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a semiótica e os estudos literários

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02/08/2016 TCC ­ Intersemiose: A semiótica e os estudos literários, por Lucia Santaella
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Algo como um disturbio mental. Como um chama em decadencia. uma onda de sentimentos que
está, por assim dizer, em repouso. Uma fotografia neutra. Um eu qualquer como qualquer outro você!
TCC ­ Intersemiose
sexta­feira, 23 de setembro de 2011
A semiótica e os estudos literários, por
Lucia Santaella
São muitas as origens da moderna semiótica. Em função dessa multiplicidade,
existem várias correntes semióticas. Portanto, quando se fala em semiótica, a
primeira questão que se deve colocar é de qual semiótica estamos falando.
Tendo isso em vista, seria muito parcial tocar na relação proposta pelo título
deste artigo, sem a preocupação de um esboço, mesmo que breve, das principais
linhas teóricas e metodológicas da semiótica. Esse preâmbulo ainda se justifica
porque, dependendo da corrente semiótica de que estamos tratando, difere a
própria definição da semiótica, assim como diferem os conceitos e o modo como
eles são aplicados a outros campos do saber, das produções e criações
humanas, e no caso que agora nos diz respeito, à literatura.
O boom dos estudos semióticos emergiu na Europa, especialmente na França,
nos anos 1960 e suas fontes vinham do Curso de lingüística geral de Ferdinand
de Saussure (1916) e da obra lingüística do dinamarquês Louis Hjelmslev.
Portanto, a emergência da semiótica coincidiu com a enorme repercussão que o
estruturalismo obteve naquela e na década seguinte. De fato, nessa época, os
estudos semióticos vinham de fontes estruturalistas. Por isso mesmo, para
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02/08/2016 TCC ­ Intersemiose: A semiótica e os estudos literários, por Lucia Santaella
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muitos, a semiótica se limita à semiótica estruturalista. Isso é um equívoco.
O legado do estruturalismo exerceu forte influência sobre outras áreas do saber,
tais como a antropologia, a sociologia, a história, a psicanálise e a filosofia, uma
influência, aliás, que gerou muitos debates e controvérsias. Ora, a área que está
mais próxima da lingüística porque também lida primordialmente com a palavra, é
a literatura. Não é de se estranhar que o primeiro campo da semiótica a se
expandir para fora da lingüística foi o dos estudos literários, especialmente na
semiótica da narrativa, da poesia e do discurso em geral. Sob esse aspecto,
bastante influente até hoje é a semântica narratológica e de A. J. Greimas,
baseada em um modelo actancial, inserido em uma teoria discursiva complexa
que apresenta uma trajetória entre o nível profundo e o nível superficial do
discurso. Ao longo dos anos, essa teoria foi evoluindo para uma gramática modal
e aspectual que estende as ações narrativas para uma semiótica das emoções e
paixões dos actantes.
Ainda nas décadas de 1960­70, sob o nome de formalismo russo, estavam
recebendo ampla divulgação por todo o mundo ocidental os estudos que haviam
sido levados a cabo no começo do século na então União Soviética e que o
stalinismo silenciara por algum tempo. Os ideais de fundação de uma ciência da
literatura, que nortearam esses estudos, não apenas apresentavam coincidências
com os ideais da lingüística, como também vinham de fundações lingüísticas. Em
função disso, alguns pensam que a semiótica literária se restringe às fontes
estruturalistas e formalistas, o que também é um equívoco. Na própria União
Soviética havia nascido, contemporaneamente ao formalismo, o Círculo de
Bakhtin cujos trabalhos, voltados para o campo da literatura e da cultura,
apresentavam distinções claras em relação ao formalismo. Foi também na União
Soviética que, a partir do rico legado deixado pelos formalistas e Bakhtin,
desenvolveu­se a Escola de Tartu cujas pesquisas tinham por escopo os
fenômenos da cultura em geral.
