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47R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 A não cumulatividade no IVA europeu e nos tributos brasileiros não cumulativos Christiano Mendes Wolney Valente Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado pela Escola Superior de Advocacia da OAB-DF e pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto de Cooperação e Assistência Técnica (ICAT) da Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF). Mestrando em Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: <tiam@uol.com.br>. Resumo: O artigo realiza uma análise comparativa entre a aplicação da técnica da não cumulatividade dentro dos tributos brasileiros que a adotam (Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e telecomunicações – ICMS, contribuições ao PIS/COFINS não cumulativas) e o IVA europeu como praticado em Portugal, a fim de apresentar os pontos de contato e de distanciamento entre os referidos tributos, contribuindo, assim, para o estudo de uma possível harmonização e unificação entre os Impostos Gerais de Consumo praticados no Brasil e aqueles praticados por seus parceiros comerciais, tendo como norte o IVA europeu. Sumário: 1 Introdução – 2 A técnica da não cumulatividade – 3 Número de operações gravadas – 4 Ativo imobilizado – 5 Insumos – 6 Quadro comparativo – 7 Conclusões – Referências 1 Introdução A globalização, compreendida esta como a transnacionalização dos mercados de insumo, produção, finanças e consumo que se acentuou em velocidade e mecanismos a partir de 1980,1 implica o surgimento de novas instituições de caráter 1 Referimo-nos apenas a uma das faces do fenômeno globalização. Segundo José Eduardo Faria: “[...] globalização não é um conceito unívoco. Pelo contrário, é um conceito plurívoco, comumente associado à ênfase dada pela literatura anglo-saxônica dos anos 80 a uma nova economia política das relações internacionais. Desde a última década, esse conceito tem sido amplamente utilizado para expressar, traduzir e descrever um vasto e complexo conjunto de processos interligados. Entre os processos mais importantes destacam- se, por exemplo, a crescente autonomia adquirida pela economia em relação à política; a emergência de novas estruturas decisórias operando em tempo real e com alcance planetário; as alterações em andamento nas condições de competitividade de empresas, setores, regiões, países e continentes; a transformação do padrão de comercio internacional, deixando de ser basicamente inter-setorial e entre firmas e passando a ser eminentemente intra-setorial e intra firmas; a ‘desnacionalização’ dos direitos, a desterritorialização das formas institucionais e a descentralização das formas políticas do capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas comerciais no plano mundial, a desregulamentação dos mercados de capitais, a interconexão dos sistemas financeiro e securitário em escala global, a realocação geográfica dos investimentos produtivos e a volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos espaços de reprodução social, a proliferação dos movimentos imigratórios e as mudanças radicais ocorridas na divisão internacional do trabalho; e, por fim, o aparecimento de uma estrutura político-econômica multipolar incorporando novas fontes de cooperação e conflito tanto no movimento do capital quanto no desenvolvimento do sistema mundial” (FARIA, 2000, p. 59). RFDT_73_MIOLO.indd 47 05/03/2015 11:20:25 wolney Texto Revista Fórum de Direito Tributário: RFDT, Belo Horizonte, v. 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015. wolney Retângulo R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201548 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE regional e diferentes dos Estados-Nação,2 como forma de viabilizar a obtenção de melhores condições de participação no intercâmbio mundial, maximizar o aumento das economias de escala, minimizar os custos sociais e econômicos da própria globalização e propiciar uma defesa minimamente eficaz contra a especulação financeira e os fluxos de capitais não produtivos (FARIA, 2000, passim). Nesse contexto, papel ímpar é desempenhado pelo Imposto sobre o Valor Adicionado – IVA (“Taxe sur le valeur ajoutée – TVA”) como maneira de se uniformizar e harmonizar a legislação dos diversos países integrantes desses grupos referente ao chamado Imposto Geral de Consumo ou Imposto Geral de Vendas.3 Não por acaso, relatório fornecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)4 informa que tal espécie de tributo (IVA) está presente em trinta e três dos seus trinta e quatro países membros (OECD, 2012, p. 23). A importância do IVA como espécie uniformizada ou harmonizada de Imposto Geral de Consumo ou Vendas aumenta sobremaneira quando se verifica a participação crescente desses impostos, juntamente com os impostos sobre a renda assalariada, na composição da receita tributária dos Estados em todo o mundo em detrimento da tributação sobre a renda globalizada e dos Excise taxes (impostos especiais sobre o consumo, v.g. impostos específicos sobre a aquisição de bens de luxo, álcool, tabaco etc.).5 No ano de 2010, dentro dos países da OCDE, os Impostos Gerais sobre o Consumo produziram 20% (vinte por cento) do total das receitas fiscais, em comparação com apenas 12% (doze por cento) em meados dos anos de 1960. Tal crescimento foi acompanhado pelo decréscimo da participação das receitas fiscais provenientes dos Impostos Específicos de Consumo (Excise taxes) de 24% (vinte e quatro por cento) em 1965 para 11% (onze por cento) em 2010 (OECD, 2012, p. 24). 2 Como exemplos dessas novas instituições temos a União Europeia, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), a APEC (Asia Pacific Economic Cooperation), a ASEAN (Association of South East Asian Nations), o Mercosul (Mercado Comum do Cone Sul), todas no caminho do supranacionalismo, abrindo caminho para a criação de grupos de interesse transnacionais, dotados de uma burocracia própria e específica. 3 Segundo Maurin Almeida Falcão (2013): “[...] a harmonização da TVA é um dos pontos de partida para toda iniciativa de integração por ser um símbolo das liberdades indispensáveis à abolição das fronteiras no interior do mercado”. 4 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (Organisation de coopération et de développement économiques) é uma organização internacional sediada em Paris, França, surgida durante a guerra-fria, no contexto do Plano Marshall, composta por 34 países membros que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado, sendo a maioria países com altos PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano, e produzem mais da metade de toda a riqueza do globo. Tal organização procura fornecer uma plataforma para comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. 5 Para Maurin Almeida Falcão (2013): “[...] o incremento da globalização, por meio da expansão das empresas transnacionais e dos investimentos, estaria na origem da adoção de um novo perfil dos sistemas tributários. A criação de mecanismos de atração de investimentos estrangeiros levaria ao deslocamento da tributação sobre a renda proveniente dos ganhos de capital para a tributação sobre o consumo e sobre a renda assalariada. Assim, estavam lançados os mecanismos que constrangeriam os sistemas tributários a um movimento de convergência dentro de um ambiente submetido à globalização, ao multilateralismo e à integração econômica e, ainda, à contestação do Estado-providência”. RFDT_73_MIOLO.indd 48 05/03/201511:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 49 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS Do mesmo modo, nos países da América Latina a participação dos Impostos Gerais sobre o Consumo aumentou de 24% (vinte e quatro por cento) em 1990 para 35% (trinta e cinco por cento) em 2009. Já a parcela dos Excise taxes caiu de 28% (vinte e oito por cento) para 15% (quinze por cento) no mesmo período (OECD, 2012, p. 40). A nota característica essencial do IVA é a sua incidência não