa- mente distinta do que Kant chamaria, a propósito de tempo e espa- ço, de forma a priori. A forma midiática condiciona apenas na medida em que se abre a permeabilizações ou permite hibridizações com outras formas vi- gentes no real-histórico. Trata-se de fato da afetação de formas de vida tradicionais por uma qualificação de natureza informacional - uma tecnologia societal, como já frisamos - cuja inclinação no senti- do de configurar discursivamente o funcionamento social em função dos vetores mercadológicos e tecnológicos é caracterizada por uma prevalência da forma (que alguns autores preferem chamar de "códi- go"; outros, de "meio") sobre os conteúdos semânticos. São os aspectos de hipertrofia e de um certo vampirismo dessa lorma codificante e tecnointeracional que suscitam as desconfianças de críticos da cultura tardo-moderna (como Baudrillard), mas que lambem atraem as alvíssaras de outros, a exemplo de McLuhan, para quem nessa forma-meio está a própria mensagem, isto é, o conteúdo. Nela se põem em primeiro plano o envolvimento sensorial, a pura i dação, a "mensagem". Antropológica do espelho Todo este processo é uma expansão do que Giddens chama de "reflexividade institucional" - um dos motores da modernidade -, ou seja, o uso sistemático da informação ou do saber com vistas à re- produção de um sistema social6. Na modernidade clássica, a reflexi- vidade histórica uma pletora de recursos racionais (filosofia, ciên- cias sociais, publicismo, etc.) aplicada à vida caracterizava-se por uma competência analítica voltada para a compreensão dos fenóme- nos humanos e sociais: a auto-reflexividade, exaltada como uma de- monstração da soberania do espírito. Hoje, o processo redunda numa "mediação" social tecnologica- mente exacerbada, a midiatização, com espaço próprio e relativa- mente autónomo em face das formas interativas presentes nas me- diações tradicionais. A reflexividade institucional é agora o reflexo tornado real pelas tecnointerações, o que implica um grau elevado de indiferenciação entre o homem e a sua imagem - o indivíduo é so- licitado a viver, muito pouco auto-reflexivamente, no interior das tecnointerações, cujo horizonte comunicacional é a interatividade absoluta ou a conectividade permanente. Desde o imediato pós-guerra, esse processo vem alterando costu- mes, crenças, afetos, a própria estruturação das percepções e agora se perfaz com a integração entre os mecanismos clássicos da represen- tação e os dispositivos do virtual. Mas o conceito de midiatização - ao contrário do de mediação - não recobre a totalidade do campo so- cial, e sim, como já frisamos, o da articulação hibridizante das múlti- plas instituições (formas relativamente estáveis de relações sociais comprometidas com finalidades humanas globais) com as várias or- ganizações de mídia, isto é, com atividades regidas por estritas finali- dades tecnológicas e mercadológicas, além de culturalmente afina- das com uma forma ou um código semiótico específico. Implica a midiatização, por conseguinte, uma qualificação parti- cular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas de vida, um bios específico. Logo nas primeiras páginas de sua Ética a Nicômaco, 6. Cf. Giddens, A. Une Théorie Critique de Ia Modernité Avanccc. In: Structuration du So- i-inl a ,\t<itl,'niiti: Avancée. Org.: Michcl Anelei et Hainid Houchikhi, PUL, Quchcc. 24 I — O etnos midiatizado Aristóteles distingue, a exemplo do que já fizera Platão no Filebo, ires géneros de existência (bios) na Polis: bios theoretikos (vida con- icmplativa), bios politikos (vida política) e bios apolaustikos (vida pra- /crosa, vida do corpo)7. Cada bios é, assim, um género qualificativo, um âmbito onde se desenrola a existência humana, determinado por Aristóteles a partir do Bem (to agathon) e da felicidade (eudaimonia) aspirados pela co- munidade. A "vida de negócios", a que o filósofo faz breve referência no mesmo texto, não constitui nenhum bios específico, por ser moti- vada por "alguma coisa mais" (entenda-se: mais do que o Bem e a fe- licidade), apontada como "algo violento". Partindo-se da classificação aristotélica, a midiatização ser pen- ..ida como tecnologia de sociabilidade ou um novo bios., uma espécie t l r i/narto âmbito existencial, onde predomina (muito pouco aristote- l u ;i mente) a esfera dos negócios, com uma qualificação cultural pró- |n i ; i (a "tecnocultura"). O que já se fazia presente, por meio da mídia 1 1 .ulicional e do mercado, no ethos abrangente do consumo, consoli- ilu-sc hoje com novas propriedades por meio da técnica digital. De fato, as descrições correntes de ambientes interativos e imer- lívos digitalmente criados apontam para traços análogos as formas • l - vida. Murray, por exemplo, relaciona propriedades processuais, > | u i consistem em programar e definir aptidões para a execução de Ttgn\s;participatórias, ou seja, programam-se comportamentos e res- is; espaciais ou possibilidades de movimentar-se, de "navegar" i "i" (logicamente e enciclopédicas, devido à gigantesca capacidade