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INSTITUTO PROMINAS MATERIAL DIDÁTICO BIOQUÍMICA GERAL U N I V E R S I DA D E CANDIDO MENDES CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 Impressão e Editoração 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – OS CONCEITOS DA QUÍMICA ........................................................... 5 UNIDADE 2 – AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS ........................................................ 14 UNIDADE 3 – O COMPORTAMENTO DAS PROTEÍNAS: ENZIMAS ..................... 24 UNIDADE 4 – LIPÍDEOS E PROTEÍNAS ESTÃO ASSOCIADOS A MEMBRANAS BIOLÓGICAS ............................................................................................................ 29 UNIDADE 5 – CARBOIDRATOS .............................................................................. 38 UNIDADE 6 – NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOS ...................................... 47 UNIDADE 7 – METABOLISMO: INTRODUÇÃO ...................................................... 54 UNIDADE 8 – METABOLISMO DE CARBOIDRATOS, LIPÍDEOS E PROTEÍNAS 61 UNIDADE 9 – VIAS BIOSSINTÉTICAS .................................................................... 69 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 72 3 INTRODUÇÃO A bioquímica estuda a estrutura, as propriedades e a conformação molecular dos componentes químicos dos seres vivos, bem como as funções resultantes da interação molecular (VIEIRA, E.C. et al., 1999). Todos os seres vivos usam o mesmo tipo de moléculas e energia em seu metabolismo. Todas as células e biomoléculas das quais as células são sintetizadas foram originadas a partir de moléculas muito simples. Organismos vivos complexos se originam de elementos simples. O carbono, o hidrogênio e o oxigênio se unem para formar muitos tipos diferentes de biomoléculas, como carboidratos e ácidos graxos. A adição de nitrogênio, assim como de enxofre, possibilita que os aminoácidos se unam para formar proteínas. Por sua vez, a adição de fósforo fornece os ingredientes para produzir o DNA, o RNA e os complexos lipídicos. Um conjunto de moléculas em interação, envoltas em uma membrana adequada, torna-se uma célula – a unidade básica da vida (CAMPBELL,M.K.; FARREL S.O., 2007). Uma célula viva é um sistema dinâmico: ela cresce, move, sintetiza macromoléculas complexas e, seletivamente, direciona substratos para um ou outro compartimento. As atividades dentro de uma célula são semelhantes ao sistema de transporte de uma cidade. Os carros, ônibus e táxis correspondem às moléculas envolvidas em reações (ou séries de reações) dentro de uma célula. De forma semelhante, as rotas trafegadas por veículos podem ser comparadas às reações que ocorrem na vida da célula. O sistema de transporte de uma grande cidade tem mais tipos de transporte do que uma cidade pequena. Enquanto uma cidade pequena pode ter apenas carros, ônibus e táxis, uma grande cidade pode ter esses e outros tipos, como bondes ou metrô. Comparativamente, algumas reações são encontradas em todas as células, e outras, apenas em tipos específicos de células (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Todas as atividades necessitam de energia; assim, a célula deve obter energia do meio onde está e deve utilizar esta energia com a maior eficiência possível. As plantas a obtêm da luz do sol; animais usam a energia estocada nas plantas ou em outros animais que consomem. Várias reações que ocorrem na célula, 4 particularmente as que envolvem a síntese de grandes moléculas, não podem acontecer a menos que seja fornecida energia. Uma reação que ocorre como parte de diversos processos bioquímicos é a hidrólise do composto trifosfato de adenosina, ou ATP. Essa é uma reação que libera energia (30,5 kJ mol-1). Mais especificamente, a energia liberada por essa reação possibilita a ocorrência de reações que exigem energia (VIEIRA, E.C. et al., 1999). A energia pode assumir diversas formas e ser convertida de uma forma para outra. Todos os organismos vivos necessitam de energia e a utilizam de forma variada. Por exemplo, a movimentação envolve a energia mecânica e a manutenção da temperatura corporal usa a energia térmica. Alguns organismos, como diversas espécies de peixe, são ótimos exemplos do uso da energia química para produzir energia elétrica. A formação e a quebra de biomoléculas envolvem variações na energia química. Este material foi elaborado a partir das principais referências na área de Bioquímica. É uma compilação dos dados apresentados pelos autores A. Marzzoco, F.A. Bettelheim, J.M. Berg, M.K. Campbell, E.C. Vieira em suas principais obras. Para complementar e aprofundar seus estudos em Bioquímica, não deixe de consultar e ler as referências citadas na apostila. Bom estudo! 5 UNIDADE 1 – OS CONCEITOS DA QUÍMICA 1.1 Ligações covalentes e não covalentes Os átomos interagem uns com os outros por ligações químicas. Estas incluem as ligações covalentes que definem a estrutura das moléculas, assim como várias ligações não covalentes que são de grande importância para a bioquímica. As ligações covalentes e não covalentes são importantes para estrutura e a estabilidade das moléculas biológicas (BERG, J.M.; TYMOCZKO, J.L.; STRYER, 2008). As ligações mais fortes são as covalentes. Uma ligação covalente é formada pelo compartilhamento de um par de elétrons entre átomos adjacentes. Uma ligação covalente (C-C) tem um comprimento de 1,54 Å e uma energia de ligação de 356 kJ. mol-1. Ligações covalentes múltiplas (C=O) são ainda mais fortes. Energia perto de 730 kJ. mol-1. Uma molécula que pode ser escrita como várias estruturas de ressonância de energia aproximadamente iguais tem maior estabilidade que uma molécula sem múltiplas estruturas de ressonância. Por exemplo, a adenina pode ser escrita de dois modos equivalentes. As forças intermoleculares são não covalentes e mais fracas que as covalentes, pois não ocorre o compartilhamento de um par de elétrons, mas são cruciais para os processos bioquímicos, tais como a formação de uma dupla hélice. Os quatro tipos fundamentais de ligações não covalentes são: interações eletrostáticas, pontes de hidrogênio, interações de van der Waals e interações hidrófobas. 6 A ligação de hidrogênio é a interação entre o átomo de hidrogênio ligado a um átomo de O, N ou F de uma molécula com o átomo de N, O ou F de outra molécula. As pontes de hidrogênio têm um envolvimento essencial na estabilização da estrutura tridimensional de moléculas biologicamente importantes, incluindo o DNA, RNA e as proteínas. A Tabela 1 resume alguns dos tipos mais importantes de pontes de hidrogênio em biomoléculas (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Tabela 1- Exemplos dos principais tipos de Pontes de hidrogênio encontrados em biomoléculas moléculas biologicamente importante 1.2 Propriedades da água Na natureza, a água é o componente químico que está presente em maior quantidade nos seres vivos e, juntamente com os sais minerais, constitui os componentes inorgânicos das células. As substâncias orgânicas predominam em variedade, pois é grande o número de proteínas, ácidos nucleicos, lipídios e carboidratos diferentes que formam a estruturadas células e dos organismos. A água é o solvente no qual ocorre a maioria das reações bioquímicas, e suas propriedades são essenciais para a formação das estruturas macromoleculares e o progresso das reações químicas (BERG, J.M. et al., 2008). O arranjo geométrico das moléculas de água ligadas ao hidrogênio tem implicações importantes nas propriedades da água como solvente. O ângulo de ligação da água é de 104,30, como mostrado na Figura 1, e o ângulo entre os pares 7 de elétrons não compartilhados é semelhante. O resultado é um arranjo tetraédrico de moléculas de água (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 1- A estrutura da molécula de água. O oxigênio tem carga parcial negativa e os hidrogênios têm carga parcial positiva. A distribuição desigual de carga origina o grande momento dipolar de água. Sendo assim: as moléculas de água interagem fortemente uma com a outra por meio de pontes de hidrogênio. É considerada como solvente universal, pois tem a capacidade de solubilizar inúmeros compostos orgânicos e inorgânicos, transportando-os pelo organismo; atua no transporte de substâncias entre o interior da célula e o meio extracelular. A água impregna todos os tecidos sendo, dessa forma, o meio de transporte dos elementos nutritivos para a célula; transporta as substâncias solúveis que atravessam as membranas celulares devido ao mecanismo das pressões osmóticas; efeito hidrófobo é uma manifestação das propriedades da água. Algumas moléculas (chamadas moléculas apolares) não podem participar de pontes de hidrogênio ou interações iônicas. As moléculas de água em contato com estas moléculas apolares formam “jaulas” ao redor delas, tornando-se mais bem ordenadas que as moléculas de água livres na solução (Figura 2). Entretanto, quando duas destas moléculas apolares se juntam, algumas moléculas de água são liberadas, permitindo que elas interajam livremente com a maior parte da água. 8 Figura 2- O efeito hidrófobo. A agregação de grupamentos apolares na água leva à liberação de moléculas de água, inicialmente interagindo com a superfície apolar, para a massa de água. A liberação de moléculas de água na solução torna favorável a agregação de grupamentos apolares. 