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RESPOSTA A ACUSAÇÃO

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE CURITIBA/ PARANÁ.
ZARDONI ZIRALDO, já qualificado na inicial acusatória oferecida pelo ilustre representante do Ministério Público, por seu advogado que esta subscreve, conforme procuração em anexo- DOC.01, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 396 e 396-A do Código do Processo Penal, apresentar
RESPOSTA À ACUSAÇÃO
pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
I - DOS FATOS
1. Na data de 05.08.2015 o réu, por volta das 5h da manhã, quando saia de sua residência para trabalhar, foi abordado por dois meliantes mascarados, que o renderam e o fizeram retornar a residência, onde encontravam-se sua esposa e cinco filhos.
2. Os meliantes exigiram do réu a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sob pena de matarem sua família. Desprovido de qualquer recurso financeiro, e sem nada poder fazer diante da situação que seguia, o réu afirmou aos meliantes que conseguiria o valor, temendo pela vida e integridade de sua esposa e filhos, reféns de bandidos armados.
3. Ciente que teria improrrogáveis 30 minutos para conseguir a quantia imposta pelos meliantes, saiu desesperado e dirigiu-se à loja da vítima, um antigo conhecido e amigo de infância.
4. Na ânsia de salvar sua família de iminente perigo, preencheu a cártula pessoal que possuía no valor R$ 10.000,00 (dez mil reais) e pediu para que a vítima trocasse por dinheiro. Sem hesitar e por conhecer de longa data o réu e sabendo que o mesmo é trabalhador sério e honesto, a vítima trocou o cheque.
5. O réu retornou rapidamente a sua residência e entregou a quantia exigida de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para os meliantes, que o golpearam após pegar o dinheiro.
6. No dia seguinte, 06.08.2015 o réu foi chamado a Superintendência da Polícia Federal para prestar esclarecimentos, pelo cheque que havia passado a vítima sem provisões de fundo, sendo indiciado pela autoridade policial por estelionato, na modalidade de fraude por meio de pagamento com cheque.
7. Finalizado seu interrogatório no âmbito policial, se dirigiu à loja da vítima e quitou o débito, resgatando o seu cheque, o qual apresentou ao Delegado Federal que o tomou como prova da conduta ilícita praticada pelo réu.
8. O Ministério Público Federal denunciou o réu, pela prática de Estelionato na modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque, previsto no artigo 171, §2º, VI do Código Penal.
9. O juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Curitiba- Paraná, cidade onde ocorreu o fato, recebeu a denúncia e determinou a citação do réu, que se deu na data 03.05.2016.
II - DO DIREITO
1. PRELIMINARES
1.1 INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO
1.2 Com base no inquérito policial instaurado pela Polícia Federal, o réu foi denunciado pelo Ministério Público Federal, pela prática de Estelionato na modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque, previsto no artigo 171, §2º, VI do Código Penal, com pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
1.3 A peça acusatória foi recebida pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Curitiba, entretanto a Carta Magna reservou para a Justiça Federal a competência exclusiva de processar e julgar determinadas matérias, sendo esse rol taxativo e previsto no artigo 109 da Constituição Federal. Demonstrando assim, a incompetência Absoluta do Juízo Federal para o presente caso, o qual também feri o princípio constitucional do Juiz natural previsto no Artigo 5º incisos, XXXVII e LIII, que dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
[...]
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
1.4 O princípio do Juiz natural, segundo o doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho:
"O princípio do Juiz natural, ou Juiz competente, constitui a expressão mais alta do princípios fundamentais da administração da justiça. É aquele cuja competência resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É o órgão previsto explícita ou implicitamente no texto da Carta Magna e investido do poder de julgar, é preciso que ele atue dentro do círculo de atribuições que lhe fixou a lei, segundo as prescrições constitucionais".�
1.5 Nesse sentido, e de acordo com o entendimento doutrinário já transcrito, seguem as jurisprudências:
PROCESSUAL PENAL. APELAÇAO CRIMINAL. PRELIMINAR. INCOMPETENCIA ABSOLUTA DO JUÍZO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL. NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. – Incompetência do Juiz da 9ª Vara Criminal de Teresina na época do recebimento da denúncia. 2 – Na época dos fatos, a distribuição desse tipo de processo era feito apenas aos juízes da 1ª, 3ª e 4ª Varas, que detinham competência para julgamento desta ação. 3 – Constatada incompetência absoluta do magistrado sentenciante, os autos devem ser remetidos ao juízo competente. 4 Recurso conhecido e provido parcialmente. (TJ-PI - ACR: 201200010003763 PI, Relator: Des. Sebastião Ribeiro Martins, Data de Julgamento: 18/09/2012, 2a. Câmara Especializada Criminal).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. 2. Acórdão do Superior Tribunal de Justiça que declarou a nulidade do processo criminal, ab initio, inclusive da denúncia, por incompetência da Justiça Federal. 3. Atos investigatórios mantidos, a serem apreciados pela Justiça Estadual. 4. Decerto, os atos investigatórios constantes do inquérito policial, da fase indiciária, não são nulos, ut art. 567 do CPP, porque não se revestem de caráter decisório, salvo aqueles de natureza constritiva de direito, que, possuindo essa índole, provêm de decisão judicial. 5. Recurso parcialmente provido para ampliar o deferimento do habeas corpus e considerar nula a decisão do Juiz Federal incompetente, quanto à autorização para a interceptação telefônica e quebra dos sigilos bancário e telefônico, sem prejuízo das demais provas constantes do inquérito policial que, autônomas, possam fundamentar a denúncia do Ministério Público Estadual. (STF - RHC: 80197 GO, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 08/08/2000, Segunda Turma, Data de Publicação:DJ 29-09-2000,PP-00100, EMENT VOL-02006-02,PP-00295)
