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CASA GRANDE & SENZALA E RAÍZES DO BRASIL , MARCOS FUNDAMENTAIS DO PSB

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CASA GRANDE & SENZALA RAÌZES DO BRASIL: MARCOS FUNDAMENTAIS DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO
O presente trabalho tem por finalidade reafirmar o caráter fundante das obras Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil para o pensamento social brasileiro, destacando as suas repercussões e influências sobre sucessivas gerações de pensadores sociais e historiadores. Obras reconhecidamente emblemáticas, CG&S e Raízes do Brasil abordam questões fundamentais para a compreensão da origem de muitos dos problemas contemporâneos que afligem a sociedade brasileira, constituindo-se, ainda, numa fonte de consulta importante para a elaboração de políticas públicas e críticas às desigualdades sociais. Há entre as duas obras certo paralelo à medida que compartilham de uma visão psicológica e culturalista da história e concebem positivamente o processo de miscigenação e a contribuição do negro ao longo nossa formação histórica. 
PALAVRAS-CHAVE: patrimonialismo; personalismo; escravidão. 
Introdução
O passado explica o presente.
A elaboração deste artigo foi influenciada pala atualidade de Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil. Essa contemporaneidade pode ser aferida, por exemplo, pelo intenso debate que tem despertado, na nossa sociedade, a adoção de políticas públicas relativas à inclusão social e ao combate às desigualdades, as quais têm sua gênese sociologicamente determinadas na nossa formação histórica, habilmente analisada em Por Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Contemporânea, também, é a crítica cada vez maior às contradições da nossa democracia, à incoerência das nossas instituições, à tendência quase insuperável que temos para o culto a “certas” personalidades, à tendência às soluções autoritárias, ao famoso jeitinho brasileiro, etc., cujas origens podem ser sociologicamente determinadas a partir destas obras. Contudo, no que pese a contemporaneidade do assunto, este trabalho espera contribuir, através do debate em torno das obras Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil, para “lançar luz” sobre a gênese histórica da questão racial, como também elucidar a origem sociológica de muitas questões presentes, de forma a despertar posturas críticas e racionalmente fundamentadas. 
Cabe esclarecer, ainda, que esse artigo parte da constatação de que há um consenso já institucionalizado, no âmbito do pensamento social brasileiro (PSB) do caráter emblemático das obras Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freire, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado júnior. Essa constatação tem a sua mais notável referência no famoso prefácio do professor Antônio Candido à 5ª edição de Raízes do Brasil (1967), no qual ele ressalta a fundamental influência exercida pelos três grandes “intérpretes do Brasil” no sentido de despertar em sua geração, e nas gerações subseqüentes, o interesse e a reflexão sobre a sociedade brasileira. 
Consciente do notório prestígio de goza o referido “trio do pensamento social dos anos 30”, esse trabalho visa antes afirmar-lhes o caráter inovador do que confrontar-lhe as distintas abordagens, as quais já são por demais conhecidas. Por outro lado esforçar-se-á por articular a publicação destas obras ao movimento modernista e à crescente afirmação das universidades no Brasil, a partir da década de trinta (do século XX), a que não está ausente o esforço de se interpretar a “verdadeira identidade nacional”, significativamente contemporâneo ao grande esforço de integração nacional despendido pelo governo Vargas. 
Desde já convém esclarecer que, em virtude do seu caráter especialmente peculiar, a obra de Caio Prado Júnior não será objeto de análise neste trabalho, no que pese a sua evidente relevância para o PSB. Tal seleção deve-se unicamente à constatação de que Formação do Brasil contemporâneo filia-se a uma tradição intelectual distinta de Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil; isso se explica por que a primeira fundamentou a sua interpretação pautada no pensamento dialético marxista, além de sua manifestação relativamente “tardia” (1942), ao passo que há entre as duas últimas certo paralelo à medida que compartilham de uma visão psicológica e culturalista da história, à qual este trabalho se acomoda. Essa semelhança entre ambas pode ser observada na indicação de uma pretensa “flexibilidade” que permearia as relações sociais no Brasil, de forma a “diluir” as diferenças e “amortecer” os antagonismos. Em CG&S isso se dá por meio de uma pretensamente pequena distância entre os senhores e os escravos, ou seja, entre os “dominadores e a massa trabalhadora constituída de homens de cor", que teria resultado numa relação entre dominados e dominadores marcada pela situação de dependente, protegido e até mesmo de “solidário e afim", ou seja, por um “equilíbrio de antagonismo” (Moritz; 1993 p.145); já em Raízes do Brasil isso se deve ao caráter de “informalidade” e “aversão às hierarquias" presentes no homem ibérico e derivadas do personalismo. Ambos compartilharam, também, a descrição positiva do colonizador português, que seria mais capaz de adaptação aos costumes dos povos colonizados do que os demais colonizadores europeus; isto se daria em virtude do caráter híbrido da civilização portuguesa (Freyre) e outras “determinantes psicológicas” dos indivíduos (SBH). Deve-se ainda destacar que ambas vislumbraram no brasileiro uma ênfase no caráter afetivo e no irracional, em detrimento das qualidades disciplinadoras, ordenadoras e racionalizadoras presentes no homem anglo-saxão. Compartilham ainda da visão segundo a qual o Brasil constituiu-se no “único esforço bem-sucedido de transplantação da cultura europeia para uma zona de clima tropical. 
