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Universidade Federal da Bahia Instituto de Ciências da Saúde Departamento de Fonoaudiologia PLANO DE ESTUDO - PARALISIA FACIAL A mímica facial é um instrumento importante na comunicação e na expressão de nossos sentimentos: sabemos dizer se alguém está alegre, irritado, pensativo, somente observando sua expressão facial. Quando vamos conversar com alguém, olhamos primeiramente para o rosto da pessoa. Portanto, a paralisia ou paresia facial gera um impacto estético, emocional e social para o portador, que percebe-se tolhido na sua auto-imagem e na sua expressão. (FOUQUET et al., 2000) Antes de mais nada, faz-se necessário conhecer a anatomofisiologia do nervo facial e conhecer a anatomia dos músculos responsáveis pela mímica facial. A paralisia facial está relacionada ao VII par craniano (nervo facial), que possui função mista, mas que tem predominantemente função motora. Este nervo percorre um complexo trajeto que pode ser dividido em três segmentos, desde sua origem até a musculatura facial (FERNANDES & LAZARANI, 2006). Segmento supranuclear: os impulsos elétricos responsáveis pela motricidade da musculatura facial tem origem no córtex motor e esta região, se localiza na porção lateroinferior do córtex, posicionada no giro pré-central do lobo frontal. As fibras trafegam pelos tratos corticoespinal e corticonuclear com as informações geradas no córtex, em seguida as fibras passam pelo joelho da cápsula interna, pedúnculo cerebral médio chegando a parte média da ponte, onde se separam atingindo o núcleo facial. Parte das fibras pertencentes ao trato corticonuclear cruzam linha média e vai em direção ao núcleo facial contralateral, enquanto a outra parte termina no o núcleo ipsilateral. Assim a porção superior da face recebe inervação de ambos os hemisférios e na porção inferior também há inervação de ambos hemisférios cerebrais, porém a inervação ipsilateral é fisiológica e numericamente menos importante que a inervação contralateral. Estas fibras inervam alguns músculos da porção inferior, o que explica a funcionalidade preservada de alguns grupos musculares após lesões que deveriam causar déficits completos. Existem outras estruturas cerebrais que mandam informações para o núcleo facial, como o núcleo sensitivo principal do trigêmeo, núcleo espinal do trigêmeo, núcleo do trato solitário, corpo estriado e substância negra, globo pálido, hipotálamo e tálamo, núcleo rubro e formação reticular mesencefálica, colículo superior, complexo olivar superior, núcleo lacrimal e núcleo salivatório superior (FERNANDES & LAZARANI, 2006). Segmento nuclear: o núcleo facial está posicionado rostralmente ao núcleo ambíguo, medial ao trato espinal do trigêmeo e lateral ao fascículo longitudinal medial. As fibras que saem da porção dorsal do núcleo, vão em direção dorsomedial próximas ao assoalho do IV ventrículo, as fibras ascendem dorsalmente ao núcleo abducente caminhando em direção ventrolateral, o nervo facial emerge na face lateral do tronco cerebral no limite caudal da ponte. O nervo intermédio caminha junto ao nervo facial e envia suas fibras aferentes em direção à ponte. As fibras responsáveis pela sensibilidade dos dois terços anteriores da língua seguem em direção ao núcleo do trato solitário em sua porção cranial. As eferentes responsáveis pela inervação das glândulas salivares, nasais e palatinas partem dos núcleos salivatórios superior e inferior e do núcleo lacrimal. O núcleo facial contem subgrupos de células com somatotopia especifica para cada músculo: grupo dorsolateral (parte do m. nasolabial, orbicular dos olhos e frontal); grupo lateral (parte dos mm. nasolabiais); grupo dorso intermediário (parte do m. nasolabial, platisma, orbicular dos olhos e frontal); grupo ventral intermediário (m. do mento); grupo dorsomedial (m. plastima, orbicular dos olhos, frontal, auricular); grupo ventromedial (m. plastima, auricular) e grupo suprafacial (ventre posterior do m. digástrico) (FERNANDES & LAZARANI, 2006). Segmento infranuclear: este segmento surge na porção ventrolateral do sulco bulbopontino, na saída das raízes nervosas do VII par. É circundado pela aracnóide até a entrada do canal do n. facial ou de falópio), onde a dura-máter se prolonga e forma o epineuro, sendo mais espesso e firmemente aderido até o nervo