1.8 Requer-se dessa forma a declinação de competência. 
II- DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
1. ATIPICIDADE DA CONDUTA
Demonstra-se não ser típica a conduta do réu, uma vez que:
1.1 O Código Penal em seu artigo 171, §2º, inciso VI, dispõe:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
1.2 Para a caracterização do estelionato é necessário segundo o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt:
A ação tipificada é obter vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento).�
1.3 O réu sob nenhum aspecto e em momento algum teve a intenção de fraudar, não houve dolo na conduta do mesmo, uma vez que, simplesmente solicitou o valor que naquele momento o exigiam, e como já transcrito anteriormente a configuração do estelionato exige que haja:
a) emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; este não utilizado pelo réu, pessoa de boa índole e trabalhador, que somente solicitou a vítima que trocasse o cheque;
No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal em Súmula de nº 246, prevê que:
Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos.�
Nesse sentido, e de acordo com o entendimento sumulado já transcrito,segue a jurisprudência:
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO ( CP , ART. 171 , CAPUT). CONDENAÇÃO. APELO DEFENSIVO. DOLO DE FRAUDE. AUSÊNCIA DEPROVAS. MERA INADIMPLÊNCIA. O mero inadimplemento não configura, por si só, o crime de estelionato, senão apenas um ilícito civil. Ausente prova cabal do dolo de fraude, impõe-se a absolvição. RECURSO PROVIDO. TJ-SC, APR 20100180299, SC 2010.018029-9.
b) induzimento ou manutenção da vítima em erro; o qual também não foi praticado pelo réu, visto que, não alterou a realidade dos fatos, somente não os expôs diante do imediatismo da situação; 
c) obtenção de vantagem patrimonial ilícita, o qual também não pode ser configurado uma vez que não houve prejuízo alheio, pois a dívida do cheque foi quitada antes mesmo da denúncia.
Sendo que nesta situação entende o Supremo Tribunal Federal em Súmula de nº 554, que:
O pagamento do cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.�
Nesse sentido, e de acordo com o entendimento sumular já transcrito, segue a jurisprudência:
"Somente na hipótese do §2º, VI, art.171 do Código Penal - Fraude no pagamento por meio de cheque - o ressarcimento do dano causado à vitima antes do início da ação penal descaracteriza o crime de estelionato. No caso dos autos, o recorrente foi denunciado pelo fato típico do art. 171 "caput", não sendo possível o trancamento da ação penal pelo ressarcimento do prejuízo antes do oferecimento da denúncia" (STJ, RO-HC 8.226/SP, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, j.4-2-1999).
1.4 Diante do exposto, resta claro que não incorre em ato ilícito a conduta praticada pelo réu, pois, diante da situação de perigo inevitável a qual sua família se encontrava, seria impossível exigir um comportamento diverso, uma vez que não houve o dolo de fraude, requer-se a absolvição do mesmo com base e fundamentação no art. 397, inciso III do Código de Processo Penal.
2. ESTADO DE NECESSIDADE
2.1 No presente caso, trata-se de hipótese de Absolvição sumária, pois há manifesta causa excludente de ilicitude, amparada pelo artigo 23, inciso I do Código Penal e artigo 397, inciso I do Código de Processo Penal, que dispõe :
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
I - em estado de necessidade.
Art. 397- Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I- a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato.
2.2 Entende-se por estado de necessidade, segundo o artigo 24 do Código Penal:
Art.24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
2.3 O estado de necessidade, segundo o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt:
"Caracteriza-se pela colisão de interesses juridicamente protegidos, devendo um deles ser sacrificado em prol do interesse social. Sendo que os requisitos, a existência de perigo atual e inevitável; não provocação voluntária do perigo; inevitabilidade do perigo por outro meio; inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; direito próprio ou alheio; elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo; ausência de dever legal de enfrentar o perigo".�
2.4 Nesse sentido, os requisitos para caracterizar o estado de necessidade conforme doutrina a lei são:
a) Existência de perigo atual e inevitável; o que no presente caso mostra-se claramente, sendo que a situação de perigo atual na qual encontrava-se a família do réu o levou a praticar tal conduta de emissão do cheque sem provisão de fundos.
b) Não provocação voluntária do perigo; 
c) Inevitabilidade do perigo por outro meio; o réu buscou o meio menos lesivo, porém com a intenção de salvaguardar sua família.
d) Inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado; sendo que, naquele momento não poderia se esperar conduta diversa do réu, uma vez que, a vida e integridade de sua esposa e filhos estava nas mãos de bandidos armados.
e) Direito próprio ou alheio;
f) Elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo; resta clara a conduta do réu e a intenção de preservar a integridade de sua família.
g) Ausência de dever legal de enfrentar o perigo; o princípio do razoável se mostra presente quando o réu prioriza a vida de sua família em detrimento de valores exigidos pelos meliantes.