1.3 Reações ácido-básicas De acordo com Marzzoco, A.; Torres, B.B. (2007), o comportamento bioquímico de diversos compostos importantes depende de suas propriedades ácido-básicas. Um ácido pode ser definido como espécies capazes de, em água, doar prótons. Uma base na presença de água será capaz de receber um próton proveniente dessa água. A velocidade com que ácidos ou bases doam e recebem prótons depende da natureza química dos compostos envolvidos. Alguns ácidos, chamados ácidos fortes, dissociam-se totalmente quando em soluções diluídas- é o caso, por exemplo, de HCl e H2SO4. Outros, os chamados ácidos fracos, ionizam-se muito pouco. Para estes ácidos, pode-se, portanto, escrever: É muito útil ter uma medida numérica para indicar a força de um ácido, que é a quantidade de íons de hidrogênio liberada por um ácido quando uma determinada quantia dele é dissolvida em água. A constante de equilíbrio da dissociação é: Em reações deste tipo, a constante de equilíbrio é geralmente chamada constante de dissociação ou de ionização, representados por Ka. A Tabela 2 apresenta alguns ácidos fracos e os valores de sua constante de dissociação (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). Tabela 2- Variação de força ácida entre os ácidos fracos 9 O pH (potencial de hidrogênio iônico) é uma medida de o quanto uma solução possui íons H+. Medir o quanto há de prótons livres na solução é o mesmo que medir o seu grau de acidez. Soluções com muitos prótons livres serão, portanto, classificadas como muito ácidas, ao passo que aquelas com baixa concentração de prótons livres serão pouco ácidas. A escala de pH foi desenvolvida de tal forma que, por ela, é possível classificar as soluções em ácidas, neutras ou básicas. Para transformar esses valores de concentração de H+ em uma escala, um bioquímico chamado Sören P. T. Sörensen adotou a seguinte expressão matemática: pH = - log [H+] A água pura com pH 7 é neutra, as soluções ácidas têm valores de pH inferiores a 7 e as soluções básicas têm valores de pH superiores a 7 (Figura 3). Figura 3- Escala de pH. Os valores de pH aumentam à medida que as concentrações de H + diminuem, sendo os valores mínimo e máximo, respectivamente, 0 e 14. Quando as concentrações de prótons e hidroxila são iguais, o valor de pH é 7, exatamente o valor médio da escala. Uma quantidade semelhante, o pKa, pode ser definida por analogia com a definição de pH: pKa = - log Ka O valor de pKa é uma outra medida que indica a força do ácido- quanto menor seu valor, mais forte será o ácido. A situação é o reverso da observada em Ka, em que maiores valores implicam ácidos mais fortes (Tabela 2). 10 Há uma equação que relaciona o valor de Ka de qualquer ácido fraco ao pH da solução que contém tal ácido e sua base conjugada. Essa relação é muito usada na prática bioquímica, especialmente quando é necessário controlar o pH para condições ideais de reação. Muitas reações não ocorrem se o pH não estiver no seu valor ideal. As macromoléculas biológicas importantes perdem atividade em extremos de pH. A Figura 4 mostra como as atividades de três enzimas são afetadas pelo pH. Observe que cada uma tem um pico de atividade que cai rapidamente quando o pH é alterado a partir do ideal. Além disso, algumas consequências fisiológicas drásticas podem ser resultantes de flutuações do pH no organismo (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 4- pH versus atividade enzimática. Essa relação é conhecida como equação de Henderson-Hasselbalch e é útil para prever as propriedades de soluções tampão utilizadas para controlar o pH de mistura de reações. A equação permite calcular a relação entre as concentrações das espécies doadoras e aceptoras de prótons em qualquer pH, para um ácido de pKa conhecido (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). 11 1.4 Sistemas-tampão Para o bom funcionamento dos organismos vivos, é necessária a existência de ambientes nos quais o pH se mantenha estável, uma solução-tampão consiste em uma mistura de ácido fraco e sua base conjugada e possui a capacidade de resistir a variações no seu pH quando lhe é adicionado um ácido ou base. Muitas moléculas biológicas, como, por exemplo, as proteínas e os ácidos nucleicos possuem diversos grupos funcionais que podem ser protonados ou desprotonados. As propriedades dessas moléculas podem variar muito em função do seu estado de protonação. Esse estado, por sua vez, depende da acidez da solução na qual elas se encontram (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). A análise sobre as curvas de titulação pode oferecer uma visão de como os tampões funcionam (Figura 5). O pH de uma solução em titulação muda muito pouco na proximidade do ponto de inflexão da curva de titulação (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Além disso, no ponto de inflexão, a metade da quantia de ácido presente originalmente foi convertida na base conjugada. O pH no ponto de inflexão da titulação é 7,20, um valor numericamente igual ao pKa do íon fosfato diácido. Nesse pH, a solução contém concentrações iguais dos íons fosfato diácido e fosfato monoácido, formas ácido e baserespectivamente. a Figura 5- A relação entre a curva de titulação e a ação de tamponamento do H2PO4 - . A ação tamponante está restrita a uma faixa de pH dentro da qual as concentrações de ácido e base conjugada são suficientes para compensar adições de álcali ou de ácido. A capacidade tamponante de uma solução também depende da concentração do tampão. Quanto maior a concentração da base conjugada, 12 maior a quantidade de H+ que pode reagir com ela. Da mesma forma, quanto maior a concentração do ácido conjugado, maior a quantidade de OH– que pode ser neutralizada pela dissociação do ácido. Em resumo, a eficiência de um tampão é proporcional a sua concentração e é máxima no pH igual ao pKa. Na prática, o ácido fraco escolhido e um dos seus sais solúveis são dissolvidos em concentrações molares iguais. Assim, para preparar um tampão acetato 0,1 M a pH 4,7, dissolve-se em um litro de água 0,05 mols de ácido acético e 0,05 mols de acetato de sódio (BERG, J.M.; et al., 2008). 1.5 Tampões biológicos Na faixa de pH próxima ao valor de pKa (aproximadamente entre uma unidade de pH acima e uma unidade de pH abaixo do pKa), a adição de H + ou OH- tem efeitos muito menores sobre o pH do meio do que em pH fora da faixa tamponante. Nosso sangue tem um sistema de tamponamento eficiente, pois pequenas variações no pH sanguíneo podem ser fatais para o indivíduo. Os tampões biológicos são aqueles encontrados nos seres vivos; na espécie humana. Os principais tampões são o fosfato, as proteínas e o bicarbonato. O sistema H2PO4 -/ HPO4 -2 tem pKa igual a 6,8, constituindo um tampão apropriado para valores de pH entre 5,8 e 7,8, sendo o principal tampão nas células. No sangue, os níveis de íon fosfato são insuficientes para uma ação tamponante e, assim, um sistema de tamponamento diferente é operado (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). O efeito tamponante das proteínas é devido a grupos ionizáveis dos aminoácidos (-COO, -NH3 + etc), que são ácidos fracos. As proteínas exercem efeito tamponante muito discreto no plasma, por estarem presentes em baixas concentrações – vale lembrar que a eficiência do tampão depende de sua concentração. Sua importância no tamponamento celular é maior do que no plasmático, porque atingem níveis mais elevadas nas células. A exceção é a hemoglobina, que, juntamente com o tampão bicarbonato, é responsável principal pela manutenção do pH plasmático (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). O sistema de tamponamento do sangue baseia-se na dissociação de ácido carbônico. O gás carbônico que expiramos vem do metabolismo celular, que o lança na corrente sanguínea para que possa ser eliminado pelos pulmões. Na presença de 13 água, esse CO2 que está dissolvido no sangue pode participar de uma reação que origina o ácido carbônico. O ácido carbônico, como todo ácido, pode sofrer dissociação gerando um próton e sua base conjugada, que é o bicarbonato (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Os ácidos produzidos no metabolismo liberam prótons que, em vez de diminuírem o pH do sangue, se associam ao bicarbonato, gerando, por fim, CO2. Este pode ser eliminado na respiração, impedindo a acidificação do sangue. Quando o bicarbonato se associa ao H+ e forma ácido carbônico, há remoção de prótons do sangue. O ácido carbônico retorna a CO2 e água, e o pH do sangue aumenta. Fisiologicamente, a manutenção do pH do sangue e do meio intracelular é fundamental para o bom funcionamento do organismo. Diversas funções podem ser comprometidas, caso enzimas sejam desnaturadas, como a replicação do DNA, a divisão celular, a síntese de novas proteínas, a geração de energia, dentre outras. Tampões fisiológicos estão presentes em todas as nossas células e, como no caso do sangue, fora delas também. 