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Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 29 Aula 02 ORGANIZACÃO SINDICAL NOCOES GERAIS A mínima organização entre os sujeitos agrupados é elemento indispensável à carac- terização de um interesse coletivo. Reiterando o pensamento do Professor Mancuso, “sem o mínimo de organização, os interesses não podem se coletivizar, não podem se aglutinar de forma coesa e eficaz no seio de um grupo determinado”. Se o grupo não é identificável como tal, nem o mesmo sobre o plano sociológico, e se o liame entre os seus integrantes é incerto ou ocasional, falta-lhe, sem dúvida, uma consciência comunitária capaz de justificar o fenô- meno da coletividade. Vê-se, desse modo, que, historicamente, a organização foi condição indispensável à formação do sindicalismo e a construção de toda a sistemática que regula que regula os vínculos entre os sujeitos coletivos, os indivíduos que os integram, outros sujeitos coletivos e os Estados. O ponto de partida é a “casa”, a forma mais primitiva de organização, que leva a crer no estabelecimento de vínculos mais acentuados entre aqueles que têm algo em comum e, por isso vivem em alguma espécie de comunidade. Não basta, entretanto, o acesso à mesma “casa”; é imperativo que o acesso seja empreendido com animus de estada, de formação de uma relação grupal sedimentada por conta dos laços que efetivamente aglutinam os indivídu- os. Estes podem até ser substituído, saindo da coletividade, mas o agrupamento, se organiza- do continuará existindo para a recepção de novos integrantes. a) A ideia de categoria A ideia de categoria provém da taxonomia, que é a ciência de classificar a partir dos caracteres de elementos cotejados tem em comum. Sob o ponto de vista sociológico e políti- co, categoria é o conjunto de pessoas que gozam, pela condição comum em que se encontram da mesma posição, tem relação aos direitos e deveres políticos. Pelo fato de compartilharem essa posição, elaboram e praticam formas de gestão identificadas comunitárias ou, ao menos Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 30 , como representativas. São integrantes da mesma categoria , por exemplo, industriários, co- merciários e bancários no segmento dos trabalhadores e os donos de industria, sem qualquer divisão e os banqueiros, no segmento dos empregados. Mais ampla do que a categoria, a classe, também por ação taxonômica, integra, indistintamente, sem qualquer divisão interna, operários de um lado e capitalistas do outro. É certo que a organização laboral por categorias é fruto do corporativismo, assim entendida a doutrina que propugnava a organização da coletividade a partir de sua associação representativa de interesses e de suas atividades profissionais. Segundo Ludovico Incisa, o corporativismo “propõe graças à solidariedade orgânica dos interesses concretos e as for- mulas de colaboração que daí podem derivar a remoção ou neutralização dos elementos de conflito: a concorrência no plano econômico, a luta de classes no plano social, as diferenças ideológicas no plano político”. Importante observar que é a aglutinação laboral por categorias, criada a partir de modelo corporativo, contrapõem-se ao modelo sindical. Pode-se questionar: Modelo corpo- rativo não é a mesma coisa que modelo sindical (INTERROGACAO) A resposta é negativa. Modelo corporativo impede a formação de elementos de conflito, defendendo a colaboração entre as classes trabalhadoras e capitalistas no âmbito de cada uma das categorias. O modelo sindical, por outro lado, estimula a formação de elementos de conflito, pugnando pela contra- posição de interesses entre duas classes antagônicas, a operária e a capitalista, ambas vistas de forma integrais, não categorizadas, não divididas internamente. Os modelos corporativo e sindical, na verdade, mesclaram-se de modo a haver algo de corporativo no sindicalismo e algo de sindical no corporativismo. A mescla parece ter decorrido de históricas confusões conceituais promovidas por algumas ações estatais. Basta lembrar que na legislação italiana de onde proveio a inspiração para a organização sindical brasileira, o corporativismo revelou-se como exigência dos setores dirigentes para controlar a marcha da evolução industrial. Pretendia-se juntar num só feixe as categorias que integravam as forcas produtivas com vistas ao desenvolvimento das riquezas. Na realidade o