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Aula 05 – Mitos da Língua Portuguesa e o Preconceito Linguístico - Cont. Met. e Prat. do Ensino de Língua Portuguesa Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Analisar os mitos da língua portuguesa e o preconceito linguístico. 2. Compreender o conceito de preconceito linguístico. 3. Entender o critério de adequação e uso da língua. 4. Perceber o papel do professor na desconstrução dos mitos e preconceito. Introdução Nesta aula, vamos chamar a atenção para os mitos da língua portuguesa e o preconceito linguístico. Destacar o conceito de preconceito linguístico e suas implicações no ensino. Vamos ressaltar a questão de adequação e uso da língua. Nesta aula, tentaremos desmistificar alguns conceitos, alguns mitos que nós, falantes da língua portuguesa, e até mesmo os próprios professores da cadeira criaram ao longo de muitos anos. Dentre os mitos que compõem o preconceito na nossa cultura, temos dois: O primeiro diz que o “brasileiro não sabe português” e isso parece tão comum e verdadeiro quando se nota o alto índice de analfabetos em nosso país (cerca de 20 milhões de brasileiros) e ainda o de analfabetos funcionais (são alfabetizados, sabem ler e escrever, mas possuem extrema dificuldade de interpretação e de produzir textos próprios). O outro afirma que “português é muito difícil”. Este mito surge porque na fala do brasileiro se percebe, em suas várias regiões, uma diversidade linguística muito grande que muitas vezes não é prevista ou aceita na gramática normativa da língua, pois não está inserida dentro da língua de prestígio. Logo, as diferenças e ou exceções são tratadas como erradas ou de difícil compreensão. Além disso, o “falar diferente” é visto como um empecilho para a ideia de uniformidade linguística que muitos gostam de apregoar. Outra questão importante a considerar logo de início em nossa aula é a ideia do termo preconceito linguístico. Por preconceito linguístico entende-se: O julgamento negativo que é feito dos falantes em função da variedade linguística que utilizam. De fato, tais mitos e o preconceito surgiram quando estudiosos da língua determinaram a necessidade de uma língua padrão ou uma norma culta que deveria permear as relações de comunicação tanto oral quanto escrita. Acontece que isso passou a considerar uma língua de prestígio social somente baseada na cultura livresca, em textos técnicos e científicos, além de práticas orais de grupos socioculturais favorecidos. Uma das variantes que mais denota preconceito é a variante regional. Denominam-se variante regional as falas das diferentes regiões de um país. Assim, como este é diferente da fala dos Estados do Nordeste. A fala do carioca é diferente da fala do paulista. A fala nordestina é diferente da fala dos Estados do Sul. Percebe-se assim que cada região geográfica possui diferenças linguísticas. Apesar das distinções da fala dessas regiões, todos que nasceram e aprenderam a língua portuguesa são falantes de uma mesma língua, pois a ela se caracteriza por uma estrutura de signos e significados semelhantes. Logo, a diversidade regional não deve se caracterizar como impedimento na compreensão entre os falantes do mesmo país. Assim, não se pode produzir uma visão preconceituosa das diferenças de vocabulário e pronúncia. Obviamente, qualquer país precisa construir uma unidade de entendimento e a língua deve ser e sempre será o meio mais adequado para que todos que residam no mesmo país possam se comunicar e se fazer entendido. Logo, quando se pensa na língua como unidade padrão nas relações sociais e culturais de um povo, estabelecer uma forma, uma norma padrão deve ser o canal de interlocução mais usado e importante a todos os falantes. Mas, para isso, é necessário garantir o acesso aos saberes linguísticos em todos os níveis sociais de modo que o modelo de língua padrão estabelecido seja determinado com clareza a fim de que os grupos sociais a compreendam e empreguem adequadamente sem que se estabeleçam critérios de desvalorização de formas e usos da língua em diferentes grupos. Na verdade, se entendermos que toda língua apresenta variações que são determinadas e condicionadas por aspectos sociais, culturais e regionais, não teríamos uma visão preconceituosa. Afinal, cada indivíduo ou grupo se expressa conforme o ambiente em que está inserido. Sendo assim, todas as variedades representam sistemas linguísticos adequados para a expressão das necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes. Não se pode determinar uma variedade como a única