Em vista do exposto convém frisar, ainda, que este trabalho dispõe-se, sobretudo, a realçar as características revolucionárias de CG&S e Raízes do Brasil em relação às interpretações precedentes, as quais foram influenciadas pelas ideias deterministas e evolucionistas; nesse sentido CGS e Raízes do Brasil inauguraram um novo paradigma para o PSB, o qual se caracterizou, segundo Ricardo benzaquen, pela assimilação da “contribuição do negro” - e, em menor escala, do índio-, em pé de igualdade com o branco, na nossa formação histórica e pelo reconhecimento do caráter híbrido da nossa sociedade, de forma a lançar as bases para construção de uma identidade nacional e uma consciência coletiva, ainda incipiente no Brasil (Araújo: 1994 p.30). 
Em virtude da complexidade, da riqueza de aspectos e da magnitude que envolveria uma análise aprofundada da importância e reflexos das referidas, este trabalho limitar-se-á a uma exposição dos aspectos mais significativos das duas obras citadas, segundo a análise e referência de comentadores e obras posteriores, consciente, contudo, da inevitável generalização ante a amplitude e profundidade que cerca o assunto.
O pensamento social dos anos 30.
Obras reconhecidamente emblemáticas, Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freire e Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda, ocupam lugar de destaque no estudo do pensamento social brasileiro (PSB), conforme atesta o referido prefácio do professor Antônio Candido à 5ª edição de Raízes do Brasil (1967), no qual destaca a notável influência do “trio do pensamento social dos anos 30” para sucessivas gerações de pensadores sociais. 
É significativa, para corroborar a opinião acima mencionada, que a extraordinária influência desses trabalhos tenha se manifestado através de numerosas obras e comentadores, cujas referências temáticas remetem às “grandes explicações do Brasil” gestadas a partir dos anos 30 (Ricupero: 2007 p.22), associando-as ao advento do movimento modernista. Igualmente, essa conexão entre o modernismo e a emergência desses “grandes ensaios de interpretação do Brasil” foi ainda corroborada por Ricardo Benzanquen, para quem Casa Grande & senzala inaugurou uma nova concepção do PSB, em relação aos autores do século XIX e da República Velha. 
Convém esclarecer, contudo, que
embora completamente distintos em suas concepções, Gilberto Freire, e Sérgio Buarque de Holanda, americanista o primeiro e iberista o segundo, inovaram ao introduzir na compreensão da nossa formação histórica perspectivas e referenciais teóricos completamente originais em relação às interpretações precedentes, então influenciadas por teorias europeias como o evolucionismo social e os determinismos biológico e geográfico, que vigoraram no Brasil até o início do século XX.
Importa destacar, a princípio, que a década de 1930 constituiu-se num período de intenso debate acerca da verdadeira identidade nacional e da compreensão da alma do Brasil. É significativo que esse debate tenha ocorrido simultaneamente ao efetivo esforço de integração nacional despendido pelo governo Vargas, via desenvolvimento e industrialização, recorrendo a uma solução autoritária. Ressalte-se ainda que essas primeiras interpretações do Brasil do país pertenciam ao gênero ensaístico e seguiam um padrão “quase” narrativo, segundo observa Bernardo Ricupero. Caracteristicamente, esses grandes ensaios “iniciavam-se com um grande balanço histórico do Brasil e encerravam-se com um programa político sobre como superar os problemas do país” (Ricupero, 2007, p.22). Convém frisar, ainda, que essa perspectiva singular dos referidos ensaios, gestados após a “Revolução de 30” foi sutilmente associada pelo Professor André Botelho à reflexão de Ítalo Calvino acerca da “utopia na qual a reconstrução do passado joga papel crucial na construção do futuro” (Ricupero: 2007, p.10). Nessa conjuntura Raízes do Brasil, assim como Casa Grande & e Senzala e, um pouco depois, Formação do Brasil Contemporâneo, constituíram-se em obras emblemáticas daquele momento de generalizadas polarizações ideológicas, que naturalmente influenciavam o ambiente acadêmico, ainda conforme salienta Antônio Cândido. Com relação à abordagem temática dessas “interpretações do Brasil”, é significativo, também, destacar que elas tiveram como “pano de fundo” a tríade latifúndio, monocultura e escravidão. 
Marcos fundamentais do pensamento social brasileiro.
Inicialmente, contudo, antes de uma explanação mais profunda do caráter essencial das referidas “interpretações do Brasil”, convém primeiro elucidar o ambiente intelectual brasileiro em meio ao qual elas emergiram. 
