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LEITE, Gisele.As influências do CPC/2015 no direito civil brasileiro.pdf

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As influências do CPC/2015 na teor ia das obrigações do direito
brasileiro.
Gisele Leite1)
Resumo: O CPC/2015 naturalmente operou mudanças na codificação
civil vigente, sendo interessante observar que por vezes entrou na
contramão da tendência desjudicialização dos conflitos, mas também
trouxe, normas mais simplificadas e eficazes para melhor aplicação da
legislação referente ao direito das obrigações.
No passado, o Código Buzaid2) também exerceu influências sobre o
então vigente Código Civil de 1916 e, prosseguindo, o Novo CPC
também traz consequências sensíveis para a teoria geral das
obrigações. Particularmente quanto as modalidades de obrigações
disciplinadas nos artigos 233 ao art. 235 do C.C. de 2002.
Os dispositivos legais acima mencionados do codex consagram a
classificação de obrigações quanto à prestação –obrigações de dar, de
1)É professora universitária, pedagoga, bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, m estre em Filosofia
UFF, Doutora em Direito USP. Pesquisadora-Chefe do Insti tuto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Membro do
Insti tuto Brasileiro de Direito de Família –IBDFAM. Email: professoragiseleleite@yahoo.com .br
2) O CPC de 1973 sofreu influências doutrinárias estrangeiras que, por sua vez, tam bém serviram para moldar,
de alguma formaas disposiçõesdo C.C. de 1916. Ademais com o advento da urbanização e maior progresso da
tecnologia a sociedade transforma-se o que veio influenciar diretamente nas alterações acolhidas pelo Código
Civil de 2002.
3) Em linguagem vulgar usam os o verbo fazer para descrever diversas atividades que tanto corresponderiam à
entrega ou restituição de uma coisa, como também a realização de um fato. Por exemplo, falam os em fazer
um pagam ento, quando pagar é dar dinheiro ou créditos; cogitamos em fazer uma entrega, quando entregar é
modalidade de dar, transferir. No campo jurídico, entretanto, a distin ção entre as modalidades de obrigações
há de ser técnica: se no contrato há a previsão de alguém para entregar-me algo que já existe no momento da
contratação, a obrigação do devedor será de dar (entregar); todavia , se no m om ento da contratação o devedor
tiver de fazer (elaborar, confeccionar, construir) a coisa antes de entregá-la a obrigação será de fazer, pois a
entrega será mera consequência do fazer. Em outras palavras , antes de entregar será necessário fazer.
“O substractum da diferença está em verificar se o dar ou o entregar é ou não consequência do fazer. Assim ,
se o devedor tem de dar ou entregar alguma coisa, não tendo, porém , de fazê-la previamente, a obrigação é
de dar; todavia , se, prim eiramente, tem de confeccionar a coisa para depois entregá-la, sem tem de realizar
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fazer e não-fazer3) e, também trata das obrigações alternativas,
divisíveis e indivisíveis e solidárias4).
A começar pelas obrigações disjuntivas ou alternativas que apresentam
duas ou mais prestações as obrigações compostas objetivas, sendo
certo que uma delas deve ser cumprida efetivamente pelo devedor.
Tal obrigação é consagrada pela conjunção “ou”. E, diferem das
obrigações que também são compostas objetivas, ou seja, dotadas de
mais de uma prestação, sendo certo que todas devem ser cumpridas
pelo devedor, sob pena de configuração de mora ou de inadimplemento
absoluto (identificadas pela conjunção “e”).
Nas obrigações alternativas, a escolha de qual prestação deve
geralmente ser cumprida pelo devedor, salvo se o contrário for
estipulado por lei ou pelas partes (art. 252 do C.C.). Portanto pode o
instrumento obrigacional pode estabelecer o direito de escolha ao
credor para concentrar o objeto da relação jurídica obrigacional.
Eventualmente, a escolha pode ser efetuada por um terceiro ou até
mesmo pelo juiz. E no caso de pluralidade de optantes, não havendo
acordo unânime entre eles, assinado, para a deliberação das partes.
Se o título deferir a opção a terceiro e, este, não quiser ou não puder
exercê-la, caberá ao juiz fazer a escolha5), e também, se não houver
acordo entre as partes.
algum ato, do qual será m ero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer. ”
4) A respeito das obrigações solidárias temos o embate entre a teoria pluralista e a teoria unitária com relação
o vínculo obrigacional. Haveria contradição entre o art. 264 e o 266 do CC? A teoria pluralista não explica a
solução das obrigações solidárias. Se há mais de um vínculo, porque um dos devedores ao pagar exonera os
dem ais e um dos credores ao receber satisfaz os dem ais?
5) Se o direito de escolher (concentração) couber a um ou mais sujeitos (o Código Civil se vale da expressão “
optantes”) e estes não m anifestarem acordo unânime sobre a prestação devida ou a ser exigida, “decidirá o
juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação”, conforme estipula o ?3. °, do art. 252 do Código Civil;
nesta hipótese será inaplicável a teoria da qualidade média ou intermediária, nos termos da parte final do art.
244 do Código Civil.
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Ressalte-se que as normas de direito civil elaboradas na década de
setenta do século XX, quando prevalecia o mote que era o pleno acesso
à justiça. E, atualmente, ainda mais conforme é consagrado pelo
CPC/2015, contudo, há previsões que se encontram na contramão da
tendência de desjudicialização das contendas. Tanto isso é verdade que
os derradeiros diplomas legais não encontraram a devida a efetivação
prática apesar de passada mais de uma década após a codificação civil
brasileira de 2002.
Prevê o artigo 800, caput do CPC/2015 que nas obrigações alternativas,
quando a escolha couber ao devedor, este será citado para exercer a
opção e, realizar a prestação dentro de dez dias úteis, se outro prazo
não lhe foi determinado em lei ou em contrato. Convém lembrar que o
art. 139 do CPC/2015 autoriza o magistrado a customizar os prazos
processuais conforme a complexidade do caso concreto e a
conveniência das partes.
A indicada norma reprisa o teor contido no art. 571 do CPC/73,
consagrando a regra como a escolha do devedor, referente a
concretização da máxima romana segundo a qual o sistema jurídico
deve tutelar o sujeito passivo obrigacional6) (in favor debitoris7)).
6) A proteção do devedor decorrente do favor debitoris constitui um princípio geral do direito das obrigações
no direito brasileiro porque configura uma pauta diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas
nesse ordenamento, requer para sua aplicação uma mediação concretizadora do juiz ou do legislador, quando
não positivado, funda-se na ideia de direito como o comprova o desenvolvimento histórico dos seus institutos
atenua os rigores do pacta sunt servanda, reequilibrando a noção de obrigação e constitui a ratio e a
justificação deontológica das regras protetivas do direito ibérico e latino-americano.