14 UNIDADE 2 – AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS 2.1 O que são aminoácidos Um aminoácido é um composto orgânico que contém um grupo amina e um grupo carboxila, ambos ligados ao carbono α. O carbono α também é ligado a um hidrogênio e ao grupo de cadeia lateral representado pela letra R (Figura 6). O grupo R determina a identidade do aminoácido específico. Entre todos os aminoácidos possíveis, apenas 20 são normalmente encontrados em proteínas e são chamados alfa-aminoácidos ou aminoácidos alfa (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H., et al., 2012). Figura 6- Fórmula geral de aminoácidos O aspecto mais importante dos grupos R é a sua polaridade. As propriedades das cadeias laterais dos aminoácidos são importantes para a conformação das proteínas e, portanto, para sua função. Com base nessa propriedade, os aminoácidos se classificam em apolares, polares neutros, ácidos e básicos. Glicina, alanina, prolina, leucina, valina, isoleucina e metionina são aminoácidos que não possuem nem carga líquida nem polaridade, sendo pouco solúveis em água; os aminoácidos aromáticos (triptofano, tirosina e fenilalanina) são também pouco solúveis em água e, por possuírem um anel aromático, são os mais volumosos dos vinte aminoácidos. Grupamentos formados por carboxilas, oxigênio, enxofre e nitrogênio proporcionam a alguns aminoácidos características polares, quer sejam neutros ou carregados. No primeiro caso, encontramos a serina, a treonina, a cisteína, a asparagina e a glutamina. No segundo, precisamos de uma 15 subdivisão: a lisina, a histidina e a arginina são carregados positivamente, ao passo que o aspártico e o glutâmico são carregados negativamente (Figura 7). Em um aminoácido, a posição do grupo amina no lado esquerdo ou no lado direito do carbono α determina a designação L ou D. Todas as proteínas encontradas nos seres vivos são formadas por L-aminoácido. Os D- aminoácidos aparecem somente em certos antibióticos e em peptídios componentes da parede de algumas bactérias (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). Figura 7- Estrutura dos 20 aminoácidos constituintes das proteínas, com os grupamentos laterais R de cada um destacados. É importante ressaltar que essas estruturas variam seu estado de protonação de acordo com o meio que se encontram. 2.2 Ionização dos aminoácidos Os aminoácidos têm pelo menos dois grupos ionizáveis, que podem existir na forma protonada (-COOH, -NH3 +) ou desprotonada (-COO-, NH2), dependendo do pH do meio em que se encontram. Em soluções muito ácidas, os dois grupos apresentam-se protonados, em pH muito alcalino, ambos apresentam-se desprotonados (Figura 8.a). 16 Em um aminoácido livre, o grupo carboxila e o grupo amina da estrutura geral são carregados em pH neutro- a porção carboxilato, negativamente e o grupo amina, positivamente. Os aminoácidos sem grupos carregados em suas cadeias laterais existem em solução neutra como zwitterions sem nenhuma carga líquida. Um zwitterion tem tanto cargas positivas como negativas iguais; em solução, ele é eletricamente neutro (Figura 8.b) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Quando um aminoácido é titulado, sua curva de titulação indica a reação de cada grupo funcional com o íon hidrogênio. Na histidina, a cadeia lateral de imidazol também contribui com um grupo titulável. Com valores de pH muito baixos, a molécula de histidina tem carga líquida positiva de 2 porque tanto o grupo imidazol quanto o grupo amina têm cargas positivas. Com a adição de base e o consequente aumento do pH, o grupo carboxila perde um próton para se tornar um carboxilato como antes, e agora a histidina tem carga positiva de 1 (Figura 8.b). Com a adição de ainda mais base,o grupo imidazol carregado perde seus prótons e, nesse ponto, a histidina não tem mais carga líquida. Em valores ainda mais altos de pH, o grupo amina perde seus prótons, e a molécula de histidina agora passa a ter carga negativa de 1. A curva de titulação da histidina é a de um ácido triprótico (Figura 9) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 8- Ionização de aminoácidos. (a) Formas iônicas dos aminoácidos mostradas sem considerar qualquer ionização nas cadeias laterais. A forma catiônica é a de pH baixo, e a titulação de espécies catiônicas com base produz os zwitterions e finalmente a forma aniônica. (b) Ionização da histidina (um aminoácido com cadeia lateral titulável). 17 Figura 9- Curva de titulação da histidina. O pH isoelétrico (pI) é o valor no qual as cargas positivas e negativas são iguais. A molécula não tem carga líquida. A forma catiônica de um aminoácido predomina em um pH ácido enquanto que a forma aniônica predomina em pH alcalino. É possível encontrar-se um valor de pH no qual praticamente todas as moléculas estarão sob a forma isoelétrica, ou seja, cargas positivas e negativas iguais. Este pH, característico de cada aminoácido é chamado de pH isoelétrico ou pI(VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). 2.3 Ligação peptídica Aminoácidos individuais podem ser unidos uns aos outros pela formação de ligações covalentes. A ligação é formada entre o grupo carboxila (COO-) de um aminoácido e o grupo amina (NH3 +) do aminoácido adjacente. Quando esta ligação se forma, há perdas de uma molécula de água. Uma ligação formada deste modo é chamada de ligação peptídica. Quando acontece uma ligação peptídica entre dois aminoácidos, um dipeptídeo é formado (Figura 10). Além disso, é possível formar uma proteína com um número variado de aminoácidos. Ao dipeptídeo é possível adicionar mais aminoácidos, formando tripeptídeos, polipeptídeos e, finalmente as proteínas (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). . Figura 10- Formação de ligação peptídica. Os aminoácidos na cadeia são frequentemente denominados resíduos. É habitual usar tanto a abreviação de uma como a de três letras para representar peptídeos e proteínas (Tabela 3). Por exemplo, o tripeptídeo alanil-glicil-lisina é AGK ou Ala- Gly- Lys. O aminoácido C-terminal é o resíduo com o grupo α-COO- livre, e o 18 aminoácido N-terminal é o resíduo com o grupo α-NH3 + livre. Internacionalmente, escreve-se uma cadeia de peptídeo ou proteína como o resíduo N-terminal à esquerda (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). A ligação peptídica possui um caráter de dupla ligação, pois a nuvem eletrônica do grupo carbonila e o par de elétrons que não está envolvido em ligação covalente do nitrogênio podem interagir. Assim, enquanto as ligações entre o carbono α e os grupos amínico e carboxílico podem girar, como toda ligação covalente simples, a ligação peptídica permanece rígida, como uma ligação dupla. A consequência desse caráter parcial de dupla ligação é que não há possibilidade de rotação em torno da ligação peptídica. Por isso, o grupo carbonila e o grupo imínico da ligação peptídica estão sempre no mesmo plano. As ligações simples dos peptídeos permitem que estes assumam diversas conformações. Entretanto, as proteínas funcionais encontradas nas células vivas assumem poucas conformações. Estas conformações nativas são determinadas pela sequência de aminoácidos e podem ser desdobradas em diversos níveis de organização (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). Tabela 3- Os 20 aminoácidos mais comuns encontrados nas proteínas 2.4 Níveis de estrutura das proteínas A organização espacial da proteína é resultante do tipo de aminoácidos que a compõem e de como eles estão dispostos uns em relação aos outros. A sequência dos aminoácidos irá determinar o tipo de interação possível entre as cadeias laterais. A organização tridimensional de uma proteína, desde a sequência de aminoácidos, passando pelo enrolamento da cadeia polipeptídica até a associação 19 de várias cadeias, pode ser escrita em níveis estruturais de complexidade crescente Devido a essa complexidade, as proteínas são definidas em quatro níveis de estrutura (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). Os tipos de ligações lábeis que mantêm estes níveis superiores de organização das proteínas são as ligações de hidrogênio, as interações hidrofóbicas e as ligações iônicas. A vantagem da manutenção da conformação de proteínas por um grande número de ligações fracas reside no fato de que, somando-se todas as interações fracas, a cadeia de proteína torna-se razoavelmente estável em determinada conformação, mas as ligações fracas permitem pequenas mudanças de conformação necessárias à função de diversas proteínas. 2.5 Estrutura primária das proteínas A função de uma proteína depende de sua sequência primária. Qualquer mudança desta sequência gera uma proteína diferente que pode até perder sua função biológica. A estrutura primária é a sequência de aminoácidos ao longo da cadeia polipeptídica, que é determinada geneticamente, sendo específica para cada proteína. A sequência de aminoácidos de uma proteína determina sua estrutura tridimensional que, por sua vez, determina suas propriedades. Uma das demonstrações mais impressionantes da importância da estrutura primária é encontrada na hemoglobina associada à anemia falciforme. Nessa doença genética, as hemácias não conseguem ligar o oxigênio de forma eficiente e também assumem um formato característico de foice. As células falciformes tendem a se prender em pequenos vasos sanguíneos, cortando a circulação e, assim danificando órgãos. Essas consequências drásticas derivam da troca de um resíduo de aminoácido na sequência da estrutura primária (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). 