atingir o forame estilomastoídeo. Ao emergir do tronco cerebral, o nervo facial tem seu trajeto anatomicamente dividido em segmento pontino, meático, labiríntico, timpânico, mastoideo e extracraniano. Após sair da ponte, as duas raízes do nervo se juntam ao nervo vestíbulo coclear e penetram no osso temporal pelo meato acústico interno, penetrando no canal do nervo facial, onde sofre compressão fisiológica, ficando sujeito a processos infecciosos. O nervo chega então ao gânglio geniculado, onde realiza sua primeira ramificação, o nervo petroso superficial maior responsável pela inervação da glândula lacrimal. Seguindo seu trajeto ele se ramifica novamente, originando o nervo estapédio, em seguida, emerge do crânio pelo forame estilomastóideo, surgindo o terceiro, quarto e quinto ramos do nervo facial (FERNANDES & LAZARANI, 2006). A musculatura da mímica facial pode ser dividida em três grandes grupos: músculos motores das pálpebras e sobrancelhas, músculos motores do nariz e músculos motores dos lábios (CHEVALIER, 1987 apud FOUQUET, PIRES, BERTELLI, GONÇALVES, 2006). Músculos motores das pálpebras e sobrancelhas: Músculo Origem Inserção Inervação Ação Occiptofrontal Aponeurose epicraniana Pelo do supercílio Occipital – ramo auricular posterior. Frontal – ramo temporal Puxa a pele da fronte para cima Corrugador do supercílio Margem supra-orbital do frontal Pele do supercílio Ramo temporal Aproxima os supercílios e desloca inferiormente e medialmente, reproduzindo expressão de sofrimento Orbicular dos olhos Ligamentos palpebrais, osso lacrimal e maxila Pálpebras e pele periorbital Ramos temporais e zigomático Fecha as pálpebras e as comprime contra os olhos (piscar) Musculos motores do nariz: Músculo Origem Inserção Inervação Ação Prócero (ou piramidal) Aponeurose que recobre a parte inferior do osso nasal Camada profunda da pele da região intermediária das sobrancelhas Ramo temporal Puxa a pele da fronte para cima Nasal Na maxila Parte transversa- acima dos dentes caninos Parte alar- acima dos incisivos Parte transversa- linha aponeurótica do dorso Parte alar- cartilagens alares Parte transversa- ramo bucal Parte alar- ramos zigomáticos A parte transversa comprime a narina e a parte alar dilata a narina. Mirtiforme ou abaixador do septo nasal Fosseta mitiforme do maxilar superior Septo nasal e na borda posterior da as do nariz Ramos zigomáticos Abaixar a asa do nariz, estreitando o orifício nasal e abaixar lábio superior Músculos motores dos lábios: Músculo Origem Inserção Inervação Ação Levantador do lábio superior e asa do nariz Processo frontal da maxila e região medial da margem infra-orbital Camada profunda da borda posterior da asa do nariz e do lábio superior Ramos zigomáticos Atrair a asa do nariz e o lábio superior para cima Levantador do lábio superior Massa muscular do m. orbicular do olho, margem infra-orbital Asa do nariz e lábio superior Remos dos zigomáticos Levantar, tracionar e everter o lábio superior Levantador do ângulo da boca Fossa canina, inferior ao forame infraorbital Camada profunda da pele da comissura e do lábio superior Ramos zigomáticos Elevar a comissura e o lábio superior, expondo o canino Zigomático menor Face lateral do osso zigomático Lábio superior Ramos zigomáticos Elevar lábio superior ou aprofundar sulco nasolabial Zigomático maior Osso zigomático Ângulo da boca Ramos zigomáticos Atrair a comissura dos lábios para cima e para fora Bucinador Borda alveolar da maxila e da mandíbula Fibras centrais: comissura labial Fibras superiores einferiores: lábio correspondente Ramo bucal Tracionar as comissuras labiais para trás Risório Fibras aponeuróticas do masseter Comissura labial Ramo bucal Atrair a comissura labial para fora e para trás. Abaixador do lábio superior Terço anterior da borda lateral da mandíbula Camada profunda da pele do lábio inferior Ramo marginal da mandíbula Atrair o lábio inferior para baixo e para fora Mentual Eminências alveolares das raízes dos incisivos e dos caninos inferiores Camada profunda do queixo Ramo marginal da mandíbula Elevar o queixo e o lábio inferior Orbicular dos lábios Algumas fibras próximas a linha média da maxila e mandíbula outras na face profunda da pele Face interna dos lábios Ramos bucais superior e inferior Aproximar e comprimir os lábios Abaixador do ângulo da boca Linha oblíqua da