corporati- vismo dirigista levou os grupos sociais para dentro do Estado com o objetivo de subordiná- -los, de organizá-los, de arrefecê-los, e de afastá-los do conflito. Na legislação brasileira esse dirigismo era claro a ponto de o Art. 521, a, da CLT (evidentemente não recepcionado pela constituição de 1988) vedar “qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as insti- tuições e os interesses da Nação, bem como as candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato”, e da alínea d do mesmo dispositivo proibir “quaisquer atividades não compreen- didas nas finalidades mencionadas no Art. 511, inclusive as de caráter político-partidários”. A democratização brasileira afastou a intolerância ideológica a partir do momento em que o texto constitucional garantiu a livre manifestação do pensamento (Art. 5, VI), inclu- sive na docência (Art. 206, II e III) e nos meios de comunicação (Art. 220), mas não se pode deixar de lembrar que o dirigismo da Era Vargas chegou aos píncaros de considerar inelegí- vel para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional e insuscetível Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 31 permanecer no exercício desses cargos aqueles que professassem “ideologias incompatíveis com as instituições ou os interesses da Nação”, sendo essa a redação originaria da alínea a do Art. 530 da CLT. É importante anotar que tal alínea foi transformada em inciso I pelo Decreto-Lei n. 229 de 28/02/1967, e teve modificada sua redação para considerar inelegíveis e insuscetíveis de permanecer no exercício do cargo sindical os que não tivessem definitiva- mente aprovadas suas contas de exercícios em cargos de administração, o que também con- forme se verá mais adiante, colidia com a liberdade sindical de criar seus próprios estatutos e de a eles se submeter. b) Fatos geradores do associacionismo natural O associacionismo, sem dúvida, visa ao atendimento de necessidades que os huma- nos não alcançariam em atuações solitárias. O ato de agregação, entretanto, pode partir de alguns referenciais estabelecidos pela própria associação, ou por lei, diante das situações de ingerência estatal. No ordenamento jurídico brasileiro o associacionismo sindical é dirigido segundo a regra constante do Art. 511 da CLT, que declara “licita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões simi- lares ou conexas” (destaques não constantes do original). Para a legislação sindical brasileira, os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural. Assim, segundo a sistemática nacional a estruturação sindical ocorre de forma a conceber como homogêneos os interesses dos que exerçam o mesmo oficio ou profissão ou, ainda, ofícios ou profissões similares ou conexas. Uma ilustração ajudará a entender o sistema brasileiro de estruturação sindical. Par- tindo do pressuposto de que a “identidade” é a qualidade daquilo que tem paridade absoluta, atividades idênticas, justificando o associacionismo sindical entre eles. Por “similitude” – qualidade daquilo que embora não seja idêntico é semelhante, análogo – a eles podem se associar,por exemplo, os fresadores, os serralheiros, ou os desenhistas de construções me- cânicas. Embora esses trabalhadores não sejam propriamente torneiros, realizam misteres assemelhados, e que os coloca, por conseguinte, sob as mesmas condições de vida dos pri- meiros. Podem associar-se os torneiros, os fresadores, serralheiros e desenhistas mecânicos todos os empregados que realizem as atividades do escritório da metalúrgica. Embora esses trabalhadores do setor administrativo não sejam industriários no sentido estrito, eles, por “co- nexidade” – qualidade daquilo que esta logicamente ligada a um elemento entendido como principal-, podem entender-se como tais. Enfim, eles, por relação propiciada pelo exercício de atividades na mesma empresa, têm, muito possivelmente, interesses idênticos. Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 32 O mesmo se pode dizer de empresas que tem profissionais da indústria e do comer- cio. Imagine-se que a precitada metalúrgica tivesse um show room onde vendesse suas pecas no varejo. Pois bem. Os empregados que trabalham no setor de venda estarão agregados a categoria dos metalúrgicos por conexão, levando em conta que a atividade econômica predo- minante do referido empregador é justamente a metalurgia. Perceba-se que a atividade econômica que motiva a solidariedade de associacio- nismo sindical, operário ou patronal. Assim, se aquele torneiro mecânico for despedido, e, mais adiante for contratado por um banco, será bancário com vínculos associativos sindicais estabelecidos a partir de então, com outros colegas bancários, que, igualmente, trabalham para instituições bancárias. Da mesma forma se um empresário da metalurgia fechar o empre- endimento e abrir uma panificadora deixará de ter motivos para de agregar aos empresários da metalurgia e passara a ter razoes para unir esforços aos de outros donos de panificadoras. Do mesmo modo que o associacionismo é natural, o dissociacionismo também o é. A primeira parte do Art. 540 da CLT, combinada com o parágrafo 1 do mesmo dispositivo, deixa clara essa situação. Como bem destacou Mozart Victor Russomano, “a condição subs- tancial para que a sindicalização se faca e se mantenha é a permanente vinculação do sin- dicalizando a categoria profissional ou econômica que a entidade representa. De modo que, perdida a qualidade essencial referida, o sindicalizado será um corpo estranho no quadro do sindicato. Não terá mais os interesses comuns aos demais associados, não saberá deliberar sobre as conveniências da profissão ou da atividade da empresa, não sentirá e compreenderá o alcance das medidas tomadas – enfim, haverá perdido a solidariedade de sentimentos e de ações que servem de base espiritual e psicológica a célula sindical”. Por conta da manutenção de firmes vínculos de solidariedade ou de manifesta provi- soriedade, os associados de sindicatos de empregados, agentes ou trabalhadores autônomos e de profissões liberais, e nos moldes do parágrafo II do art. 540 da CLT forem aposentados, estiverem em desemprego ou falta de trabalho ou tiverem sido convocados para prestação de serviço militar não perderão os respectivos direitos sindicais e ficarão isentos de qualquer contribuição, não podendo, entretanto, salvo os aposentados (veja-se o teor do art. 8, VII da CF/88), exercer cargo de administração sindical ou de representação econômica o profissio- nal. Perceba-se que a ressalva constante do mencionado parágrafo 2, do art. 440 da CLT somente se dirige aos trabalhadores. O segmento patronal não foi beneficiado com situações excepcionais relacionadas ao dissociacionismo. c) Categoria economica Entende-se por categoria econômica o agrupamento daqueles que empreendem ati- vidades idênticas, similares ou conexas e que, por conta disso mantem, na forma do parágrafo I, do art. 511 da CLT, um vinculo social básico, pautada na solidariedade de interesses capita- Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 33 listas. A categoria econômica é, na linguagem da CLT, o agrupamento de empregadores que realizam a mesma atividade econômica ou atividades similares ou conexas a esta. d) Categoria profissional Entende-se por categoria profissional o agrupamento daqueles que, por similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, mantem, na forma do parágrafo II do artigo 511 da CLT, um vinculo social básico, pautado na solidarie- dade de interesses laborais. A categoria profissional é, na linguagem da CLT o agrupamento de trabalhadores. Observe-se que a pertinência de uma categoria profissional depende de uma investi- gação a cercada atividade desenvolvida pelo empregador ou, se este for exercente de múlti- plas atividades, daquele que seja considerada como a preponderante, vale dizer, aquela que, nos termos do parágrafo II do art. 581 da CLT, caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente, em regime de conexão funcional. e) Categoria profissional diferenciada Entende-se por essa categoria profissional diferenciada o agrupamento daqueles que, pelo exercício de profissões ou funções extremamente singulares, mantém, na forma do parágrafo 3 do art. 511 da CLT, um vínculo social básico pautado na solidariedade de interesses laborais. É importante dizer que a adjetivação “diferenciada” provém da existên- cia de estatuto profissional especial ou da singularidade de suas condições de vida. Assim, serão integrantes de uma categoria profissional diferenciada não apenas os trabalhadores que tenham uma lei que regulamente sua profissão (por exemplo, os advogados, os médicos, os engenheiros, os vendedores viajantes), mas também aqueles que embora não tendo estatuto profissional especial, tem uma vida laboral distinta da de outros trabalhadores ordinários (por exemplo, os motoristas rodoviários). Note-se que a pertinência a uma categoria profissional diferenciada independente da investigação a cerca da atividade desenvolvida pelo empregador. Um advogado que trabalha no setor jurídico de um banco, por exemplo, é advogado, e não bancários; igualmente um médico que trabalha no serviço especializado em medicina do trabalhão em uma metalúrgica é médico, e não metalúrgico. Os integrantes das categorias profissionais diferenciadas ou são arrimados por lei, que lhes é aplicável em caráter exclusivo (os advogados, por exemplo, fruem exclusivamente das vantagens contidas na lei n.8.906/94), ou, quando não contempla- dos por estatuto próprio, por norma coletiva, de que necessariamente devem participar sua entidade sindical. Não se olvide, então, que, nos termos da Súmula 374 do TST, “empregado Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 34 integrante da categoria profissional diferenciada não tenha direito de haver de seu emprega- dor vantagem previstas em um instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria”. Para que fique mais claro, veja-se a seguinte ilustração: Imagine-se que o sindicato dos “vendedores viajantes” (regidos pela lei n. 3.207/57) da ci- dade do Rio de Janeiro tenha firmado uma convenção coletiva com o sindicato das empresas distribuidoras de bebidas daquela cidade e que um vendedor-viajante de uma empresa de cos- méticos da capital fluminense tenha pretendido as vantagens contidas na mencionada norma coletiva. Evidentemente o vendedor de cosméticos não terá o direito de invocar a aplicação da referida convenção coletiva simplesmente porque a empresa para a qual trabalha não foi representada por órgão de sua categoria econômica, ou seja, não havia no polo patronal da norma coletiva qualquer entidade sindical que representasse as empresas decosméticos. Mais um detalhe importante sobre os integrantes das categorias ora em análises diz respeito à aquisição de estabilidade na condição de dirigente sindical. Conforme consta da Súmula 369, III, do TST, “o empregado de categoria diferenciada, eleito dirigente sindical só goza de estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito o dirigente”. Assim, por exemplo, um médico que exerce a função de diretor-secretário do sindicato dos médicos pode valer-se da estabilidade prevista no art. 8, VIII da CF para proteger-se contra eventual desligamento caso tenha sido contrata- do como encarregado do setor de medicina do trabalho de uma siderúrgica. Perceba-se que a estabilidade lhe é outorgada porque ele exerce na empresa empregadora atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito dirigente. f) Membros da categoria e sócios do sindicato Antes de prosseguir o exame de outros tópicos correspondentes a organização sindi- cal, é necessário distinguir “membros da categoria” (ou integrantes da categoria) de “sócios do sindicato” (ou “ associados”). Os membros da categoria são, nos termos do sistema jurídico brasileiro, os indiví- duos naturalmente integrantes da entidade sindical (parágrafo 4, art. 512 da CLT), indepen- dentemente da atuação volitiva de a ela se vincular como sócios. Eles têm, por isso, vinculo legal, institucional, que decorre da simples vontade da lei de torná-los unidos por um liame de solidariedade. Os sócios dos sindicatos, por outro lado, são os indivíduos que, alem do vin- culo institucional, tem um liame obrigacional, contratual, com as entidades sindicais, porque manifestam o desejo de a elas aderir. Perceba-se que as decisões tomadas pela assembleia (iniciar uma greve, por exem- plo) envolvem, em regra, os interesses de todos os integrantes da categoria, e não apenas dos associados. Do mesmo modo, independentemente de estar ou não na condição de associado, o integrante da categoria beneficia-se e obriga-se quanto ao conteúdo das normas coletivas. Ademais, quem não é associado ao sindicato não está obrigado pelas deliberações de ordem Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 35 contratual, como o pagamento da contribuição confederativa, assunção da taxa assistencial ou, ainda, da mensalidade sindical. Aquele que não é associado obriga-se apenas ao paga- mento da contribuição sindical estendida por forca da lei, a todos os integrantes da categoria. Nesse sentido posiciona-se o TST, por meio da Orientação Jurisprudencial 17 da SDC: “As clausulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical