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Interpretação e Produção de Textos Parte 1 Luciana Garcia Ruiz INTRODUÇÃO Esta disciplina visa promover a leitura, interpretação e conhecimento de textos diversos, discussão sobre temas da atualidade e as diferentes linguagens, os estilos e gêneros discursivos, para ampliar o universo cultural do aluno e elevar a qualidade de sua produção textual. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1. conscientização da importância da leitura como fonte de conhecimento e participação na sociedade; 2. as diferentes linguagens: verbal, não verbal; formal e informal; 3. noções de texto: unidade de sentido; 4. textos orais e escritos; 5. estilos e gêneros discursivos: jornalístico, científico, técnico, literário, publicitário entre outros; 6. interpretação de textos diversos e de assuntos da atualidade; 7. Qualidades do texto: coerência, coesão, clareza, concisão e correção gramatical; 8. complemento gramatical; 9. produção de textos diversos. BIBLIOGRAFIA DO CURSO BÁSICA EMEDIATO, Wander. A fórmula do texto: redação, argumentação e leitura. São Paulo: Geração Editorial, 2004. FARACO, Carlos Alberto e TEZZA, Cristovão. 11ª ed. Prática de texto para estudantes universitários. Petrópolis: Vozes, 2003. FÁVERO, Leonor. 9ª ed. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2003. FIORIN, José Luiz e PLATÃO, Francisco. 16ª ed. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2003. FIORIN, José Luiz e PLATÃO, Francisco. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2004. COMPLEMENTAR BLIKSTEIN, Izidoro. Técnicas de comunicação escrita. São Paulo: Ática, 1985. FERRARA, Lucrécia. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 1992. GRION, Laurinda. Dicas para uma boa redação: como obter mais objetividade e clareza em seus textos. São Paulo: Edicta, 2004. LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. Rio de Janeiro: Globo, 1997. NUNES, Marina Martinez. Redação eficaz: como produzir textos objetivos. São Paulo: Sagra Luzzatto, 2000. PERISSÉ, Gabriel. Ler, pensar e escrever. São Paulo: Arte e Ciência, 2004. TRAVAGLIA, Luiz e KOCH, Ingedore. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1999. Dicionários diversos, jornais e revistas. Aula 1 – A IMPORTÂNCIA DA LEITURA A IMPORTÂNCIA DA LEITURA: Alguns recortes reflexivos “A palavra não é mera expressão do pensamento: nós não pensamos sem a linguagem nem falamos sem o pensamento. Falar é simultâneo de pensar, o mesmo ocorrendo com escrever. Portanto pensar, falar e escrever são objeto da mesa luta, da mesma busca de inteligibilidade que nos constitui como seres humanos.” (Barbosa, 1986:9) A leitura é uma questão pública. É um meio de aquisição de informação (e a escritura é um meio de transmissão de informação), portanto um componente de um ato social. Mas ela constitui também um deleite individual. Temos o direito de exigir dos estados que trabalhem para o progresso social e que garantam também as condições do prazer pessoal. Por conseguinte, os estados têm o dever de agir de tal forma que todos possam, se quiserem, usufruir da leitura e da escrita. A leitura antes do século XIX, antes da revolução industrial era assunto de uma minoria (romances, escrituras divinas, textos ligados às instituições ou profissões). Hoje, o direito de saber ler, escrever e contar é reconhecido a todas as pessoas. Entretanto, assim como a alimentação, a leitura permanece muito mal compartilhada: • 1 bilhão de indivíduos na idade de 15 anos ou mais, 500 milhões na Índia e China, 170 milhões na África seriam incapazes de ler e escrever uma exposição simples e breve de fatos relacionados com sua vida cotidiana; • cerca de 35% das mulheres do mundo continuam iletradas; • as taxas de analfabetismo funcional também são alarmantes em países desenvolvidos. Holanda 24% da população acima de 18; Estados Unidos – 20%. • 11,1 % dos brasileiros acima de 15 anos de idade são iletrados, o que coloca o país como 2º colocado entre os países da América da Sul com maior índice de analfabetismo. • US$ 6 bilhões são desperdiçados em virtude da queda de produtividade pela deficiência na execução de atividades que exigem habilidades de leitura como a leitura de manuais, avisos de perigo, instruções de higiene e segurança no trabalho. A leitura é, portanto, indispensável na vida cotidiana, mesmo fora da esfera profissional. Os textos escritos substituem a informação falada, individual, nos aeroportos e estações, lojas, bancos. Não é importante apenas sermos capazes de ler apenas o nome da estação de metrô, os anúncios ou o número do telefone de alguém na lista, ou seja, ser alfabetizado funcional, aquele que decodifica o código escrito, mas não compreende a sua mensagem. A leitura vai mais além, na informação por computador, nos boletins de previsão meteorológica, nos catálogos turísticos, nas bulas de remédios, nas instruções para a utilização de equipamentos eletrodomésticos, etc. Essa exigência é ainda mais importante na vida profissional, porque as ofertas de trabalho não- qualificado estão diminuindo. Por tudo isso a dificuldade de compreensão do código escrito ou de acesso à leitura é um problema social. Veja, por exemplo, o quadro abaixo em relação aos graus de alfabetização segundo o INAF (Índice Nacional de Alfabetismo funcional do Brasil) criado por duas ONG’s brasileiras:: Leitura Habilidades Matemáticas Analfabetismo Não domina as habilidades medidas. Não domina as habilidades medidas. Alfabetismo Nível Rudimentar Localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revista, por exemplo. Lê e escreve números de uso freqüente: preços, horários, números de telefone. Mede um comprimento com fita