7) A expressão favor no direito rom ano assume o significado daquilo que se desvia do rigor do direito,
conforme se verifica nas palavras de Ulpiano no Digesto XL, 5,24,10. Moreira Alves considera que a expressão
favor denota a atitude do legislador e da jurisprudência de favorecimento a uma situação especial que decorre
de uma causa favorabilis, ou seja, a tendência a privilegiar estas, pela sua relevância e importância dentro do
ordenamento jurídico, desde que a interpretação dada não seja absolutamente destoante da lógica jurídica.
8) Art. 800. Nas obrigações alternativas, quando a escolha couber ao devedor, esse será citado para exercer a
opção e realizar a prestação dentro de 10 (dez) dias, se outro prazo não lhe foi determinado em lei ou em
contrato. ?1?Devolver-se-á ao credor a opção, se o devedor não a exercer no prazo determinado.
?2?A escolha será indicada na petição inicial da execução quando couber ao credor exercê-la.
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Mas resta evidente no ?1?do art. 800 do NCPC8) quando a escolha for
devolvida para o credor em face da inércia do devedor, ou após ser
citado para tanto e escoado o prazo, permanecer silente e inerte.A escolha9) deverá ser logo indicada em petição inicial da execução que
couber ao credor exercê-la, o que decorre dessa atribuição dada pela lei
ao sujeito obrigacional como exceção (?2?do art. 800 CPC/2015).
Mais adiante, o NCPC trata das obrigações de fazer e não-fazer, com
uma regra em comum (art. 814), seguindo por uma regulamentação em
separado das duas categorias. Há ainda os relevantes preceitos
referentes à essas categorias e, também, as obrigações de dar na
seção relativa ao “Julgamento das Ações de Prestações de fazer, de
não-fazer”, e de entregar coisa (vide arts. 497 ao 501 do CPC/2015).
As obrigações de fazer são positivas, tendo por objeto uma tarefa a ser
desempenhada por alguém, podendo ser infungíveis (insubstituíveis)
como a personalíssima ou intuitu personae, também podem ser
fungíveis ou substituíveis.
O art. 247 do C.C. trata das obrigações de fazer infungíveis10) ao
preceituar que se negando o devedor ao seu cumprimento, estas se
convertem em obrigação de dar, devendo o sujeito passivo arcar com
as perdas e danos, incluídos os danos materiais ou patrimoniais e os
danos extrapatrimoniais ou morais (art.402 ao 404 do C.C.) e, ainda, o
art. 5?, incisos V e X da CF/1988.
9) O direito de escolha é tam bém chamado de concentração, o que igualmente ocorre nas obrigações de dar
coisa incerta. Nos termos do artigo 252, do Código Civil, o direito de escolher será exercido pelo devedor “se
outra coisa não se estipulou”. Discute-se na doutrina nacional e estrangeira o momento em que a
concentração se torna irrevogável. A m aioria dos doutrinadores entende que a escolha se torna irrevogável
quando comunicada à outra parte. De outro lado, se a prestação se tornar impossível após a escolha, mas
antes do cum primento, a obrigação do devedor recairá na prestação subsistente.
10) No campo das obrigações de fazer infungíveis ou personalíssimas aplica-se o brocardo romano nemo
praecise cogi potest ad factum (ningu ém poderá ser coagido a praticar um ato [contra a sua vontade]).
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Contudo, antes de pleitear a indenização, o autor poderá requerer o
cumprimento obrigacional nas duas modalidades, seja por meio da
tutela específica com a fixação de multa diária (ou pelas astreintes11))
fixadas pelo juiz conforme o art. 461 do CPC/1973 (art.497 do
CPC/201512)).
Já o NCPC tal consequência consta, mas o art. 814, sem prejuízo de
outros comandos prevê: “Na execução de obrigação de fazer13) ou de
não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz
fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a
data a partir da qual será devida”. “Parágrafo único. Se o valor da multa
estiver previsto no título e for excessivo, o juiz poderá reduzi-lo”.
Para o notável doutrinador Flávio Tartuce continua em plena aplicação o
teor da Súmula 410 do STJ14), editada em novembro de 2009, com a
seguinte redação: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui a
condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de
obrigação de fazer e não fazer”.
11) Além da multa astreinte existem outras form as de coerção psicológica para o cumprimento obrigacional
derivado da tutela específica. Afinal, prevê o art. 77, V do CPC/2015. Ressalte-se ainda que existe colossal
diferença entre a multa astreinte e a m ulta prevista no art. 77 do CPC, o que viabiliza inclusive a sua
cum ulação. Na primeira, estam os no âm bito da prevenção, cujo objetivo é instituir m era ameaça de aplicação
de multa para que convença a parte a adimplir. Na segunda multa, apesar advinda da previsão legal, esta
passa a ser devida após o cometim ento do ato atentatório à dignidade da justiça, com nítido caráter punitivo.
12) Os arts. 497 ao 500 institui “Do julgamento das ações relativas as prestações de fazer, de não fazer e de
entregar coisa”deve ser compreendida genericamente como o conteúdo que as sentenças, naqueles casos,
podem assum ir. A produção concreta dos efeitos daquelas decisões é disciplinada no Título II do mesmo Livro I
da Parte Especial, dedicado ao cumprim ento da sentença. (In: LEITE, Gisele. Sentença e coisa julgada no CPC
de 2015. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4549, 15 dez. 2015. Disponível em :
https://jus.com.br/artigos/44636. Acesso em: 6 m ar. 2016.).
13) No cam po processual as obrigações de fazer são disciplinadas nos arts. 287, 461, 632 a 638, 644 a 645, e 466
-A a 466-C, do Código de Processo Civil de 1973 Correspondentes aos artigos 497,498, 815, 821 do CPC/2015).
14) A Súmula em comento traz a lume o tem a das obrigações de fazer e não-fazer em que na primeira pretende
-se que alguém pratique um ato, e na segunda que alguém se abstenha da prática de determinado ato.
O tema decorre das hipóteses em que lim inarmente se impõe m ulta à parte devedora com vistas ao
adim plem ento da obrigação de plano, obrigação esta que deveria ser adim plida livre e voluntariam ente.
É lógico que sendo a multa um a sanção pelo descumprimento do preceito contido na decisão judicial, só será
aplicável depois que a parte tiver sido intim ada a cumprir a determ inação e tiver deixado de fazê-lo no prazo
que lhe foi assinado.