Segundo Ricardo Benzaquen, o clima intelectual brasileiro do final do século XIX e durante a República Velha refletia a influências das teorias em voga na Europa. Dentre essas teorias importadas destacavam-se especialmente o positivismo, o naturalismo e o darwinismo social, naturalmente adaptadas às condições locais, mas polarizadas pelas concepções poligenista e monogenista. Convém ainda frisar que essas teorias europeias tinham como paradigma comum a concepção de evolução social e eram condicionadas pelos discursos evolucionista e determinista os quais estavam associados ao debate racista. Em virtude dessas influências, no Brasil, os “homens de sciencia”1O termo foi cunhado por Lilia Schwartz na obra O espetáculo das raças, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-1930.
 do final do século XIX, influenciados por essa conjuntura intelectual em voga na Europa, encaravam de maneira muito negativa a herança negra e a miscigenação (Moritz:1993). 
Nesse ponto, convém apelar para a esclarecedora explanação da antropóloga e historiadora Lilia Schwartz, segundo a qual o discurso evolucionista e determinista, já largamente empregados pela política imperialista europeia para justificar a dominação sobre outros povos, ditos “inferiores”, o qual penetrou no Brasil a partir dos anos 70 (do século XIX) como um novo argumento para explicar as diferenças internas. Adversamente, no Brasil ocorreu que, na ausência de uma produção propriamente científica no país, as elites intelectuais e políticas brasileiras elegeram os modelos evolucionistas e darwinistas sociais para dar conta das realidades locais, inclusive por se identificarem com as elites européias, de onde procediam tais influências, juntamente com a confiança na inevitabilidade do progresso e da civilização (Moritz: 1993 p.78). Todavia, essas idéias provocavam certo mal-estar quando se tratava de aplicar, aqui, tais teorias em suas considerações sobre raça, já que elas concebiam as nações miscigenadas como degeneradas e inaptas para o progresso, gerando interpretações pessimistas quanto à viabilidade do Brasil como entidade coletiva, em função de sua composição étnica e racial. Convém salientar, ainda, que segundo Lilia Schwartz, essas concepções européias, introduzidas de forma crítica e seletiva, transformaram-se em instrumento conservador e mesmo autoritário na edificação de uma identidade nacional e no respaldo às hierarquias sociais já bastante cristalizadas (Moritz: 1993, p.94).
Importa concluir que a influência das teorias racistas acima mencionadas alimentou, no final do século XIX, o debate acerca da viabilidade do Brasil como nação, em virtude da sua miscigenação. Segundo Ricardo Benzaquen, grande parte da intelectualidade da República Velha dividiu-se em pelo menos duas posições distintas, a respeito desse tema, embora ambas concebessem negativamente a miscigenação e a “herança negra". A primeira delas, possivelmente a menos popular, baseava-se em argumentos de alguns autores que visitaram o país no século XIX, como Agassiz e Gobineau, que praticamente diagnosticaram a inviabilidade do Brasil, baseados no entendimento de que a miscigenação levava inevitavelmente à esterilidade, senão biológica, seguramente à cultural, de forma a comprometer irremediavelmente qualquer esforço de civilização no Brasil (Araújo: 1994, p.28). 
A segunda corrente de opinião baseava-se numa perspectiva mais otimista para o futuro da jovem nação; conquanto também tivesse uma visão profundamente negativa da miscigenação, ela apostava no processo de branqueamento da população como chave para a consolidação do processo de formação da identidade nacional; segundo a perspectiva desse grupo o processo de branqueamento se completaria dentro de um prazo de aproximadamente “três gerações” ou “mais ou menos 100 anos” (Araújo: 1994, p. 29); essa concepção tinha como implicação o inconveniente de sempre “jogar para o futuro” a possibilidade do Brasil completar-se como nação, conforme afirma Benzaquen. Um exemplo elucidativo dessa última concepção foi a posição defendida pelo brasileiro João batista de Lacerda no Congresso Universal das Raças, realizado em Londres, em 1911.
É, fundamentalmente, no aspecto supramencionado que Benzaquen destacou o caráter inovador e revolucionário de Casa Grande & Senzala em contraste com aquelas concebidas antes de 1930, sob as influências das ideias deterministas e evolucionistas, reafirmando que tais perspectivas orientavam as “interpretações do Brasil” sob o prisma da supremacia branca e girando em torno das citadas visões extremamente negativas da miscigenação e da “herança negra”. Nesse sentido Benzaquen assinala que Gilberto Freyre inaugurou uma terceira perspectiva de interpretação do Brasil, a qual teve o mérito de incorporar o negro (e o índio) na “construção da identidade nacional” e de resolver definitivamente o impasse que o caracterizava como um “país inacabado”, lançando, assim, as base para a criação de uma “identidade coletiva” e de um “inédito sentimento de comunidade”, então incipiente no Brasil. Ainda segundo Benzaquen, a habilidade de Freyre em valorizar, em pé de igualdade, a contribuição do português, do negro e do índio teve, ainda, como consequência superar definitivamente as concepções racistas que vinham orientando a produção intelectual brasileira. 