2.6 Estrutura secundária das proteínas A estrutura secundária de uma proteína diz respeito ao arranjo local dos aminoácidos no espaço, isto é, a como uma determinada sequência se organiza no espaço. É o arranjo das pontes de hidrogênio do esqueleto protéico. As proteínas podem se dobrar ou se alinhar de tal forma que certos padrões se repetem por si. As 20 duas estruturas secundárias mais comuns encontradas nas proteínas são α-hélice e a folha β- pregueada (Figura 11) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Figura 11- (a) α-hélice. (b) folhas-β Na conformação de α- hélice, uma cadeia única de proteína se torce de tal maneira que sua forma se assemelha à de uma mola, ou seja, assume uma estrutura helicoidal. A forma de hélice é mantida através de várias ligações de hidrogênio intramoleculares. Na espiral, os grupamentos R dos aminoácidos ficam voltados para o exterior, já que muitos deles são volumosos e, por esta razão, dificilmente se ajustariam no interior da hélice. As α- hélices são altamente estáveis devido à presença de um grande número de pontes de hidrogênio que se formam entre o hidrogênio do grupamento amino de um resíduo de aminoácido e o oxigênio do grupamento carboxila de outro resíduo (Figura 11.a). A outra estrutura ordenada importante nas proteínas é a de folhas- β pregueadas. Nesse caso, o alinhamento ordenado das cadeias de proteína é mantido por ligações de hidrogênio intermoleculares ou intramoleculares. Sua maior característica é o fato de unir regiões bastante distantes de uma proteína, formando uma espécie de ziguezague semelhante a um leque ou a uma saia decolegial. Quando dois pedaços da proteína se ligam por pontes de hidrogênio formando uma tira do leque, dizemos que se formou uma fita β. Quando várias fitas β se associam temos as folhas β (Figura 11.b). 21 As fitas β, assim como a folha β, são estabilizadas por pontes de hidrogênio, que proporcionam a esta estrutura bastante estabilidade e certo grau de rigidez. Os grupamentos R dos aminoácidos nas folhas β ficam voltados para cima ou para baixo do plano em que corre a folha β. Esta maneira de se posicionar permite que grupamentos volumosos não interfiram com a organização das folhas β. A estrutura de folha- β pode ocorrer entre moléculas quando as cadeias de polipeptídios correm paralelas (todas as finalizações N- terminais de um mesmo lado) ou antiparalelas (finalizações N-terminais em lados opostos). 2.7 Estrutura terciária das proteínas A estrutura terciária descreve o dobramento final da cadeia polipeptídica por interação de regiões com estrutura regular (α- hélice e β pregueada) ou de regiões sem estrutura definida. Nesse nível de organização, segmentos distantes da estrutura primária podem aproximar-se e interagir, por intermédio de ligações não covalentes entre as cadeias laterais dos resíduos dos aminoácidos (Figura 12) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 12- Forças que estabilizam as estruturas terciárias das proteínas Os elementos de estrutura secundária (hélices, fitas e voltas) vão se dobrando e se organizando no espaço até que a proteína atinge sua conformação final. É então que ela assume sua função, como por exemplo, a defesa do organismo, como é o caso dos anticorpos, aceleração de uma reação – função das enzimas e regulação da expressão gênica (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). 22 Em geral, as estruturas terciárias são estabilizadas de cinco maneiras: 1- Ligações covalentes: a ligação covalente mais frequentemente envolvida na estabilização da estrutura terciária das proteínas é a ligação dissulfeto. 2- Ligação de hidrogênio: as estruturas terciárias são estabilizadas pelas ligações de hidrogênio entre os grupos polares das cadeias laterais ou entre cadeias laterais e a cadeia peptídica principal. 3- Pontes salinas: também chamadas atrações eletrostáticas, ocorrem entre dois aminoácidos ionizados das cadeias laterais, isto é, entre um aminoácido ácido e um aminoácido básico das cadeias laterais. 4- Interações hidrofóbicas: em solução aquosa, as proteínas globulares usualmente voltam seus grupos polares para o exterior, em direção ao solvente aquoso, e os seus grupos apolares para o interior, afastando-se das moléculas de água. O resultado é uma série de interações hidrofóbicas. Coordenação a um íon metálico: duas cadeias laterais com a mesma carga normalmente se repelem, mas elas podem também estar ligadas através de um íon metálico (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). 2.8 Estrutura quaternária das proteínas Existem proteínas que não concentram em uma única sequência de aminoácidos tudo o que precisam para exercer sua função. Às vezes, é necessário que haja aquela mesma sequência duplicada, ou mesmo que haja uma outra sequência que, organizada espacialmente, se associe à primeira. Neste contexto, cada sequência desta proteína que será montada é chamada de subunidade. Uma proteína apresenta nível de organização quaternário quando possui mais de uma subunidade. Normalmente são dímeros (2 subunidade), trímeros e tetrâmeros. A 23 hemoglobina, proteína responsável pelo transporte do oxigênio no sangue possui quatro subunidades (Figura 13) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). As cadeias interagem entre si de forma não covalente via atrações eletrostáticas, pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas. As proteínas podem ser globulares ou fibrosas. As proteínas globulares apresentam uma ou mais cadeias polipeptídicas organizadas em uma forma final aproximadamente esférica. São geralmente solúveis e desempenham várias funções dinâmicas. As proteínas fibrosas têm a forma alongada, são geralmente insolúveis e desempenham um papel basicamente estrutural nos sistemas biológicos. O componente fundamental das proteínas fibrosas são cadeias polipeptídicas muito longas com estrutura secundária regular: α- hélice nas α- queratinas, folha β pregueada nas β- queratinas e uma hélice característica no colágeno. Figura 13- Estrutura da hemoglobina. A hemoglobina (α2β2) é um tetrâmero que consiste em quatro cadeias polipeptídicas (duas cadeias α, duas cadeias β). 2.9 Alterações estruturais das proteínas São características químicas e estruturais dos aminoácidos que fazem com que uns se aproximem ou se afastem de outros. Assim, é na sequência primária mesmo que mora a receita para que uma proteína se organize espacialmente. Esta receita é a que origina a estrutura de menor energia, ou seja, a estrutura que será favorecida pela natureza. 24 Quando uma proteína é sintetizada na célula, sua estrutura primária dobra-se espontaneamente, originando as estruturas secundária e terciária. Se a proteína em questão possuir estrutura quaternária, esta também se organiza espontaneamente, assim que a estrutura terciária das subunidades componentes é formada. A proteína assume a conformação denominada nativa. Esta é a conformação mais estável que a molécula pode assumir naquelas condições e reflete um equilíbrio delicado entre as interações ocorridas no interior da molécula proteica. Qualquer agente físico ou químico que destrói essas estruturas de estabilização muda à conformação da proteína. Esse processo denomina-se desnaturação (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). A ureia, o cloreto de guanidínio, o calor e o detergente dodecil sulfato de sódio estão entre os agentes desnaturantes mais usados. A desnaturação muda as estruturas secundária, terciária e quaternária. Ela não afeta as estruturas primárias. Se essas mudanças ocorrem em uma extensão pequena, a desnaturação pode ser revertida. Por exemplo, quando removemos uma proteína desnaturada de uma solução de ureia e a colocamos novamente em água, ela normalmente reassume as suas estruturas secundárias e terciárias. Esse processo é chamado desnaturação reversível. Algumas desnaturações, entretanto, são irreversíveis. Não podemos, por exemplo, modificar um ovo que foi fervido (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). UNIDADE 3 – O COMPORTAMENTO DAS PROTEÍNAS: ENZIMAS 3.1 O que são enzimas? De todas as funções das proteínas, a catálise provavelmente é a mais importante. Na ausência de catálise, a maioria das reações nos sistemas biológicos ocorreria de forma excessivamente lenta para fornecer produtos a um ritmo adequado para um organismo metabolizante. Os catalisadores que desempenham essa função nos organismos são chamados enzimas. Com exceção de alguns RNAs que têm atividade catalítica, todas as enzimas são proteínas (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O. 2007). 