métrica, consulta um calendário. Alfabetismo Nível Básico Localiza uma informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo que seja necessário realizar inferências simples. Lê números maiores, compara preços, conta dinheiro e faz troco. Resolve problemas envolvendo uma operação. Alfabetismo Nível Pleno Localiza mais de um item de informação em textos mais longos, Consegue resolver problemas que envolvem seqüências de compara informação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato). Reconhece a informação textual mesmo que contradiga o senso comum operações, por exemplo, cálculo de proporção ou percentual de desconto. Interpreta informação oferecida em gráficos, tabelas e mapas. Fonte: RIBEIRO, V. M. Analfabetismo e Alfabetismo Funcional no Brasil. Disponível em: http://www.reescrevendoaeducacao.com.br/2006/pages.php?recid=28. Acesso 09 fev 2009 Figura 1 Fonte: RIBEIRO, V. M. Analfabetismo e Alfabetismo Funcional no Brasil. Disponível em: http://www.reescrevendoaeducacao.com.br/2006/pages.php?recid=28. Acesso 09 fev 2009 Ainda no mesmo artigo é possível ver que pela correlação entre os “resultados dos testes com as declarações dos sujeitos sobre suas práticas de leitura e escrita”, podemos ter a dimensão do que os níveis de alfabetismo significam em termos de participação em práticas culturais, acesso à informação e aos postos de trabalho mais qualificados. Por exemplo, o Inaf constatou que a maioria dos alfabetizados no nível rudimentar e básico não costuma ler livros (29% e 16%) ou só lêem um tipo de livro (42%), geralmente a Bíblia ou livros religiosos. Só entre pessoas alfabetizadas no nível pleno temos uma maioria de leitores que diversifica seus interesses: 33% costumam ler dois gêneros e 34% três ou mais gêneros, incluindo, além dos religiosos, as obras de ficção, biografia e história, ensaiose livros técnicos, entre outros. Ao lado dos impressos, os meios informatizados se impõem cada vez mais como meio de comunicação e informação. O uso de computadores ainda é restrito a um quarto da população brasileira, do qual 82% acessam a internet e 70% enviam e recebem e-mail. Como era de se esperar, o uso do computador é inexpressivo entre os analfabetos e alfabetizados no nível rudimentar. Entretanto, entre as pessoas mais escolarizadas, cujo acesso é maior, seu uso mostrou ter uma influência destacada no desenvolvimento das habilidades de leitura. Enquanto 44% dos alfabetizados no nível pleno afirmam usar computador todos ou quase todos os dias, entre os de nível básico esse percentual é de 26%. A realização de cursos além do ensino formal também é um fator de promoção das habilidades de leitura e escrita. A educação continuada é um setor em que os países desenvolvidos têm feito grandes investimentos, conscientes de que, na sociedade contemporânea, é essencial renovar constantemente os conhecimentos. Os estudos internacionais mostram que, em países como Suíça, Estados Unidos, Noruega e Canadá, aproximadamente 50% da população adulta participou de algum programa educativo nos doze meses anteriores aos levantamentos. Segundo o Inaf, a freqüência a cursos vem aumentando lentamente no Brasil, mas ainda é uma prática muito restrita. Em 2005, havia 44% de pessoas entre 15 a 64 anos que nunca tinham feito um curso além do ensino formal e só 16% haviam feito algum nos 12 meses anteriores à entrevista. Leitura como fator desalienante Além da instrução e da educação em si, educação deve ter outros propósitos além da utilidade imediata. O conhecimento geral ou “inútil” possui diversas formas de utilidade indireta: é importante que as pessoas desfrutem de prazer e interesses inteligentes em assuntos não relacionados ao trabalho para contraporem-se às diversões das populações urbanas modernas que tendem a ser passivas e coletivas, consistindo na observação inativa das habilidades dos outros. Porém, muito do conhecimento inútil atual nos chega pela televisão, meio de comunicação que viabiliza os processos de manipulação de imagem. Por exemplo, durante a Guerra do Golfo, na década de 90, do século XX, as televisões do mundo inteiro exibiram duas imagens de forte impacto: uma delas mostrava incubadoras desligadas pelos iraquianos, com crianças prematuras kwaitianas mortas; outra, pássaros sujos de petróleo por uma maré negra provocada também pelos iraquianos. Ambas as imagens eram falsas. As incubadoras eram uma montagem. A maré negra era real, mas tinha acontecido a milhares de quilômetros dos "cruéis" iraquianos. É também clássico o caso das propagandas subliminares na influência do consumismo e geração de lucro a grandes multinacionais. Não é à toa que os canais abertos e pagos têm grande parte de sua renda voltada à publicidade. Como nos defender de tudo isso? Simplesmente, obtendo informações em outras fontes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Severino A. e AMARAL, Emília, Escrever é desvendar o mundo: a linguagem criadora e o pensamento lógico, Campinas, SP: Papirus, 1986. MORAIS, José, A arte de ler, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. BURKE, Peter, Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, RJ: Zahar, 2003 RIBEIRO, V. M. Analfabetismo e Alfabetismo Funcional no Brasil. Disponível em: http://www.reescrevendoaeducacao.com.br/2006/pages.php?recid=28. Acesso 09 fev 2009 Roteiro de Leitura 1. O conceito de alfabetizado funcional envolve apenas a leitura? Por quê? 2. Faça uma tabela com a relação entre os níveis de alfabetismo e hábito da leitura. 