a qualquer ti- tulo, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurados e, portanto, nulas, sendo passiveis de de- volução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados”. Posicionamen- to semelhante consta do precedente normativo 119 do SDC do TST, nos seguintes moldes: A Constituição da republica em seus artigos 5, XX e 8, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade clausula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindica- lizados. Sendo nulas as estipulações que inobservam tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados. g) O desenho da organizacao sindical brasileira: da ingerencia absoluta do estado a relativa liberdade sindical Por forca do dispositivo no Art. 8 do texto fundamental, o modelo intervencionista estatal foi quase totalmente expurgado do ordenamento jurídico sindical brasileiro. Certa- mente o maior avanço da Constituição ora vigente foi o de promover à eliminação dos atos de intromissão do Ministério do Trabalho, que, no passado, estabelecia o cumprimento de etapas prévias a constituição da entidade sindical, impunha estatutos-padrão as entidades sindicais e limitava o tempo de duração dos mandatos dos dirigentes sindicais, que, na época, jamais poderiam ser estrangeiros. Tudo era determinado, concedido ou outorgado pelo Ministério do Trabalho, nesse âmbito incluía também , e principalmente, a legitimação representativa, consoante se via no não recepcionado art. 520 da CLT. Análise do desenho sindical brasileiro atual permite chegar a conclusão de que, des- de o advento do texto constitucional de 1988, há nele uma liberdade sindical apenas relativa. Diz-se e Liberdade Sindical apenas relativa porque a própria constituição ressalvou algumas ingerências, notadamente sob a autonomia de que dispõem as entidades sindicais para sua fundação e para alguns itens de sua administração interna. Percebe-se que o precitado art. 8 é iniciado como assertiva é livre a associação pro- fissional ou sindical. Se a frase terminasse aí, não haveria dúvidas quanto a uma irrestrita liberdade associativa profissional e sindical. Entretanto, por vontade do constituinte origi- nário, foi inserida vírgula no final da frase e, em seguida, uma assertiva de caráter restritivo – “observado o seguinte”. Pois bem. Tudo o que consta depois do “observado o seguinte, Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 36 integra o conjunto máximo dos limites impostos ä liberdade sindical no ordenamento jurídico brasileiro, tirantes, é claro, demais limitações que sistematicamente possam ser encontradas no próprio texto constitucional”. Assim, trocando em miúdos, o que não está previsto como limite ä liberdade sindical nos incisos I a VIII do oitavo artigo constitucional não pode ser entendido como tal. Vejam-se as situações de modo mais detalhado. g.1 Do limite à liberdade de fundar a entidade sindical A partir de uma análise combinada dos incisos I e II do art. 8 do texto constitucional, é possível perceber que há, sim, uma limitação imposta a liberdade de fundar o sindicato. O inciso I expurga do ordenamento jurídico sindical qualquer interferência ou intervenção do Poder Público, salvo, evidentemente, do Poder Judiciário, se invocado a decidir eventual con- tenda entre os integrantes da categoria e as entidades sindicais, com base na garantia prevista no art. 5, XXXV da Carta Constitucional. As palavras são claras e postas no sentido de que “a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato”, ressalvado apenas o registro no órgão competente, para a preservação da unicidade sindical, mantida no inciso II. Note-se que, por volta do constituinte originário, continuou vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. Essa base territorial, que não pode ser inferior à área de um município, é definida pelos próprios trabalhadores ou empregadores interessados. Para bem entender essa situação, imagine-se, por exemplo, dois agrupamentos de empregados da indústria têxtil do município de Campinas, no interior do Estado de São Pau- lo. Cada um desses agrupamentos tem seu líder, e cada lidar tem a sua pretensão de transfor- mas seu agrupamento em uma associação sindical. Assim, seguindo aconselhamentos jurídi- cos, o líder do agrupamento “A” toma à dianteira e, antes do grupo “B”, procede ao registro procede ao registro sindical de sua entidade profissional no Ministério