25 Como catalisadores, as enzimas são notáveis em dois aspectos: aumenta de várias ordens de grandeza a velocidade das reações que catalisam, por exemplo, a oxidação da glicose por oxigênio por meio de uma sequência de reações catalisadas por enzimas pode ser feita nas células em minutos e a maioria das enzimas é extremamente específica, cada uma delas acelerando somente uma reação particular ou uma classe de reações. A enzima uréase catalisa somente a hidrólise da ureia e não de outras amidas. Muitas enzimas necessitamde co-fatores para sua atividade. Tais co-fatores podem ser íons metálicos ou moléculas orgânicas pequenas, frequentemente derivadas de vitaminas, chamadas de coenzima. As enzimas recebem nomes derivados da reação que elas catalisam e/ou do composto ou tipo de composto em que atuam. Por exemplo, lactato desidrogenase acelera a remoção de hidrogênio do lactato. O nome da maior parte das enzimas termina com “-ase” (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). 3.2 O sítio ativo e os modelos de funcionamento das enzimas O bom funcionamento das enzimas depende da formação de um complexo entre a enzima e seu substrato. Essa associação ocorre graças à presença do sítio ativo na estrutura das enzimas. O sítio ativo é uma pequena porção da enzima formada a partir do enovelamento na sua estrutura terciária. Ele apresenta resíduos de aminoácidos cujas cadeias laterais são capazes de interagir com o substrato, ou seja, o encaixe para que a reação aconteça. As interações moleculares envolvidas na ligação enzima-substrato são pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e interações de van der Waals. Os grupos funcionais envolvidos nestas interações, tanto da enzima quanto do substrato, devem estar precisamente localizados para garantir a eficiência do processo catalítico. É claro que, se o sítio ativo é a porção da enzima responsável pela catálise, ele deve ser capaz de interagir com o substrato, ou com parte dele, para que o complexo enzima-substrato se forme. Considerando a alta especificidade da maioria das reações catalisadas por enzimas, vários modelos têm sido propostos. A- Modelo da chave fechadura: esse modelo assume que a enzima é um corpo tridimensional rígido. A superfície que contém o sítio ativo tem uma abertura 26 restrita na qual apenas um tipo de substrato pode se ajustar, e somente a chave adequada pode se encaixar na fechadura e então girá-la para conseguir a abertura. Esse modelo é atualmente de grande interesse histórico porque não considera uma propriedade importante das proteínas – sua flexibilidade conformacional (Figura 14). B- Modelo do ajuste induzido: este modelo leva em conta o fato de que as proteínas têm alguma flexibilidade tridimensional. A ligação do substrato induz a uma mudança conformacional na enzima que resulta em um encaixe complementar depois que o substrato é ligado. Isso significa que a enzima modifica a forma do sítio ativo para acomodar o substrato (Figura 15) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Tanto o modelo da chave-fechadura como o do ajuste induzido explica o fenômeno da inibição competitiva. A molécula do inibidor se ajusta ao sítio ativo da mesma forma que o substrato, o que evita a entrada deste. Qualquer reação que ocorreria com o substrato não acontece (Figura 16). Muitos casos de inibição não competitiva podem também ser explicados pelo modelo do ajuste induzido. Nesse caso, o inibidor não se liga ao sítio ativo, mas sim a outra parte da enzima. Contudo, a ligação causa uma mudança na forma tridimensional da molécula de enzima, que então altera a forma do sítio ativo a que o substrato estaria ligado, e não ocorre a catálise (Figura 17). As enzimas servem como catalisadores, reduzindo a energia livre de ativação de reações químicas. As enzimas aceleram as reações, fornecendo uma nova via de reação, na qual o estado de transição (a forma química de maior energia) tem uma energia livre mais baixa, e desta forma é mais rapidamente formado do que na reação não catalisada. Figura 14- Modelo chave-fechadura do mecanismo enzimático Figura 15- Modelo do ajuste induzido do mecanismo enzimático. 27 A enzima se liga ao substrato, formando de maneira reversível um complexo: E+ S ↔ ES. O substrato é convertido em produto, que se dissocia lentamente da enzima, que fica livre para uma nova catálise: ES ↔ E + P. Como a segunda reação é mais lenta, ela é a etapa que limita a conversão de substrato em produto. A velocidade de formação do produto será proporcional à concentração de ES, ou seja, a rapidez com que o complexo ES se desfaz determina a velocidade de formação do produto (Figura 18) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 18- Perfil da energia de ativação de uma reação com forte ligação do substrato à enzima para formar o complexo enzima-substrato. 3.3 Quais são os fatores que influenciam na atividade enzimática? Figura 16- Mecanismo da inibição competitiva. Quando um inibidor entra no sítio ativo, o substrato fica de fora. Figura 17- Mecanismo de inibição não competitiva. O inibidor se liga a um sítio diferente do sítio ativo. 28 Atividade enzimática é a medida de quanto as velocidades de reação são aumentadas. Se mantivermos a concentração do substrato constante e aumentamos a concentração da enzima, a velocidade aumenta linearmente. Essa é a situação em praticamente todas as reações enzimáticas, porque a concentração molar da enzima é, na maioria das vezes, muito menor que a do substrato. Entretanto, se mantemos a concentração da enzima constante e aumentamos a concentração do substrato, obtemos um tipo de curva, chamada curva de saturação (Figura 19) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Cada enzima tem um nível ótimo de pH e temperatura em que ela apresenta sua maior atividade. Nas reações não catalisadas, a velocidade aumenta com a elevação da temperatura. A mudança de temperatura tem um efeito diferente nas reações catalisadas por enzimas. Quando iniciamos com baixa temperatura, um aumento desta causa primeiro um aumento da velocidade. Entretanto, as conformações das proteínas são muito sensíveis às mudanças de temperatura. Nesse caso, o substrato pode não se ligar adequadamente na superfície da enzima com outra conformação, então a velocidade de reação, diminui. Como a conformação de uma proteína também muda com as alterações do pH. Em uma faixa estreita de pH, mudanças na atividade da enzima são reversíveis. Entretanto, se valores de pH extremos são produzidos, a enzima desnatura irreversivelmente, e a atividade enzimática não pode ser restabelecida pela volta do pH ótimo (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Figura 19- (a) O efeito da concentração da enzima na velocidade da reação catalisada por enzima. Concentração do substrato, temperatura e pH. (b) O efeito da concentração do substrato na velocidade da reação catalisada por enzima. Concentração da enzima, temperatura e pH são constantes. (a) (b) 29 UNIDADE 4 – LIPÍDEOS E PROTEÍNAS ESTÃO ASSOCIADOS A MEMBRANAS BIOLÓGICAS 4.1 Definição de lipídeo Os lipídeos constituem uma classe de compostos de estruturas altamente diversificadas, cuja única característica comum é sua baixa solubilidade em água, mas extremamente solúveis em solventes orgânicos. São compostos que ocorrem frequentemente na natureza, encontrados em lugares tão diferentes como a gema de ovo e o sistema nervoso humano, e são importantes componentes das membranas vegetais, animais e microbianas (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). Os lipídeos desempenham três funções principais na bioquímica humana: (1) armazenam energia nas células de gordura; (2) fazem parte das membranas que separam os compartimentos celulares que contêm as soluções aquosas; e, (3) atuam como mensageiros químicos. Os lipídeos são formados por números variados de átomos de carbono e hidrogênio, por vezes conjugados com outrasmoléculas, mas formando uma unidade monomérica, ao contrário das proteínas, ácidos nucleicos e polissacarídeos, que são polímeros. Os lipídeos mais simples que existem são ácidos graxos (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Classificados de acordo com sua natureza química, os lipídeos encaixam-se em dois grupos principais. Um grupo, que consiste em compostos de cadeia aberta com grupos de cabeça polar e longas caudas apolares, os ácidos graxos, os triacilgliceróis, os esfingolipídeos, os fosfoacilgliceróis e os glicolipídeos. O segundo grupo principal consiste em compostos de anéis fundidos, os esteróides (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). 