3. Qual a porcentagem de brasileiros que têm acesso a computadores? Quantos acessam a internet e enviam e-mail? 4. Faça um levantamento dos dados sobre o ensino não-formal no Brasil e nos países desenvolvidos. Há quanto tempo você não estudava? Reflita sobre os fatores que o estimularam à busca pelo conhecimento e qual o papel cotidiano da leitura nessa realização. Aula 2 - LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL TEORIZANDO SOBRE LINGUAGENS Na comunicação diária, utilizamo-nos de palavras e outros meios que dispensam o uso da palavra. Comunicar = pôr em comum pensamentos, sentimentos e desejos. O homem é o animal mais comunicativo entre todos, porque ele dispõe de mais sistemas de comunicação. A linguagem é todo o sistema de signos que são as menores unidades de sentido num certo código. Ex. um gesto, uma palavra, uma letra, uma foto. A linguagem verbal (do latim verbum = palavra) é um sistema de signos socializado, isto é, só se aprende na vida em sociedade. Ela permite ao homem exprimir estados mentais por meio de um sistema de sons vocais e também por um sistema de escrita. A linguagem humana articulada é linguagem verbal, embora o homem também se utilize de muitas linguagens não-verbais. Na comunicação diária, utilizamo-nos de meios que dispensam o uso da palavra. A linguagem não verbal é, portanto, todo tipo de linguagem não articulada. Por exemplo, as linguagens utilizadas pelos animais (as abelhas dançam, os macacos gritam, os pássaros cantam, as borboletas e gafanhotos emitem odores). Elas são inatas, instintivas, não precisam ser aprendidas. Linguagens não articuladas: comunicação pela imagem ou icônica (placas, sinais de trânsito), comunicação gestual (mímica, sinais, movimentos da cabeça, mãos, sorrisos, aperto de mão), comunicação sonora (código Morse, tambores, apitos, sirenes), pela postura (indica traços de personalidade e disposição), pelo andar, comunicação extra-verbal (falar monótono, atropelado, antipático, suave), modo de vestir (a moda é símbolo de poder, comunicação de vaidades, de pretensões, projeção de personalidade que se quer ter/aparentar. Os gestos não têm significados universais (são socializados). Ex. Brasil - sinal OK, na Alemanha = no.1 e na Europa = pedir carona; sinal de OK nos EUA é obsceno no Brasil; balançar cabeça num sim (Brasil) significa um não na Grécia, Turquia e Irã. Cada uma destas linguagens tem seu código expressivo próprio: a pintura usa linhas e cores; a música usa sons; a escultura usa formas e volumes; o cinema usa luz, movimentos, etc. No entanto, a palavra é capaz de traduzir, analisar e criticar qualquer uma dessas linguagens e é um dos mais poderosos instrumentos na transmissão, de geração em geração, de um volume enorme de conhecimentos, que constitui aquilo que chamamos cultura. Hoje convivemos mais intensamente com a linguagem visual. O cinema, a televisão, os computadores, a fotografia, os veículos publicitários têm encontrado, nesse tipo de linguagem, um instrumento de comunicação extremamente eficaz, devido sobretudo à velocidade com que transmite as mensagens. Sempre existe um texto, um tecido verbal, relacionado a cada imagem. Se ele não a gerou, pode sempre traduzi-la e/ou interpretá-la ou ainda combinar-se com ela (como nas histórias em quadrinhos). Existem hoje inúmeras discussões a respeito das novas linguagens visuais, sobretudo das eletrônicas. Argumenta-se que elas interferem nas formas de perceber o mundo e na aquisição das habilidades de leitura e escrita. Efetivamente são elas que hoje dominam a comunicação, e por isso devem ser analisadas com cuidado. LEITURA DE TEXTOS NÃO-VERBAIS • A linguagem verbal é linear, os signos se sucedem um depois do outro. Na linguagem não verbal os vários signos ocorrem simultaneamente. • O texto não-verbal é predominantemente descritivo: representa uma realidade singular e concreta num ponto estático no tempo. Isto muda numa seqüência de fotos, quadrinhos ou filmes. • O texto não-verbal não é cópia fiel da realidade, mas uma simulação que cria um efeito de verdade. • Textos não-verbais podem ser, assim como os verbais, figurativos, ou seja,que reproduzem elementos concretos, produzindo um efeito de realidade, ou não-figurativos (exploram temas abstratos) como oposições de cores, luz e sombra, formas e volumes. Veja a imagem abaixo. Podemos ler este texto apesar da ausência de informações verbais. Texto 1 Quais informações é possível se extrair dele? O sinal de trânsito está usado de maneira convencional? Por quê? Se acrescentarmos a informação de que este cartoon acima é da época da Ditadura Militar no Brasil, sua interpretação mudará? Texto 2 Jornal do Brasil, 10/02/2007 Quais as informações que você consegue extrair deste texto com o passar dos olhos? Quem A quem se refere? Existe alguma interpretação possível? A informação verbal complementa ou impede outras interpretações possíveis? . Texto 3 Se eu fosse pintor começaria a delinear este primeiro plano de trepadeiras entrelaçadas, com pequenos jasmins e grandes campânulas roxas, por onde flutua uma borboleta cor de marfim, com um pouco de ouro nas pontas das asas. Mas logo depois, entre o primeiro plano e a casa fechada, há pombos de cintilante alvura, e pássaros azuis tão rápidos e certeiros que seria impossível deixar de fixá-los, para dar alegria aos olhos dos que jamais os viram ou verão. [...] E que faria eu, pintor, dos inúmeros pardais que pousam nesses muros e nesses telhados, e aí conversam, namoram-se, amam-se, e dizem adeus, cada um com seu destino, entre a floresta e os jardins, o vento e a névoa? Mas por detrás estão as velhas casas, pequenas e tortas, pintadas de cores vivas, como desenhos infantis, com seus varais carregados de toalhas de mesa, saias floridas, panos vermelhos e amarelos, combinados harmoniosamente pela lavadeira que ali os colocou. Se eu fosse pintor, como poderia