Além da valorização do papel do negro na formação da identidade nacional, Casa Grande & Senzala inovou pela abordagem dos aspectos mais cotidianos do patriarcalismo como a vida na senzala, a religiosidade e a sexualidade, introduzindo pontos de vistas totalmente inéditos nas interpretações do Brasil, conforme salienta Antônio Cândido; nesse sentido CG&S constituiu-se numa
espécie de transição, uma ponte, entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nova sociedade, como Silvio Romero, Euclides da cunha e Oliveira Vianna, e concepções de fundamentos mais sociológicos, que se imporiam a partir da década de 1940, conforme salientou Antônio Cândido no prefácio à 21ª edição de Raízes do Brasil. Com relação a esse caráter de transição, é significativa a abordagem, em CG&S, de temas de fundo biológico, como raça, aspectos sexuais da vida familiar, equilíbrio ecológico e alimentação, que são aspectos da antropologia cultural dos norte-americanos, o americanismo, divulgado no Brasil pelo autor de CG&S. É significativo que o próprio Freyre tenha confessado a influência exercida pelo antropólogo Franz Boas, durante a sua formação na Universidade de Columbia (EUA), do qual explorou a distinção entre raça e cultura, dois elementos importantes da concepção gilbertiana (Araújo: 1994). . 
Por outro lado, Ricardo Benzaquen observa que, além das ideias de Franz Boas, Gilberto Freyre também teria sido influenciado por Flanklin Giddins, professor de Columbia nos anos 30, onde se pós-graduou, ressaltando que o referido professor desenvolveu um “diálogo regular e profundo com o neolamarkismo” (Araújo: 1994, p.40). Logo, o pensamento gilbertiana teria influência de duas vertentes distintas, a antropologia cultural de Boas e o neolamarkismo de Giddins.
Preocupado em desqualificar as notórias críticas de “racismo” à obra de Freyre, Benzaquen entende que essas críticas perdem o sentido à medida que se analisa outro importante componente da concepção gilbertiana, a importância do meio físico, proporcionado pelo clima (as duas outras seriam raça e cultura). Assim, embora empregue o conceito de raça, Freyre não se comprometeu com as visões anteriores, tornando-a central (conforme faziam), pois destaca o papel do clima, ou seja, do meio físico. Bezaquen compreende que o meio físico (clima) na obra de Gilberto Freyre deve ser entendido como uma espécie de “categoria explicativa intermediária entre os conceitos de raça e de cultura”, relativizando-os e tornando-os compatíveis entre si. Ainda segundo o autor, “isto só é possível porque Freyre trabalha com uma definição essencialmente neolamarckiana de raça, ou seja, uma concepção baseada na ilimitada aptidão dos seres humanos para se adaptarem às mais diferentes condições ambientais, fundamentado acima de tudo na sua “capacidade de incorporar, transmitir e herdar as características adquiridas” (Araújo: 1994, p. 39). 
Embora destaque que a concepção neolamarckiana conseguia garantir consistência, estabilidade e, sobretudo, perenidade à cultura, Benzaquen reconheceu que esta garantia se baseava em um compromisso essencialmente biológico e, por conseguinte, destoante do estilo que caracterizava o mais puro legado de Boas, ao qual Gilberto sempre tentou se filiar (Araújo: 1994 p40), destacando a habilidade de Freyre em conciliar as duas correntes. . 
Por sua vez, na obra Um Banquete nos Trópicos, a professora Elide Rugai Bastos destacou a “família patriarcal” como elemento central de Casa Grande & Senzala; também assinalou que a partir da “família patriarcal” Freyre deu ênfase à interação dos diversos componentes raciais e culturais para a formação da identidade nacional. Ainda segundo a autora, Freyre fundamentou a sua concepção na dialética casa grande-senzala, delineando a sua explicação a partir de dois eixos: por um lado a herança racial e a influência social (cultural e do meio), e por outro, a influência do sistema de produção sobre a estrutura da sociedade, o que se traduz pelo trabalho escravo e a grande propriedade monocultora (Bastos: 2003). 
Ainda segundo Elide Rugai, Casa Grande e Senzala destacou-se, sobretudo, ao valorizar o papel do escravo (e do mestiço) no processo de formação da identidade nacional, contrapondo-se às concepções tradicionais bastante negativas com relação ao processo de miscigenação da civilização brasileira, as quais favoreciam as teses de branqueamento e inviabilidade; ainda segundo a autora, as temáticas centrais de CG&S são o patriarcado, a interação entre as etnias e entre as culturas (Bastos: 2003). 
Igualmente, é mister frisar que, segundo Elide Rugai, Gilberto Freire teve o mérito de destacar a importância assumida pela familia – a família patriarcal – na colonização do Brasil (e não o Estado ou o indivíduo), articulando esse fato às suas consequências sociais. Assim, para Freyre, a grande propriedade monocultora assumiu papel primordial no âmbito das relações sociais, pois a polarização social foi “amortecida” pela assimilação e interação entre os atores sociais (Bastos: 2003). Rugai destaca ainda que, de acordo com Freyre, “entre a casa grande e a senzala havia espaços de acomodação e cooperação, pois a proximidade física entre o senhor e o escravo desconstrói as diferenças, abrindo caminho para a interação e mesmo para certa democratização racial”. Importa ressaltar que Casa Grande & Senzala destacou o processo de colonização como promotor da integração entre as diferentes raças e culturas, gerando um novo elemento, o mestiço ou mulato, conforme afirma Rugai; Por fim, a autora constata que, segundo a teoria de Freyre, a civilização que se constituiu no Brasil, desde o primeiro momento da colonização, teve como característica de suas relações sociais o caráter harmonioso e não violento. 