mandíbula Ângulo da boca e o no lábio inferior Ramo marginal da mandíbula Atrair a comissura labial para baixo e para fora Platisma Região deltoidea, clavicular e peitoral maior Fibras anteriores: pele da eminência metoniana Médias: borda inferior do maxilar, fibras do abaixador do ângulo da boca e abaixador do lábio inferior Posteriores: fibras do abaixador do ângulo da boca e camada profunda da pele da comissura labial e da bochecha Ramo cervical Deprimir o lábio inferior e o ângulo da boca atraindo para baixo a pele do queixo Conceito de Paralisia Facial A paralisia facial é a perda temporária ou permanente da sensibilidade, ou perda da capacidade de mover ou controlar os movimentos de todos, ou alguns músculos da mímica facial. Ou ainda a suspensão temporária ou perda permanente da função, sobretudo a perda da sensação ou do movimento involuntário. (VEIGA, 2006) Quando há uma alteração desses movimentos faciais, pode ocorrer sequelas funcionais, estéticas, sociais e psicológicas. Além disso, a sociedade nos tempos atuais valoriza, cada vez mais, a estética relacionada à aparência facial, uma vez que a face é o local mais exposto ao meio e os seus traços marcam a individualidade do ser humano. (LAZARINI, 2002; CALAIS, 2005; VERONEZI, 2006 apud SANTOS; GUEDES, 2012) Etiologia da Paralisia Facial De acordo com Lazarini e Almeida (2006), estudos apontam que a paralisia facial é uma desordem causada por inúmeros fatores, abaixo segue alguns deles: Congênitas: Sequência de Mobius, agenesia do nervo facial, paralisia do lábio inferior. Infecciosas: Virais (sarampo, caxumba, síndrome da imunodeficiência adquirida; Bacterianas (Doença de-Lyme, hanseníase, meningite, encefalite, otites) Traumáticas: Fraturas do osso temporal, fraturas de mandíbula, lesões por arma de fogo e arma branca, iatrogenias. Causas vasculares, metabólicas, hormonais e outras causas sistêmicas: diabetes mellitus, sarcoidose, alteração na função tireoidiana, doenças autoimunes. Causas neurológicas: Síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis, esclerose múltipla. Causas neoplásicas: orelha externa, média, nervo facial. Além dessas, existe a causa idiopática onde se desconhece a etiologia, e esta paralisia é chamada de Paralisia de Bell. É a causa mais comum, com incidência de 20 casos para cada 100.000 habitantes (EUA), representando 55% a 80% dos casos de Paralisia Facial Periférica. Acomete todas as faixas etárias, sendo mais freqüente em mulheres, terceiro trimestre de gestação, homens acima de 40 anos e em indivíduos diabéticos. (HILSINGER et al., 1975; TESTA, 1992; 1997 apud DIB, KOSUGI E ANTUNES, 2003). Classificação da Paralisia Facial Central: achado caracterizado por paralisia ou paresia da metade inferior de um lado da face. Resulta normalmente de danos nos neurônios motores superiores do nervo facial, que se estende da área motora cortical cerebral, situada na face lateral do giro frontal pré-central, até o núcleo do nervo facial, localizado no tronco encefálico, mais precisamente na ponte. (VEIGA, 2006) Periférica: A paralisia facial periférica (PFP) se caracteriza pela diminuição ou abolição, temporária ou não, da função do nervo facial em seu segmento periférico, traduzindo-se clinicamente por alterações da mobilidade facial, secreção salivar e lacrimal, sensibilidade facial, entre outras (DIB, KOSUGI E ANTUNES, 2003). Difere-se da paralisia facial central por acometer o terço superior da face, poupado na central, fato explicado pela anatomia do núcleo do nervo facial, responsável pela inervação do terço superior da face (DIB, KOSUGI E ANTUNES, 2003). Graus da lesão do nervo O nervo facial, diferentemente dos demais nervos cranianos, como já foi colocado, tem um longo trajeto no interior do osso temporal, este fato é de fundamental importância para compreender o processo de lesão, degeneração e regeneração neural, ou seja, o comportamento do nervo facial perante uma agressão. A lesão neural pode maior ou menor em função do tipo, da gravidade e da extensão da agressão, o que gera quadros clínicos diversos (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Os diferentes graus da lesão serão descritos a seguir: Neuropraxia: ocorre bloqueio da condução elétrica neural por aumento de pressão intraneural. Anatomicamente o nervo está intacto, porém se torna incapaz de propagar