4.2 Ácidos graxos São ácidos monocarboxílicos com longas cadeias de carbono e hidrogênio, ou seja, apresentam um grupo carboxilato hidrofílico (COOH) ligado a uma longa cadeia de hidrocarboneto. Nos sistemas biológicos, os ácidos graxos usualmente contêm um número par de carbonos, geralmente entre 14 e 24. Os ácidos graxos de 16 e 18 carbonos são os mais comuns. A cauda de hidrocarboneto é altamente 30 hidrofóbica, enquanto a parte da carboxila é polar. Os ácidos graxos são, portanto, moléculas anfipáticas, e sua fórmula geral é RCOOH (onde R representa a cadeia de hidrocarbonetos nas diferentes moléculas desse tipo que existem) (Figura 20). Se houver ligações duplas entre os carbonos na cadeia, o ácido graxo é insaturado; se houver apenas ligações simples, ele é saturado. As propriedades físicas dos ácidos graxos e dos lipídeos deles derivados dependem da ocorrência ou não de insaturações na cadeia de hidrocarbonetos e do seu comprimento. As cadeias dos ácidos graxos saturados são flexíveis e distendidas. Os ácidos graxos insaturados naturais têm, quase sempre, duplas ligações com configuração geométrica cis, que faz uma prega na cauda de hidrocarboneto de cadeia longa e trans com sua conformação estendida (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). Figura 20- Estruturas de alguns ácidos graxos típicos. Observe que a maioria dos ácidos graxos que ocorrem naturalmente contém números pares de átomos de carbono e que as duplas ligações quase sempre são cis e raramente conjugadas. Ácidos graxos que possuem apenas uma dupla ligação são chamados monoinsaturados. Eles são encontrados em óleos de oliva e de amendoim, nozes, amêndoas e abacate. Já ácidos graxos que possuem mais de uma dupla ligação são chamados poliinsaturados e são encontrados nos óleos de sementes vegetais como o óleo de girassol, de soja, de milho. Dependendo do número de insaturações e da localização dessas insaturações na cadeia, poderemos ter ácidos graxos com diferentes arranjos tridimensionais. 31 As propriedades físicas dos ácidos graxos e das estruturas formadas por eles são determinadas pelo grau de insaturação da cadeia. A temperatura de fusão dos ácidos graxos diminui com o número de insaturações e aumenta com o comprimento da cadeia. A consistência dos ácidos graxos é uma consequência das suas propriedades: ácidos graxos saturados com mais de 14 carbonos são sólidos e, se possuírem pelo menos uma dupla ligação, são líquidos. O grau de fluidez das membranas biológicas depende, então, do tipo de ácido graxo presente nos seus lipídeos estruturais (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). 4.3 Triglicerídeos A maioria dos ácidos graxos não pode ser encontrada livre na natureza. Eles são as unidades de construção de lipídeos mais complexos, como os lipídeos que compõem as membranas celulares e os triglicerídeos. Os triglicerídeos ou triacilgliceróis são lipídeos formados por três ácidos graxos unidos por ligação éster a uma molécula de glicerol (Figura 21) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 21- Hidrólise de triacilgliceróis. O termo saponificação refere-se às reações do éster de glicerila com o hidróxido de sódio ou potássio para produzir sabão, que é o sal do ácido graxo de cadeia longa correspondente. Triacilgliceróis se diferem uns dos outros pela combinação dos diferentes ácidos graxos e são comumente conhecidos como gorduras e óleos. As propriedades dos ácidos graxos determinam as propriedades dos triacilgliceróis que 32 formam. Triacilgliceróis saturados são encontrados principalmente em gorduras de origem animal. Ao contrário, triacilgliceróis insaturados formam substâncias líquidas à temperatura ambiente como os óleos de origem vegetal. Triacilgliceróis são sintetizados em sistemas biológicos como forma de armazenar energia, se acumula no tecido adiposo e fornecem um meio de armazenamento de ácidos graxos, particularmente nos animais. Isso porque, durante sua oxidação, essas gorduras liberam mais energia que os carboidratos ou as proteínas. Outras funções dos triacilgliceróis, ainda são a proteção contra choques e lesões mecânicas; o isolamento térmico e o transporte e absorção de vitaminas lipossolúveis. 4.4 Lipídeos presente nas membranas Os lipídeos complexos constituem os principais componentes das membranas biológicas (Figura 22). As membranas são feitas de bicamadas lipídicas (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). Figura 22- Diagrama de lipídeos simples e complexos * . * O álcool pode ser colina, serina, etanolamina, inositol e outros. Em uma bicamada lipídica, duas camadas de lipídeos complexos estão arranjados de forma que a terminação hidrocarbônica das cadeias dos ácidos graxos de uma das camadas está em contato com a terminação hidrocarbônica dos ácidos graxos da outra camada. As cadeias hidrofóbicas se direcionam uma em relação à 33 outra, o que possibilita que fiquem bem distantes da água. Esse arranjo deixa as cabeças polares direcionadas para as superfícies do interior ou exterior da membrana. O colesterol, outro componente da membrana, também direciona a porção hidrofílica de sua molécula na superfície da membrana e a sua porção hidrofóbica no interior da bicamada (Figura 23.1) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 23.1- Bicamadas lipídicas. (a) Desenho esquemático de uma porção da bicamada constituída de fosfolipídeos. (b) Vista em corte de uma vesícula com uma bicamada lipídica. Nos ácidos graxos insaturados, há uma dobra na cadeia de hidrocarboneto que não aparece nos ácidos graxos saturados. As dobras provocam desordem na compactação das cadeias, o que permite uma estrutura mais aberta do que seria possível para cadeias retas saturadas. Por sua vez, a estrutura desorganizada causada pela presença de ácidos graxos insaturados com ligações duplas em posição cis em suas cadeias de hidrocarboneto permite mais fluidez na bicamada. Essa propriedade da fluidez da membrana é de extrema importância porque vários produtos dos processos bioquímicos do corpo devem atravessar a membrana, e a natureza líquida da bicamada lipídica permite o transporte. 34 Figura 23.2- Bicamadas lipídicas. Assimetria da bicamada lipídica. As composições das camadas externa e interna são diferentes. As membranas celulares separam as células do seu ambiente externo e viabilizam o transporte seletivo para nutrientes e resíduos de metabolização para dentro e para fora da célula. A parte lipídica da membrana serve como uma barreira contra qualquer movimento dos íons ou compostos polares tanto para o interior como para o exterior da célula. Na bicamada lipídica, moléculasde proteína estão suspensas na superfície, enquanto outras podem estar parcial ou completamente embebidas na bicamada. Essas proteínas se estendem tanto para o interior como para o exterior da membrana (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). 4.4.1 Glicerofosfolipídeos A estrutura dos glicerofosfolipídeos é muito similar à das gorduras. Os glicerofosfolipídeos são derivados do glicerol que contêm fosfato na sua estrutura. Dois dos três grupos hidroxila do glicerol encontram-se esterificados com ácidos graxos. O terceiro grupo não está esterificado com um ácido graxo; mais precisamente, ele se encontra esterificado com um grupo fosfato, que também se encontra esterificado por outro álcool, portanto forma-se um diéster de fosfato (Figura 22). A molécula dos glicerofosfolipídeos contém uma região polar, composta pelo grupo fosfato e seus substituintes, e uma parte apolar, devida aos ácidos graxos e glicerol (MARZZOCO, A.; TORRES, B.B., 2007). 4.4.2 Esfingolipídeos 35 Não contêm glicerol, e sim um álcool aminado de cadeia longa, a esfingosina. Os esfingolipídeos são encontrados em plantas e animais, são anfipáticos e ocorrem em membranas celulares do sistema nervoso. Os compostos mais simples dessa classe são as ceramidas. Nas esfingomielinas, o grupo álcool primário da esfingosina é esterificado a ácido fosfórico, que, por sua vez, é esterificado a outro álcool aminado, a colina (Figura 24). São anfipáticos e ocorrem em membranas celulares do sistema nervoso (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 24- Estrutura dos esfingolipídeos. 4.4.3 Glicolipídeos São lipídeos complexos que contêm carboidratos e ceramidas. Frequentemente, as ceramidas são moléculas-mãe dos glicolipídeos, e a ligação glicosídica é formada entre o grupo álcool primário da ceramida e um resíduo de açúcar. O composto resultante é chamado cerebrosídeo. Na maioria dos casos, o açúcar é a glicose ou galactose. Por exemplo, um glicocerebrosídeo é um cerebrosídeo que contém glicose (Figura 25). Aqueles com galactose são característicos de membranas plasmáticas de células do tecido nervoso. Aqueles com glicose são característicos de membranas plasmáticas de células de outros tecidos. 36 Figura 25- Estrutura de um glicocerebrosídeo. 4.4.4 Esteróides O terceiro grupo de lipídeos encontrados em membranas biológicas é o dos esteróides. Esteróides são lipídeos estruturais presentes nas membranas da maior parte das células eucarióticas, como é o caso do colesterol, que tem várias funções biológicas importantes, incluindo sua função como precursor de outros esteróides e vitamina D3. Este grupo de lipídeos caracteriza-se pela presença do núcleo esteróide constituído de quatro anéis fundidos. O fato dos anéis serem fundidos não permite rotação das ligações C-C, fazendo com que a molécula de esteróide seja relativamente rígida (Figura 26) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H., et al., 2012). O único grupo hidrofílico na estrutura do colesterol é a hidroxila. Como resultado, essa molécula é altamente hidrofóbica. Figura 26- Estrutura colesterol. 