perder esse arranjo, tão simples e natural, e ao mesmo tempo de tão admirável efeito? [...] MEIRELES, Cecília. Ilusões do mundo. RJ:Nova Aguilar, 1976 No texto 2, a poetisa Cecília Meireles usa as palavras para pintar um quadro. Usa-as como se fossem um pincel, com o qual vai desenhando uma paisagem que vê, na realidade, ou na imaginação. Ela “pinta” flores coloridas, borboletas, pássaros alegres, vento, névoa, casinhas “pequenas e tortas”, roupas nos varais, compondo assim uma paisagem de tranqüila delicadeza. Ela descreve como se pintasse e assim mistura dois códigos, o verbal e o imagético (visual ou icônico). Nas propagandas, de forma geral, temos a junção da linguagem verbal e da visual (= linguagem sincrética). Ambas se combinam formando um “texto” maior, que pode ser interpretado. A colagem de fotografias com temas diferentes aponta para a diversidade dos assuntos que podem ser encontrados. Usam-se cores fortes e atraentes. Os textos verbais também trazem dados numéricos. O resultado tem grande força de apelo ao consumo do que está sendo anunciado, e é com isso que trabalha a propaganda. FOCO LITERÁRIO O poeta Mário Quintana (1906-1994), no texto abaixo, que é uma crônica, faz algumas considerações a respeito das relações entre linguagem verbal e linguagem visual. Leia com atenção. O que acontece com as crianças Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuadamente e avidamente um mundaréu de histórias [...]. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim. Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler correntemente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjetivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas. Exagerei? Bem feito? Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever? O que acontece com os pais Competiria aos pais dessas crianças, não a nós, incutir-lhes o hábito das boas leituras. Ora essa! Mas se eles também não lêem... Vivem eternamente barbiturizados pelas novelas da Televisão. 1. O poeta opõe-se claramente, como antagônicas, a linguagem verbal e a visual. Como? Justifique com elementos do texto. 2. O autor refere-se a um tipo específico de leitura, que privilegia. Qual é ele? 3. Como você definiria o termo subliteratura a que se refere o poeta? Justifique. 4. O poeta faz uma censura aberta aos pais. Por quê? Explique. 5. Você concorda com as opiniões do poeta? Por quê? Teoria na Prática TEXTO 1 No dia da primeira exibição pública de cinema - 28 de dezembro de 1895, em Paris -, um homem de teatro que trabalhava com mágicas, Georges Meliès, foi falar com Lumiere, um dos inventores do cinema; queria adquirir um aparelho e Lumière o desencorajou, dizendo que o "cinematographo" não tinha o menor futuro como espetáculo, era um instrumento cietífico para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisa. Mesmo que o público, no inicio, se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria. Lumière enganou-se. Como essa estranha máquina de austeros cientistas virou uma máquina de contar histórias para enormes platéias, de geração em geração, durante já quase um século? [...] Parece tão verdadeiro - embora a gente saiba que é de mentira - que dá para fazer de conta, enquanto dura um filme, que é de verdade. [...] Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema. [...] A imagem cinematográfica permite-nos assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras; ela confere realidade a essas fantasias. Jean-Claude Bernardet. 0 que e cinema. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 11-3. TEXTO 2 Várias vezes escutamos dizer que uma imagem vale mil palavras. Ela seria infinitamente mais expressiva, mais fiel aos fatos que o discurso. Entretanto, a superioridade do visual precisa de argumentos, algo mais do que uma frase. Afinal, o que sustenta o valor da imagem diante das palavras que proliferam, descrevendo sem eficácia? A imagem é basicamente uma síntese que oferece traços, cores e outros elementos visuais em simultaneidade. Após contemplar a síntese é possível explorá-la aos poucos; só então emerge novamente a totalidade da imagem. A crença no poder da imagem deriva dessa experiência: é verossímil que o todo valha mais do que as partes, ou então que o todo seja maior do que suas partes. Eduardo Neiva Jr. A imagem. São Paulo: Atica, 1986. p. 5. TEXTO 3 Tevê colorida fará azul-rosa a cor da vida? (Carlos Drummond de Andrade) 1. No texto 1, o autor fala em impressão de realidade, com relação ao cinema. Explique como você entende esse conceito. 2. Para o autor do texto 2, o que é mais eficaz, a imagem ou as palavras? Explique e justifique com argumentos do texto. 3. E você concorda com a idéia de que “uma imagem vale mil palavras”? Explique e justifique. 4. No texto 3, o poeta questiona a importância das imagens coloridas da TV. Em que consiste seu questionamento? Justifique com elementos do texto. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA PELLEGRINI, T. e FERREIRA, M. Redação, palavra e arte, São Paulo: Atual, 1999. Aula 3 – LINGUAGEM FORMAL E INFORMAL VARIAÇÕES LINGÜÍSTICAS TEXTO 1 Cuitelinho Paulo Vanzolini Cheguei na beira do porto onde as onda se espaia as garças dá meia-vorta e senta na beira da praia e o cuitelinho não gosta que o botão de rosa caia, ai, ai Ai quando eu vim da minha terra despedi da parentaia eu entrei no Mato Grosso dei em terras paraguaia lá tinha revolução enfrentei fortes bataia, ai, ai A tua saudade cortacomo aço da navaia o coração fica aflito bate uma, a outra faia e os óio se enche d'água que até a vista se atrapaia, ai, ai. O texto acima é a letra de uma toada caipira e por isso adota uma linguagem regional, característica do local de onde provém, onde os usos e costumes ainda estão ligados às coisas da natureza. É disso que o poeta fala, expressar melhor a saudade da terra natal: na beira do rio, "as onda se espaia", "as garça dá meia-vorta e senta na beira da praia". E quando a saudade aperta, o coração fica aflito "e os óio se enche d'agua". Perceba que, além da peculiaridade fonética (o som aia por alha,. por exemplo), também não há preocupação com a concordância. O ambiente descrito é tão simples quanto as palavras que o descrevem. Percebe-se o apego à família, à região e muita dor pelo distanciamento das origens (o refrão "ai, ai") TEXTO 2 João da Silva teve um dia estressante. Enfrentou um rush danado e chegou atrasado ao meeting com o sales manager da empresa onde trabalha. Antes do workshop com o expert em top marketing, foi servido um brunch, mas a comida era muito light para sua fome. À tarde plugou-se na rede e conseguiu dar um download em alguns softwares que precisava para preparar o paper do dia seguinte. Deletou uns tantos arquivos, pegou sua pick-up e seguiu para o point onde estava marcada uma happy hour. Mais tarde, no flat, ligou para o delivery e traçou um milk-shake e um hamburger, enquanto assistia ao Non Stop na MTV. À noite, pôs sua camisa mais fashion, comprada num sale do shopping e foi assistir a Shine no cinema. Voltou para o apart-hotel a tempo de ver um pedaço de seu talk-show preferido na TV. (Veja, 9/4/97) Trata-se de um relato do quotidiano da vida urbana contemporânea, em que a informática tem um papel cada vezes maior, numa linguagem que pretende chamar a atenção para a invasão do inglês, como se a língua portuguesa não fosse mais suficiente para nomear O nosso universo cultural. João da Silva (o nome tão brasileiro acentua o contraste), mais que palavras inglesas, importa para sua rotina aquilo que elas representam, ou seja, a cultura americana como padrão a ser seguido por todos. Agora reparem a diferença entre os registros lingüísticos dos textos 3 e 4 TEXTO 3 A Gíria É a Cultura do Povo - Bezerra da Silva Composição: Elias Alves Junior, Wagner Chapell Toda hora tem gíria no asfalto e no morro porque ela é a cultura do povo Pisou na bola conversa fiada malandragem Mala sem alça é o rodo, tá de sacanagem Tá trincado é aquilo, se toca vacilão Tá de bom tamanho, otário fanfarrão Tremeu na base, coisa ruim não é mole não Tá boiando de marola, é o terror alemão Responsa catuca é o bonde, é cerol Tô na bola corujão vão fechar seu paletó “Toda hora tem gíria... Se liga no papo, maluco, é o terror Bota fé compadre, tá limpo, demorou Sai voado, sente firmeza, tá tranquilo Parei contigo, contexto, baranga, é aquilo Tá ligado na fita, tá sarado Deu bode, deu mole qualé, vacilou Tô na área, tá de bob, tá bolado Babou a parada, mulher de tromba, sujou “Toda hora tem gíria... Sangue bom tem conceito, malandro e o cara aí Vê me erra boiola, boca de sirí Pagou mico, fala sério, tô te filmando É ruim hem! O bicho tá pegando Não tem caô, papo reto, tá pegado Tá no rango mané, tá aloprado Caloteiro, carne de pescoço, “vagabau” Tô legal de você sete-um, cara de pau Elenque os elementos de linguagem informal daqueles que poderíamos encontrar na linguagem falada informal. TEXTO 4 Extorsão por telefone Em vários estados, cidadãos têm sido vítimas do golpe do falso seqüestro. Pelo telefone, bandidos dizem que um parente é mantido refém. Tudo não passa de uma farsa, mas a tentativa de extorsão ganha mais detalhes a cada dia. Fonte: http://jornalnacional.globo.com, acesso em 03/02/2007 Como você pôde perceber pelos textos acima, a língua portuguesa, assim como qualquer língua viva, tem muitas variantes. A língua é diferente de lugar para lugar, a língua varia conforme o tempo passa, modifica-se através das gerações, diferencia-se nas diferentes camadas sociais e nas diferentes situações e contextos em que um mesmo indivíduo se utiliza dela. O conceito de “certo” e “errado” em termos de uso de uma determinada língua dependerá de seu contexto, ou seja, do momento, local, finalidade e com quem estamos utilizando nosso idioma. Assim, embora não haja limites rígidos entre um nível de linguagem e outro, podemos distingui-los da seguinte maneira: Nível culto / ou formal – caracteriza-se como linguagem tensa, que se utiliza da língua-padrão, desfruta de prestígio, é usada em situações formais e os falantes são escolarizados: linguagem da literatura, sintaxe completa, vocabulário amplo e técnico, gramática padrão. É linguagem não espontânea – usada por intelectuais, diplomatas e cientistas, principalmente na forma escrita. Na forma oral são os discursos de cerimônias ou situações formais como tribunas, púlpito, júri. Outros exemplos: Linguagem técnica e científica: aproxima-se do nível culto – apóia-se na gramática para transmitir a idéia de precisão, de rigor e neutralidade – uso de vocabulário específico. A linguagem científica tem um grau maior de abstração do pensamento, com raciocínios lógicos e concatenados. Variante de linguagem burocrática: despida de requintes literários, com ausência de criatividade – importa mais a forma como se diz (uso de formas estabelecidas) do que o que se diz. Ex. linguagem forense. Pode chegar a obscurecer o texto para ser entendida por poucos. Linguagem profissional (jargão): recorre a um padrão de linguagem próximo do nível culto, com uso de vocabulário técnico próprio. Ex. relatórios administrativos, acadêmicos, carta precatória (de um juiz a outro, solicitando alguma coisa), editais. Nível familiar ou coloquial – é o nível comum, usado por falantes medianamente escolarizados e meios de comunicação de massa. Vocabulário limitado e pouco variado, sintaxe simples, frases curtas, orações