Neste ponto, importa ressaltar que essa percepção de uma sociedade colonial não violenta, observadas por alguns autores na obra de Gilberto Freyre, motivou as notórias acusações de que Casa Grande & Senzala, através da sua tese de equilíbrio de antagonismos, teria realizado uma avaliação “idílica” da sociedade escravista e subestimando aspectos de conflito e exploração na relação entre dominadores e dominados, entre a casa grande e a senzala, substituindo-os por uma visão harmoniosa da sociedade colonial. Neste sentido, importa destacar que no segundo capítulo da obra Guerra e Paz, denominado “Agonia e êxtase”, Ricardo Benzaquen dedicou-se a rebater categoricamente essas notórias críticas. .
Para desconstruir as críticas Benzaquen iniciou sua defesa a partir da caracterização do português como “um povo sem característica física (biológica) definida, mistura de várias raças”, um povo de cuja posição geográfica intermediária, “hibrida” entre a Europa e a África “herdou” um caráter de indefinição, de ambigüidade, tanto no tipo físico quanto no “espírito do seu povo” (Araújo: 1994, p.44). Dessa heterogeneidade na formação da “alma portuguesa” teria resultado que “em alguns pontos ela se assemelharia à inglesa, noutros aos espanhóis, ainda segundo o autor, resultando disso “um tipo contemporizador” que não possui nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis; acrescente-se também ao caráter português a influencia moura, historicamente impregnada na sociedade portuguesa. 
E é justamente a essa característica portuguesa de “índole flexível”, despojado de compromissos com a “coerência e a rigidez”, que Freyre atribuiu o sucesso da colonização portuguesa nos trópicos (Araújo: 1994, 46); acrescente-se a isso a já citada capacidade de adaptação do português, resultante de suas características de miscibilidade, mobilidade e aclimatabilidade; as quais seriam responsáveis pela plasticidade e adaptabilidade do português, dois temas caros e centrais na avaliação do caráter português, realizada por Freyre. Benzaquen acrescenta, ainda, que Gilberto Freyre concebeu, para o caso português, uma noção de escravidão não-despótica, já praticada em Portugal com escravo mouro, sob a forma de escravidão doméstica; Benzaquen destaca, também, que essa concepção de escravidão não-despótica, apropriada por Freyre para o caso português, opunha-se, à concepção de “despotismo oriental”, já definida por Montesquieu e tradicionalmente associada à cultura oriental.
Benzaquen observou, também, que de maneira alguma Freyre omitiu o caráter violento e opressor da sociedade escravocrata, como bem atestam as passagens em que menciona “senhores mandando
queimar escravas prenhes nas fornalhas e outras”, assim como a menção ao processo de “sifilização” desencadeado pelo europeu nos trópicos; o que Freyre fez foi ressaltar, ainda segundo Benzaquen, a existência simultânea “do inferno e do paraíso”; observou ainda que a violência impregnava toda a vida social da casa grande, embasando as relações “do senhor com a sua sinhá, desta com as suas mucamas, dos pais com os filhos com as filhas e assim por diante” (Araújo: 1994), disseminando “uma atmosfera de verdadeiro e generalizado terror”, que se baseava na própria orientação despótica da sociedade escravocrata.
Por fim Benzaquen destaca que, aquilo que Freyre queria chamar à atenção era que a conseqüência do despotismo português no Brasil “imprimiu um aspecto sincrético à nossa cultura e garantiu que a formação brasileira não se tivesse processado no puro sentido da europeização” (Araújo: 1994 p.44). Nesse sentido ele chama a atenção para o fato de que os escravos, em decorrência de uma série de questões práticas e cotidianas, terminavam sendo incorporados ao ambiente doméstico, “sem que isto envolvesse obrigatoriamente algum abrandamento da opressão a que estavam costumeiramente submetidos”, decorrendo disso a peculiaridade e a complexidade que caracterizaram o patriarcalismo, habilmente exploradas por Freyre.
Por outro lado, para Elide Rugai bastos, Casa Grande & Senzala reflete a influência do pensamento naturalista que influenciou escritores anteriores e da Sociologia histórica; nesse sentido importa destacar que ela concebeu Freyre como um autor “Lamarkista”. A autora concebe, ainda, que a colonização portuguesa deu origem, aqui nos trópicos, a uma civilização original, graças à capacidade de absorção dos colonizadores portugueses. Segundo ela Gilberto Freire via na miscigenação um fator positivo, à medida que deu origem a um tipo humano e cultural mais condicionado e adaptado às condições locais. Ainda segundo a autora, Freyre concebia um equilíbrio de antagonismo na sociedade colonial, escravocrata e patrimonialista, onde, em geral, o escravo passou, paulatinamente, a fazer parte da família; também concebia ao indígena o papel de auxiliar do português no desbravamento dos sertões, atribuindo-lhe, todavia, a característica de cultura atrasada. Quanto ao negro, ela defende que, Freyre atribui-lhe o caráter de civilizador do português, mesmo antes da colonização do Brasil, através da influência moura e africana na sociedade portuguesa, preparando-o para aceitar, nos trópicos, a miscigenação, não só com o negro, mas também com o índio. Logo, o negro civilizou no sentido de dar conformidade a uma cultura distinta tanto da portuguesa, quanto da indígena. Por outro lado, o caráter “plástico” da cultura portuguesa possibilitou a assimilação aos costumes do negro, ao passo que o indígena, o fez pela sua insipiência cultural. 