4.5 Proteínas de membranas As proteínas de uma membrana biológica podem estar associadas à bicamada lipídica de duas formas: como proteínas periféricas na superfície da membrana ou como proteínas integrais dentro da bicamada lipídica (Figura 27) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). As proteínas periféricas normalmente se ligam às cabeças carregadas da bicamada lipídica por interações polares, eletrostáticas ou ambas. As proteínas podem ser inseridas na membrana de diversas maneiras. Quando uma proteína 37 cobre completamente a membrana, é frequentemente na forma de uma α- hélice ou de uma folha β. Essas estruturas minimizam o contato das porções polares do esqueleto peptídico com os lipídeos apolares no interior da bicamada. Figura 27- Modelo do mosaico fluido da estrutura de membranas. As proteínas de membrana podem ser vistas inseridas na bicamada lipídica. As proteínas de membranas têm diversas funções, como proteínas transportadoras que ajudam a mover substâncias para dentro e para fora das células, proteínas receptoras e enzimas na superfície interna da membrana responsáveis por reações de oxidação aeróbica (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). 38 UNIDADE 5 – CARBOIDRATOS 5.1 Estrutura e Nomenclatura Carboidratos, também denominados como glicídeos, encontram-se distribuídos em todos os seres vivos. Os carboidratos mais simples são constituídos por carbono, hidrogênio e oxigênio. Apresentam, em geral, a fórmula empírica Cn(H2O)m. Carboidratos com sabor doce, como sacarose, glicose e frutose, comuns na alimentação humana, são chamados açúcares. Do ponto de vista molecular, a maioria dos carboidratos consiste em poli-hidroxialdeído, poli-hidroxiacetonas (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). Podem ser classificados em quatro grupos: monossacarídeos, dissacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Os monossacarídeos têm a fórmula geral CnH2nOn, com um dos carbonos sendo de um grupo carbonila de um aldeído ou de uma cetona. O sufixo – ose – indica que a molécula é um carboidrato, e os prefixos tri-, tetr-, pent-, e assim sucessivamente, indicam o número de carbonos na cadeia. Monossacarídeos que contêm um grupo aldeído são classificados como aldoses, enquanto aqueles que apresentam um grupo cetona são classificados como cetoses (Figura 28) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 28- A estrutura de um dos carboidratos mais simples, triose. 39 As hexoses mais abundantes na natureza são a glicose, galactose, manose e frutose, sendo as três primeiras aldoses e, por diferirem na posição das hidroxilas, são estereoisômeros. Estas moléculas têm múltiplos carbonos assimétricos e, para estas oses, os símbolos D e L designam a configuração absoluta do átomo de carbono assimétrico mais afastado do grupamento aldeídico ou cetônico (Figura 29) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Na projeção de Fischer da configuração D, o grupo hidroxila está à direita do carbono quiral com o número mais alto, ao passo que na configuração L o grupo hidroxila está à esquerda. Figura 29- (a) Exemplos de uma aldose (D-glicose) e uma Cetose (D-frutose). (b) Comparação das estruturas da D-glicose e da L-glicose. A Figura 30, a seguir, mostra as D-aldoses mais comuns. A D-ribose, componente glicídico do RNA, é uma aldopentose. 40 Figura 30- D-aldoses contendo três, quatro, cinco e seis carbonos Observe que a D- glicose e a D- manose diferem somente na configuração ao redor de C-2. As oses que diferem na configuração de apenas um único centro de assimetria são ditas epímeras. Portanto, D- glicose e D- manose são epímeras em C-2; D- glicose e D- galactose são epímeras em C-4. 5.2 Estruturas cíclicas Algumas características dos carboidratos não podem ser explicadas se somente estruturas abertas. Fisher e Haworth fizeram uma série de abordagens experimentais e as estruturas cíclicas mais estáveis do ponto de vista energético é a formação de anéis pirano ou furano (Figura 31, a seguir). Pela Figura observa-se a presença de mais um carbono assimétricoe, portanto, mais um par de isômeros: anômeros α e β. 41 Figura 31- Piranoses e furanoses. A estrutura cíclica de uma aldose é um hemiacetal, uma vez que ela é formada pela combinação de um aldeído e uma hidroxila. Para identificarmos então os isômeros α e β basta analisarmos a posição da hidroxila do carbono anomérico. O isômero que possui a hidroxila voltada para baixo do plano é o isômero α e aquele que possui a hidroxila voltada para cima do plano é o isômero β (Figura 32) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 32- A forma linear de D- glicose sofre uma reação intramolecular para formar um hemiacetal cíclico. As projeções de Haworth representam a estereoquímica de açúcares de forma mais real do que as projeções de Fischer. Para um açúcar D, qualquer grupo escrito à direita de um carbono em uma projeção de Fischer estará apontando para 42 baixo na projeção de Haworth; qualquer grupo escrito à esquerda na projeção de Fischer estará apontando para cima na projeção de Haworth. 5.3 Monossacarídeos derivados e substituídos Os monossacarídeos podem ser reduzidos ou oxidados. A redução do grupo aldeídico produz álcool, alguns dos quais são importantes como: glicerol, sorbitol, manitol, derivados respectivamente de gliceraldeído, glicose e manose. A redução de grupos CH2OH ou CHOH para CH3 ou CH2, produz desoxiaçúcares. A oxidação do grupo aldeídico ou do grupo alcoólico primário produz os ácidos ônicos ou urônicos, respectivamente. A substituição de hidroxila por amina produz os aminoaçúcares. Muitas vezes, o grupo amínico encontra-se acetilado, formando acetilglicosamina, acetilgalactosamina, entre outros (Figura 33) (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). Figura 33- Estruturas de monossacarídeos substituídos. 5.4 Oligossacarídeos Oligossacarídeos são compostos que, à hidrólise, produzem de dois a dez monossacarídeos. Dissacarídeos são resultantes da união de dois monossacarídeos. Os monossacarídeos podem se unir uns aos outros por meio de ligações glicosídicas. Tais ligações são realizadas pela associação de duas hidroxilas com a liberação de uma molécula de água, formando um novo composto dissacarídeo. Três dissacarídeos abundantes são a sacarose, a lactose e a maltose (Figura 34). A sacarose é formada por α-D- glicose e por β-D-frutose. Este dissacarídeo é formado pela união destes monossacarídeos através de uma ligação glicosídica do tipo α1-β2, pois envolve a hidroxila do carbono 1 da glicose e a hidroxila do carbono 43 2 da frutose. A sacarose (glicose-frutose α1-β2) é o glicídio denominado de açúcar e está presente em grandes quantidades na cana de açúcar e na beterraba. Em consequência, a sacarose é um glicídio não redutor, porque as suas oses componentes não são convertidas prontamente a um aldeído ou a uma cetona, ao contrário da maioria de outros glicídeos. A sacarose pode ser cindida em suas oses pela enzima sacarase (BERG, J.M.; TYMOCZKO, J.L.; et al., 2008). A maltose (glicose-glicose α1-4) é normalmente resultante da hidrólise do amido. A Lactose (galactose-glicose β 1-4) é o dissacarídeo predominante no leite. Estes dissacarídeos podem ser utilizados pelo organismo humano, pois nós possuímos enzimas para sua clivagem, localizadas nas microvilosidades intestinais. Na natureza são predominantes também os dissacarídeos celobiose (glicose- glicose β 1-4) decorrentes da clivagem da celulose pela enzima celulase e, a trealose (glicose-glicose α1-1) que é o dissacarídeo utilizado pelos insetos como fonte de energia durante o voo. Figura 34- Dissacarídeos comuns. Sacarose, lactose e maltose são componentes comuns da alimentação. 5.5 Estruturas e funções dos polissacarídeos Os polissacarídeos são polímeros encontrados na natureza e podem ter função estrutural ou de reserva. São compostos de um grande número de unidades de monossacarídeos unidos através de ligações glicosídicas. Os polissacarídeos podem ser classificados em homopolissacarídeos que contêm na sua molécula uma única espécie de monossacarídeo e heteropolissacarídeo que contém na sua molécula duas ou mais espécies de monossacarídeos (ou seus derivados) (BERG, J.M.; TYMOCZKO, J.L.; et al., 2008). Três polissacarídeos importantes, todos constituídos de unidades de glicose, são o amido, o glicogênio e a celulose. O amido é usado nas plantas para armazenar energia. Encontra-se em todos os tubérculos e sementes das plantas e é 44 a forma na qual a glicose é armazenada antes de ser utilizada. O amido pode ser separado em dois polissacarídeos: amilose e amilopectina. A hidrólise completa tanto da amilose como da amilopectina resulta unicamente em D-glicose. A amilose é um polímero formado por muitas unidades glicosídicas unidas por ligações α 1-4. As cadeias não são ramificadas e tendem a assumir um arranjo helicoidal. A amilopectina é o principal constituinte do amido, apresenta uma estrutura ramificada, formada por moléculas de α-D-glicose unidas por ligações glicosídicas do tipo α1-4. Nos pontos de ramificações a estrutura possui ligações α1-6 (Figura 35) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Figura 35- A amilose e a amilopectina são