cumulativa, ou seja, a aplicação da técnica da não cumulatividade. Essa técnica é o que permite sejam colhidos os bons frutos dessa tributação, criando uma fiscalização cruzada6 entre os próprios contribuintes, atingindo a neutralidade fiscal7 e a organização horizontal dos agentes econômicos,8 com facilidade para desonerar as operações de exportação.9 Todos esses frutos beneficiam a livre circulação dos bens, pois a deso- neram e estimulam, o que é essencial para uma maior integração econômica entre os países e regiões. O presente trabalho tem por escopo realizar uma análise comparativa entre a aplicação da técnica da não cumulatividade dentro dos tributos brasileiros que a adotam (Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e telecomunicações – ICMS, contribuições ao PIS/COFINS não cumulativas) e o IVA europeu como praticado em Portugal a fim de apresentar os pontos de contato e de distanciamento entre os referidos tributos, contribuindo assim para o estudo de uma possível harmonização e unificação entre os Impostos Gerais de Consumo praticados no Brasil e aqueles praticados por seus parceiros comerciais, tendo como norte o IVA europeu. O estudo desenvolver-se-á dentro de uma análise comparativa horizontal já que o instituto investigado pertence ao sistema do Civil Law (Romano-Germânico), não havendo a necessidade de fazer maiores incursões sobre a sua formação, limitando- se apenas a revelar a forma como a não cumulatividade é atualmente aplicada nos tributos selecionados, sob uma perspectiva normativa, pragmática e descritiva no nível das regras aplicáveis.10 6 Cada contribuinte, por estar interessado no seu próprio creditamento pelo imposto que já foi pago, fiscaliza o contribuinte anterior na cadeia a fim de garantir o seu crédito. 7 O conceito de neutralidade fiscal está ligado à estabilidade do ônus tributário, ou seja, o ônus de determinado contribuinte dentro da cadeia independe do número de operações anteriormente tributadas. 8 Em uma tributação cumulativa os agentes econômicos tendem a se verticalizar a fim de reduzir a carga tributária com a diminuição da circulação dos bens e serviços, o que gera a ineficiência decorrente da falta de especialização. 9 Na tributação cumulativa os tributos são inevitavelmente “exportados”, ou seja, a carga tributária é teoricamente suportada pelo importador, pois a desoneração se torna complexa dada à impossibilidade de se identificar o quantum que incidiu na cadeia. Na prática, quem acaba suportando a carga é o exportador, já que reduz o preço de sua mercadoria a fim de torná-la competitiva no mercado internacional. 10 Segundo Marc Ancel (1980, p. 45 et seq. e 115 et seq.), existem três tendências metodológicas para o estudo do direito comparado: o estudo do direito positivo em sua evolução e realidade efetiva (história comparativa do direito, história universal do direito, etc.) – perspectiva evolutiva; o direito comparado normativo (confrontação de conceitos entre diversos sistemas jurídicos) – perspectiva normativa; a busca pragmática por um sistema RFDT_73_MIOLO.indd 49 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201550 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE 2 A técnica da não cumulatividade Inicialmente, é de observar que não pertence aos objetivos deste trabalho a investigação da natureza principiológica da não cumulatividade, na medida em que o instituto será analisado consoante a forma e os métodos com que se dão as deduções (direito ao creditamento) existentes nos ordenamentos jurídicos apresentados. Desse modo, o que nos interessa aqui é o seu caráter técnico e pragmático em cada tributo investigado, descurando-se de sua natureza axiológica. Quando se fala em “não cumulatividade” tributária a expressão pode ter três conotações usualmente aceitas. A primeira é a negativa da exigência de dois ou mais tributos sobre um mesmo fato gerador. Explica-se. Quando dois tributos são exigidos sobre um mesmo fato gerador pode-se ter uma situação de bis in idem, quando a exigência é feita pelo mesmo sujeito ativo, ou bitributação (também chamada de dupla tributação) quando a exigência é feita por sujeitos ativos diversos. No caso brasileiro, uma situação típica de bis in idem é a incidência do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ambos tributos de competência tributária da União incidentes quando do desembaraço aduaneiro na importação. Já uma situação de bitributação ou dupla tributação bastante conhecida ocorre quando países diversos fazem uso de critérios diversos para a tributação sobre a renda, v.g. o Brasil que usa o critério da fonte e os Estados Unidos da América (EUA) quando usam o critério do domicílio para tributar a renda de uma pessoa residente nos EUA, mas que aufere rendimentos no Brasil. Já em uma segunda conotação, temos a negativa da inclusão (ou impossibilidade da não exclusão) de determinados tributos na base de outros ou deles mesmos. No Brasil essa cumulatividade ocorre no caso do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) que integram cada qual a sua própria base de cálculo e um a base de cálculo do outro.11 São tributos que se cumulam, portanto. Para que não houvesse tal cumulatividade seria necessária uma lei específica afirmando a impossibilidade de tal cumulação. A terceira conotação, que é a que nos interessa, diz respeito à incidência de um determinado tributo sobre as diversas fases de uma cadeia de produção, distribuição jurídico universal (realização concreta de uma integração e cooperação entre os países) – perspectiva pragmática. Quanto aos níveis de análise, considera a existência de três, cada qual com um método próprio: a análise das regras (justaposição de regras legais – método descritivo); a análise da instituição (elaboração dos quadros legais de determinada instituição em ambos os direitos – método técnico) e a análise do sistema (apreensão global dos sistemas em comparação – método estrutural). Para a situação específica do estudo de casos, aponta o método funcional que examina as soluções dadas nos países para um mesmo problema humano. 11 Segundo a Lei nº 9.316, de 22 de novembro de 1996: “Art. 1º O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo” (BRASIL, 2013). RFDT_73_MIOLO.indd 50 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 51 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS e comercialização de bens e prestação de serviços, de forma não cumulativa, ou seja, de forma a gravar apenas a riqueza agregadapor cada contribuinte em cada etapa dessa cadeia. Essa é a não cumulatividade típica dos IVAs que é identificada no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e telecomunicações (ICMS), nas contribuições ao PIS/COFINS não cumulativas, tributos brasileiros, e no IVA europeu. Dentro dessa terceira conotação é que surgiram as várias técnicas (também chamados de regimes de operacionalização) de se atingir a não cumulatividade, conforme se segue. 