A m ulta é prevista pelo atraso no cum primento do preceito. É preciso, pois, que o prazo da intimação se
esgote, uma vez que som ente depois de vencido o termo final daquele prazo é que com eçará a fluir o tempo
de atraso justificador da aplicação da multa.
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Não se pode olvidar que na relação de consumo, a tutela específica da
obrigação de fazer e de não fazer15) é prestigiada, inclusive com a
mesma viabilidade de multa, consta no art. 84 do CDC16), posto que
privilegie o resultado prático equivalente ao adimplemento e, a
conversão em perdas e danos só será admissível quando escolher o
autor ou quando for impossível a tutela específica.
Para a tutela específica17) ou para obtenção de recurso equivalente,
poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e
apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra
impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial
quando for necessário.
De sorte que todos esses preceitos continuam normalmente em pleno
vigor, não tendo sido atingido e nem modificado pelo NCPC.
Quanto às obrigações de fazer fungíveis estas continuam a ser possível
a aplicação de astreintes, somente com relação ao devedor originário, o
que visa à conservação do negócio assumido pelas partes. A conversão
15) As obrigações de não fazer serão em princípio ilícitas se restringirem direitos da personalidade ou direitos
fundam entais, tais como, obrigações de não casar, não ter filhos, de não trabalhar, de m anter-se em
abstinência sexual etc.
16) As diferenças entre o Código Civil vigente e o CDC quanto ao tem a são grandes, podem os resum ir em:
No direito consum erista, a com provação da onerosidade excessiva não se acha presa ao requisito da
exagerada vantagem para a outra parte. De fato, o CDC adotou posicionamento distanciado do
enriquecimento sem causa e, que, portanto, é suficiente a prova de que a prestação se tornara
excessivamente onerosa para o consumidor, inerentem ente desse excesso se reverter em favor do fornecedor.
Mas, a questão ainda não é pacífica. Pois uma parte da doutrina defende que a onerosidade excessiva pode
provocar por via oblíqua, o lucro indevido ou exagerado da outra parte, há casos que assim não ocorre, na
medida que a onerosidade excessiva não im plica necessariamente no lucro indevido da outra parte.
Em direito consum erista é corriqueiro a ocorrência de fatos supervenientes e im previsto ap ós a celebração
contratual, não se fazendo necessário que tais fatos sejam igualmente imprevisíveis e extraordinários. Nesse
mesmo sentido, se percebe que o direito de revisão contratual é uma prerrogativa de ambos contratantes
(consumidor e fornecedor), desde que a onerosidade excessiva seja superveniente à formação contratual.
Apesar de que se exigir a atuação com probidadee lealdade recíprocas, coberta pelo princípio da boa-fé
objetiva.
17) Para a parte da doutrina o desrespeito ao cumprim ento da decisão judicial nos casos de tutela específica
tipifica o crime previsto no art. 330 do CP que inform a: Desobedecer a ordem legal de funcionário público.
Pena: Detenção, de 15 dias a 6 m eses, e multa. O ato praticado no âmbito do processo civil gera um efeito
externo o que enseja o início da persecução penal, com a consequente e devida instauração de inquérito
policial para averiguar a ocorrência de crime, inclusive para alguns doutrinadores, ensinando até a possível
prisão em flagrante.
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em perdas e danos é admitida somente em hipóteses excepcionais para
a preservação da autonomia privada e manutenção do pacto celebrado.
Não se pode esquecer que o princípio da conservação dos contratos
possui estreita e íntima ligação com o princípio da função social das
obrigações e dos contratos, o que é francamente reconhecido pelo
Enunciado 22 CJF/STJ. Tendo sido endossado também pelo CPC/2015.
Segundo o art. 248 do C.C., caso a obrigação de fazer, nas duas
modalidades (fungível e infungível) vier a tornar-se impossível ou
inexequível, sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação sem a
necessidade de pagamento de perdas e danos assim como ocorre em
decorrência de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou de força
maior (evento totalmente inevitável apesar de previsível).
Nessas duas hipóteses, como é notório, a exceção deve ser feita ao
devedor em mora que responderá por tais eventos conforme prevê o art.
399 do C.C., a não ser que prove a total ausência de culpa ou que o
evento aconteceria mesmo que não estivesse em mora.
A respeito do art. 248 do C.C entendeu o STJ que “resolve-se, por
motivo de força maior, o contrato de promessa de compra e venda
sobre o qual pendia como ônus do vendedor a comprovação de trânsito
em julgado de ação de usucapião na hipótese em que o imóvel objeto
do contrato foi declarado território indígena por decreto governamental
publicado após a celebração do referido contrato. ”
Sobrevindo a inalienabilidade antes do implemento da condição a cargo
do vendedor, não há de cogitar em celebração do contrato diferido nem
incidindo a teoria da imprevisão18). Trata-se de não perfazimento de
18) O antigo princípio do pacta sunt servanda ao longo da evolução do direito e, particularm ente na passagem
do Estado Liberal para o Estado Social, veio a sofrer fortes impactos em razão do revigoramento da cláusula
rebus sic stantibus , que tem sido denom inada de teoria da im previsão. De fato, na sociedade contemporânea,
massificada e sob a influência da globalização na economia, é m uito frequente que os contratantes, ao longo
dos contratos, particularmente os de longa duração, se encontrem mais onerados em face de acontecimentos
supervenientes à formação contratual. E, nesse contexto, é justific ável a revisão do contrato e, não
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contrato por desaparecimento da aptidão do bem a ser alienado (art.
248 do C.C.) STJ, REsp 1.288.033/MA, Rel. Min. Sidnei Beneti, j.
16.10.2012, publicado no Informativo n?507.
Em havendo culpa do devedor no descumprimento obrigacional de
obrigação de fazer, este deverá arcar com os danos presentes no caso
concreto. A culpa não só nesse preceito do art. 248 do C.C., mas,
também em outros relativos à teoria geral das obrigações deve ser
entendida em sentido amplo ou lato sensu, englobando o dolo (intenção
de descumprimento) e a culpa stricto sensu (ato praticado em
imprudência, negligência ou imperícia).
Por outro lado, o art. 249 do C.C. é o que apresenta o conceito de
obrigação de fazer fungível, ou seja, aquela substituível e que pode ser
cumprida por terceiro à custa do devedor originário.
Resta ainda a opção do credor, antes da conversão em perdas e danos,
que é a exigência que outra pessoa cumpra a obrigação, conforme os
procedimentos que sempre estiveram disciplinados no CPC.