Convém ressaltar, por fim, que para Elide Ruga a obra de Gilberto Freire foi revolucionária por apresentar uma explicação para as nossas raízes históricas que superaram tanto as explicações sociológicas quanto aquelas fundadas no determinismo geográfico, e ainda por utilizar-se do discurso sociológico para dar conta das questões sociais, conforme a moderna metodologia da sociologia histórica, servindo de base, sua obra, para o futuro desenvolvimento daquela ciência no Brasil; mas também por inaugurar, no Brasil, uma metodologia até então diferente das convencionais: o estudo do cotidiano.
Raízes do Brasil, publicada em por sua vez, explorou a continuidade e não a ruptura com as nossas raízes ibéricas – “mundo novo e velha civilização” (Holanda, 2003, p.30). Segundo Brasílio Sallim Jr., na coletânea Um Banquete nos Trópicos, a tese central de Raízes do Brasil “trata de entender a transição sociopolítica vivida pela sociedade nos anos 30 e depois, na década de 40, quando o livro foi bastante modificado (Mota, 2003, p.238), tecendo uma crítica à solução autoritária instaurada pela Revolução de 30. Ainda segundo Sallim Jr., SBH tenta esclarecer “qual o passado estava a ser superado e qual o futuro embrionário aquele presente histórico continha”. (Mota, 2007, p.238).
A obra de SBH teve um caráter totalmente original, em relação aos trabalhos concebidos antes da “Revolução de 30”, tendo em vista que SBH fundamentou suas concepções na nova história social dos franceses e na sociologia da cultura dos alemães. Convém destacar que Antônio Cândido chama a atenção para a metodologia de contrários utilizada pelo autor de Raízes do Brasil; para analisar os fundamentos da nossa formação histórica e do nosso destino histórico o autor utilizou-se de uma abordagem dialética que opunha, para a compreensão das nossas raízes, uma série de pares opostos como trabalho e aventura, rural e urbano, burocracia e caudilhismo, método e capricho, norma impessoal e impulso afetivo. Sallim Jr. observa, ainda, que Raízes do Brasil não é um livro de história, pois não reconstrói a seqüência de eventos nem a evolução da sociedade brasileira. Cada um dos capítulos, relativamente autônomos, examina formas de sociabilidade que, certamente, podem ser situadas no tempo, mas cujo objetivo é reconstruir “fragmentos de formas de vida social, de instituições e mentalidades nascidas no passado”, mas que ainda estariam presente na identidade nacional, as quais SBH acreditava estar em via de serem superadas, ainda segundo Sallim Jr. Sallim Jr. observa que SBH tratou de reconstruir a identidade Brasileira “tradicional”, à qual ele via como um dos pólos de tensão social e política vivida no presente, observa também que em SBH a “sociedade brasileira está em devir, em construção” (Mota, 2007, p.238).
É mister destacar que Bernardo Ricupero também associou Raízes do Brasil ao movimento modernista, mais especificamente a um segundo momento, a partir de 1924, cuja produções, afastando-se do campo literário e das artes, demonstraram certa preocupação como o desenvolvimento e as transformações sociais e políticas do Brasil (Ricupero, 2007, p.140). Ainda segundo Ricupero, tanto Freyre quanto SBH “encontraram no modernismo um caminho para redescobrir o Brasil”. 
Significativamente, Sérgio B. de Holanda iniciou sua análise com uma abordagem das características culturais da Península Ibérica, atentando para a constatação de que o personalismo sempre foi uma característica inerente a estas sociedades (ele abordou conjuntamente Espanha e Portugal, porém em determinado ponto as diferenciou); é importante frisar que o autor observou como características inerentes ao homem ibérico, ausência de princípios de hierarquia, tendência à exaltação do prestígio pessoal e a repulsa ao trabalho regular e utilitário, contrariamente aos povos europeus de ética protestante. 
Interessante análise de SBH na construção da dialética trabalho-aventura foi a constatação de uma característica que julgou inerente ao português, o espírito de aventureiro, o qual não comportaria em si uma “ética do trabalho”. Este ethos aventureiro foi, segundo o autor, de vital importância pra o colonizador português, uma vez que lhe proporcionou adaptabilidade às condições locais, todavia caracterizando a colonização por certo desleixo e abandono, uma característica do tipo desbravador, manifestado pelo português. Coincidentemente, A escravidão teria agravado, ainda mais, no colonizador esse espírito de aventura e aversão ao trabalho à medida que desobrigou o homem livre do trabalho e de cooperar diretamente para o sistema produtivo. Signifocativamente, SBH concebeu a família patriarcal como o elo social através do qual a tradição personalista e aventureira herdada dos aventureiros portugueses se aclimatou entre nós e “acabou por imprimir sua marca como um todo” (Mota, 2007, p. 246).