Ainda por volta dos anos 1970, o vasto domínio de pesquisa semiótica deixado
por C. S. Peirce começou a ser resgatado do esquecimento graças aos sinais de
alerta dados por Roman Jakobson sobre a importância fundamental do trabalho
de Peirce para o estudo dos mais diversos processos de signos. Embora
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Jakobson tenha sido um lingüista de formação, são conhecidas as suas
contribuições para os estudos da literatura. É importante notar que foram os
estudiosos da literatura os primeiros a explorar a semiótica de Peirce para dela
extrair contribuições aos estudos literários.
Portanto, desde o início, a semiótica literária não se limitou ao estruturalismo. De
outro lado, desde os anos 1970, o campo de pesquisas semióticas foi se
expandindo cada vez mais, ao mesmo tempo em que a semiótica foi
gradativamente deixando de ser uma corrente teórica prioritária nos estudos da
literatura.
Já nos anos de emergência da semiótica na Europa, os projetos semióticos de
Roland Barthes e outros abraçavam sistemas de signos além dos lingüísticos e
literários, tais como cinema, pintura, comunicação de massa, moda, culinária etc.
Também nos Estados Unidos, desde os anos 1960, Thomas Sebeok vinha dando
passos firmes para a abertura de novos horizontes da semiótica: das estruturas
textuais à comunicação em geral, da comunicação verbal à comunicação não­
verbal humana, e, para além da comunicação humana, a comunicação animal e
desta para a interdisciplina da biossemiótica, hoje em plena expansão em várias
partes do mundo. Além de todos esses domínios do orgânico, com o
desenvolvimento do computador e cultura digital, as máquinas e computadores
até a inteligência artificial e vida artificial passaram a se constituir em um novo
desafio para a pesquisa semiótica.
Quanto aos estudos semióticos da literatura, passada a grande repercussão da
década de 1970, a despeito da variedade de suas tendências, a semiótica da
literatura foi se tornando, cada vez mais, apenas uma entre outras modernas
teorias da literatura. Embora não goze da mesma prioridade que a literatura lhe
deu nos anos 1970, a relevância da semiótica para os estudos literários é até
hoje indiscutível, o que pode ser medido pelo enorme volume de bibliografia
existente em que a literatura é trabalhada tanto teórica quanto criticamente à luz
de conceitos semióticos.
Tal é o caso, por exemplo, do conceito de iconicidade que encontra na literatura
um campo privilegiado de manifestação. O ícone é, por excelência, um signo
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Postado por Ju_infernal às 17:02 
motivado que rompe com o princípio da arbitrariedade da língua. Na teoria dos
signos de C. S. Peirce, responsável por ter notabilizado o conceito de
iconicidade, o ícone é um signo que significa seu objeto porque apresenta
semelhanças qualitativas com ele. Ora, um texto é tanto mais literário quanto mais
a linguagem,ao manipular o potencial icônico da língua, é capaz de materializar
nas próprias palavras aquilo sobre o que fala, transfigurando a
convencionalidade em sentidos motivados que saltam à flor da pele das palavras.
É sob o poder das analogias, no âmago da iconicidade, que a linguagem literária,
na sua quinta­essência que é a poesia, chega a roçar as nervuras e os vincos
secretos das coisas e dos ritmos vitais.
Além da possibilidade de penetração analítica nos meandros mais sutis das
palavras, a teoria geral dos signos permite desenvolver relações de várias ordens
entre a semiótica e a literatura. Estas são relações internas, estabelecidas nos
limites da própria literatura, e que recebem o nome de literatura comparada, da
qual uma regionalidade seria a semiótica da tradução, e relações externas, estas
desdobradas em dois níveis: relações da literatura com as demais artes: música,
pintura, escultura etc. e relações da literatura com outros sistemas de signos:
jornal, fotografia, cinema, publicidade, televisão, hipermídia. Tudo isso é viável
porque a teoria geral dos signos nos habilita a perceber as inter­influências e
intercâmbios de recursos que um sistema de signos pode estabelecer com outros
e que são chamados de processos intersemióticos. Sob essa lente, torna­se
perceptível por que e como uma linguagem pode fecundar a outra, como a
literatura pode fecundar o cinema e vice­versa, como a música pode fecundar a
poesia e vice­versa. Enfim, o saber semiótico funciona como um passaporte de
trânsito entre as linguagens e como um detector das forças nascentes da
linguagem que encontram suas fontes privilegiadas na literatura.
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