2.5 Nesse sentido, e de acordo com o entendimento doutrinário já transcrito, segue a jurisprudência:
ESTADO DE NECESSIDADE
Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LAVRADOR. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ESTADO DE NECESSIDADE CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. 1. A conduta do réu é típica e, em uma primeira análise, antijurídica e culpável. Houve, contudo, no caso concreto, outro fato ao qual o direito penal é indiferente, qual seja, o grave estado de saúde da esposa apelante, que, inclusive, veio a falecer. 2. O fato imputado ao apelante, apesar de ser típico, analisadas as circunstâncias que o acompanham, não se revelou antijurídico, em face da existência de uma causa de excludente de antijuridicidade. 3. Ao tempo em que o apelante recebeu o benefício indevidamente (este cessou com a morte de seu filho) o perigo para a saúde de sua esposa era atual e levando em conta a sua condição de lavrador, era impossível de ser evitado (o perigo) de outro modo igualmente eficaz. 4. Encontram-se preenchidos os requisitos do estado de necessidade previsto no art. 24 do CP: a) perigo atual, não provocado voluntariamente pelo agente; b) salvamento de direito próprio do agente ou de outrem; c) impossibilidade de evitar por outro modo o perigo; d) razoável inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado" (Comentários ao Código Penal.Volume I, Tomo II, Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso. 5ª. Edição Forense. 1978, pág. 273) 5. Apelo provido.
2.6 Diante da situação exposta anteriormente, e amparado pelo estado de necessidade que a lei o reserva, resta claro que o denunciado deve ser absolvido sumariamente, com fundamento no art. 397, inciso I do Código de Processo Penal. 
III- DO MÉRITO
Os fatos narrados na denúncia não condizem com a realidade fática, como será demonstrado no decorrer da instrução processual.
IV - DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer à Vossa Excelência:
1. Seja a presente Resposta a Acusação recebida;
2. Seja declarada, a declinação a competência. Não sendo este o entendimento de Vossa Excelência, que;
3. Seja o réu Absolvido, pela conduta atípica, não constituindo o fato infração penal, com fundamentação no art. 397, inciso III do Código de Processo Penal. Não sendo este o entendimento de Vossa Excelência, que;
4. Seja o réu Absolvido sumariamente, pelo fato ensejar em estado de necessidade sendo esta uma excludente de ilicitude prevista no artigo 397, inciso I do Código de Processo Penal. Não sendo este o entendimento de Vossa Excelência, que;
5. Sejam intimados e, em audiência ouvidas as testemunhas ao final arroladas, bem como sejam produzidas as seguintes provas: 
a) A juntada da cártula apreendida pelo delegado federal a fim de prova documental;
b) Ouvida das testemunhas ao final arroladas;
sem prejuízo de outras materiais, testemunhais e documentais que se fizerem necessárias durante o processo.
Termos em que,
Pede deferimento.
Curitiba/Paraná, 13 de Maio de 2016.
__________________________________
Advogado Araujo Bueno
OAB/PR Nº 00.009
ROL DE TESTEMUNHAS
1. CLAUDIA ZIRALDO, brasileira, casada, dona de casa, titular da carteira de identidade Registro Geral n° 4.111.541-5, órgão expedidor SSP/PR, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o n°400.555.040-05, domiciliado na cidade de Curitiba/Paraná, onde reside na rua Theodoro Makiolka, n° 2003, casa, bairro Santa Cândida, CEP 83050-008.
2. ZURETA ZARON, brasileiro, casado,comerciante, titular da carteira de identidade Registro Geral n° 2.254.000-3, órgão expedidor SSP/PR, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o n°606.694.321-12, domiciliado na cidade de Curitiba/Paraná, onde reside na rua Oscar da Costa, n° 3017, casa, bairro Santa Cândida, CEP 83050-008.
� TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16ª Ed. Editora Saraiva. 2013. pág.284.
� BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4 ª Edição. Ed. Saraiva, 2007, pág. 764.
�BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?ser vico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_300. SÚMULA 246. Acesso em 15/03/2016 às 19:10. 
 
� BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?ser vico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600. SÚMULA 554. Acesso em 15/03/2016 às 19:13.
� BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4 ª Edição. Ed. Saraiva, 2007, pág. 95,97,98.

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