Ainda com relação ao tipo aventureiro, convém esclarecer que, conforme salienta Bernardo Ricupero, na obra Raízes do Brasil SBH lida com tipos weberianos de indivíduos, os quais, evidentemente, não poderiam ser encontrados em estado puro na sociedade (Ricupero, 2007, p.112). 
Outra oposição
proposta por Sérgio B. de Holanda é a relação entre os meios rural e urbano na civilização brasileira. Segundo ele, no período colonial o meio rural tinha predominância sobre o meio urbano, a fazenda sobre a cidade, por isso o patriarcalismo marcou a formação da sociedade brasileira; todavia, como era dependente do trabalho escravo, o predomínio rural entrou em crise a partir da Lei Eusébio de Queiroz devido ao fato, e em conseqüência, do patrimonialismo ser incompatível com as formas de vida burguesas, que caracterizam o meio urbano. Dessa herança rural resultou, conforme afirma o autor, uma supervalorização das atividades “intelectuais”, que não se ligam ao trabalho material e parecem brotar de uma qualidade inata da fidalguia e uma “aversão ao trabalho”, aos ofícios manuais. 
No capítulo o Semeador e o Ladrilhador, o autor diferencia o homem espanhol (ladrilhador) do português (semeador). Ele baseou-se num estudo sobre as cidades fundadas pelos espanhóis, ladrilhadores, nos planaltos da América, entendendo-as, pelos seus traçados, inclusive, como empresa da razão, contrária à ordem natural. Já os portugueses norteados por uma política de feitorias, agarrados ao litoral, do qual só se desprenderiam no século XVIII, foram semeadores de cidade irregulares, nascidas e crescidas ao deus-dará e rebeldes à norma abstrata. Dessa falta de disciplina teria resultado o caráter prudente e desprovido de arroubos da expansão portuguesa, movida apenas pelo interesse de fazer fortuna rápida, dispensando o trabalho regular, que nunca foi virtude própria dele, conforme expõe o autor. 
No capítulo mais polêmico de sua tese, o do homem cordial, Sérgio B. de Holanda concebeu, a partir da análise da influência do patrimonialismo e do personalismo na nossa formação, que a própria natureza da nossa formação histórica e cultural imprimiu ao tipo sociológico brasileiro uma atitude cordial, que se expressaria pela “ausência de formalidades”, “diminuição da distância entre o público e o privado” e “aversão à disciplina e ao ritualismo social”. Herança da sociedade patriarcal, essa informalidade se exteriorizaria em todas as esferas da vida pública brasileira, ainda segundo a concepção do autor. Nesse sentido, o termo “cordial” nada tem a ver com bondade, mas com atitudes públicas motivadas por questões pessoais, por sentimentos como laços de amizade e parentesco. Isto teria relação de causa, segundo Holanda, com a ausência de estruturas políticas e administrativas racionais na nossa formação histórica, ou seja, a ausência de um Estado burocrático nos moldes weberianos. Nesse ponto, é mister ressaltar que Sérgio B. de Holanda partiu de uma análise fundamentada no modelo weberiano de Estado burocrático. De acordo com essa concepção weberiana as relações sociais, num sentido amplo, são abalizadas por preceitos formais e racionais, emanados da própria imposição do moderno sistema industrial que imporia uma necessária separação entre as classes sociais no sistema de produção capitalista, a qual o autor contrasta com a sociedade patriarcal brasileira, notadamente rural. Em conseqüência desse entendimento, o autor constata que no Brasil o Estado se imporia como instância mediadora das diversas relações no âmbito da sociedade, anulando o secular papel da família e do clã como instâncias mediadoras através de contatos primários. 
Importa, nessa apreciação, que para Sérgio Buarque de Holanda - influenciado pela sociologia weberiana - no Brasil as exigências imperativas das novas condições de vida, a sociedade burguesa, impunham a superação das relações sociais de caráter pessoal, os tais contatos primários; assim, pela própria natureza da nossa formação histórica e cultural, sobressaia-se no “homem brasileiro” a característica de cordialidade que pode ser traduzida, de uma maneira geral, como uma conduta do brasileiro em suas relações sociais (compreendendo aí a condução das funções públicas) que se traduz pela ausência de formalidades, diminuição da distância entre o público e o privado, aversão à disciplina, ao ritualismo social e à informalidade no trato público. Esse aspecto típico do nosso comportamento social seria então uma influência ancestral dos padrões de convívio herdados da família patriarcal, ao longo da nossa colonização, em conseqüência do seu papel central na organização social e na quase ausência de um sistema administrativo e uma estrutura burocrática formal.
No último capítulo de sua obra, Nossa Revolução, o autor de Raízes do Brasil concebeu que os primeiros abalos sofridos pela estrutura patrimonial, sobre a qual se assentava a sociedade brasileira, ocorreram no último quartel do século XIX, com a superação do meio rural pelo meio urbano, pela via da abolição do trabalho escravo e modernização capitalista, o que acarretou a dissolução da sociedade agrária tradicional. 