o impulso pelo local da compressão e só responde à estimulação elétrica aplicada distalmente a lesão. Neste caso a recuperação da movimentação facial costuma ser completa (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Axonotmese: ocorre se compressão não é aliviada. O mecanismo de lesão consiste no agravamento das alterações observadas na neuropraxia que resulta em obstrução da drenagem venosa. Ocorre assim o aumento da pressão intraneural, lesando o axônio com edema proximal e distal, ocasionando interrupção do fluxo de nutrientes, isto determina a perda de axônios, mesmo com a integridade das células de Schwann e da bainha de mielina. Se o processo for revertido a recuperação é completa, porém mais demorada se comparada com a neuropraxia, tendo um grau de recuperação satisfatório (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Endoneurotmese: refere-se aos casos em que a compressão continuou e ocasionou a perda de tubos endoneurais, ocorre uma redução marcante a resposta de estímulos elétricos, a medida que o axônio se recupera ele pode encontrar qualquer tubo endoneural distal disponível, porém entrando em tubos incorretos haverá recuperação incompleta acompanhada de sincinesias. A regeneração depende do número de tubos endoneurais que foram lesionados, mas espera-se um grau de recuperação completo (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Perineurotmese: quando ocorre transecção parcial do nervo, neste caso não se espera a recuperação espontânea, espera-se um grau de recuperação fraco pois a maioria dos tubos neurais foram interrompidos é comum também o desenvolvimento de sincinesias (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Epineurotmese: quando ocorre transecção total do nervo, ocorrendo uma separação entre as porções distal e proximal devido a secção traumática não se espera recuperação, pois todos os tubos endoneurais foram interrompidos, nestes casos é comum o sujeito apresentar sincinesias (LAZARINI, COSTA, CAMARGO, 2006). Fases da Paralisia Facial Há a fase flácida e a fase sequela na paralisia facial (GOFFI-GOMEZ, 1999 apud FOUQUET et al., 2000). A flácida é a fase inicial da paralisia facial, com flacidez da musculatura no repouso e ausência ou diminuição de sua movimentação. É possível haver regeneração e a mobilidade voltar ao normal. Entretanto, pode haver uma reinervação aberrante do nervo facial, caracterizada por sincinesias, contraturas e graus variados de paralisia motora (ROSS et al. 1991), denominada fase das sequelas. (FOUQUET et al., 2000) Segundo MORAN E NEELY (1996), define-se a sincinesia como qualquer movimento involuntário observado na região facial, diferente daquele solicitado voluntariamente. Este movimento anormal é de amplitude maior do que do lado normal da face ou paradoxal em direção ou contração. Estes autores defenderam que há padrões previsíveis e não aleatóriosde sincinesias, sendo a mais comum a movimentação involuntária da boca (músculo zigomático maior) com fechamento de olho voluntário. Já a contratura ocorre quando há reinervação da musculatura que passou por um processo de perda de massa e tamanho de fibra, sofrendo algum grau de atrofia. (FOUQUET et al., 2000) Já as contraturas, são a rigidez observada na hemiface comprometida e manifesta-se pelo enrijecimento do movimento e pronunciamento das linhas de expressão no repouso. São ocasionadas por inervação supranumerária, aumento da relação da unidade motora, encurtamento das fibras musculares e síndrome autoparalítica (IRINTCHEV, WERNIG; DEVRIISE, 1992 apud GOFFI-GOMES, 2006). Na fase de sequelas, geralmente observa-se contratura de face com ausência de linhas de expressão na testa, olho mais estreito, elevação da comissura labial e asa nasal, além de rima nasolabial mais pronunciada no lado comprometido e filtro desviado para este lado. Também podem ser observados movimentos incompletos e sincinesias nos movimentos de testa, olhos, nariz e lábios, assim como lacrimejamento excessivo durante atividades como a mastigação. (GOMEZ et al., 2004 apud FREITAS; GOMEZ, 2008) Regeneração do nervo facial A manutenção ou recuperação do transporte axonal após uma lesão neural é fundamental no processo de regeneração do nervo facial. Com a lesão, o corpo celular do neurônio deixa de receber informações via transporte retrógrado e em