correta e considerar as outras como desvios, vícios da norma padrão. SAIBA MAIS Tal posição se faz relevante para que se entenda que, nos bancos escolares, o ensino da língua portuguesa deve pressupor, sim, uma unidade padrão como critério de conhecimento e aprendizagem com o objetivo de fazer o falante adentrar nos espaços socioculturais de prestígio e ter acesso mais amplo aos textos científicos, acadêmicos, literários e culturais. O aprendizado da língua deve ser baseado no uso que os diversos grupos sociais fazem da língua que circula na mídia oral e escrita, garantindo ao aluno o acesso aos diversos gêneros textuais, assim como, permitindo que saiba reconhecer e empregar a língua na circulação e elaboração de textos apropriados às interações profissionais e sociais ou na prática oral em situações: Formais - Palestras, seminários, reuniões de trabalho e casamento. Informais - Grupo de amigos em clubes, festas ou em situações de descontração e diversão. EXERCÍCIO (UEL-PR) Leia o texto a seguir e responda: Seja eu! Seja eu! Deixa que eu seja eu E aceita O que seja seu Então deita e aceita eu... Molha eu! Seca eu! Deixa que eu seja o céu E receba O que seja seu Anoiteça e amanheça eu... Beija eu! Beija eu! Beija eu, me beija Deixa O que seja ser... Então beba e receba Meu corpo no seu Corpo eu, no meu corpo Deixa! Eu me deixo Anoiteça e amanheça... Seja eu! Seja eu! Deixa que eu seja eu E aceita O que seja seu Então deita e aceita eu... Molha eu! Seca eu! Deixa que eu seja o céu E receba O que seja seu Anoiteça e amanheça eu... (Antunes, Arnaldo, Monte, Marisa e Lindsay. Beija Eu. EMI, CD) No que diz respeito á linguagem utilizada no texto, verifica-se trechos que não estão de acordo com a norma culta. Isto se dá porque: ( ) A autora desconhece tal norma e inconscientemente adota a norma rural brasileira. ( ) A norma culta é muito difícil e poucas pessoas a usam devido ao elevado índice de analfabetismo no Brasil. ( )A linguagem utilizada no texto reflete a ignorância do público leitor deste gênero em especial. ( ) Houve um descuido do revisor do texto e isso seria atribuição dos órgãos fiscalizadores. ( x ) A linguagem utilizada no texto reflete traços da oralidade, muitas vezes comuns ao gênero em que se insere. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de língua portuguesa declara: “O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso e também para poder ensinar língua portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros dalíngua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido.” (p.31) Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. Um aspecto importante a se considerar no ensino da língua portuguesa é que trazer para a sala de aula a diversidade linguística é reconhecer o valor das diferenças e a sua importância cultural na região na qual esta ocorre. Veja dois exemplos bem interessantes de demonstração e valorização da língua considerada não padrão, mas que através da literatura de cordel e da música mostram a riqueza de nossa língua: O POETA DA ROÇA Sou fio das mata, cantô da mão grossa, Trabáio na roça, de inverno e de estio. A minha chupana é tapada de barro, Só fumo cigarro de páia de mío. Sou poeta das brenha, não faço o papé De argummenestré, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola, Cantando, pachola, à percura de amô. Não tenho sabença, pois nunca estudei, Apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho! vivia se cobre, E o fio do pobre não pode estudá. Meu verso rastêro, singelo e sem graça, Não entra na praça, no rico salão, Meu verso só entra no campo e na roça Nas pobre paioça, da serra ao sertão. Só canto o buliço da vida apertada, Da lida pesada, das roça e dos eito. E às vez, recordando a feliz mocidade, Canto uma sodade que mora em meu peito. Eu canto o cabôco com sua caçada, Nas noite assombrada que tudo apavora, Por dentro da mata, com tanta corage Topando as visage chamada caipora. Eu canto o vaquêro vestido de côro, Brigando com o tôro no mato fechado Que pega na ponta do brabo novio, Ganhando lugio do dono do gado. Eu canto o mendigo de sujo farrapo, Coberto de trapo e mochila na mão, Que chora pedindo o socorro dos home, E tomba de fome, sem casa e sem pão. E assim, sem cobiça dos cofre luzente, Eu vivo contente e feliz com a sorte, Morando no campo, sem vê a cidade, Cantando as verdade das coisa do Norte. (ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1980.) A Gíria É A Cultura Do Povo Bezerra da Silva Toda hora tem gíria no asfalto e no morro porque ela é a cultura do povo Pisou na bola conversa