Há a novidade ao determinar que em caso de urgência, poderá o credor,
independentemente de autorização judicial, executar ou mandar
executar o fato, sendo depois ressarcido. Trata-se de autotutela civil
para o cumprimento das obrigações de fazer fungíveis que recebeu
críticas nos anos iniciais da codificação material, devido aos perigos que
a autotutela pode trazer.
Também essa medida está na linha principiológica adotada pelo NCPC
que é inclinada para a desjudicialização das contendas e disputas
judiciais.
propriamente a sua resolução.
Apesar de que a resolução por onerosidade excessiva prevista pelo vigente Código Civil brasileiro para alguns
doutrinadores resuma-se em quim era jurídica, de dificultosa aplicação, principalmente por exigir do
contratante prejudicado a reunião de cinco requisitos, facultando-lhe apenas pela resolução do contrato e, não
a sua revisão, conforme se encontra previsto o CDC.
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Ocorrendo o abuso no exercício da referida autotutela serve como
controle o art. 187 do Código Civil19) que veda o abuso do direito,
reconhecido como ato ilícito20), prescrevendo que também comete ato
ilícito21) o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo fim social ou socioeconômico, pela boa-fé ou
pelos bons costumes22).
Esclareça-se que a situação de urgência necessita estar devidamente
provada e evidenciada para que seja aplicada essa autotutela civil do
art. 249, parágrafo único do Código Civil.
19) O abuso do direito é figura moderna e fora construída a partir de decisões judiciais francesas proferidas a
partir da metade do século XIX, m as apenas que ganharam corpo nas primeiras d´pecadas do século passado.
Está inserido no m ovimento de queda do voluntarismo, isto é, do predomínio de vontade do titular de um
direito como m otor absoluto e potente de seu exercício e, por isso, tem servido para evidenciar a
funcionalização de um a série de direitos, como a propriedade e os contratos.
A disputa doutrinária a respeito da conceituação do abuso do direito é grande, mas pode-se reduzir os seus
term os ao debate atual sobre o abuso com o exercício do direito fora de sua função, ou ainda, como exercício
do direito de forma a contradizer o valor que o m esmo busca tutelar. Assim , o abuso do direito representaria
uma infração aos lim ites que não estão colocados na existência de direitos de terceiros, mas sim, em
elementos típicos do próprio direito, como a sua função ou o seu valor.
No campo da responsabilidade civil, o abuso de direito ganha notoriedade posto que evidencia que, em
num erosas hipóteses, seria incorreto, afirm ar-se estar na existência de um ato ilícito, muito embora possa ser
constatada a ocorrência do dano.
20) Para Pontes de Miranda, o “abuso de direito é ato ilícito, porque exercício irregular.”Essa verbalização, que
liga os dois conceitos por causa do exercício, term ina por igualar ilicitude e abusividade tam bém por conta dos
efeitos derivados desse exercício. Nesse sentido, o efeito tanto do ato ilícito como do ato abusivo é a
responsabilidade civil do agente, existindo assim uma identidade no sancionamento previsto para o sujeito.
21) Na coletânea de decisões proferidas pelos tribunais franceses a partir de meados do século XIX até o início
do século XX não se encontra a menção a uma “teoria do abuso do direito”. Essa denominação foi cunhada por
Laurent que, ao se debruçar sobre as referidas decisões enfocando os lim ites ao exercício do direito subjetivo,
nelas identificou um padrão que poderia servir de base para a criação desse novo instituto.
Uma das decisões mais notórias nesse período histórico é aquela proferida em 1853, na qual um tribunal
francês obrigava o proprietário de um terreno a destruir uma cham iné que o mesm o havia edificado
anteriorm ente. Segundo constou do processo, a construção da chaminé havia sido realizada apenas para fazer
som bra sobre um terreno adjacente. Em outra oportunidade, decidiu-se que também agiacom abuso de
direito o proprietário de um terreno que bombeava água para um rio com o exclusivo intuito de dim inuir o
reservatório de água de um prédio vizinho.
22) Em várias legislações é percebido a repulsa dada aos atos que expressam o abuso de direito, vigorando em
várias codificações a premente intenção de um resultado útil, efetivo, tem pestivo do processo e desnudá-lo de
qualquer pretensão abusiva de qualquer das partes, neste sentido temos:
1. No Código Suíço - artigo 2?"parte final" - "O abuso manifesto de um direito, não goza de nenhuma
proteção".
2. No Código Civil Português - artigo 334 - “Há abuso de direito, sempre que o titular o exerce com
manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé”,
3. No Código Polonês de Obrigações - artigo 135 - "Aquele que, intencionalm ente ou por negligência,
cause dano a outrem no exercício do seu direito, tem de reparar o dano sem pre que exceda os limites fixados
pela boa-fé ou pelo objeto em atenção ao qual esse direito haja sido outorgado"
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As regras específicas relativas às obrigações de fazer no CPC/2015 que
preceituam o seu art. 815 que, quando o objeto de execução for
obrigação de fazer, o executado será citado para satisfazê-la no prazo
que o juiz designar, se outro não estiver determinado no título executivo.
Essa norma tem aplicação para as duas modalidades de obrigações de
fazer expostas, fungíveis ou infungíveis, sendo praticamente uma
repetição do art. 632 do CPC/1973.
Continua idêntico ao teor do art. 633 do Código Buzaid, dispõe o art.
816 do NCPC que, se o executado não satisfazer a obrigação no prazo
designado, é lícito, ao exequente, nos próprios autos do processo
requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e
danos, hipótese em que se converterá em indenização.
O valor das perdas e danos será apurado em liquidação seguindo-se a
execução para cobrança de quantia certa. Como há a menção ao
cumprimento por terceiro, à custa do executado, conclui-se que o artigo
trata das obrigações de fazer fungíveis ou substituíveis em perdas e
danos ou em obrigação de dar.
O art. 817 do CPC/2015 correspondente ao art. 634 do CPC/1973 (que
já havia passado por alteração recente, pela Lei 11.382/1006). Tal nova
feição dada, veio a extinguir a complexa licitação privada antes
existente.
Verificando o juiz que a obrigação de fazer é passível de realização por
terceiro, haverá dilação probatória onde caberá ao próprio exequente –
apesar do silêncio do dispositivo trazer aos autos as eventuais
propostas de terceiros interessados na prestação do respectivo fato.
Isto ocorre por meio da apresentação pelo exequente, de alguns
orçamentos fixados pelos terceiros eventualmente interessados, não
sendo descartada a possibilidade de até mesmo o executado apresentar
os orçamentos.