resposta, aumenta seu metabolismo e o fluxo axoplasmático em direção ao ponto lesado. As substâncias produzidas no corpo celular são, então, transmitidas ao local da lesão pelos transportes axonais lento e rápido. (LAZARINNI et al., 2006) A taxa de transporte axonal rápido (da periferia ao neurônio) no nervo facial após uma lesão é de 400 a 500 mm por dia e de transporte lento (corpo celular a periferia), 1 a 3 mm por dia – a qual equivale a taxa diária de alongamento de brotos axonais após lesão. (LAZARINNI et al., 2006) Os macrófagos também estão presentes no sítio da lesão neural e, além de auxiliarem na fagocitose, secretam substanciais que promovem a proliferação das células de Schwann, assim como substâncias mitogênicas e fatores de crescimento, o que auxilia a regeneração axonal. (LAZARINNI et al., 2006) O processo regenerativo inicia-se logo após a degeneração, caso não tenha ocorrido uma secção traumática total, ou o processo lesivo não continue agindo e causando compressão do nervo. Em situações em que houve apenas edema no endoneuro do local lesado, há uma gradual reabsorção deste líquido pelas bainhas de perineuro. (LAZARINNI et al., 2006) Nas lesões mais graves do nervo, os tubos endoneurais formados pela lamina própria das células Schwann colapsam pela fagocitose de seus componentes (mielina e constituintes axonais) e formam cordões chamados de “bandas de Bungner”, ou seja, células de Schwann organizadas em colunas. Assim que os axônios brotam do coto regenerativo proximal para se aderir distalmente, eles se associam as células de Schwann e se regeneram entre as camadas de sua lâmina própria (Macknnon e Dellon, 1988). Só permanecem aqueles axônios que conseguiram estabelecer contato distal (Sanders e Young, 1946; Morris et al., 1972). Caso contrário, será formado um neuroma, que representa a perda de função e poderá causar dor neural. A atração e o direcionamento do coto neural fazem parte de um fenômeno denominado neurotropismo (Lundborg et al., 1986; Mackinnon et al., 1986). Brushart, em 1987 verificou que é necessário haver uma distância máxima de 5 m entre os segmentos proximal e distal do nervo para existir neurotropismo. (LAZARINNI et al., 2006) Nos casos em que há um intenso desarranjo nas fibras axonais, os segmentos proximais dos axônios podem seguir caminhos diferentes (tubo endoneural) daqueles que possuíam. Assim, durante a regeneração, os axônios podem atingir um outro grupo de fibras musculares ou os gânglios responsáveis pela produção lacrimal e salivar. Este mecanismo pode gerar a ativação de fibras musculares não relacionadas ao movimento desejado pelo indivíduo, ou ainda, a produção lacrimal/salivar. Esta situação, chamada sincinesia, é frequentemente encontrada nos pacientes com paralisia facial periférica. (LAZARINNI et al., 2006) A velocidade de crescimento axonal é de 1 mm por dia. Supondo que ocorra lesão intratemporal do nervo facial, a distância até sua extremidade estaria ao redor de 14 cm; assim sendo, aproximadamente 140 dias seriam necessários, em condições favoráveis, a regeneração completa do nervo facial. (LAZARINNI et al., 2006) Estudos apontam que os nervos regeneram-se melhor em crianças do que em adultos, e que o ritmo de crescimento axonal é menor quanto mais distal a lesão (devido ao aumento da distância até o corpo do neurônio). (LAZARINNI et al., 2006) Quanto ao tempo de evolução dos processos de degeneração e regeneração neural, observa-se que, duas semanas após a lesão, há perda total da estrutura anatômica, com a presença de debris de mielina e de células de Schwann em proliferação. Após quatro semanas, já há algum grau de reneurotização e mielinização, assim como a reestruturação fascicular das unidades em regeneração, permanecendo apenas pequena quantidade de debris de mielina no nervo. (LAZARINNI et al., 2006) Avaliação clínica (Anamnese, exames) A avaliação da paralisia facial acontece por meio da anamnese e exames clínico, laboratorial e de imagem e devem ser direcionados para o diagnostico etiológico e topográfico da lesão e para o grau de comprometimento, pois isso irá permitir uma melhor abordagem terapêutica, com maiores possibilidades de recuperação. É válido fazer avaliações psíquicas, pois como já foi dito anteriormente a paralisia afeta a autoestima e o convívio social do indivíduo, por isso é importante