coordenadas, repetições. Serve à linguagem oral ou escrita (porém com mais preocupação com a gramática e estilo). O publicitário experiente sabe optar por uma variante que se adapta a seu público alvo. Nível popular – subpadrão lingüístico, linguagem espontânea e descontraída, ausência de prestígio, uso em situações informais, falantes pouco ou não escolarizados, simplificação sintática, vocabulário restrito, uso de gíria e linguagem obscena, distancia-se da gramática padrão. Se vale de outros meios de expressão como a entonação, na linguagem oral. É rico em frases feitas, clichês, anacolutos. Uma variante é o nível vulgar – não tem classe social e é caracterizado pelo uso de gíria e palavrão Na verdade, saber que uma língua varia, conhecer suas as variedades e ser capaz de escolher aquela que melhor funciona em contextos diversos seria o ideal para todos os falantes realmente se comunicassem de forma efetiva por meio de um mesmo idioma. Dominar a modalidade escrita, por intermédio da qual todos os conteúdos disciplinares são apresentados, é o caminho mais curto para alcançar progressivamente o conhecimento do mundo. E estar consciente das alterações sofridas em virtude de influências de outras línguas permite um posicionamento critico diante dessas influências. Na próxima aula, estaremos justamente, olhando mais atentamente para os textos orais e escritos e seus cruzamentos com os níveis da linguagem. Teoria na prática... Determine os níveis de linguagem nos textos seguintes, analisando a sintaxe e o vocabulário: 1. Havia frei Ambrósio, encarregado da disciplina. Lá está ele no canto direito do retrato, ocupando espaço de três ou quatrocom seu corpo mais de montanha do que de gente. Frei Ambrósio de inesquecível memória. Estranhos processos de catequese gostava de usar o infeliz. Os ensinamentos de Cristo, com que procurava trazer as ovelhas rebeldes ao caminho da moderação e vida limpa, se comprazia em agregar cascudos doloridíssimos, capazes de matar de inveja o próprio Torquemada, tão tecnicamente os aplicava. 2. Não ia nunca saber o nome daquele cachorro, carecia nomeá-lo. Se o tratasse com jeito, muito carinho, se o nome fosse bom, o nome pegava. Nome bom a gente sabe é depois. mas não queria um desses nomes comuns de cachorro de roça, que todo cachorro se chama. Queria um nome novo, bem novo, inventado agora, que fosse só dele. Todo mundo assim se lembraria. Ia dormir com um nome, só nome com que a gente dorme é que pega. 3. Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. 4. Aí, eu aprendi. Eu sei fazer igual onça. Poder de onça é que não tem pressa: aquilo deita no chão, aproveita o fundo bom de qualquer buraco, aproveita o capim, percura o escondido de detrás de toda árvore, escorrega no chão, mundéu-mundéu, vai entrando e saindo, maciinho, pô-pu, pô-pu, até pertinho da caça que quer pegar. Chega, olha, olha, não tem licença de cansar de olhar, eh, tá medindo o pulo. Hã, hã... Dá um bote, às vezes dá dois. Se errar, passa fome, o pior é que ela quase morre de vergonha... Aí, bai pular> olha demais de forte, olha para fazer medo, tem pena de ninguém... Estremece de diante pra trás, arruma as pernas, toma o açoite, e pula pulão! – é bonito... 5. – Quantos minutos ainda? – Oito. Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Dribrou um. Isso! Fuiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio! Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora! Aí! Olha o Rocco! Caiu. – CA-VA-LO! Prrrii! – Pênalti! REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA VANOYE, F.Usos da Linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita, 12a. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003. Aula 4 – TEXTOS ORAIS E TEXTOS ESCRITOS DIFERENÇAS ENTRE LÍNGUA E ESCRITA É um erro muito comum confundir língua com representação gráfica da língua (escrita). Seria a escrita seja a transcrição da fala? Não, a relação entre elas é mais complexa. Escrita e fala são duas modalidades distintas de linguagem. No processo de comunicação, produz- se uma mensagem, para que ela seja recebida (lida ou ouvida) por alguém. Na fala, o texto é recebido pelo outro, enquanto vai sendo produzido, ou seja, o interlocutor vai ouvindo o texto à medida que ele é composto. Já na escrita, a recepção ocorre depois da produção, o texto é lido depois de finalizado. No entanto, a língua oral é vista como subproduto da escrita, sem prestígio; fato estranho, pois na escala temporal da humanidade, obviamente, os atos de fala são anteriores ao código escrito. Por que então, é atribuído à escrita maior valor do que à fala? A supervalorização da escrita em detrimento da oralidade é histórica por causa do poder atribuído à palavra escrita, que é vista como elemento de sobrevivência e continuidade da língua. Em decorrência disso, confunde-se língua e escrita, e por conseqüência, confundimos também a noção de gramática, que é qualidade intrínseca de qualquer língua: as regras de funcionamento. A maioria dos gramáticos e professores de língua portuguesa esquece que cada uma das variedades lingüísticas pode apresentar-se tanto na modalidade escrita como na, falada. Há um número imenso de povos que não conhecem nenhum sistema de escrita e cuja cultura se sustenta na oralidade – nem por isso deixam de ser culturas tão complexas quanto qualquer outra, muito menos não possuem um idioma para sua comunicação. GRAMÁTICA DA FALA, GRAMÁTICA DA ESCRITA É preciso ter bem claro a especificidade de cada uma das modalidades da língua: a falada e a escrita para se escrever bem, uma vez que escrever bem não é simplesmente “imitar a fala”, mas reformulá-la em outra gramática. DISTINÇÕES ESPECÍFICAS ENTRE FALA E ESCRITA 1. Fonema x grafema A menor unidade de fala é formada por fonemas. Na língua escrita por grafemas ou letras Não há correspondência escrita entre o número de fonemas e o número de grafemas – ex. choque, telha 2. Ampla variedade x poucas variedades Nenhum falante se orgulha da sua variedade não padrão – vai tentar sempre se identificar como um falante da língua “certa”. Não podemos esquecer que a escola considera certo somente o tipo de língua padrão. 