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Diante das propostas elaboradas, o juiz estabelecerá o contraditório e
deliberará no sentido de aprovação de uma delas, que necessariamente
não precisará ser a mais barata se eventualmente não for essa a melhor
proposta para atender ao exato cumprimento obrigacional.
Essa decisão poderá ser impugnada por intermédio do recurso de
agravo. Aprovada a proposta pelo juiz, caberá ao exequente adiantar as
quantias nela previstas para que o terceiro realize o fato (art. 643,
parágrafo único do CPC/1973). As quantias adiantadas pelo exequente
serão por ele cobradas do executado através do procedimento previsto
para a execução por quantia certa.
A última alteração revela-se simples, em face das mudanças do
cumprimento da obrigação, contando-se o prazo de cinco dias úteis
para o exercício do direito de preferência, por parte do credor, da
apresentação da proposta pelo terceiro. O prazo já era tido como
decadencial e, não sendo exercido pelo credor, a prestação ficaria a
cargo de terceiro que apresentou a proposta.
E, o art. 820 do NCPC confirmou essa ideia. E, ainda sobre as
obrigações de fazer fungíveis, o art. 818 do CPC/2015 enuncia que
realizada a prestação, o juiz ouvirá as partes no prazo de dez dias. Não
havendo qualquer impugnação, considerará satisfeita a obrigação.
Caso haja impugnação, o juiz a decidirá. O art. 635 CPC/1973 não foi
objeto de qualquer modificação anterior. Encerrando o tratamento
específico das obrigações estatui o art. 821 NCPC que, na obrigação de
fazer, quando se convencionar que o executado a satisfaça
pessoalmente, o exequente poderá requerer ao juiz que lhe assine
prazo23) para cumpri-la.
23) É interessante notar que o m ero retardo no cumprim ento obrigacional não pode se prolongar
indefinidamente, quando o devedor, intimado para cumprimento da prestação em prazo razoável, não o faz e
impossibilita o credor de requerer a resolução do contrato. Situação interessante se dá quando o devedor,
intimado em prazo razoável para cumprim ento de obrigação sem termo assinalado, deixa de cum pri-la e, é
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Em havendo recusa ou mora do executado, a obrigação será convertida
em perdas e danos, caso em que se observará o procedimento de
execução por quantia certa. O que corresponde a uma repetição ao teor
do art. 638 do CPC/1973.
Partindo para obrigações de não-fazer, estas são as únicas obrigações
negativas no direito brasileiro, tendo por objeto a abstenção de conduta.
E, por tal razão em caso de inadimplemento, a regra do art. 390 da
codificação material merece aplicação, pela qual o devedor é
considerado inadimplente quando executou o ato que devia se abster.
A obrigação de não fazer é quase sempre infungível, personalíssima ou
intuitu personae sendo também predominantemente indivisível24) pela
sua natureza conforme o art. 258 do C.C.
Caso a obrigação de não fazer se tornar impossível sem culpa do
devedor (culpa genérica) esta será resolvida e extinta, o mesmo
ocorrendo no caso fortuito ou força maior, conforme o art. 250 do C.C.
A obrigação de não fazer pode ter origem legal ou convencional. É o
caso de proprietário de imóvel que tem de abster de construir até uma
certa distância do terreno vizinho (vide o art. 1.301 e 1.303 do C.C.).
constituído em mora ex persona. Em aten ção à boa-fé objetiva, não pode o credor ser obrigado a esperar
indefinidamente pelo cumprimento da obrigação, sem direito à resolução contratual.
Além de o devedor, conforme retrocitado, atentar contra a boa-fé objetiva, a mora é caracterizada pela
efemeridade, pois deve ser possível ao devedor purgar a mora, em tempo razoável, sob pena de a prestação
se tornar impossível ou inútil ao credor, o que configura a hipótese de inexecução definitiva. OROSIMBO
NONATO assim descreve a diferença entre a m ora e o inadimplemento absoluto.
13
Já a de origem convencional, cita-se o caso de ex-empregado que
celebra com a empresa ex-empregadora um contrato de sigilo industrial
por ter sido contratado pelo concorrente (secret agreement)25).
Prevê ainda, o art. 251, caput do C.C. de 2002 que, praticado o ato pelo
devedor, a cuja abstenção se obrigara o credor pode exigir dele que o
desfaça, sob pena de desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado as
perdas e danos.
Se praticado o ato pelo devedor, cuja abstenção se obrigara, o credor
pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa,
ressarcindo o culpado, as perdas e danos.
Poderá ingressar com ação de execução de obrigação de não-fazer,
requerendo a cominação de preceito cominatório ou astreintes26) (art.
814 do CPC/2015 e art. 461 do CPC/1973) e o art. 84 do CDC.
Eventualmente, a pedido do credor e havendo culpa do devedor, a
obrigação de não fazer poderá ser convertida em obrigação de dar
coisa certa, no caso, em obrigação de arcar com perdas e danos.
24) Já se a obrigação for indivisível, tal fato se dá em razão da natureza da coisa. E existem duas teorias que
explicam: A prim eira é a teoria da representação que dizia que na verdade, o credor que recebia, ou o devedor
que pagava, agia representando os dem ais credores ou devedores;A segunda é a teoria da fiança mútua que
dizia que haveria entre os credoresou entre os devedores, uma fiança mútua que os vincularia entre si. O que
parece explicar mesm o é a teoria unitária, em bora de fato existem situações que não sejam compatíveis; no
balanço geral, a teoria unitária é, portanto, a m ais adequada. Para esta teoria só existe um único vínculo,
apesar de com pluralidade de devedores ou credores, cada um estando obrigado ou com direito à dívida toda.
O devedor só se libera pagando o todo e não em parte (in solidum).
25) Pode-se afirmar que é prática comum no direito norte-americano a celebração de acordos ou termos de
confidencialidade, tamb ém cham ados de nondisclosure agreem ent (NDA), que nada mais são do que
contratos celebrados entre 02 (duas) ou mais pessoas com o objetivo de se proteger contra a divulgação não-
autorizada de informações de conteúdo sigiloso ou confidencial.
Sendo assim, o acordo de confidencialidade trata-se, na realidade, de um negócio jurídico em que uma ou
ambas as partes envolvidas se comprometem a não revelar segredos a terceiros, geralmente m ediante uma
contraprestação financeira. Dessa forma, o acordo de confidencialidade faz surgir uma relação de confiança
entre as partes, ao se proteger segredos e informações contra o acesso indevido de terceiros não-autorizados.
