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06 - Jurisdição

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1. Conceito e características da Jurisdição:
1.1 Conceito:
Segundo leciona Fredie Didier Jr. “a jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar o Direito de modo imperativo (b) e criativo (c), reconhecendo /efetivando/protegendo situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e), em decisão insuscetível de controle externo (f) e com aptidão de tornar-se indiscutível (g).
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Conforme apresentado o conceito do autor apresenta vários elementos, sendo necessário o exame de cada um.
Decisão por terceiro imparcial (heterocomposição):
(a) A jurisdição é técnica de solução de conflitos por heterocomposição, pois um terceiro substitui a vontade das partes e determina a solução do problema apresentado.
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A jurisdição como manifestação do Poder:
(b) A jurisdição é manifestação de um Poder e, portanto, impõe-se imperativamente, aplicando o Direito a situações concretas que são submetidas ao órgão jurisdicional.
A jurisdição como atividade criativa:
(c) A jurisdição é função criativa: cria-se a norma jurídica do caso concreto, bem como se cria, em alguns casos, a própria regra abstrata que deve regular o caso concreto.
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Os textos normativos não determinam completamente as decisões dos tribunais, somente aos tribunais cabe interpretar, testar e confirmar ou não a sua consistência.
Jurisdição como técnica de tutela de direitos mediante um processo:
(d) A jurisdição é uma das mais importantes técnicas de tutela de direitos. Todas as situações jurídicas (direitos em sentido amplo) merecem proteção jurisdicional.
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A jurisdição sempre atua em uma situação jurídica concreta:
(e) A jurisdição sempre atua em uma situação concreta, um determinado problema que é levado à apreciação do órgão jurisdicional.
De modo que:
A atuação jurisdicional é sempre tópica.
O raciocínio do órgão jurisdicional é sempre problemático: ele é chamado a resolver um problema concreto.
Impossibilidade de controle externo da atividade jurisdicional:
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(f) A função jurisdicional tem por característica marcante produzir a última decisão sobre a situação concreta deduzida em juízo: aplica-se o Direito a essa situação, sem que se possa submeter essa decisão ao controle de nenhum outro poder.
A jurisdição é controlada somente pela própria jurisdição.
A jurisdição controla a função legislativa (controle de constitucionalidade e preenchimento de lacunas) e a função administrativa (controle dos atos administrativos), mas não é controlada por nenhum dos outros poderes.
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Aptidão para a coisa julgada material:
(g) A coisa julgada é situação jurídica que diz respeito exclusivamente às decisões jurisdicionais. Somente uma decisão judicial pode tornar-se indiscutível e imutável pela coisa julgada material.
1.2 Características:
São características da jurisdição a substitutividade, a exclusividade, a imparcialidade, o monopólio do Estado, a inércia e a unidade.
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Substitutividade: o juiz, ao decidir, substitui a vontade dos conflitantes pela dele (Chiovenda).
Exclusividade da jurisdição: aptidão para a coisa julgada material. Somente a atividade jurisdicional tem a capacidade de tornar-se indiscutível. Única função do Estado que pode ser definitiva.
Imparcialidade da jurisdição: terceiro que é estranho ao conflito. Não pode ser interessado no resultado do processo.
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Monopólio do Estado: só o Estado pode exercer a jurisdição. Estado é que julga e que diz quem pode julgar. Não precisa ser um órgão estatal julgando. Por esse motivo, a arbitragem é jurisdição, porque foi o Estado que disse quem julga.
Inércia: a jurisdição age por provocação, sem a qual não ocorre o seu exercício. Está praticamente restrita à instauração do processo, porque, depois de instaurado, o processo deve seguir por impulso oficial.
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Unidade da jurisdição: a jurisdição é uma, mas o poder pode ser dividido em pedaços, que recebem o nome de competência.
1.3 Princípios da Jurisdição:
 Investidura: a jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.
Territorialidade: os magistrados só tem autoridade no limite territorial do seu Estado, ou seja, nos limites do território de sua jurisdição.
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Esse princípio foi mitigado pelo CPC em duas hipóteses:
No art. 107, o legislador diz que se o imóvel disputado estiver localizado em mais de uma comarca, a competência do juízo que conhecer da causa se estenderá sobre todo o imóvel.
No art. 230, permite-se a prática de atos de simples comunicação processual (citação e intimação) em comarcas contíguas (limítrofes) ou da mesma região metropolitana, independentemente de carta precatória.
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Indelegabilidade: o exercício da função jurisdicional não pode ser delegado, não pode o órgão jurisdicional delegar funções a outro sujeito. Essa vedação se aplica integralmente no caso de poder decisório, não é possível delegar o poder decisório a outro órgão, o que implicaria na derrogação de regra da competência, em violação à garantia do juiz natural.
Inevitabilidade: as partes hão de submeter-se ao quanto decidido pelo órgão jurisdicional, sua situação é de sujeição.
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Direito fundamental à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário: nos termos do art. 5º da CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Trata-se da consagração, em sede constitucional, do direito fundamental de ação, de acesso ao Poder Judiciário, sem qualquer tipo de condicionamento.
Juiz natural: é decorrência da cláusula do devido processo legal.
 