3. Elementos extralingüísticos x sinais gráficos Fala tem muitos recursos expressivos: gesticulação, expressão facial, riso, sons não previstos. Na escrita tudo o que temos são desenhos num papel em branco. A riqueza das nuances de significado se reduzem drasticamente. Então a escrita tem que descrever esses elementos da forma mais aproximada possível. Ex. Maria: – Eu já vou, disse ela com o rosto afogueado. João: - Sim, mas, é pra já, interrompeu ele ansioso. 4. Prosódia e entonação x sinais gráficos Pronúncia das palavras com diferentes entonações. A simples entonação tem diferentes significados. Já na escrita tudo o que temos para representar diretamente os recursos entoacionais são o ponto de exclamação, o de interrogação, as reticências, as aspas.... O resto tem que ser expresso por palavras. A língua da Internet fica inventando novos sinais para transcrever emoções. Ex. – Vai logo! (oral) – Vai logo, gritou a moça irada. (escrita) 5. Frases mais curtas x frases mais longas Na fala, os períodos são mais curtos e simples. Na escrita, mais longos e complexos. Usam-se mais orações subordinadas. O texto escrito divide-se em parágrafos, capítulos etc., que contêm unidades de sentido. O texto falado é recortado em turnos, isto é, cada intervenção de cada interlocutor, e em tópicos, ou seja, assuntos de que se fala. Ex. reler o texto 2 – não é regra, apenas uma tendência. Porque os alunos tendem a escrever frases longa se mal estruturadas se dominam tão bem a frase curta? 6. Redundância x concisão Somos extremamente repetitivos quando falamos porque na fala, o planejamento e a execução do texto são simultâneos. 7. Unidade temática: flutuação x rigidez Quando conversamos, mudamos de assunto sem a menor cerimônia porque o planejamento e a execução do texto são simultâneos. Por isso, o texto falado é cheio de pausa, frases truncadas, repetições, correções, períodos começados e abandonados para começar um outro, desvios e voltas, acelerações. O texto escrito não contém marcas de planejamento e de execução. Elas são retiradas dele. Apresenta-se o produto pronto e não em elaboração como na fala. Todo texto escrito exige coesão entre as partes que se interligam umas às outras, submetidas todas à unidade global do texto. 8. Interlocutor: presença x ausência A fala se dá dentro de uma dada situação de interlocução; a escrita ocorre fora dela. Um ato de comunicação ocorre entre dois participantes, num dado lugar e num dado tempo. Isso é chamado cena enunciativa. Nafala, quando se diz eu, aqui, agora, por exemplo, o ouvinte sabe que está falando, que lugar é aqui ou quando é agora. Além disso, entende as frases que se referem à situação. A escrita precisa fazer referências mais detalhadas à situação porque quando escrevemos, escrevemos para um interlocutor virtual. Na escrita, é preciso recriar a cena enunciativa e a situação de interlocução, para que o leitor saiba, por exemplo, quem está falando, que dia é, quando alguém diz hoje, e para que compreenda os sentidos relacionados à situação. Ex. peça de teatro 9. Alternância de papéis falante/ouvinte x não alternância Na fala, alternam-se os papéis do falante e do ouvinte: o ouvinte pode interromper o falante e tomar a palavra; o falante pode usar estratégias para segurar a palavra; o falante precisa buscar a anuência do ouvinte (dizendo, por exemplo, né?, certo?, ce não acha?). O falante pode, ainda, solicitar a colaboração do ouvinte (dizendo, por exemplo, como é mesmo que se diz?). Na escrita, não há essa possibilidade de alternância, pois, mesmo que se crie um diálogo, ele será uma simulação de conversa e não um diálogo real, com interrupções, tentativas de não deixar o 10. Aprendizagem “natural” x aprendizagem “artificial” Basta nascer e conviver com pessoas que falem para a criança falar. Mas a escrita é um duro e prolongado trabalho de aprendizagem. Vejamos o texto abaixo: HISTÓRIA DE UM ACIDENTE DE CARRO É nós távamo voltando né... eu e meu pai... távamo voltando dum teste de teatro que eu fui fazê... daí tava o carro do meu pai e um carro na frente e daí de repente, não sei que deu na loca do coiso lá... o fosquinha... ele viro assim... sem dá seta nem nada e nem era lugar di virá e o meu pai tava logo atrás dele, tava indo ultrapassa... tava indo ultr... meu pai tava indo ultrapassa o fosquinha. É... né... daí o coitado viro... daí o meu pai... ele tentou desvia assim... e fez um barulhinho esquisito: aiiiirrrchmi... ele tentou desvia assim e daí ele foi desvia mais o cara do fosca em veiz de breca, ele continuo... daí bateu na traseira do meu pai, eu não era muito alto assim... então olhei pró céu e vi tudo rodando assim... acho que o meu pai deu três volta assim... rodando, foi... eu falei: Viche Maria, o que ta acontecendo... e daí até aí eu não tava com tanto medo, né... foi uma legal vê as coisinha rodando. Daí, num tava com tanto medo... daí meu pai... ele mudou de marcha e "Brrrrruuuuummmm"... foi atrás do coitado do fosca... e daí eu, ai meu Deus, meu zóio fico deste tamanho, deu aquela dorzinha na barriga... eu... ai. meu Deus, quê que meu pai vai fazê... - Não, pai, dexa, pai... não corri atrás deli não, pai... dexe... ele é meio ceguinho mesmo. E daí... sorte que o pára-lama do fosca