de \crvacao de dados pelo computador8. Nossa ideia de um quarto bios ou uma nova forma de vida não é n K i .unente académica, uma vez que já se acha inscrita no imaginário ' " i n i-mporâneo sob forma de ficções escritas e cinematográficas. Tal i . l H » i exemplo, a base narrativa do filme norte-americano O show de , em que o personagem principal vive numa comunidade i r,\(\\c\cs.EticaaNicômaco, livro I, parte 5. Referimo-nos aqui a duas edições: l)£ii- i i i 'w i í i / i « '< í_v Ética Eudcmia. Biblioteca Clássica Gredos, 1988; 2) Nicomachean Ethics. l h i i v r M i v nl Chicago ( t r adução de David Ross). \ \ m i . i v , l . n i r i I I [famalct on the holodeck: '1'hc future <>fnarrative incyberspace. TheFree Antropológica do espelho sem saber que todas as suas ações cotidianas, de trabalho, vizinhan- ça, amizade, amor, etc. são cenarizadas e transmitidas a um público mundial, em tempo real, por ubíquas câmaras de televisão, controla- das por técnicos e um diretor de programação. A cidade imaginária de Truman é de fato uma metáfora do quarto bios, um arremedo da forma social midiática. O mesmo princípio imaginário, embora com diferentes hipóte- ses tecnológicas, tem sido trabalhado em filmes como Matrix, O 12° andar, A cidade das sombras e outros. Nestes, não se trata mais de um espetáculo para a indústria cultural, nem de mídia tradicional (a te- levisão), mas de "realidade virtual" produzida por computação. Di- ferentemente de O show de Truman, aqui já se joga com a hesitação coletiva na determinação do que é original (substância) ou simulado (linguagem, discurso, informação numérica) em matéria de vida. Na verdade, há muito tempo se sabe que a linguagem não é ape- nas designativa, mas principalmente produtora de realidade. A mídia é, como a velha retórica, uma técnica política de linguagem, apenas potencializada ao modo de uma antropotécnica política - quer dizer, de uma técnica formadora ou interventora na consciência humana - para requalificar a vida social, desde costumes e atitudes até crenças religiosas, em função da tecnologia e do mercado. A questão inicial é a de se saber como essa qualificação - histori- camente justificada peloimperativo de redefinição do espaço públi- co burguês em face das mudanças estruturais, que vêm deslocando o Estado liberal clássico e desestruturando a sociedade de classes tra- dicional - atua em termos de influência ou poder na construção da realidade social (moldagem de percepções, afetos, significações, cos- tumes e produção de efeitos políticos) desde a mídia tradicional até a novíssima, baseada na interação em tempo real e na possibilidade de criação de espaços artificiais ou virtuais. Esta é, na verdade, a questão central de toda sociologia ou toda antropologia da comunicação contemporânea. E a maior parte das pesquisas até agora realizadas sobre influência e efeitos, especial- mente os políticos, tem levado à convicção de que a mídia é estrutu- radora ou reestruturadora de percepções e cognições, funcionando como uma espécie de agenda coletiva. I — O emos midiatizaao Ancora-se nessa convicção a hipótese (académica) norte-ameri- i anã da agenda-setting9, em especial no que diz respeito ao impresso. A palavra agenda é, em latim, um particípio futuro passivo: "(as coi- sas que) devem ser feitas". Agendar é organizar a pauta de assuntos Miscetíveis de serem levados em conta individual ou coletivamente. Não se trata de mera preocupação da Academia. A pergunta fre- quente sobre as possibilidades de democracia participativa na mídia nu sobre seus poderes de transformação social exige um esclareci- mento preliminar quanto à natureza do poder da informação, quan- ID à sua especificidade. Evidente já se fez que a democratização (ou qualquer ponto-de-fuga l 'a ra o status quo monopolista) não é nada que se obtenha pela multi- plicidade técnica de canais, nem por uma legislação liberal aplicada íls telecomunicações, nem mesmo pela concentração de espaços pro- movida pelas redes cibernéticas, que faz os "grandes" equivalerem v i u ualmente aos "pequenos". É que a tecnocultura - essa constituída por mercado e meios de lunicação, a do quarto bios ~ implica uma transformação das for- mas tradicionais de sociabilização, além de uma nova tecnologia i" i ccptiva e mental. Implica, portanto, um novo tipo de relaciona- M i i - n t o do indivíduo com referências concretas ou com o que se tem • 1'iivcncionado designar como verdade, ou seja, uma outra condi- çío antropológica. Do ponto de vista da mídia tradicional - televisão e entreteni- nto, basicamente -, o poder da tecnocultura é homólogo (e a ho- i m >logia não se dá por acaso, passa pelo vetor globalizante do chama- i ln "turbocapitalismo" e do mercado) à hegemonia norte-americana n" ()cidente, que reside em sua capacidade de formar a agenda polí- tica c noticiosa internacional, de produzir em seus laboratórios e in- • l i r,i rias a maior parte dos objetos da economia midiática e de atrair onsciências para uma forma de vida sempre modernizadora, por is do liberalismo democrático e do consumo. Na verdade, a lógica dos processos de mídia associa-se, desde fins .