fiada malandragem Mala sem alça é o rodo, tá de sacanagem Tá trincado é aquilo, se toca, vacilão Tá de bom tamanho, otário fanfarrão Tremeu na base, coisa ruim não é mole não Tá boiando de marola, é o terror alemão Responsa catuca é o bonde, é cerol Tô na bola corujão vão fechar seu paletó “Toda hora tem gíria... Se liga no papo, maluco, é o terror Bota fé compadre, tá limpo, demorou Sai voado, sente firmeza, tá tranquilo Parei contigo, contexto, baranga, é aquilo Tá ligado na fita, tá sarado Deu bode, deu mole qualé, vacilou Tô na área, tá de bob, tá bolado Babou a parada, mulher de tromba, sujou “Toda hora tem gíria... Sangue bom tem conceito, malandro e o cara aí Vê me erra boiola, boca de sirí Pagou mico, fala sério, tô te filmando É ruim hem! O bicho tá pegando Não tem caô, papo reto, tá pegado Tá no rango mané, tá lombrado Caloteiro, carne de pescoço, paga pau Tô legal de você sete-um, gbo, cara de pau “Toda hora tem gíria... A gíria é cultuta do popular Se liga amizade Tá certíssimo (Letra: Alves, Elis e Júnior) Através desses textos, percebe-se que refletir sobre as formas e usos da língua portuguesa deve ser um processo contínuo de aumentar a eficiência do aluno na produção e interpretação dos textos orais e escritos, ampliando a sua fruição dos diversos gêneros textuais de modo que possibilite a sua capacidade crítica, sensível e inteligente no uso da língua. Conhecer bem a língua em que se vive e pensa é investir no ser humano, investir na capacidade de se viver bem individual e socialmente. EXERCÍCIO Responda as questões a seguir: 1-(ENEM) As dimensões continentais do Brasil são objeto de reflexões expressas em diferentes linguagens. Esse tema aparece no seguinte poema: [...] Que importa que uns falem mole descansado Que os cariocas arranhem os erres na garganta Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais? Que tem-se os quinhentos réis meridionais Vira cinco tostões do Rio pro norte? Junto formamos este assombro de misérias e grandezas, Brasil, nome de vegetal!...[...] (ANDRADE, Mário de. Poesias completas. 6.ed. São Paulo: Martins, 1980.) O texto poético, ora reproduzido, são as diferenças brasileiras no âmbito: ( ) étnico e religioso ( x ) linguístico e econômico ( ) racial e folclórico ( ) histórico e geográfico ( ) literário e popular 2-O texto retrata duas situações relacionadas que fogem à expectativa do público. São elas: ( ) A saudação do jogador aos fãs do clube, no início da entrevista, e a saudação final dirigida à sua mãe. ( x ) A linguagem muito formal do jogador, inadequada à situação da entrevista, e um jogador que fala com desenvoltura, de modo muito rebuscado. ( ) O uso da expressão “galera”, por parte do entrevistador, e da expressão “progenitora”, por parte do jogador. ( ) O desconhecimento por parte do entrevistador, da palavra “estereotipação”, e a fala do jogador em “é pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça”. O fato de os jogadores de futebol serem vítimas de estereotipação e o jogador entrevistado não corresponder ao estereótipo. O texto mostra uma situação em que a linguagem usada é inadequada ao contexto. Considerando as diferenças entre língua oral e língua escrita, assinale a opção que representa também uma inadequação da linguagem usada ao contexto: Utilizar o mesmo texto ( ) O carro bateu e capotô, mas num deu pra vê direito” - um pedestre que assistiu ao acidente comenta com o outro que vai passando. ( ) “E aí, ô meu! Como vai essa força?” - um jovem que fala para um amigo. ( ) “Só um instante, por favor. Eu gostaria de fazer uma observação” - alguém comenta em uma reunião de trabalho. ( x ) “Porque se a gente não resolve as coisas como têm que ser, a gente corre o risco de termos, num futuro próximo, muito pouca comida nos lares brasileiros” - um professor universitário em um congresso internacional. Síntese da Aula Neste aula, você: - Compreendeu o conceito de preconceito linguístico e a sua implicação no aprendizado. - Aprendeu também que a variante regional determina as diferenças na produção da fala por razões sociais, culturais e temporais. - Assimilou também que o professor deve valorizar tais diferenças a fim de preservar a cultura e a identidade de cada indivíduo assim como garantir o acesso à produção oral e escrita de maior prestígio com o intuito de garantir a inserção daquele aos saberes de toda uma comunidade. - Percebeu que o aprendizado da língua deve ser baseado no uso que os diversos grupos sociais fazem da língua que circula na mídia oral e escrita.
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