Segundo a interpretação de Sallim Jr., para SBH o declínio rural e a ascensão do meio urbano foi acelerado pela chegada da família reais, em 1808, reduzindo a importância dos senhores rurais. Todavia, devido à ausência de uma cultura urbana (burguesia) independente, os cargos e funções demandadas no meio urbano, foram ocupados pelos donos de engenho, lavradores e seus descendentes, os quais transplantaram para a cidade a mentalidade, os preconceitos e os estilo de vida originários dos domínios rurais (Mota, 2007, p.246); dessa forma a mentalidade da casa grande teria “invadido” as instituições urbanas, daí advindo o desprezo pelos trabalhos manuais, em detrimento das artes liberais.
Logo a “nossa revolução” teve seu grande momento no final do império, com a desarticulação das nossas raízes ibéricas e da ordem patrimonialista tradicional. Nesse sentido, o autor concebeu que a grande revolução na sociedade brasileira deu em forma de um processo (cuja face mais visível foi a abolição), longo e paulatino, a partir do último quartel do século XIX, as quais apontaram para a o fim da sociedade tradicional, rural, personalista. Mas um processo a se completar, tendo em vista a sobrevivência de aspectos conservadores na estrutura da sociedade, pela constatação de que com a urbanização o personalismo apenas mudara de lugar, do campo para a cidade (Ricupero, 2007, p.117). 
Importa ressaltar que essa questão do conservadorismo e da ameaça do autoritarismo como prolongamento das bases da sociedade tradicional assumiu um sentido nitidamente político e ideológico para diversos seguimentos da intelectualidade brasileira, assumindo diversas interpretações. 
Por fim, o autor entendia que estava vivenciando, na sua contemporaneidade a fase aguda da crise de decomposição da sociedade tradicional (o ocaso da República Velha); e tal se deu, conforme Antônio Candido, com o advento do Estado Novo e todas as suas conseqüências, via transformação das estruturas econômicas pela industrialização. Para SBH, as adequações das instituições européias aqui, no Brasil, davam-se sempre de forma incompleta, insatisfatória, até certo ponto, inadequadas (Mota, 2007, 253). Isso se deu com a ideologia liberal e impessoal que, no Brasil, nunca se naturalizou (idem.), da mesma forma que “a democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido; importada por uma aristocracia semifeudal que tratou de acomodá-la aos seus direitos e privilégios.
A partir da constatação acima referida SBH concebeu, então, que o caminho para uma sociedade brasileira mais democrática estava justamente no processo de urbanização e industrialização, que permitiria a emergência das camadas oprimidas da população, únicas com capacidade para revitalizar a sociedade e dar um novo sentido à vida política. Contudo SBH atentou, sobretudo, para as resistências a essa democratização da sociedade, por parte de adeptos da sociedade tradicional, do conservadorismo e do autoritarismo, de cuja influência resultava uma revolução incompleta ou por completar-se. 
Conclusão
Em vista dos argumentos expostos, esperamos que essa exposição dos aspectos mais significativos de Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil
venha a contribuir para esclarecer a natureza da nossa formação histórica e dos legados, positivos ou negativos, que alimentam o debate contemporâneo acerca da inclusão social, da superação das desigualdades. Nesse sentido, CG&S e Raízes do Brasil permanecem válidas e atuais para a compreensão dos problemas sociais que historicamente afligem o Brasil, como bem prova a suas indiscutíveis influências no Pensamento social brasileiro. 
É mister reafirmar, por fim, o caráter fundante de CG&S e Raízes do Brasil para o PSB, em vistas do contexto histórico em que foram laçadas e do caráter inovador que apresentaram. CG&S por ter sido fundamentada na moderna antropologia social americana, operando uma revolução em relação às obras que concebiam negativamente a participação do negro e a “mestiçagem” na nossa sociedade, valorizando a contribuição cultural e étnica do negro e, acima de tudo, tornando a miscigenação uma característica positiva; Raízes do Brasil, também, por inovar, ao introduzir no pensamento social brasileiro a análise da sociologia weberiana, provocando uma renovação metodológica na historiografia e nas ciências sociais, além ter destacado a importância do personalismo na nossa formação histórica. 
É relevante destacar, por fim, que acima de qualquer outra contribuição, Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil operaram a superação das interpretações “racistas” que inviabilizavam a integração nacional, anteriores à década de trinta, momento de intenso debate acerca da verdadeira identidade brasileira, e inauguraram uma perspectiva positiva para o PSB, a qual despertou a esperança e as condições culturais indispensáveis para a formação de uma identidade nacional mestiça. 
Importa destacar, em suma, que, apesar das críticas e refutações, as CG&S e Raízes do Brasil, permanecem como obras fundamentais para o Pensamento Social Brasileiro.
Referências bibliográficas 
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1ª edição; 1994.
BASTOS, Elide Rugai. Casa Grande &Senzala, in Um Banquete no Trópico. MOTA, Lourenço Dantas (org.); 2ª ed., Ed. SENAC. São Paulo, 2003.
CÂNDIDO, Antônio. O Significado de Raízes do Brasil, In HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras; 1995. 
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 26ª edição, 2003.
CALVINO, Ítalo. Os nossos antepassados. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. 
MORITZ, Lilia Schwartz. O Espetáculo das Raças, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Ed. Alameda; 2007.

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