2.1 Método aditivo De acordo com o método aditivo, o valor agregado (base de cálculo do tributo) é obtido através da soma dos salários pagos pela empresa ocupante de determinada fase da cadeia e dos demais dispêndios por ela incorridos (custos de produção com insumos, despesas e matérias-primas) com os lucros obtidos (margem de lucro) em determinado período (SEHN, 2011, p. 264). Segundo Cesare Cosciani, o método foi assim definido pelo segundo relatório da missão chefiada por Carl S. Shoup (“Missão Shoup”), enviada pelos Estados Unidos da América ao Japão para reorganizar suas finanças após a Segunda Guerra Mundial, in verbis: Más aún, en el segundo informe, para facilitar el cálculo del impuesto, en lugar del método de determinación por diferencia, se daba opción para utilizar el de adición, que consiste en obtener la base imponible por la suma de los salarios, intereses y rentas pagados, con los beneficios determinados a los fines del impuesto a la renta. (COSCIANI, 1969, p. 33-34) O método é chamado de aditivo direto quando sobre esse valor se aplica dire- tamente a alíquota do tributo cujo resultado informará o seu quantum debeatur. Se houver a necessidade de intermediação de outra alíquota para a composição da base de cálculo do tributo ou a existência de alíquotas diversas discriminando diferentes tipos de custos ou lucros obtidos, o método é chamado de aditivo indireto, pois essas alíquotas intermediárias aumentariam (se superiores a 100%) ou diminuiriam (se inferiores a 100%) o valor agregado (um aumento significaria um ataque à neutralidade fiscal, uma diminuição ensejaria desoneração). Também ocorre o método aditivo indireto quando são aplicadas alíquotas diversas do tributo para cada componente do valor agregado. Afirma André Mendes Moreira (2012, p. 73) que tal forma de tributação está nacionalmente presente na Argentina e em Israel, para a tributação das instituições financeiras, e nos Estados de Michigan (desde 1976) e New Hampshire (desde RFDT_73_MIOLO.indd 51 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201552 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE 1993). No entanto, essa metodologia não é a adotada por nenhum dos tributos que são objeto de estudo do presente trabalho, de forma que está sendo mencionada apenas a título informativo. 2.2 Método subtrativo Diferentemente do método aditivo, o método subtrativo invoca uma operação de subtração para se chegar à da base de cálculo do imposto ou, após o cálculo do imposto, para se chegar ao valor devido. Na primeira hipótese, tem-se o método subtrativo base sobre base (basis on basis). Na segunda, o método subtrativo imposto sobre imposto (tax on tax). Vejamos. 2.2.1 Método subtrativo base sobre base No método subtrativo base sobre base, inicia-se a identificação da base de cálculo do IVA com o preço total da operação (bens) ou prestação (serviços). Em um segundo momento, dele se deduz o valor das mercadorias e serviços adquiridos pelo con tribuinte (despesas e custos) que a lei elenca como dedutíveis.12 Isto é, a lei sele- ciona quais são os dispêndios da empresa (aqueles mesmos dispêndios utilizados no método aditivo, v.g. salários, custos de produção, insumos, despesas e matérias- primas) que serão deduzidos do preço total da operação ou prestação para se chegar à base de cálculo do tributo. Sobre essa base de cálculo é que se aplica a alíquota do tributo, chegando-se ao método subtrativo base sobre base direto. Como no método aditivo, se antes da aplicação da alíquota do tributo houver a intermediação de outra alíquota, trata-se de método subtrativo base sobre base indireto. Explicando de outra forma, se sobre os dispêndios selecionados pela lei houver uma limitação de valor caracterizada pela incidência de uma alíquota antes de se abater do preço total da operação ou prestação, para aí sim chegar-se à base de cálculo do tributo, trata-se de método subtrativo base sobre base indireto. De observar que se a lei limitar as espécies de dispêndios que serão deduzidos ou fizer sobre eles incidir previamente uma alíquota inferior a 100% (cem por cento), há restrição da neutralidade. Esse método é o normalmente utilizado quando não há a identificação do tributo pago nas faturas (notas fiscais), pois, juntamente com o método aditivo, são a única forma de se empregar aí a não cumulatividade, já que se desconhece o valor dos tributos que incidiram nas fases anteriores da cadeia. 12 O ideal é que a lei selecione exatamente os custos e despesas que compuseram a base de cálculo do tributo na fase anterior a fim de preservar a neutralidade fiscal. RFDT_73_MIOLO.indd 52 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 53 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS O método subtrativo base sobre base direto existe em poucos lugares do mundo. Segundo André Mendes Moreira (2012, p. 74), o Japão e o Vietnã o adotam. Aliás, os estudos para a adoção de tal método no Japão datam de 1949, com o projeto de- corrente do envio da já mencionada “Missão Shoup”. O projeto assim previa: [...] la mejor solución consiste en ampliar la base del impuesto y aplicar la tasa, no sobre el beneficio, sino respecto de los intereses, rentas y salarios. En otras palabras, esa base puede definirse como: el monto integral bruto de lo cobrado menos lo adquirido de otras empresas, incluidas las compras de equipos, terrenos y construcciones. La diferencia es lo que la empresa agrega al valor de los materiales, etc., que ella adquirió de otras empresas. (ESTADOS UNIDOS DA AMéRICA, p. 201) Já o método subtrativo base sobre base na forma indireta somente existe no Brasil, sendo aqui adotado para a contribuição social para financiamento da Segu- ridade Social (COFINS) e para a contribuição para o Programa de Formação do Patri mônio do Servidor Público e Programa de Integração Social (PIS/PASEP) não cumulativos, consoante a Lei nº 10.637/2002 e a Lei nº 10.833/2003. Para essas contribuições, prevê a legislação nacional nos arts. 1º da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003 (BRASIL, 2012) que o fato gerador e a base de cálculo são o “faturamento mensal”, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.13 Sobre essa base de cálculo incide uma alíquota de 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento) para a COFINS e de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) para o PIS/PASEP, chegando-se ao valor do tributo devido, do qual serão descontados créditos calculados sobre as despesas e custos que os arts. 3º da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003 elencam como dedutíveis, após a aplicação das mesmas alíquotas de 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento) para a COFINS e de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) para o PIS/PASEP (BRASIL, 2012). Ou seja, o encontro da base tributável com a base creditável é intermediado pela incidência de alíquotas (forma indireta). Nesse caso, pelofato de as alíquotas incidentes sobre a base de 13 Aqui reside a primeira diferença entre esses tributos e os demais IVAs sob exame. A legislação brasileira, com amparo na Constituição Federal de 1988, artificiosamente ampliou o conceito de faturamento para abranger, além das receitas provenientes da venda de mercadorias e serviços, também todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou natureza contábil. Sendo assim, o tributo na verdade tem como fato gerador e base de cálculo a receita bruta e não o faturamento, como ordinariamente os IVAs têm, já que normalmente incidem sobre o valor das faturas. Sua base de cálculo, portanto, é mais ampla que a dos IVAs. Tal, a nosso sentir, não prejudica a classificação do tributo ao lado dos IVAs, tendo em vista que apenas significa mais um ataque à neutralidade fiscal, entre tantos outros. Em sentido contrário, André Mendes Moreira, para quem tais tributos não podem ser considerados tipicamente não cumulativos tendo em vista que a tributação sobre a receita bruta descaracteriza a plurifasia necessária para tal tipo de exação que tem por princípio a incidência do gravame na circulação de riquezas (MOREIRA, 2012, p. 102 e 111 et seq.). RFDT_73_MIOLO.indd 53 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201554 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE cálculo e sobre a base creditável serem idênticas, o efeito é o mesmo que se o tributo fosse apurado pelo método subtrativo base sobre base direto. A existência dessa alíquota intermediária, portanto, somente se justifica por razões de política fiscal, permitindo ao legislador alguma margem de manobra para no futuro desmembrar, aumentar ou reduzir a alíquota incidente sobre determinadas despesas e custos a serem creditados. 