Cabe, ainda, mencionar que os acordos de confidencialidade são variados e podem proteger qualquer tipo de
informação, desde informações m ais simples, como os contratos firmados entre babás e personalidades do
mundo do entretenim ento, até os acordos destinados à proteção dos m ais complexos segredos industriais e
com erciais.
26) As astreintes constituem medida cominatória im posta pelo Estado-juiz contra o devedor de obrigação de
14
Os arts 822 e 823 do NCPC reproduzem os artigos 642 do CPC/1973.
Em síntese, diante a obrigação de não fazer quando for convertida em
perdas e danos retrata a projeção material do caput do art. 251 do C.C.
Há previsão da autotutela cível na obrigação de não fazer cuja
tendência é confirmada pelo NCPC. Mas, cabe ter cautela quando for
desfazer ou mandar desfazer alguma obrigação infungível. De qualquer
forma, se repreende o abuso de direito principalmente em face da
função social ou econômica ou da boa-fé (objetiva) e os bons costumes
previstos no art. 187 do Código Civil brasileiro.
A propósito, se ocorrer eventuais excessos, como no caso de direito de
vizinhança27), tendo sido feita construção pelo vizinho, o proprietário
prejudicado mesmo sem a permissão judicial, estará autorizado pela lei
a demolir o prédio construído irregularmente.
Prescreve o art. 487 do NCPC que, na ação que tenha por objeto a
prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o juiz,
concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção do resultado prático equivalente.
Para a obtenção da tutela específica destinada a inibir a prática, a
reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é
irrelevante a demonstração de ocorrência de dano ou da existência de
culpa ou dolo.
Esse dispositivo é projeção geral do art. 461 do CPC/1973, para o
cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. As medidas de
tutelas específicas do CPC/2015 confirma a viabilidade destas nas
27) O Código de obras e Edificações não deve ser entendido apenas como instrumento do poder de polícia
municipal. É, em verdade, veículo ideal à garantia da qualidade ambiental urbana, devendo orientar
legisladores, projetistas, construtores e usuários quanto às medidas necessárias para a sustentabilidade das
edificações, respondendo positivamente às condições climáticas existentes, às necessidades das atividades
hum anas, às transformações sociais e aos avan ços tecnológicos, sem perder de vista a identidade cultural,
prática e peculiaridades locais benéficas.
15
obrigações de dar coisa certa ou obrigações específicas.
Em tais obrigações positivas, o devedor se obriga a dar uma coisa
individualizada (móvel ou imóvel) cujas características foram acertadas
pelas partes, geralmente em um instrumento negocial.
Na compra e venda, por exemplo, o devedor da coisa é o vendedor, ao
passo que o credor é o comprador. Consigne-se, ainda, que nas
obrigações de dar coisa certa, o credor não é obrigado a receber outra
coisa, ainda que mais valiosa.
Conforme o art. 498, caput do NCPC, na ação que visa a entrega da
coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica fixará o prazo para o
cumprimento da obrigação.
Porém, não existe a mesma opção nos casos de obrigações positivas
genéricas, ou de dar coisa incerta (aquelas que são indicadas pelo
gênero e quantidade), havendo a necessidade de uma escolha, em
regra pelo devedor feita, para a determinação do objeto obrigacional.
Isso porque o gênero não perece, conforme a máxima genus non perit
não podendo o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, mesmo
em decorrência de caso fortuito ou de força maior (art. 246 do C.C.).
Em síntese, não há inadimplência de obrigações genéricas, o que gera
a impossibilidade de se exigir a tutela específica. Desta forma, o art. 498
do CPC/2015 aponta que se tratando de entrega de coisa determinada
pelo gênero e pela quantidade, o credor ou autor poderá individualizá-la
na petição inicial, se lhe couber a escolha. Porém, se a escolha couber
ao devedor (réu) este a entregará individualizada no prazo fixado pelo
juiz.
Portanto, só é cabível a tutela específica quando a obrigação genérica
se transformar em obrigação específica, hipótese em que se cogita em
16
inadimplemento obrigacional.
O art. 499 do CPC/2015 confirma a estreita relação entre o princípio da
conservação negocial e o princípio da função social dos contratos, além
de enfatizar que o cumprimento obrigacional deve ser o que fora
convencionado, valorizando assim a autonomia privada.
Ademais, as perdas e danos são plenamente cumuláveis com as
astreintes, mas havendo excesso, cabível é a redução, que poderá ser
feita pelo magistrado até mesmo de ofício.
Quanto ao julgamento das ações que se refere à classificação tripartida
das obrigações, o art. 501 do CPC/2015 preceitua que, na ação que
tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que
julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá
todos os efeitos da declaração não emitida. Não há novidade sob o
ponto de vista processual.
O NCPC trouxe maiores consequências para as obrigações solidárias
que são relevantes, eis que possuem grande aplicabilidade política e
prática. Por uma questão de lógica, o seu estudo interesse e somente é
pertinente quando houver pluralidade de credores e/ou devedores
(obrigações compostas subjetivas).
Em sintonia com o princípio da operabilidade e da simplicidade veio o
art. 264 do C.C. prever que há solidariedade quando na mesma
obrigação concorrer mais de um credor, ou mais de devedor, cada um
com direito ou obrigado à dívida toda. Dessa maneira, na obrigação
solidária ativa, qualquer um dos credores poderá exigir a prestação por
inteiro.
Na obrigação solidária passiva, a dívida pode ser paga por qualquer um
dos devedores. Em resumo, todas as partes sejam ativas ou passivas,
ou seja, credores ou devedores, são tratados como fossem uma só (in
solidum).
17
O art. 265 do C.C. de 2002, repetindo tão conhecida regra do art. 896 do
C.C./1916, enuncia que a solidariedade não se presume, resultando da
lei ou da vontade das partes. Afinal, a solidariedade é instituto técnico
que visa reforçar o cumprimento obrigacional.
A solidariedade de natureza obrigacional e relacionada com a
responsabilidade civil contratual, que não se confunde com aquela
advinda da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.
A derradeira solidariedade está tratada pelo art. 942, parágrafo único da
lei material privada, pelo qual são solidariamente responsáveis com
autores ou coautorese as pessoas designadas no art. 932 do
CPC/2015.
Cumpre assinalar que a solidariedade obrigacional constitui regra no
CDC, ao contrário do que ocorre na atual codificação civil, em que é
exceção. E a justificativa é plena pelo fato da legislação consumerista
representar uma tutela diferenciada e protetiva do consumidor (que é
presumivelmente vulnerável).