analisar as possibilidades de problemas mentais para que ocorra uma intervenção o mais rápido possível (MITRE, GIANCOLI, LAZARINI, 2006). Na avaliação clínica geral o médico deve estar atento a sinais que possam indicar uma possível causa para a paralisia facial, é importante está atendo ao estado geral do paciente, as condições físicas (pressão arterial, temperatura, peso), avaliar os demais órgãos e a investigação neurológica deve ser feita com atenção aos nervos cranianos, equilíbrio, coordenação motora e atividade muscular geral. É fundamental realizar exame otorrinolaringológico, pois diversas alterações nesta área acometem também o nervo facial (MITRE, GIANCOLI, LAZARINI, 2006). A avaliação específica ocorrer após a geral e vai buscar identificar o tipo de paralisia facial e o grau. Nesse exame específico deve-se estabelecer se ainda existe movimentação da musculatura da face ou se não há nenhuma movimentação; identificar se é periférica ou central de acordo com o local acometido. É preciso ressaltar que essa subdivisão é insuficiente pois existem lesões do nervo em áreas tão específicas que se assemelham a uma paralisia facial central, assim como lesões no tronco encefálico que paralisam toda hemiface, lembrando uma paralisia facial periférica. Por isso utiliza-se também a classificação segundo a posição da lesão em relação ao nervo facial (supranucleares, nucleares e infranucleres) (MITRE, GIANCOLI, LAZARINI, 2006). O paciente deve ser questionado quanto ao tempo de paralisia, se esta ocorreu de maneira súbita ou progressiva, presença de episódios anteriores pessoal ou familiar, antecedentes pessoais (doenças vasculares, metabólicas, auto-imunes, infecciosas agudas ou crônicas, abaulamentos em face e pescoço, lesões na cavidade oral e lábios), importantes na avaliação etiológica e prognóstica da função do nervo facial. (DIB, KOSUGI E ANTUNES, 2003). A investigação laboratorial pode ser feita através de exames otorrinolaringológicos/fonoaudiológicos (audiometria tonal e vocal, imitânciometria, exame vestibular); exames clínicos (hemograma, sorologia para mononucleose, doença de Lyme, Lues AIDS, pesquisa do DNA viral na saliva, estudo metabólico, estudo para doenças auto-imunes,estudo do líquido cefalorraquidiano); exames de imagem (radiografia simples de osso temporal, tomografia computadorizada, ressonância magnética, ultrassonografia de parótida, angioressonância e angiografia, radiografia simples de tórax, estudo ecodoppler de artérias carótidas e sistema vertebrobasilar). (MITRE, GIANCOLI, LAZARINI, 2006). O tratamento é interdisciplinar (otorrino, oftalmologista, cirurgião de cabeça e pescoço se for o caso, fonoaudiólogo, fisioterapeuta etc) e a escolha do que será feito por cada profissional se baseia critérios que influenciam na sua atuação. O tratamento pode ser farmacológico com o uso de antibióticos, anti-hipertensivos, hormônios, drogas quimioterápicas, drogas oculares, toxina botulínica, anti-inflamatório, drogas antivirais; ou cirúrgico. (LAZARINI, VILELA, SOFIA, 2006). Anamnese / Avaliação Fonoaudiológica A avaliação fonoaudiológica também inicia-se com a anamnese que deve englobar os aspectos citados a seguir: dados de identificação e a história pregressa da queixa, discorrendo sobre o início da paralisia facial, sintomatologia, tempo de instalação, perda gradual ou súbita dos movimentos, ocorrência de melhora espontânea, providências tomadas pelo sujeito, dados médicos como medicação e possíveis cirurgias realizadas. Também é válido recolher informações sobre o fechamento ocular e possíveis dificuldades durante alimentação (FOUQUET, MASSON, GUIMARÃES, PIRES, 2006). Nesta primeira sessão, podem ser dadas orientações gerais, como cuidados com o olho (se houver paralisia do músculo orbicular do olho o paciente não consegue fechá-lo) e alimentação (pode haver estase de alimento em vestíbulo, por flacidez do músculo bucinador; perda de alimento e sialorréia por incompetência labial no lado paralisado). (FOUQUET et al., ; 2000) Em seguida é feita a avaliação miofuncional, fundamento para a definição do planejamento terapêutico, essa avaliação engloba o estudo da mobilidade da musculatura e de possíveis sequelas (sincinesias ou contratura, por exemplo) (FOUQUET, MASSON, GUIMARÃES, PIRES, 2006). Existem diversas propostas para avaliar os