2.2.2 Método subtrativo imposto sobre imposto O método subtrativo imposto sobre imposto, também conhecido como invoice credit (crédito na fatura) ou tax on tax, consiste em fazer incidir uma alíquota sobre o valor da venda da mercadoria ou serviço (valor faturado), calculando-se o valor do tributo e, em um segundo momento, permitir a dedução do valor do imposto pago que incidiu na operação anterior na cadeia e que foi destacado na respectiva nota. O pressuposto desse método é que o imposto esteja sempre destacado nas notas fiscais de compra e de venda, pois o imposto pago na compra é utilizado como crédito para se abater do imposto devido na venda. Como nos demais métodos, as variações direta e indireta são possíveis, bas- tando para caracterizar o método subtrativo imposto sobre imposto indireto a inci- dência de uma alíquota intermediando o encontro entre os impostos pagos a serem compensados. Ou seja, se o imposto pago não puder ser integralmente compensado por haver a incidência de uma alíquota para a formação do crédito a ser compensado, dá-se a adoção do método indireto, do contrário, dá-se o método subtrativo imposto sobre imposto direto. Esta última é a forma mais comum no mundo de se empregar a não cumu- latividade. O método subtrativo imposto sobre imposto direto é o empregado no IVA de Portugal, que segue as diretivas do IVA europeu, no IPI e no ICMS brasileiros. Na Europa, por ocasião da formação do Mercado Comum Europeu, houve a necessidade de se uniformizar a legislação tributária dos países membros, ocasião em que foi publicada a Primeira Diretiva IVA, de 11 de abril de 1967, para a substi- tuição dos sistemas gerais de impostos indiretos por um sistema comum de tributação sobre o valor agregado. A Sexta Diretiva (77/388/CEE, de 17 de maio de 1977) uniformizou a base tributável para todos os Estados-membros da CEE. Em Portugal, foi essa Sexta Diretiva que serviu de base à transposição do IVA para a legislação interna em 1º de janeiro de 1986, abandonando-se o antigo Imposto sobre Transações. Atualmente, o IVA europeu é regrado pela Diretiva nº 112/2006, da União Europeia e em Portugal pelo Código do IVA (Decreto-Lei nº 102, de 20 de junho de 2008, publicado com a autorização legislativa do art. 91 da Lei nº 67-A, de 31 de dezembro de 2007). RFDT_73_MIOLO.indd 54 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 55 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS No que interessa ao ponto em exame, segundo o art. 19 do Código do IVA Português (NEVES, 2012, p. 347): Decreto-Lei nº 102, de 20 de junho de 2008. ARTIGO 19º Direito à dedução 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; b) O imposto devido pela importação de bens; c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j) e l) do nº 1 do artigo 2º; (Decreto-Lei nº 186/2009, de 12 de Agosto); d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto; e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o nº 6 do artigo 15º. 2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal; b) No recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via electrónica pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos quais conste o número e data do movimento de caixa. O artigo mencionado não deixa dúvidas a respeito da adoção do método sub - trativo imposto sobre imposto direto, havendo, inclusive, menção expressa à fatura em que é discriminado o imposto pago (invoice credit). No ICMS brasileiro, o método subtrativo imposto sobre imposto direto está previsto diretamente na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2013), a saber: Constituição Federal de 1988 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) [...] §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) RFDT_73_MIOLO.indd 55 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201556 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; [...] O inciso foi reproduzido com as mesmas palavras pelo art. 19, da Lei Comple- mentar nº 87/96 (BRASIL, 2013), verbo ad verbum: Lei Complementar nº 87/96 Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Do mesmo modo, a Constituição Federal de 1988 prevê em relação ao IPI, in verbis: Constituição Federal de1988 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] IV - produtos industrializados; [...] §3º - O imposto previsto no inciso IV: [...] II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; [...] A Carta Constitucional Brasileira, ao se referir ao “montante cobrado” e ao “que for devido”, com toda evidência está se referindo ao imposto calculado na operação anterior e ao imposto calculado na operação subsequente, compensando ambos, havendo aí o encontro dos impostos. A adoção do método imposto contra imposto é mais clara na legislação do IPI, em que explicita o Código Tributário Nacional (BRASIL, 2013): Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. [...] Neste aspecto, portanto, o IVA Português, o IPI e o ICMS estão acordes, enquanto as contribuições sociais do PIS/PASEP e COFINS não cumulativos adotam critério diverso. RFDT_73_MIOLO.indd 56 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 57 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS 3 Número de operações gravadas Segundo André Mendes Moreira (2012, p. 74), nos tributos sujeitos à não cumu latividade é importante observar o número de estágios do processo produtivo que são gravados. Um ciclo completo do processo produtivo compreende a produção (fabricação) ou a importação, a distribuição e a venda ao consumidor final. A primeira etapa diz respeito à entrada do produto em circulação e corresponde à saída do produto do estabelecimento fabricante ou à aquisição do produto pelo esta belecimento importador. Na segunda etapa estão os estabelecimentos distribuidores atacadistas ou o estabelecimento importador que farão o papel de distribuir o produto no mercado interno para outros distribuidores atacadistas ou para o varejista. Na terceira etapa se situam os comerciantes varejistas que farão a venda para outros varejistas ou para o consumidor final, em que se completa o ciclo. De ver que somente a primeira etapa é composta de uma única operação.14 A segunda e a terceira etapas podem ter múltiplas operações, pois a mercadoria já está em circulação, podendo transitar por inúmeros atacadistas ou varejistas antes de chegar ao consumidor final. Decerto, os tributos onde é possível a aplicação da não cumulatividade têm por pressuposto serem plurifásicos, ou seja, devem incidir em mais de uma etapa do processo produtivo, do contrário, não há o que ser cumulado ou compensado. Os tributos que incidem em uma única fase do processo produtivo são chamados de monofásicos. Com toda evidência, a monofasia exclui a não cumulatividade. No que diz respeito ao número de operações gravadas, uma análise do fato gerador do IVA Português e das contribuições sociais do PIS/PASEP e COFINS não cumu lativos revela que são tributos mais completos que o ICMS e o IPI. Explico. O IVA no modelo europeu é “[...] um imposto geral sobre o consumo, que se aplica em todas as fases do circuito econômico por que passam os produtos até ao consu midor final” (ESTRELLA, 2013). Possui um fato gerador alargado que, segundo o art. 1º do Código do IVA Português (NEVES, 2012, p. 18), abrange igualmente as trans missões de bens e as prestações de serviços, a saber: 14 “Denomina-se operação todo e qualquer ato ou negócio jurídico que implique no impulsionamento do bem ou mercadoria ao seu destino final, passando desde a origem da cadeia econômica até o consumo. Ou seja, todo ato que leve o bem a circular economicamente em direção ao consumo. [...] Nessa longarina, exsurge o conceito de circulação econômica. É a movimentação econômica do bem desde a sua origem, passando por todas as fases de agregação de valor até chegar ao consumidor como produto final. É a ideia de que a matéria-prima recebe tratamento desde a sua concepção, sendo beneficiada de maneira a revelar um produto novo, acabado e pronto ao consumo, cumprindo todas as fases do ciclo de produção do bem. É o exemplo do sapato e do tecido, que vêm desde o couro bruto e o algodão, respectivamente, até chegar às suas diversas espécies” (ESTRELLA, 2013). RFDT_73_MIOLO.indd 57 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201558 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE Decreto-Lei nº 102, de 20 de junho de 2008 ARTIGO 1º Incidência objectiva 1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal; b) As importações de bens; c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias. As contribuições sociais do PIS/PASEP e COFINS não cumulativos, por incidirem sobre o faturamento global e demais receitas de todas as empresas contribuintes,15 também não discriminam bens e serviços, ou as fases do circuito econômico. Transcreve-se: Lei nº 10.637/2002 Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. §1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. §2º A base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep é o valor do faturamento, conforme definido no caput. [...] Lei nº 10.833/2003 Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. §1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. §2º A base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido no caput. [...] 