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Trata-se de garantia fundamental não prevista expressamente, mas que resulta da conjugação de dois dispositivos constitucionais: o que proíbe o juízo ou tribunal de exceção e o que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (art. 5º. XXXVII e LIII, da CF).
1.4 Elementos da jurisdição e poderes jurisdicionais:
	
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Conforme clássica concepção, a jurisdição é composta dos seguintes elementos: 
a) Notio – que significa a faculdade de conhecer certa causa, ou de ser regularmente investido na faculdade de decidir uma controvérsia, aí compreendidos a ordenar os atos respectivos.
b) Vocatio – quer dizer a faculdade de fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade.
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c) Coercio – (ou coertitio) – que é o direito de fazer-se respeitar e de reprimir as ofensas feitas ao magistrado no exercício de suas funções: jurisdictio sine coertitio nula est.
d) Iudicium – direito de julgar e de pronunciar a sentença.
e) Executio – direito de em nome do poder soberano, tornar obrigatória e coativa a obediência à próprias decisões.
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Quanto aos poderes a doutrina moderna elenca três poderes jurisdicionais, que são:
a) Poder de decisão – significa que o Estado/juiz, através da provocação do interessado, afirma a existência ou a inexistência de uma vontade concreta da lei, afirmando uma vontade concernente às partes, através de uma decisão de mérito, com efeito de “coisa julgada” (imutabilidade da decisão), e reconhecendo um bem a uma parte, tem o efeito de garanti-lo para o futuro, no mesmo ou em outros processos (coisa julgada material ou substancial). 
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Ainda, afirma uma vontade da lei referente ao dever do juiz de pronunciar-se quanto ao mérito das questões que lhe são trazidas à apreciação. 
 
b) Poder de coerção (ou poder de polícia) – manifesta-se com maior intensidade no processo de execução, embora também presente no processo de cognição. Ex. o ato de notificação e citação. Se o destinatário se recusa a receber materialmente o mandado, esse comportamento gera o efeito de ser considerado entregue. 
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Como decorrência desse poder, o juiz pode determinar a remoção de obstáculos opostos ao exercício de suas funções. A testemunha tem o dever de comparecer à audiência,
sob pena de condução coercitiva. O órgão jurisdicional pode requisitar a força policial para vencer qualquer resistência ilegal à execução de seus atos. 
c) Poder de documentação – é aquele que resulta da necessidade de documentar tudo que ocorre perante os órgãos judiciais ou sob sua ordem (termos de constatação, de audiência, de provas, certidões de notificações, de citações etc.)
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1.5 Espécies de jurisdição:
Embora a doutrina mencione a existência de espécies de jurisdição, com o intuito de classificá-la em categorias, na verdade a jurisdição, como expressão da soberania estatal, não comporta divisões. A jurisdição é, portanto, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano.
Classifica-se, pois, a jurisdição nas seguintes espécies:
a) pelo critério do seu objeto em jurisdição penal (causas penais, pretensões punitivas) ou civil (por exclusão, causas e pretensões não-penais).
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b) pelo critério dos organismos judiciários que a exercem, em especial (Justiça Eleitoral (arts. 118-121), a Justiça do Trabalho (arts. 111-117) e as Justiças Militares Federal (arts. 122-124) e Estaduais (art. 125, § 3º)) ou comum (a Justiça Federal (arts. 106-110) e as Justiças Estaduais ordinárias (arts. 125-126)).
 