movimentos, em suma, se baseiam em mensurar a paralisia facial em graus, para alguns autores de I a VI que procura avaliar a recuperação do nervo facial ou de 0 a 4 que avalia a mímica facial em repouso e em movimento atentando-se para a simetria, tonicidade e sincronicidade dos músculos (FOUQUET, MASSON, GUIMARÃES, PIRES, 2006). Avaliando a musculatura em repouso é preciso atentar-se para a presença ou ausência e alteração parcial ou total de alguns aspectos como a abolição das rugas frontais; rebaixamento da ponta da sobrancelha; olho maus aberto ou pálpebra inferior caída do lado afetado; nariz desviado em vírgula para o lado sadio; abolição do sulco nasolabial; desvio e depressão da comissura labial; lábio superior e/ou inferior “desabado”; bochecha flácida pendendo em saco. Estas observações devem ser feitas na primeira avaliação (GOFFI-GOMEZ et al., 1996 apud FOUQUET, MASSON, GUIMARÃES, PIRES; 2006). Já avaliando a musculatura em movimento, pode-se usar escalas de mensuração como a que Chevalier e colaboradores propuseram em 1987, a escala possui cinco graus, de 0 a 4, onde 0 equivale a concentração não visível durante o comando do movimento e 4 equivale a um movimento amplo, sincrônico e simétrico. Para poder pontuar é solicitado que o paciente realize algumas expressões que mobilizam determinados músculos. Para uma melhor precisão da graduação em um dos graus é bom solicitar que os comandos sejam realizados 10 vezes, pois no grau 2 o lado lesado acompanha o sadio e só após algumas repetições que ele fadiga e cessa a movimentação. No grau 3 o movimento não cessa porém é possível identificar movimentos não sincrônicos e latência (FOUQUET, 2000 apud FOUQUET, MASSON, GUIMARÃES, PIRES, 2006). Na avaliação da mobilidade da musculatura da mímica facial, é importante que o avaliador iniba a função da musculatura do lado saudável da face, com pressão digital no sentido contrário ao movimento de contração do músculo que está sendo avaliado. Isto porque a movimentação do lado são pode gerar movimentação passiva do lado lesado da face, dando a falsa impressão que há movimento voluntário do músculo avaliado. Isto é particularmente comum na avaliação dos músculos frontal, corrugador do supercilio, piramidal do nariz, orbicular dos lábios, mirtiforme, mentalis e depressor do lábio inferior. (FOUQUET et al.,; 2000) Músculo avaliado Expressão Como realizar M. occipitofrontal Cara de assustado Elevar a sobrancelha formando rugas horizontais na testa. M. corrugador do supercílio Cara de bravo Aproximas as sobrancelhas, formando rugas verticais. M. orbicular dos olhos Fechar os olhos suavemente e com força Observar a presença de gap e a velocidade de fechamento. M. nasal, elevador do lábio superior e da asa do nariz. Cara de cheiro ruim Elevar e franzir a pele do nariz. M. elevador do lábio superior e zigomáticos Sorriso aberto Sorriso amplo que mostre os dentes. M. risório Sorriso fechado Sorriso com lábios fechados M. bucinador Comprimir bochechas Pressionar a bochecha contra os dentes. M. orbicular dos lábios Fazer bico Protrusão dos lábios, arredondando-os. Platisma - Contrair músculo do pescoço Terapia Fonoaudiológica Segundo GOFFI-GOMEZ (1999), os exercícios miofuncionais objetivam acelerar o retorno dos movimentos e da função da musculatura da mímica facial, evitando que haja a atrofia destes músculos, o que dificultaria a sua recuperação. GOFFI-GOMEZ, BOGAR, BENTO E MINITI (1996), comparando dois grupos com paralisia facial, um que realizou exercícios miofuncionais e outro que não, constataram que os exercícios miofuncionais efetivamente contribuem na aceleração do processo de recuperação dos movimentos faciais. ROSS et al. (1991) demonstraram que o treino neuro-muscular pode melhorar a função facial, mesmo em casos de paralisia crônica há mais de 20 anos. (FOUQUET et al., 2000) Na fase flácida da paralisia facial, com nenhum movimento ou somente esboço de movimento da musculatura acometida, GUEDES (1994) sugere compressas frias e batidas rápidas com as pontas dos dedos sobre a região muscular tida como flácida. Nesta fase, são realizados exercícios isométricos, repetindo-se os movimentos solicitados durante a avaliação, acrescentados de massagem indutora sobre o músculo paralisado, no sentido do movimento. (GUEDES, 1994; GOFFI-GOMEZ, 1999 apud FOUQUET et al., 2000). Por