15 É importante mencionar que a abrangência das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas sobre forte golpe em razão de sua limitação às empresas submetidas à apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) pelo lucro real, já que a maior parte das empresas do Brasil não utiliza esse regime de apuração, mas os regimes de lucro presumido ou lucro arbitrado que são mais simplificados e disseminados entre as empresas menores. Ver art. 10, II, da Lei nº 10.833/2003, e art. 8º, II, da Lei nº 10.637/2002. RFDT_73_MIOLO.indd 58 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 59 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS Já o ICMS, muito embora incida sobre o ciclo completo, abrangendo as três etapas supramencionadas do processo produtivo, sofre restrições quanto à prestação de serviços, já que onera somente as prestações de serviços de transporte interes- tadual e intermunicipal e de comunicação. Por estas terras, os serviços são tributados de forma monofásica pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e ainda assim somente aqueles serviços listados expressamente em lei.16 Ou seja, a tributação genérica sobre os serviços somente é admitidano Brasil nas contribuições sociais do PIS/PASEP e COFINS não cumulativos e somente para pessoas jurídicas. Segue a legislação do ICMS pertinente (BRASIL, 2013): Lei Complementar nº 87/96 Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Art. 2º O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retrans- missão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não com- preendidos na competência tributária dos Municípios; V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual. §1º O imposto incide também: I - sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do im- posto, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002) II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; 16 Segundo a Lei Complementar nº 116/2003: “Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. §1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País. §2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias [...]” (BRASIL, 2013). RFDT_73_MIOLO.indd 59 05/03/2015 11:20:26 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201560 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclu sive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente. §2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua. [...] Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002) I - importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002) II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III - adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002) IV - adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não desti- nados à comercialização ou à industrialização. (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.07.2000) Em relação ao IPI, é imposto que onera a produção (fabricação), importação e a distribuição, não incidindo sobre a terceira etapa, na qual se dará a venda entre varejistas ou do varejista ao consumidor final. Segue trecho do Código Tributário Nacional (BRASIL, 2013): Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industria- lizados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se indus tria- lizado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. [...] Art. 51. Contribuinte do imposto é: I - o importador ou quem a lei a ele equiparar; RFDT_73_MIOLO.indd 60 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 61 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contri buinte au tônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comer- ciante ou arrematante. Com efeito, quando a lei se refere ao “comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos industriais ou equiparados”, está restringindo o âmbito do fato gerador do imposto dele afastando a terceira etapa do ciclo econômico. 4 Ativo imobilizado Outro ponto de relevo reside no tratamento que cada espécie tributária de IVA dá aos bens do ativo imobilizado (ativo fixo ou ativo permanente) utilizados na produção ou prestação de serviços para efeito de geração de créditos a serem abatidos do tributo. Aqui três classificações são possíveis: IVA tipo produto (ou IVA bruto), IVA tipo renda e IVA tipo consumo. Examina-se. 4.1 IVA tipo produto (bruto) No IVA tipo produto (bruto) nega-se a possibilidade de a aquisição de bens para o ativo fixo gerar créditos a serem abatidos do tributo ou de sua base de cálculo. Ou seja, qualquer investimento no ativo permanente da empresa gera um tributo pago que se transforma em custo que será transferido no preço ao elo subsequente da cadeia econômica, havendo cumulação. Segundo Moreira (2012, p. 76), a denominação deriva do fato de que a base de incidência do tributo equivale à soma do valor de venda das mercadorias e serviços e das aquisições de bens de capital (especificamente o ativo fixo).17 Sendo assim, economicamente o tributo grava o produto bruto das vendas. No Brasil, esse é o caso típico do IPI. Muito embora a Constituição Federal de 1988 traga em seu art. 153, §3º, IV dispositivo que determina a redução do impacto do tributo “[...] sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na 17 Muito embora aqui se refira a bens de capital no sentido de que se trata de bens do ativo fixo, o conceito é bem mais abrangente, pois engloba também os bens de uso e consumo. Segundo André Estrella (2013), os bens do ativo fixo/permanente são aqueles de permanência duradoura e destinados a manter o funcionamento da atividade empresarial. Já os bens de uso e consumo são aqueles classificadosno ativo circulante da empresa e têm como principais características o tempo de vida útil inferior a um ano e sua destinação para a manutenção dos bens do ativo imobilizado. RFDT_73_MIOLO.indd 61 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201562 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE forma da lei” (BRASIL, 2013), a legislação ordinária em vigor ainda não foi modificada para admitir tal modelo de creditamento, transcreve-se (BRASIL, 2013): Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964 Art. 25. A importância a recolher será o montante do impôsto relativo aos produtos saídos do estabelecimento, em cada mês, diminuído do montante do impôsto relativo aos produtos nêle entrados, no mesmo período, obedecidas as especificações e normas que o regulamento esta- belecer. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.136, de 1970) §1º O direito de dedução só é aplicável aos casos em que os produ- tos entrados se destinem à comercialização, industrialização ou acon- dicionamento e desde que os mesmos produtos ou os que resultarem do processo industrial sejam tributados na saída do estabelecimento. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.136, de 1970) [...] Decreto nº 7.212/2010 – RIPI/2010 Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25): I - do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e mate- rial de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de pro- dutos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produ to, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreen- didos entre os bens do ativo permanente; [...] A discussão a respeito de ser o IPI um tributo que adota o IVA tipo produto foi levada a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recurso repre- sentativo da controvérsia, gerando a seguinte ementa (BRASIL, 2013): PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTRO- VéR SIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTáRIO. IPI. CREDITAMENTO. AQUI SIÇãO DE BENS DESTINADOS AO ATIVO IMOBILIZADO E AO USO E CON SUMO. IMPOSSIBILIDADE. RATIO ESSENDI DOS DECRETOS 4.544/2002 E 2.637/98. 1. A aquisição de bens que integram o ativo permanente da empresa ou de insumos que não se incorporam ao produto final ou cujo desgaste não ocorra de forma imediata e integral durante o processo de industrialização não gera direito a creditamento de IPI, consoante a ratio essendi do artigo 164, I, do Decreto 4.544/2002 (Precedentes das Turmas de Direito Público: AgRg no REsp 1.082.522/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 16.12.2008, DJe 04.02.2009; AgRg no REsp 1.063.630/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 16.09.2008, DJe 29.09.2008; REsp 886.249/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.09.2007, DJ 15.10.2007; REsp 608.181/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06.10.2005, DJ 27.03.2006; e REsp 497.187/SC, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 17.06.2003, DJ 08.09.2003). RFDT_73_MIOLO.indd 62 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 63 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS 2. Deveras, o artigo 164, I, do Decreto 4.544/2002 (assim como o artigo 147, I, do revogado Decreto 2.637/98), determina que os esta- belecimentos industriais (e os que lhes são equiparados), entre outras hipóteses, podem creditar-se do imposto relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se “aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente”. 3. In casu, consoante assente na instância ordinária, cuida-se de esta- belecimento industrial que adquire produtos “que não são consumidos no processo de industrialização [...], mas que são componentes do maquinário (bem do ativo permanente) que sofrem o desgaste indireto no processo produtivo e cujo preço já integra a planilha de custos do produto final”, razão pela qual não há direito ao creditamento do IPI. 4. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008 (REsp 1075508/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 23.09.2009, DJe 13.10.2009). Desse modo, o tratamento dado pelo IPI ao ativo imobilizado para efeito de creditamento é o mais restritivo possível. 4.2 IVA tipo renda Já no IVA do tipo renda, “ao contrário do primeiro, é permitida a dedução do imposto incidente sobre os bens instrumentais (necessários e imprescindíveis a pro- dução do bem objeto da operação seguinte)” (SEHN, 2011, p. 265). O nome advém do fato de o creditamento permitido ser fracionado em parcelas fixas ou na me di da da depreciação do bem integrante do ativo fixo. Isto é, os créditos surgem à me- di da que os bens são utilizados no processo produtivo gerando rendimentos para o contri buinte. No Brasil, esse é o tipo aplicado ao ICMS, consoante a legislação em vigor (BRASIL, 2013): Lei Complementar nº 87/96 Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação. [...] §5º Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado: (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.07.2000) RFDT_73_MIOLO.indd 63 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201564 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE I - a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) II - em cada período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o inciso I, em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) III - para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 120, de 2005) IV - o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) V - na hipótese de alienação dos bens do ativo permanente, antes de decorrido o prazo de quatro anos contado da data de sua aquisição, não será admitido, a partir da data da alienação, o creditamento de que trata este parágrafo em relaçãoà fração que corresponderia ao restante do quadriênio; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) VI - serão objeto de outro lançamento, além do lançamento em conjunto com os demais créditos, para efeito da compensação prevista neste artigo e no art. 19, em livro próprio ou de outra forma que a legislação determinar, para aplicação do disposto nos incisos I a V deste parágrafo; e (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) VII - ao final do quadragésimo oitavo mês contado da data da entrada do bem no estabelecimento, o saldo remanescente do crédito será cancelado. (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.07.2000) O IVA tipo renda, embora seja um avanço em relação ao IVA tipo produto, ainda não assegura plenamente a neutralidade fiscal já que as parcelas ainda não dedu- tíveis do valor de aquisição do bem para o ativo fixo viram custo que integra o preço do produto final. Uma neutralidade maior somente é obtida com a adoção do IVA tipo consumo. 4.3 IVA tipo consumo No IVA do tipo consumo, a exemplo do IVA tipo renda, é permitida a dedução do imposto incidente sobre os bens instrumentais, compreendidos estes como os neces- sários e imprescindíveis a produção do bem objeto da operação seguinte. A diferença entre um e outro está no momento em que a legislação permite a apropriação dos RFDT_73_MIOLO.indd 64 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 65 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS créditos. O IVA europeu, praticado em Portugal, é do tipo consumo, pois permite como regra geral a dedução imediata da despesa com o tributo incorrida na aquisição do bem destinado ao ativo imobilizado. A este respeito, comentando o Código do IVA de Portugal, Filipe Duarte Neves (NEVES, 2012, p. 348) asseverou, ipsis litteris: Da mecânica de funcionamento do IVA resulta um “crédito” de imposto mediante o qual o sujeito passivo tem um direito imediato à dedução do IVA suportado. Não se pressupõe a necessidade de efectivação da venda do bem e da prestação de serviços para que o direito à dedução possa ser exercido (direito imediato à dedução do IVA). Desta forma, não se pode compreender o exercício deste direito de dedução como a dedução do imposto suportado nas compras ao imposto liquidado nas vendas, na medida em que não existe, neste sentido, uma relação directa entre vendas e compras para o exercício do referido direito, sendo certo que o IVA apenas será dedutível desde que pago na aquisição de bens e serviços que se destinem a uma actividade tributável. O sujeito passivo tem, então, um direito imediato de dedução do imposto suportado pelo simples facto de estar em condições de exercer uma actividade que confere o direito à dedução, em observância do princípio geral da boa-fé e da necessidade de ter uma estrutura que faça pressupor que está em condições para exercer a actividade económica a que se propõe. [...] De acordo com a regra geral da dedutibilidade do IVA, definida no artigo 19º, os sujeitos passivos podem deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuarem o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços utilizados na sua actividade. De acordo com a letra desta disposição legal, o IVA é dedutível desde que (i) seja devido ou pago e (iii) respeite à aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos. Decerto, não há no Código do IVA de Portugal dispositivo específico a permitir o creditamento imediato pela aquisição de bens ao ativo imobilizado, isso porque se compreende esse creditamento dentro de sua regra geral de dedutibilidade: sendo pago o tributo na aquisição e empregado o bem na atividade produtiva da empresa submetida também ao tributo, há direito ao creditamento. A regra geral do direito à dedução está no art. 19, a saber (NEVES, 2012, p. 347): Decreto-Lei nº 102, de 20 de junho de 2008 ARTIGO 19º Direito à dedução 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; RFDT_73_MIOLO.indd 65 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201566 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE b) O imposto devido pela importação de bens; c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j) e l) do nº 1 do artigo 2º; (Decreto-Lei nº 186/2009, de 12 de Agosto); d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto; e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o nº 6 do artigo 15º. 2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal; b) No recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de im- portação, bem como em documentos emitidos por via electrónica pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Con- sumo, nos quais conste o número e data do movimento de caixa. 