c) pelo critério da posição hierárquica dos órgãos que a exercem , em inferior (é aquela exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde seu início (competência originária)) e superior
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(é a exercida pelos órgãos competentes para conhecerem dos recursos interpostos contra as decisões proferidas na jurisdição inferior).
d) pelo critério da fonte do direito com base na qual é proferido o julgamento, em jurisdição de direito ou de equidade (“O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei" (CPC, art. 127). 
1.6 Limites da jurisdição:
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São limites da jurisdição: limites internacionais, imunidades à jurisdição brasileira e jurisdição voluntária.
1º) Limites internacionais: cada Estado, de acordo com suas normas internas, apresenta os limites de sua jurisdição. Temos como critérios:
conveniência: cada Estado tem os seus próprios valores, que independem dos valores adotados por outros Estados.
viabilidade: cada Estado viabiliza a forma de cumprimento de sentenças.
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A regra geral é que cada Estado tenha os limites de sua jurisdição, nos limites de seu território.
Estão, a priori, ligadas ao território brasileiro as seguintes ações: 
1) quando o réu tiver domicílio no Brasil; 
2) quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil; 
3) quando o fato gerador ocorreu no Brasil; 
4) quando o objeto da pretensão for um imóvel situado no Brasil, assim como os bens de inventário.
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2º) Imunidades à jurisdição brasileira:
os Estados estrangeiros;
os Chefes de Estados estrangeiros;
os agentes diplomáticos.
3º) Jurisdição voluntária: é a jurisdição graciosa, ou administração judicial de interesses privados.
Não há jurisdição porque não há decisão do direito aplicado à lide, em substituição à vontade dos interessados. 
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A jurisdição voluntária não se assemelha à atividade jurisdicional, já que não resolve conflitos, mas somente chancela, por força da lei, o que os interessados já resolveram; mas a eficácia depende dessa chancela, isto é, da manifestação do Poder Judiciário, ainda que com mero cunho homologatório da vontade dos interessados.
Não faz coisa julgada, e a alegação de vícios nela inseridos se dá por ação anulatória, com prazo de quatro anos.
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A independência, a idoneidade e a responsabilidade dos magistrados perante a sociedade levam o legislador a lhes confiar importantes funções em matéria de administração pública de interesses privados. Esses atos praticados pelo juiz recebem da doutrina o nome de jurisdição voluntária ou graciosa.
Os atos de jurisdição voluntária se classificam em três categorias: 
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a) atos meramente receptícios (função passiva do magistrado, como publicação de testamento CC, art. 1646); 
b) atos de natureza certificante ("vistos" em balanços, despachos em notificação ou interpelação judiciais, etc.); 
c) atos que constituem verdadeiros pronunciamentos judiciais (separação judicial amigável, interdição, venda de bens de incapaz, etc.). 
Apenas estes últimos estão disciplinados no CPC, como procedimentos de jurisdição voluntária.
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De tudo o que foi visto conclui-se que, na realidade, os atos da chamada jurisdição voluntária nada têm de jurisdicionais, porque: 
a) não tem como escopo a atuação do direito, mas a constituição de situações jurídicas novas; 
b) não tem o caráter substitutivo, pois, antes disso, o que acontece é que o juiz se insere entre os participantes do negócio jurídico, numa intervenção necessária para a consecução dos objetivos desejados, mas sem exclusão das atividades das partes; 
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c) ademais, o objetivo dessa atividade não é uma lide, mas apenas um negócio entre os interessados com a participação do magistrado.
Assim, não havendo interesses em conflitos, não é adequado falar em partes, expressão que pressupõe a ideia de pessoas que se situam em posições antagônicas, cada qual na defesa de seu interesse. 
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Além disso, como não se trata de atividade jurisdicional, é impróprio falar em ação, pois esta se conceitua como o direito-dever de provocar o exercício da atividade jurisdicional contenciosa; e, pela mesma razão não há coisa julgada, pois tal fenômeno é típico das sentenças jurisdicionais. Por outro lado, no lugar de processo, fala-se em procedimento, pois aquele é também sempre ligado ao exercício da função jurisdicional e da ação.
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Administração pública de interesses privados
Por se revestirem de grande importância, transcendendo os limites da esfera de interesses das pessoas diretamente empenhadas, alguns atos jurídicos da vida de particulares passam também a interessar à própria coletividade.
Atento a isso, o legislador impõe que, para a validade desses atos de repercussão na vida social, imprescinde-se da participação de um órgão público, através da qual o Estado se insere naqueles atos que do contrário seriam tipicamente privados. 
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Trata-se de manifesta limitação aos princípios de autonomia e liberdade, que caracterizam a vida jurídico-privada dos indivíduos, o que até se justifica pelo interesse social que envolvem esses atos da vida privada.
São atos de administração pública de interesses privados, praticados com a intervenção de órgãos do "foro extrajudicial", a escritura pública (tabelião), o casamento, o protesto, a participação do MP.
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DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual, v.1:introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 14. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. 
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Tangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 
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