O art. 7?, parágrafo único do CDC que “tendo mais de um autor a ofensa,
todos responderão solidariedade pela reparação de danos previstos nas
normas de consumo”. Tal dispositivo traz a presunção da solidariedade
contratual.
No CPC/2015 quanto às obrigações solidárias está no seu art. 1.005
(agravo de instrumento), pela qual o recurso interposto por um dos
litisconsortes a todos aproveita, salvo distintos ou opostos os seus
interesses.
Porém, em havendo solidariedade passiva, entre devedores, o recurso
interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas
opostas ao credor lhes forem comuns. Como defesas comuns, de cunho
18
material, podem ser citados o pagamento direto ou indireto da obrigação
e a prescrição.
Cabe, ainda, o chamamento ao processo nas hipóteses de
solidariedade, como constava no art. 77, inciso III do CPC/1973. O que
foi reprisada na norma do art. 130, inciso III do CPC/2015, in verbis: “é
admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu (...) III –dos
demais devedores solidários, quando credor exigir de um ou alguns o
pagamento de dívida comum”.
Mantendo o diálogo com o direito civil, continua tendo aplicação o
Enunciado 351 CJF/STJ de 2006: “A renúncia à solidariedade em favor
de determinado devedor afasta a hipótese de seu chamamento ao
processo”.
Consigne-se que a renúncia à solidariedade pode ser utilizada como
sinônimo de exoneração da solidariedade. A renúncia é ato jurídico
stricto sensu em que o titular de um direito abre mão dele, de forma
expressa, sem a necessidade de aceitação expressa da outra parte.
Nesse ponto, a renúncia já se diferencia da remissão ou perdão da
dívida, que deve ser aceita pelo devedor de acordo com o art. 385 do
C.C. de 2002.
Mas, a renúncia à solidariedade também se diferencia da remissão28)
quanto aos efeitos pois com a renúncia o devedor fica inteiramente
28) É am plamente debatido o tema, por conta de sua complexidade, que se refere à renúncia da solidariedade
e suas diferenças para a remissão da dívida. É sabido que existindo a solidariedade passiva decorrente de lei
ou contrato, poderá o credor cobrar de um ou alguns dos devedores, o valor total ou parcial da dívida,
afastando, assim , as regras da divisibilidade (concursu partes fiunt). Nota-se que o devedor que solveu a dívida
inteira poderá cobrar dos demais codevedores suas respectivas quotas no débito já pago. Caso um dos
codevedores se torne insolvente (suas dívidas são superiores ao valor de seu patrim ônio), todos os
codevedores solidáriosdeverão ratear entre si o débito.
A renúncia à solidariedade pode ser total ou parcial. Será tota l se em relação a todos os devedores,
transformando a obrigação em divisível, pois cada um será responsável por apenas uma parcela do debito. A
renúncia à solidariedade parcial é aquela que ocorre em relação a um ou alguns codevedores, subsistindo a
solidariedade quanto aos demais codevedores em relação ao remanescente do débito. Já a renúncia ao crédito
equivale ao perdão, exonerando-se da obrigação o devedor beneficiado, remanescendo para os demais
devedores o restante da dívida. Enquanto que na renúncia à solidariedade, o devedor beneficiado não é
exonerado, continua responsável por um a parcela da dívida.
19
liberado do vínculo obrigacional, inclusive no rateio da quota do
eventual codevedor insolvente, nos termos do art. 284.
Exemplificando, se Alberto é credor de uma dívida de trinta mil reais,
havendo três devedores solidários (Beto, Carlos e David), e renuncia à
solidariedade em relação ao Beto, este está exonerado da solidariedade,
mas continua responsável por dez mil reais. Quanto aos demais
devedores continuam respondendo solidariamente pela dívida.
Percebe-se que o art. 282 do C.C. de 2002 não menciona mais que
haverá abatimento da parte correspondente aos devedores que foram
perdoados, eis que a previsão é desnecessária, por se tratar de regra
implícita retirada do art. 284 do C.C. de 2002.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz continua entendendo que “ao credor,
para que possa demandar os codevedores solidários remanescentes
cumprirá abater no débito o quantum alusivo à parte devida pelo que foi
liberado da solidariedade”.
Porém, na doutrina contemporânea há quem entenda em sentido
contrário, como Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado que
aduzem: “a inovação está no parágrafo único”.
Pelo sistema do Código Civil de Beviláqua, se o credor exonerasse da
solidariedade um ou mais devedores, só poderia acionar os demais,
abatendo no débito a parte dos que foram exonerados.
Agora, mesmo exonerando um ou mais devedores, poderá o credor
acionar os demais devedores pela integralidade da dívida, sem a
necessidade de abatimento. Nada obsta obviamente que aqueles que
vierem a pagar sozinhos a dívida por inteiro cobrem, posteriormente, as
quotas daqueles que foram exonerados.
A questão é polêmica. Filia-se à primeira corrente defendida por Maria
20
Helena Diniz, que é mais justa e em sintonia com a vedação do
enriquecimento sem causa. Também é alinhada a esse entendimento a
maioria dos juristas que participaram da IV Jornada de Direito Civil com
aprovação do Enunciado 349 do CJF/STF29) que admite o abatimento
da parte correspondente aos beneficiados pela renúncia, proposta pelo
notável professor e jurista José Fernando Simão.
Evidentemente em havendo a renúncia30) à solidariedade em favor de
um dos devedores, este não poderá ser chamado a processo para
responder.
Merece destaque o art. 1.068 do NCPC31) que deu nova redação ao art.
274 do C.C. É verdade que o dispositivo do direito material fora objeto
de críticas por civilistas e processualistas.
A primeira parte do comando legal em questão não apresentava
problemas, pois se houver obrigação solidária ativa, julgamento
contrário a um dos credores, este não atinge os demais, que
permanecem com os direitos incólumes.
Contudo, restam dúvidas quando o julgamento for favorável a um dos
credores, hipóteses em que existiam os dois posicionamentos na
doutrina civilista.
29) 349 –Art. 282. Com a renúncia da solidariedade quanto a apenas um dos devedores solidários, o credor só
poderá cobrar do beneficiado a sua quota na dívida; permanecendo a solidariedade quanto aos demais
devedores, abatida do débito a parte correspondente aos beneficiados pela renúncia.