Publico do Trabalho e Emprego, que, então, passa a chamar “Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Campinas”. Quando o representante do grupo “B” comparece ao MTE, toma conhecimento de que, antes dele, comparecera aoórgão de registro sindical o representante do grupo “A” e que a este fora atribuída a qualidade de entidade sindical. Nota-se que a única função do MTE é a de operar o registro, o segundo procedimento previsto na portaria do MTE n.186, de 10 de abril de 2008, observando os critérios da cronologia e da especificidade. Não lhe cabe mais do que isso, sendo certo que tal atribuição é cumprida em obediência ao próprio texto cons- titucional. O ato é promovido pelo MTE até que outro órgão seja designado para tal missão. Este, aliás, é o entendimento do STF por meio da súmula 677: “Até que a lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”. Voltando à situação-exemplo, o representante do grupo B pode, então, perguntar: Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 37 Terei de dissolver o agrupamento? A resposta é negativa. O grupo B não precisará ser dis- solvido. Ele, querendo, pode continuar a existir como associação profissional, mas por conta da existência de uma entidade sindical já registrada em nome da mesma categoria, na mesma base territorial, jamais alcançará, no mesmo território, a condição de associação sindical. Note-se que, de acordo com a sistemática constitucional, essa vantagem pode ser atribuída a uma única entidade dentro da mesma base territorial, que não pode ser atribuída a uma única entidade dentro da mesma base territorial, que não pode ser inferior a um município. E há mais: somente a entidade sindical terá o direito de falar em nome de toda a ca- tegoria, de substituir processualmente os integrantes do grupo, de negociar coletivamente de instituir contribuição sindical e de atribuir estabilidade a seus dirigentes. A associação pro- fissional é um mero agrupamento de trabalhadores cuja liberdade de criação consta também no Art. 5°, XVII, da Constituição Federal, mas que tem missão institucional mais estreita se comparada com a das entidades sindicais. Mais uma pergunta pode surgir: pode-se falar em sindicato do distrito norte do mu- nicípio de Campinas e, conjuntamente, em sindicato do distrito sul do mesmo Município? A resposta é negativa. Embora a CLT autorizasse no caput do art. 157 a existência de associa- ções sindicais distritais, o inciso II do art. 8 do texto constitucional retroagiu nesse particular para somente admitir a existência de associações sindicais com abrangência sobre a área mí- nima de um município. Nada impede, portanto, que sejam constituídas associações sindicais em áreas territoriais mais amplas do que um município, sendo disso exemplo às entidades intermunicipais (ainda que em Estados diferentes), estaduais, interestaduais, (ainda que em regiões diferentes), regionais, inter-regionais ou nacionais. Observa-se, ainda, que a regra da unicidade é aplicada em qualquer grau, vale dizer, é exigível de sindicatos, de federações e de confederações, tanto do segmento operário quan- to do patronal. E se a entidade sindical tiver sido formada sobre uma base territorial mais extensa, é possível falar em desmembramento territorial. A resposta aqui é positiva. Se, por exemplo, o Sindicato dos Vigilantes do Estado da Bahia receber, por meio da sua diretoria, requerimento de convocação de uma assembléia extraordinária a pedido dos vigilantes dos municípios de Ibauna e de Ilhéus, para discutir e deliberar sobre a criação de uma nova entidade sindical, destacada a associação originária, ele deve processar o pedido. Os vigilantes dissociandos têm o direito de pretender uma vida associativa autônoma e de levar o assunto, a discussão entre os efetivos interessados. A deli- beração quanto á dissociação, entretanto, entretanto, é tema que interessa unicamente aos in- tegrantes da área dissocianda, não sendo razoável que integrantes de outras bases territoriais opinem e votem sobre a matéria. Ocorrendo a dissociação territorial, o sindicato principal terá a denominação alte- rada, eliminando-se a designação relativa à totalidade da área territorial. No caso em análi- se, acaso autorizada a referida dissociação, o precitado sindicato passaria a ser denominado Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 38 “Sindicato dos Vigilantes do Estado da Bahia, exceto dos