3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equi- valente. 4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada. 5 - No caso de facturas ou documentos equivalentes emitidos pelos pró- prios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedu- ção fica condicionado à verificação das condições previstas no nº 11 do ar ti go 36º. 6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 36º. 7- Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal, ou, em geral, a fins alheios à mesma. (Decreto-Lei nº 134/2010, de 27.12) Também são do tipo consumo as contribuições sociais do PIS/PASEP e COFINS não cumulativos brasileiras, no que se aproximam mais do IVA europeu que o ICMS e o IPI. No caso das ditas contribuições, foi a Lei nº 12.546/2011 que, a partir de julho de 2012, estabeleceu que o prazo de apuração do crédito pelo custo de aquisição de bens para o ativo imobilizado passou a ser imediato, passando tais contribuições do IVA tipo renda para o IVA tipo consumo. Isso significa que, atualmente, quando o contribuinte adquire uma máquina para o ativo fixo automaticamente se credita pelo seu custo de aquisição. Transcreve-se a lei aplicável (BRASIL, 2013): RFDT_73_MIOLO.indd 66 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 67 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS Lei nº 11.774, de 17 de setembro de 2008 Art. 1º As pessoas jurídicas, nas hipóteses de aquisição no mercado interno ou de importação de máquinas e equipamentos destinados à produção de bens e prestação de serviços, poderãooptar pelo desconto dos créditos da Contribuição para o Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) de que tratam o inciso III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, o inciso III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e o §4º do art. 15 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.546, de 2011) I - no prazo de 11 (onze) meses, no caso de aquisições ocorridas em agosto de 2011; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) II - no prazo de 10 (dez) meses, no caso de aquisições ocorridas em setembro de 2011; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) III - no prazo de 9 (nove) meses, no caso de aquisições ocorridas em outubro de 2011; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) IV - no prazo de 8 (oito) meses, no caso de aquisições ocorridas em novembro de 2011; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) V - no prazo de 7 (sete) meses, no caso de aquisições ocorridas em dezembro de 2011; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) VI - no prazo de 6 (seis) meses, no caso de aquisições ocorridas em janeiro de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) VII - no prazo de 5 (cinco) meses, no caso de aquisições ocorridas em fevereiro de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) VIII - no prazo de 4 (quatro) meses, no caso de aquisições ocorridas em março de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) IX - no prazo de 3 (três) meses, no caso de aquisições ocorridas em abril de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) X - no prazo de 2 (dois) meses, no caso de aquisições ocorridas em maio de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) XI - no prazo de 1 (um) mês, no caso de aquisições ocorridas em junho de 2012; e (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) XII - imediatamente, no caso de aquisições ocorridas a partir de julho de 2012. (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) §1º Os créditos de que trata este artigo serão determinados: (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) I - mediante a aplicação dos percentuais previstos no caput do art. 2º da Lei no 10.637, de 2002, e no caput do art. 2º da Lei no 10.833, de 2003, sobre o valor correspondente ao custo de aquisição do bem, no caso de aquisição no mercado interno; ou (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) II - na forma prevista no §3º do art. 15 da Lei no 10.865, de 2004, no caso de importação. (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) §2º O disposto neste artigo aplica-se aos bens novos adquiridos ou recebidos a partir de 3 de agosto de 2011. (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) RFDT_73_MIOLO.indd 67 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201568 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE §3º O regime de desconto de créditos no prazo de 12 (doze) meses continua aplicável aos bens novos adquiridos ou recebidos a partir do mês de maio de 2008 e anteriormente a 3 de agosto de 2011. (Incluído pela Lei nº 12.546, de 2011) De ver que ainda permanece uma regra de transição no §2º do art. 1º da Lei nº 11.774/2008, pois, se os bens forem adquiridos ou recebidos antes de 3 de agosto de 2011, submetem-se ao regime anterior que previa o creditamento fracionado, submetendo-se ao IVA tipo renda. A adoção entre nós do IVA tipo consumo é louvável, já que se trata do tipo de creditamento que comprovadamente melhor assegura a neutralidade fiscal, pois impede que o valor do tributo que incidiu na aquisição do bem seja transmutado em custo do produtor e, consequentemente, transferido no preço do produto final. Além disso, equipara a situação das empresas que se valem intensivamente dos bens de capital àquelas que deles fazem pouco uso. 5 Insumos O conceito econômico de insumo se contrapõe ao de consumo. Insumos são bens e serviços que de alguma forma são inseridos (insumidos) pelo empresário no seu processo produtivo, na atividade da empresa. Bens e serviços de consumo são aqueles outros que o empresário adquire como destinatário final e que estão fora dessa atividade empresarial.18 Nesse sentido, não seriam insumos a aquisição de uma obra de arte pela empresa, as despesas pessoais dos executivos com restaurantes ou a pintura das salas dos seus administradores. Em um sentido econômico lato, insumos são todos e quaisquer bens e serviços adquiridos pela empresa (inputs) já que em algum momento se incorporam economicamente ao produto ou serviço fornecido ao mercado de consumo (outputs), pois seu custo será repassado na cadeia.19 Nesse contexto, seriam insumos: a matéria-prima, as peças, os componentes que fisicamente se incorporam ao bem fabricado, as máquinas produtoras, as insta la- ções, veículos, mobiliários, sistemas de computador, refeições e uniformes dos traba- lhadores, os salários e todos os demais custos da empresa, pois tudo se incorpora ao preço final do produto. Neste trabalho, por razões didáticas, a conceituação de insumos também está em oposição à de ativo fixo/permanente. Isso porque consideramos aqui insumos 18 Definição diversa é adotada por André Mendes Moreira (2012, p. 78), para quem insumos se contrapõem aos bens adquiridos para revenda. Nessa toada, insumos seriam os bens adquiridos pelos produtores ou prestadores de serviços que se consumiriam na atividade da empresa. 