30) O Enunciado 350 proposto por GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER tem o seguinte teor
“A renúncia à solidariedade diferencia-se da remissão em que o devedor fica inteiram ente liberado do vínculo
obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual codevedor insolvente, nos termos do
artigo 284”. Em sua justificativa, explicam os mestres que como a remissão extingue a dívida com relação à
parcela relevada, não pode ela prejudicar terceiros ou os próprios codevedores, daí, adotar a solução alvitrada
por POTHIER, no sentido de atribuir ao credor que perdoou o ônus de suportar a perda da fração que
com petiria ao devedor perdoado no rateio da insolvência.
31) O art. 274 e o caput do art. 2.017 da Lei 10.406, de 10.01.2002, passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 274 O julgam ento contrário a um dos credores não atinge os dem ais, m as o julgamento favor ável
aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer
deles. Art. 2.027 A partilha é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam , em geral, os negócios jurídicos.
21
O primeiro posicionamento, se um dos credores vencesse a ação, essa
decisão atingiria a todos osdemais credores, salvo se o devedor tivesse
em seu favor alguma exceção pessoal passível de ser invocada a outro
credor que não participasse do processo.
Desse modo, o devedor não poderia apresentar defesa contra aquele
credor que promoveu a demanda, havendo a instituição do regime da
extensão da coisa julgada secundum eventum litis32) (os credores que
não participaram do processo apenas podem ser beneficiados com a
coisa julgada, mas jamais prejudicados). Tal entendimento constava da
obra coletiva de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria
Velina Bodin de Moraes.
O segundo posicionamento é sustentado por Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho que defendiam dois caminhos que poderiam
ser percorridos:
a) se o magistrado não acolhesse a defesa e se esta não fosse
natureza pessoal, o julgamento beneficiaria a todos os demais credores;
b) se o magistrado não acolhesse a defesa e se esta for de natureza
pessoal, o julgamento não interferiria no direito dos demais credores.
Na doutrina processualista há outro posicionamento que afirmava que a
parte final do art. 274 do C.C. não teria qualquer sentido. Isso porque a
referida exceção pessoal não existiria em relação ao devedor.
Fredie Didier Junior afirma que: “O julgamento favorável ao credor não
pode estar fundado na exceção pessoal, alegação de defesa que é; se
assim fosse, a decisão seria desfavorável por força da primeira parte do
32) A coisa julgada som ente se opera em relação àqueles que fizeram parte do processo, independentemente
do resultado da demanda; uma vez preenchidos os outros requisitos analisados, sem pre surgirá, tanto para o
vencedor como para o vencido. Eis o ponto de diferenciação com o outro sistem a de produção de coisa julgada,
diferenciado, denominado coisa julgada secundum eventum litis. Neste, a coisa julgada surgirá ou não de
acordo com o resultado da dem anda.
A lei, pelas m ais variadas razões, pode entender que tal ou qual resultado (procedência ou improcedência) não
autoriza a imunização. É o que acontece, por exemplo, nas demandas que dizem respeito aos direitos
individuais hom ogêneos, quando a coisa julgada será erga omnes, apenas nos casos de procedência do
pedido".
22
artigo 274 e não estenderia os efeitos aos demais credores”.
Em resumo: não há julgamento favorável fundado em exceção pessoal;
quando se acolhe a defesa, julga-se desfavoravelmente o pedido.
A parte final do art. 274 se interpretada33) literalmente não faz sentido.
Também a doutrina processual entendia de modo muito similar José
Carlos Barbosa Moreira.
O processualista baiano apresenta a seguinte solução para o referido
dispositivo: a) se um dos credores vai a juízo e perde, qualquer que seja
o motivo (acolhimento da exceção comum ou pessoal), essa decisão
beneficiará os demais credores, salvo se o (s) devedor (es) tiver (em)
exceção pessoal que possa ser oposta a outro credor não participante
do processo, pois, em relação àquele que promoveu a demanda o (s)
devedor (es) nada mais pode (m) opor. (Art. 474 do CPC).
Essas ideias constavam de proposta de enunciado doutrinário
formulado por José Fernando Simão, quando da IV Jornada de Direito
Civil, realizada em 2006 pelo Conselho da Justiça Federal e pelo
Superior Tribunal de Justiça.
Era o teor da proposição sobre o tão criticado artigo 274 do C.C: “O
julgamento favorável a um dos credores solidários aproveita aos demais,
sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de
invocar em relação a cada um dos cocredores”.
Como o devedor só pode opor ao credor solidário demandante as
33) A hermenêutica do referido artigo deve ser teleológica para que seja possível conciliar a coesão de todo o
sistema, ao mesmo tempo em que os próprios fins do Estado, expresso no ordenamento jurídico, possam ser
ating idos. Assim a parte final do art. 274 do C.C. que se conclui que a observância do critério do tipo de defesa
deduzida pelo demandado com determinante para a extensão dos efeitos da coisa julgada aos demais
credoresé inconsistente sob o ponto de vista da coesão do sistema.
E, se é autorizada a im unização da decisão, em relação aos cocredores solid ários, proferida quando o devedor
se defendeu por m eio de exceção comum, e sua defesa não prosperou, com igual razão deve ser recrudescida
a decisão na hipótese de sequer ter sido levantada defesa alguma, pressupondo-se que se está se referindo
aos direitos patrimoniais dispon íveis, sujeitos, portanto, ao princípio dispositivo.
23
exceções que lhe eram pessoais, poderá oportunamente opor aos
demais cocredores as respectivas exceções pessoais.
Conclui-se que o NCPC veio finalmente positivar as ideias já constantes
de proposta de enunciado doutrinário da IV Jornada de Direito Civil que
fora realizada em 2006 pelo CJF/STJ que veio finalmente ser adotada
corrigindo o teor complicado do art. 274 do C.C.
Referências:
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12ª
edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
CORCIOLI FILHO, Roberto Luiz. Credores solidários podem aproveitar
da coisa julgada. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2006-set-
30/credores_solidarios_podem_aproveitar_coisa_julgada Acesso em
09.03.2016.
JUSTINIANO, Cuerpo del Derecho Civil. Primeira Parte. Digesto. Tomo
III. Tradução de Idelfonso García del Cooral. Fac-símile. Valladolid: Lex
Nova, 1988.
TARTUCE, Flávio. O novo CPC e o Direito Civil. Impactos, Diálogos e
Interações. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
_______________. Direito Civil. Direito das Obrigações e
Responsabilidade Civil. Vol.2 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2016.
SEGALLA, Alessandro. Apostila de Direito das Obrigações (5ª e 6ª
aulas). Disponível em:
https://blogdojurista.files.wordpress.com/2010/02/direito-das-obrigacoes-
51-c2aa-e-6-c2aa-aulas.pdf Acesso 08.03. 2016.

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