duas formas de amido. Observe que as ligações lineares são α (1→4), mas as ramificações na amilopectina são α (1→6). O glicogênio atua como um carboidrato de reserva de energia para os animais. Similarmente à amilopectina, ele é um polissacarídeo ramificado que contém aproximadamente 106 unidades de glicose unidas por ligações α- 1,4 e α- 1,6- glicosídicas. A quantidade total de glicogênio no corpo de uma pessoa adulta bem nutrida é cerca de 350 g, distribuída quase igualmente entre o fígado e os músculos. O ser humano possui somente enzimas que hidrolisam ligações glicosídicas do tipo alfa e por isto glicogênio e amido são moléculas de reserva energética. A celulose é uma substância fibrosa, flexível e insolúvel em água. Ela é encontrada na parede das plantas, particularmente no talo, no tronco e em toda a porção de madeira da planta. A molécula de celulose contém entre 10000-15000 unidades de β-D-glicose. É composta por uma cadeia linear de unidades de β-D- glicose unidas por ligações β1-4 (Figura 36). As moléculas de celulose comportam- 45 se como hastes rígidas, uma característica que permite que elas se alinhem entre si, lado a lado, em fibras bem organizadas insolúveis em água em que os grupos OH formam numerosas ligações de hidrogênio intermoleculares. Esse arranjo de cadeias paralelas em feixes confere à celulose alta resistência mecânica. Figura 36- A celulose é um polissacarídeo linear que contém cerca de 3000 unidades de D- glicose unidas por ligações β-1,4- glicosídicas. Os heteropolissacarídeos são os principais componentes das paredes celulares bacterianas. Uma característica distinta de paredes celulares procarióticas é que os polissacarídeos apresentam ligações cruzadas com peptídeos. A unidade de repetição dos polissacarídeos consiste em dois resíduos unidos pelas ligações glicosídicas β (1→4), como no caso da celulose e da quitina. Um dos dois monômeros é N-acetil-D-glicosamina, e o ácido N-acetilmurâmico. Os glicosaminoglicanos são polissacarídeos de unidades dissacarídicas repetidas onde um dos monossacarídeos é o N-acetilglicosamina ou N-acetil- galactosamina e outro é, na maioria dos casos, o ácido glicurônico. Esses polissacarídeosestão envolvidos em uma ampla variedade de funções e tecidos celulares. O ácido hialurônico é um exemplo de glicosaminoglicano. Ele tem massa molecular entre 105 e 107 g/mol e é composto de ácido D- glicurônico unido a N- acetil-D-glicosamina através de uma ligação β-1,3-glicosídica, enquanto a glicosamina é ligada ao ácido glicurônico por uma ligação β-1,4-glicosídica (Figura 37, a seguir) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H., et al., 2012). 46 Figura 37- Unidade repetitiva do ácido hialurônico. 47 UNIDADE 6 – NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOS 6.1 Ácidos nucleicos Os ácidos nucleicos pertencem à categoria das macromoléculas e, da mesma maneira que os polissacarídeos e as proteínas, são constituídos por unidades mais simples que se polimerizam para formar a molécula mais complexa. A unidade mais simples que forma o ácido nucleico é o nucleotídeo, que, por sua vez, é composto de três moléculas ainda mais simples: uma base nitrogenada, uma pentose e ácido fosfórico (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). As bases encontradas no DNA e RNA são aminas aromáticas heterocíclicas. Duas dessas bases, a adenina (A) e a guanina (G), são purinas; as outras três, citosina (C), timina (T) e uracila (U), são pirimidinas. As duas purinas (A e G) e uma das pirimidinas (C) são encontradas tanto no DNA como no RNA, enquanto a uracila (U) é encontrada apenas no RNA, e a timina (T), apenas no DNA (Figura 38). Figura 38- As cinco bases nitrogenadas do DNA e RNA. Dois tipos de pentoses são encontrados nos ácidos nucleicos naturais, a ribose e a 2-desoxirribose. O composto constituído pelo açúcar e pela base é denominado nucleosídeo. Esta ligação que é β se estabelece entre o nitrogênio 1 das pirimidinas ou o nitrogênio 9 das purinas e o carbono 1 da pentose, pela remoção de uma molécula de água (Figura 39) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). 48 Figura 39- Estrutura ribose e desoxirribose O terceiro componente dos ácidos nucleicos é o ácido fosfórico. Quando esse ácido forma uma ligação éster de fosfato com um nucleosídeo, o composto resultante é chamado nucleotídeo (Figura 40) (BERG, J.M.; TYMOCZKO, J.L.; et al., 2008). Figura 40- Nucleotídeos A estrutura covalente dos ácidos nucleicos contribui para sua capacidade de levar informações sob a forma de uma sequência de bases ao longo da cadeia de ácido nucleico. As bases de dois filamentos separados de ácidos nucleicos formam pares de bases específicas, de tal modo que é formada uma estrutura helicoidal. A estrutura de dupla hélice do DNA facilita a replicação do material genético, isto é, a geração de duas cópias de um ácido nucleico a partir de um. 6.2 Estruturas dos ácidos nucleicos Os ácidos nucleicos são polímeros de nucleotídeos. A sequência de nucleotídeos corresponde à estrutura primária dividida em duas partes: a cadeia principal e as bases que são os grupos laterais. A cadeia principal no DNA é composta de desoxirribose e fosfato alternados. Cada grupo fosfato está ligado ao carbono 3’ de uma unidade de desoxirribose e simultaneamente ao carbono 5’ da 49 unidade de desoxirribose seguinte. A estrutura primária do RNA é a mesma, exceto que cada açúcar é uma ribose (Figura 41 e 42) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al., 2012). O DNA normalmente é composto de duas cadeias nucleotídicas que se estabilizam mutuamente numa forma helicoidal: os ácidos fosfóricos e as desoxirriboses da cadeia nucleotídica dispõem-se de maneira a conter o eixo da hélice, enquanto que as bases nitrogenadas se dispõem perpendicularmente ao eixo longitudinal da estrutura e voltado para o interior dela. Esta organização helicoidal é mantida por pontes de hidrogênio que se estabelecem entre as bases nitrogenadas das duas cadeias. Isto constitui a estrutura secundária do ácido desoxirribonucleico (VIEIRA, E.C.; GAZZINELLI, G; et al., 1999). A forma da dupla hélice do DNA é chamada B-DNA, que é a forma mais comum e mais estável do DNA. Há outras formas possíveis se a hélice fica mais apertada ou mais larga e ainda se as voltas da hélice se dão na direção oposta. Com a forma B-DNA, ocorre um aspecto diferencial, que é a existência das fendas (ou sulcos) maior e menor; os dois podem ser sítios onde drogas ou polipeptídeos se ligam ao DNA (Figura 43). Figura 41- Diagrama esquemático de uma molécula de ácido nucleico. Figura 42- Estrutura da cadeia principal de DNA. Os hidrogênios em azul são os responsáveis pela acidez. 50 Figura 43- A dupla- hélice. Uma volta completa da hélice se estende por dez pares de bases. O DNA eucariótico é um complexo de várias proteínas, especialmente com proteínas básicas que têm cadeias laterais de carga positiva. A atração eletrostática entre os grupos fosfato carregados negativamente do DNA e os grupos com carga positiva das proteínas, chamadas de histonas, favorece a formação de complexos desse tipo. O material resultante é a cromatina que se se assemelha a um colar de contas que reflete a composição molecular do complexo proteína-DNA (Figura 44) (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). Existem seis tipos de RNA: RNA mensageiro (mRNA), RNA de transferência (tRNA), RNA ribossomal (rRNA), RNA nuclear pequeno (snRNA), micro RNA (miRNA) e RNA interferente pequeno (siRNA) que diferem em estrutura e função. O RNA transportador é relativamente pequeno. Ele exibe extensos pareamentos intracadeia por pontes de hidrogênio, representadas em duas dimensões pela estrutura de uma folha de trevo (Figura 45) (BETTELHEIM, F.A.; BROWN, W.H.; et al. 2012). 51 Figura 44- Estrutura da cromatina. O DNA está associado às histonas em um arranjo com aparência de um colar de contas. As moléculas de RNA ribossômico também exibe extensos pareamentos internos por pontes de hidrogênio. O tamanho das moléculas de mRNA varia com o tamanho da proteína e são produzidas em um processo chamado transcrição e conduzem a informação genética. O mRNA eucariótico é inicialmente produzido em uma forma imatura que deve ser processada removendo-se os íntrons e adicionando-se unidades de proteção nas extremidades 5’ e 3’. O micro RNA e DNA curto interferente são bastante são pequenos, com cerca de 20 a 30 bases de comprimento. Eles atuam no controle da expressão gênica e foram as mais recentes descobertas na pesquisa do RNA. O mRNA, tRNA e rRNA estão envolvidos na síntese de todas as proteínas. O RNA com atividade catalítica é chamado ribozima (CAMPBELL,M.K.; FARREL, S.O., 2007). 52 Figura 45- Estrutura do tRNA. 6.3 Como o DNA é replicado? A replicação do DNA ocorre em uma série de etapas distintas. A replicação começa em um ponto do DNA chamado origem da replicação. A dupla hélice do DNA tem duas fitas que estão pareadas em direções opostas. O ponto do DNA em que a replicação ocorre é chamado forquilha de replicação. A replicação sempre ocorre na direção 5’ para 3’da perspectiva
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