exemplo, para trabalhar o músculo frontal, solicita-se que o paciente contraia este músculo, realizando a “cara de assustado”, elevando as sobrancelhas deixando a testa enrugada, e faça massagem digital na direção do movimento do músculo, da sobrancelha em direção ao cabelo. As massagens devem ser exclusivamente manuais e lentas, com pressão profunda (GOFFI-GOMEZ, 1999 apud FOUQUET et al., 2000). Ao notar-se movimentação na musculatura acometida, cessam-se as massagens indutoras e são realizados exercícios isotônicos. Nas sincinesias, os músculos envolvidos devem ser identificados e então trabalha-se a dissociação dos movimentos, com exercícios que visam a utilização independente dos grupos musculares envolvidos. Também são utilizados exercícios de alongamento da musculatura contraída em repouso (GOFFI-GOMEZ, VASCONCELOS E MORAES, 1999 apud FOUQUET et al., 2000). Por exemplo, quando o paciente fecha os olhos voluntariamente, há retração involuntária da comissura labial. Para trabalharmos a dissociação, solicitamos que o paciente feche os olhos e mantenha-os fechados, enquanto protrui e retrai os lábios. Todos os exercícios deverão ser realizados na frente do espelho. ROSS et al. (1991) demonstraram o benefício da realização dos exercícios com feedback do espelho. É necessário que o paciente realize os exercícios de forma consciente. (FOUQUET et al., 2000) Para que a reabilitação miofuncional seja bem sucedida é preciso que haja um envolvimento ativo doindivíduo, pelo fato de que para compensar a regeneração aberrante do nervo facial necessita-se que haja uma reorganização neural, a qual ocorre somente com auxílio do sistema nervoso central por meio da autopercepção e autocontrole. Portanto, os candidatos à terapia devem estar motivados e apresentar adequada cognição e atenção. (DIELS, 1997; VANSWEARINGEN; BRACH, 2003; apud FREITAS; GOMEZ, 2008) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CHEVALIER. A.M. et al. Avaliação da função motora da face nas lesões periféricas e centrais. In: LACOSTE, M. et al. Avaliação clínica na função muscular. p. 13-85. São Paulo, 1987. DIB, G.C.; KOSUGI, E.; ANTUNES, M.L. Paralisia Facial Periférica. Grupo Editorial Moreira Junior. São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=2583> Acesso em: 15 de outubro de 2016. FERNANDES Alessandro Murano Ferré; LAZARANI Paulo Roberto. Anatomia do Nervo Facial. In: LAZARINI, Paulo Roberto; FOUQUET, Marina Lang. Paralisia Facial: avaliação, tratamento, reabilitação. Lovise, Cap.1, p.1-10, 2006. FOUQUET, Marina Lang et al. Atuação fonoaudiológica nas paralisias faciais.Barros, APB; Arakawa, L.; Tonini, MD; Carvalho, VA Fonoaudiologia em cancerologia. São Paulo: Fundação Oncocentro, p. 99-104, 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd06_03.pdf Acesso em: 15 de outubro de 2016. FOUQUET, Marina Lang; MASSON, Andréa Cristina; GUIMARÃES Michelle Fereira; PIRES, Carolina A. Avaliação Fonoaudiológica na Paralisia Facial Periférica. In: LAZARINI, Paulo Roberto; FOUQUET, Marina Lang. Paralisia Facial: avaliação, tratamento, reabilitação. Lovise, Cap.6, p.65-74, 2006. FREITAS, Kátia Cristina Silva de; GÓMEZ, Maria Valéria Goffi. Degree of perception and discomfort regarding facial condition in subjects with peripheral facial paralysis in sequelae stage. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 13, n. 2, p. 113-118, 2008. GOFFI-GOMES, Maria Valéria Schimidt. Reabilitação fonoaudiológica na paralisia facial periférica após reinervação: fase de sequelas. In: LAZARINI, Paulo Roberto; FOUQUET, Marina Lang. Paralisia Facial: avaliação, tratamento, reabilitação. Lovise,Cap.15, p.161-167, 2006. LAZARINI, Paulo Roberto; VILELA, Danila Salgado Alves; SOFIA, Oscimar Benedito. Tratamento médico da paralisia facial periférica na visão do otorrinolaringologista. In: LAZARINI, Paulo Roberto; FOUQUET, Marina Lang. Paralisia Facial: avaliação, tratamento, reabilitação. Lovise,Cap.10, p.115-126, 2006. VEIGA, J.C. Paralisia Facial. In: LAZARINNI, P.R.; FOUQUET, M.L. Paralisia Facial: Avaliação, tratamento e reabilitação. São Paulo, 2006. SANTOS, Rayné Moreira Melo; GUEDES, Zelita Caldeira Ferreira. Estudo da qualidade de vida em indivíduos com paralisia facial periférica crônica adquirida. Rev. CEFAC, v. 14, n. 4, p. 626-34, 2012.
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