caiu e tava relando na roda, ele teve que incostá... daí o meu pai incostô lá... junto dele... eu iche... aí o problema, né... e se o cara tive alguma coisa, né... um pedaço de pau... um revolve... se o... fiquei quietinho no meu canto, né... daí o meu pai chego lá, falo, brigo com ele: — Ó, você vai té qui paga, não sei o... não sei o que lá, daí falo o carinha: - Não, ta bom, não, tudo bem... o erro foi meu... tal e tal. Daí o meu pai pego o documento dele... e falo: erererererrr... não é que esse "errerererrr"... menores de dezoito anos... e daí nós voltamo com o carro todo amassado assim... daí, no dia seguinti, meu pai foi no trabalho do cara e o cara deu o dinhero e pago o conserto do carro. O texto que você leu é a transcrição mais ou menos fiel de um relato oral, feito por um aluno de sétima série de um colégio de elite de Curitiba, em situação natural. No ato de fala não houve qualquer problema especial de compreensão por parte dos interlocutores. Pode-se dizer que esta é uma amostra da língua viva de todos os dias, de um falante escolarizado e de classe social acima da média. Vamos nos deter um pouco nesta amostra; ela pode elucidar alguns aspectos importantes da distinção língua falada/língua escrita e fazer um levantamento de todas as características encontradas no texto que podem defini-lo como linguagem oral. Assinale tudo que você descobrir: vocabulário, extensão das frases, concordância, regência, relatores, repetição, redundância, gíria, onomatopéías, etc. Faça uma lista. Em seguida, compare as características que você encontrou com as características da linguagem escrita; assinale as diferenças. Teoria na prática Exercício 1 No dia 10/11/96, os jornais divulgaram a carta mediante a qual o médico Adib Jatene solicitava ao Presidente da República sua demissão do cargo de Ministro da Saúde, e a carta do Presidente da República, aceitando a demissão. Dessas cartas foram extraídos, respectivamente, os dois trechos abaixo: A Sua.Excelência, o Senhor Doutor Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República Federativa do Brasil. ............................................................. Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: "A política não é a arte do possível. É a arte de tornar o possível necessário." Estou tranqüilo porque dei minha contribuição com lealdade e no limite de minha capacidade, sem trair os ideais dos que lutam no setor saúde pela equidade e pela garantia de acesso às camadas mais sofridas da população. Outros complementarão o trabalho, sob a liderança de Vossa Excelência, para que seja possível atender ao necessário que detectamos. Aproveito para manifestar-lhe o meu melhor apreço, Cordialmente, Adib Jatene Ministro da Saúde Meu Caro Jatene, Exatamente porque acredito que é preciso tomar possível o necessário, apoiei a CPMF e fiz, junto consigo, os esforços para aumentar a dotação do Ministério da Saúde. Só assim foi possível quase dobrar, em dois anos, os recursos do SUS. Ainda sim, eles são insuficientes. O que fazer? Continuar lutando, como continuarei: pena que sem você, embora com sua inspiração. ............................................................ ................................................. Resta agradecer, muito sinceramente, sua colaboração, sua coragem para diagnosticar os problemas do ministério e enfrentar as soluções, e o ânimo que você infundiu em todos nós. Tenha a certeza de que suas declarações mostrando a disposição de continuar a luta pela saúde não ficarão nas palavras. O Brasil precisa de gente como você. Com afetuoso abraço. Fernando Henrique Cardoso Os autores das duas cartas utilizam registros lingüísticos diferentes, no interior da variedade culta do português escrito. Aponte nos textos essas diferenças de registros e explique o efeito que cada um deles produz. c) Pelo que se lê no primeiro parágrafo das duas cartas, Jatene teria aprendido com Fernando Henrique o conceito de política que procurou aplicar enquanto ministro, mas uma leitura atenta desses parágrafos aponta uma grande diferença. Explique essa diferença. Exercício 2 Você habitualmente usa e reconhece vários níveis de linguagem, associados a diferentes falantes, estilos ou contextos. Você sabe também que à vezes o falante utiliza um estilo que não é o seu, para produzir efeitos específicos, que é o que faz o maestro Júlio Medaglia na carta abaixo: MASSA! Pô, Erundina, massa! Agora que o maneiro Cazuza virou nome mim pedaço aqui na Sampa, que sabe tu te anima e acha aí um point pra botá o nome de Magdalena Tagliaferro, Cláudio Santoro, Jaques Klein, Edoardo de Guarnieri, Guiomar Novaes, João de Souza Lima, Armando Belardi e Radamés Gnattali. Esses caras não foi cruner de banda a Ia 'Trogloditas do Sucesso', mas se a tua moçada não manjar quem eles foi dá um look aí na Enciclopédia Britânica ou no Groves International e tu vai saca que o astral do século 20 musical deve muito a eles. Júlio Medaglia, di-jei do Teatro Municipaldo Rio de Janeiro (São Paulo-SP) "Painel do Leitor", Folha de São Paulo, 4.10.90. a) Que grupo social pode ser identificado por este estilo? Transcreva as marcas lingüísticas características desse grupo, presentes no texto. b) Em que campo da cultura deram contribuição importante os nomes mencionados na carta e que passagem (ns) do texto permite (m) afirmar isso? c) O texto contém uma crítica implícita. Qual é, e a quem é dirigida? d) Passe o texto a norma culta padrão. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA VANOYE, F.Usos da Linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita, 12a. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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