municípios de Ilhéus e de Itabuna. Isso se justifica por que a dissociação permitiria a criação, por destaque, do Sindicatos dos Vigilantes de Ilhéus e Itabuna. O mesmo raciocínio haverá de ser aplicado às dissociações de atividades ou de profissões concentradas para formar-se um sindicato mais específico e, certamente, mais atuante. Anote-se, desde já, que, diante da promessa constitucional de não interferência e de não intervenção do poder público na vida sindical, não se pode admitir como recepcionadas pelo ordenamento jurídico as regras de enquadramento constante dos arts. 570 à 577 da CLT. Elas se revelam não recepcionadas pelo texto constitucional de 1988 porque estabelecem certas condições subjetivas para a criação de uma nova entidade sindical por dissociação. Observe-se que a oração subordinada adverbial concessiva – “desde que um novo sindicato, a juízo da comissão do enquadramento sindical, ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente”-, constante do art. 571 da CLT, não tem a menor razoa- bilidade num contexto de liberdade sindical. O poder público não tem legitimação para aferir as possibilidades de “vida associativa regular”, tampouco se há ou não condições para uma “ação sindical eficiente”. Tal caberá aos próprios integrantes da categoria. Esse, aliás, o firme posicionamento jurisprudencial. Enfim, “o desmembramento de profissionais de cate- gorias associadas para formação de novo sindicato que melhor as represente e melhor atenda a seus interesses específicos, é conseqüência da liberdade sindical, eliminando a interferência do Estado sobre a conveniência ou oportunidade do desmembramento”. Acrescente-se que, do mesmo modo, há de ser entendida a pretensão de aglutinação. Se duas ou mais entidades sindicais autônomas querem se unir para formas um único ente re- presentativo de todos os aglomerados, isso será possível na medida em que esse seja o desejo dos interessados, sem qualquer intercessão externa. g.2 Do Limite à liberdade de escolher a identidade sindical Apesar da garantia constitucional de inexigibilidade de filiação sindical obrigató- ria, o ordenamento brasileiro não atribuiu ao integrante da categoria o direito de escolher o sindicato de sua preferência. Num contexto de unidade sindical, ou o individuo se entrega a entidade de que se legitimou a representar os interesses de sua categoria, ou ficará de fora do circulo sindical. É interessante notar que, mesmo fora do circulo sindical – por manifesto desinteresse ou por ausência de opção-, o integrante da categoria será beneficiário de todas as vantagens decorrentes das contratações coletivas firmadas em nome da coletividade na qual está incer- to. Por paralelismo, o mesmo integrante da categoria estará obrigado a cumprir as clausulas normativas impostas pelos instrumentos coletivos negociados e a arrimar a entidade sindical que lhe coube por força de lei. Para bem entender o quanto ora expendido, oferece-se uma situação-exemplo: Ima- gine-se um bancário que não acredita no sindicalismo e que não confia no sindicato de sua Direito do Trabalho II - Ewerton Araújo de Britto - UNIGRAN 39 categoria profissional. Esse trabalhador, apesar de não se identificar com o movimento sindi- cal, será beneficiado por todas as negociações coletivas que foram celebradas dentro de sua base territorial (art. 611 da CLT) e sofrerá todos os efeitos coletivos dos eventuais ajustes que diminuam os salários ou que modifiquem a duração do trabalho. Além disso, o referido bancário,mesmo detestando a entidade sindical de sua categoria, estará obrigado – indepen- dentemente de sua vontade-, a prestar-lhe a contribuição sindical prevista no art. 8, IV da constituição federal. O mesmo acontecerá com o empresário que não se relaciona bem com os demais integrantes de sua atividade econômica em sua base territorial. Apesar de avesso à organização patronal que lhe coube, ficará tão obrigado às clausulas normativas quanto aquele que foi a assembléia e que ali deliberou. Há, portanto, uma evidente incongruência no conceito de liberdade sindical prevista no texto constitucional, uma vez que não há como ser livre sem efetivamente sê-lo. Essas contradições existem em função do modelo de unicidade sindical conforme adotado no Bra- sil. No próximo tópico serão analisadas as modalidades sindicais e suas conseqüências no sistema jurídico.
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