óculo XIX, à dinâmica da vida norte-americana, assim definida M:u- Comb, M. & Slinw, Donald. The Agenda-Setting Function ofMass-Media. Public liou Quartcrly, 36, 72, p. 176/187. Antropológica do espelho pelo presidente Calvin Coolidge: "O negócio dos Estados Unidos são os negócios". Mas sob o feitio neoliberal assumido pela globali- zação no final do milénio, desde quando começou a extraordinária expansão da economia dos Estados Unidos, exacerbou-se a dimen- são imperial (em detrimento da dimensão republicana), do poder desse país sobre o mundo, sobrecarregando o agendamento midiáti- co com as molduras neoliberais da homogeneização. Por mais despolitizado que pretenda parecer, o bios midiático im- plica de fato uma refiguração do mundo pela ideologia norte-ameri- cana (portanto, uma espécie de narrativa política), caucionada pelo fascínio da tecnologia e do mercado. Nele, estão presentes as marcas essenciais de uma "universalidade" americana. Se o Império Roma- no dominou o mundo pela espada e pelos ritos, o Império America- no controla pelo capital e pela agenda midiática do democratismo comercial (informação, difusionismo cultural, entretenimento). Não há nada de verdadeiramente "libertário" nos ritos do rock'n roll e do consumo, há tão-só coerência liberal. 2. Efeitos políticos Agenda não significa, porém, doutrinação ou inculcação de ideias em consciências dispostas como tabula rasa. Induz às vezes a esta crença o tipo de crítica dirigido à mídia por militantes políticos ou então autores como Noam Chomsky e Hans Magnus Enzensberger, quando a caracterizam como "indústria de manipulação das cons- ciências". Embora seja ponderável o diagnóstico de que a mídia res- tringe, ao invés de ampliar a liberdade de expressão, esses autores deixam passar despercebida a dificuldade da categoria "manipula- ção", que implica pura linearidade ou instrumentalidade absoluta do médium e a hegemonia de uma consciência sobre a outra. Como já vimos, inexiste esse tipo de linearidade, e a própria mídia, espe- cialmente em sua nova configuração de plena realidade virtual, já é urna nova forma de consciência coletiva, com um modo específico de produzir efeitos. Por exemplo, os efeitos políticos: ninguém vota num político "televisivo" porque a tevê manda, à maneira manipulativa do Gran- de Irmão orwelliano, e sim porque fez sua escolha a partir de um ce- I — O ethos midiatizado nário - que a tevê cria por notícias convenientemente editadas, dra- mas, espetáculos, entrevistas, comentários -, na verdade, uma "agen- d.r sub-reptícia do que deve ser o político ou do que deve fazer o ele- i to r para tornar-se compatível com a modernidade apregoada pela >nomia de mercado, que por sua vez sustenta a televisão. Mas alguém pode votar num político determinado simplesmen- te porque ele aparece, no modo quase-presente da imagem, ocupan- do o espaço publicitário que lhe foi reservado pelas disposições da le- lação eleitoral. Ou seja, vota porque o outro simplesmente existe n espaço valorizado (a mídia), o que o torna legitimado pelo regi- im ile visibilidade pública hegemónico. O slogan da Internet - "o i | i i c não está na Internet simplesmente não existe" - aplica-se igual- 1 1 u 111 c à mídia tradicional. Daí, a disputa acirrada dos partidos - nos p.uses em que há um horário eleitoral reservado gratuitamente a po- l i i n os - por minutos a mais na televisão. A análise de processos eleitorais concretos pode contribuir para " melhor esclarecimento desse ponto. Por exemplo, a sintomática l n .10 de Fernando Collor de Mello para a presidência da república luas i le i ra em 1989. Sabe-se que ele detinha o apoio de setores con- \adores da sociedade (desde as elites empresariais e financeiras < i u r desejam aumentar a flexibilidade económica com a manutenção > i ranização tradicional do Estado até os setores privilegiados da í issc média) e da rede hegemónica de televisão (Rede Globo), assus- i .n h is com a plataforma política do Partido dos Trabalhadores. Res- a conquistar a) a massa de eleitores flutuantes ou indecisos, em 11 os mais suscetíveis de serem influenciados nas últimas horas pelos incios de comunicação ou pelos resultados da simulação de um "i u i no eleitoral antecipado", em que se constituem as pesquisas de 0| ao; b) a massa de eleitores socialmente desarraigados. As avaliações estritamente políticas do papel da televisão nesse i . '.só eleitoral tendem a atribuir um grande peso ao viés da rede • mônica favorável a Collor, assim como à manipulação das ima- i is no debate final entre os dois candidatos (mais tempo e melhores momentos para Collor; menos tempo e piores momentos para Lula, o M i d i . l ai o do PT). Inicialmente, é preciso redefinir a natureza desse ames das imagens televisivas favoráveis, houve um fato muito 1 1 n l - o 1 1 a i i i e da eapitalização de recursos ede influências, pelo conglo- ido ( dobo, im i i o a l ideranças de empresas privadas e estatais.