19 Segundo Geraldo de Camargo Vidigal (1991), são insumos todos os bens e serviços que o empresário emprega em sua empresa porque são incorporados, material ou economicamente, ao produto ou serviço fornecido por ele ao mercado de consumo. RFDT_73_MIOLO.indd 68 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 69 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS somente aqueles bens de capital de pouca durabilidade (tempo de vida útil inferior a um ano), isto é, os bens de uso e consumo classificados no ativo circulante da empresa. Assim o fazemos para não misturar o tratamento dado ao ativo imobilizado com o tratamento dado aos bens de uso e consumo para efeito de creditamento (crédito financeiro e crédito físico), já que tratamento dado ao ativo imobilizado já foi alvo do item “4” deste estudo. Sem embargo, observamos que não são poucos os autores que misturam essas classificações.20 Sendo assim, da lista mencionada devem ser excluídas, em princípio, as máquinas produtoras e as instalações da empresa. Outrossim, por se tratar de um conceito puramente econômico pode e deve sofrer restrições quando jurisdicizado, mormente quando se trata de fornecer créditos a serem abatidos dentro do sistema da não cumulatividade dos Impostos sobre o Valor Adicionado. Os diferentes limites dados pelos ordenamentos jurídicos ao con- ceito econômico levaram às definições de crédito físico e crédito financeiro que serão examinadas a seguir. 5.1 Sistema de crédito financeiro No sistema de crédito financeiro, “[...] todo e qualquer bem adquirido pela empresa que tenha sido tributado pelo imposto enseja o crédito correspondente. Não importa qual seja a sua utilização” (MACHADO, 2004, p. 318). Isto é, o crédito está vinculado apenas ao encargo financeiro decorrente do imposto, pela aquisição de bens ou serviços, sendo desimportante a finalidade para a qual tenha havido a aquisição, desde que afeta à atividade empresarial tributada pelo IVA, não sendo necessário que façam diretamente parte do processo produtivo ou comercialização. Trata-se do sistema adotado pela União Europeia, nos termos da Primeira Dire- tiva IVA, de 11 de abril de 1967, que regula o Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA). No Código do IVA de Portugal odispositivo correspondente está na regra geral do direito à dedução no art. 19, in verbis: Decreto-Lei nº 102, de 20 de junho de 2008 ARTIGO 19º Direito à dedução 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as opera- ções tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; [...] 20 Advogando um conceito de crédito financeiro que engloba a dedução dos investimentos em ativo imobilizado, insumos e bens de uso e consumo estão André Mendes Moreira (2012, p. 79), Mizabel Abreu Machado Derzi (BALEEIRO, 2001, p. 421) e Hugo de Brito Machado (1999, p. 133). RFDT_73_MIOLO.indd 69 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201570 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE Mais claro está no art. 1º, 2, da Diretiva nº 112/2006/CE do Conselho da União Europeia, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, ao se referir ao “custo dos diversos elementos constitutivos do preço”, in litteris (UNIãO EUROPEIA, 2013): OBJECTO E ÂMBITO DE APLICAÇãO Artigo 1º. 1. A presente directiva estabelece o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA). 2. O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço. O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive. [...] TíTULO X DEDUÇÕES Capítulo 1 Origem e âmbito do direito à dedução Artigo 167. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Artigo 168. Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes: a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18º e o artigo 27º; c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2º, nº 1, alínea b), subalínea i); d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21º e 22º; e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado– Membro. RFDT_73_MIOLO.indd 70 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 2015 71 A NãO CUMULATIVIDADE NO IVA EUROPEU E NOS TRIBUTOS BRASILEIROS NãO CUMULATIVOS Desse modo, toda a aquisição de bens e serviços tributada gera direito ao abatimento — exceto se os bens adquiridos forem alheios à atividade empresarial. Nas letras de André Mendes Moreira (2012, p. 80), no IVA europeu adota-se: O princípio da dedução global, de acordo com o (sic) direito ao crédito aproveita todas as atividades tributáveis, já que o imposto não é calculado produto-a-produto, mas sim com base no cômputo de todas as entradas e saídas do estabelecimento do contribuinte; Na mesma linha também leciona Filipe Duarte Neves (2012, p. 351) que aos: Sujeitos passivos enquadrados no regime normal de IVA que apenas pratiquem actividades sujeitas e não isentas de IVA: é permitida a dedução total do imposto suportado, desde que sejam cumpridas as condições formais e temporais do exercício do direito à dedução. A prática exclusiva de operações que beneficiem de uma isenção incompleta de IVA impede o direito à dedução do IVA. Desse modo, para o IVA praticado em Portugal desimporta se a mercadoria, produto, bem ou serviço se agregou fisicamente ao produto final ou nele se desgastou, o que interessa é que seja proveniente de uma atividade tributada e seja empregado em outra atividade também tributada pelo IVA. 5.2 Sistema de crédito físico Em oposição à amplitude do sistema de crédito financeiro, surge o sistema de crédito físico. Segundo esse sistema, somente o insumo que participa do processo de fabricação, na condição de ser consumido em contato com o produto final ou nele integrado, como elemento indispensável à sua composição, gera direito ao crédito. Isto é, “só enseja crédito do imposto a entrada de bens destinados a integrar fisica- mente o produto industrializado” (MACHADO, 2004, p. 318). Tal sistema se aplica no Brasil, em diversos graus, ao IPI, ao ICMS e às contri- buições sociais ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas. No IPI vem definido no já transcrito art. 25 da Lei nº 4.502/64, ao mencionar que os produtos entrados (in- sumos) devem ser aqueles comercializados, industrializados ou acondicionados pela empresa, transcreve-se novamente (BRASIL, 2013): Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964 Art. 25 [...] §1º O direito de dedução só é aplicável aos casos em que os pro dutos entrados se destinem à comercialização, industrialização ou acon di cio na- mento e desde que os mesmos produtos ou os que resultarem do pro- cesso industrial sejam tributados na saída do estabelecimento. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.136, de 1970) [...] RFDT_73_MIOLO.indd 71 05/03/2015 11:20:27 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 13, n. 73, p. 47-82, jan./fev. 201572 CHRISTIANO MENDES WOLNEY VALENTE Mais clara foi a definição dada pelo Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, Regulamento do IPI (RIPI), quando expressamente limitou o direito ao creditamento às matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem que se integram ao produto ou “são consumidos no processo de industrialização” (BRASIL, 2013): Decreto nº 7.212/2010 - RIPI/2010 Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25): I - do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de pro dutos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos inter- mediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente; [...] A expressão “consumir-se no processo de industrialização” significa consumo, desgaste ou alteração de suas propriedades físicas ou químicas durante o processo de industrialização mediante ação direta (contato físico) do insumo sobre o produto em fabricação, ou deste sobre aquele. Sendo assim, a legislação do IPI considera como insumo aquilo que se integra de forma física ou química ao novo produto ou aquilo que sofre consumo, desgaste ou alteração de suas propriedades físicas ou químicas durante o processo de indus- trialização mediante contato físico com o produto. Tal é o sistema do crédito físico. Em relação ao ICMS, sem olvidar de que se trata de um IVA do tipo renda,21 o sistema em vigor, regra geral, é o do crédito físico,22 tendo em vista que o direito do sujeito passivo de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações
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