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O direito sucessório do filho concebido por Inseminação Artificial post mortem

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jusbrasil.com.br
29 de Outubro de 2017
O direito sucessório do filho concebido por Inseminação Artificial
post mortem
RESUMO
A cada ano a medicina vem evoluindo seus métodos de atuação com a finalidade de
melhorar o bem-estar do ser humano, sendo que uma dessas evoluções diz respeito
ao método de reprodução assistida, com o objetivo de ajudar casais que sofram
com problemas de infertilidade a realizar seus sonhos de terem um filho. Porém,
esse método acabou por trazer uma consequência inesperada referente ao direito
sucessório do filho nascido por meio dessa técnica quando ela for realizada após a
morte do marido. Isso porque os outros herdeiros, através do princípio da saisine,
já adquirem a propriedade dos bens do falecido antes mesmo dessa criança nascer.
Dessa forma, haveria um choque entre os direitos sucessório dessa criança nascida
por meio da inseminação artificial post mortem e os outros herdeiros do de cujus,
vivos à época de abertura da abertura da sucessão. A questão se agrava pelo fato de
que não existe, no Brasil, uma lei que regulamente especificamente esse tema. O
atual Código Civil até chega a fazer algumas considerações, dando o status de filho
legítimo à criança nascida nessas condições. Apesar disso, o Código acaba por se
contradizer, pois ao mesmo tempo em que reconhece esse status, mais a frente ele
retira a possibilidade dessa criança em ter acesso à parte legítima da herança,
concedendo-lhe apenas a metade dos bens que pode ser disposta em testamento.
Ou seja, a abordagem feita por essa legislação não é bem formulada. O principal
objetivo deste trabalho é buscar uma solução para o caso, através de pesquisa
bibliográfica, analisando o pensamento de doutrinadores e a legislação comparada
com a de outras nações, as quais já possuem leis a esse respeito; sugerindo
mudanças na lei para melhor atender a problemática.
Palavras-chave: Inseminação. Póstuma. Sucessão. Herdeiro. Saisine
1. INTRODUÇÃO AO TEMA
PUBLICAR CADASTRE-SE ENTRARPESQUISAR
A medicina, a cada ano, vem evoluindo seus métodos de atuação através da mais
alta tecnologia com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos seres humanos.
Sendo que uma das atuações mais conhecidas desse ramo da ciência visa resolver
um problema que há séculos aflige a humanidade: o da infertilidade.
Essa questão foi resolvida através do método de inseminação artificial, o qual
ajudou um número incalculável de casais a realizarem o sonho de serem pais. Além
disso, mulheres cujos parceiros faleceram, puderam, mesmo assim, gerar crianças
utilizando o material genético dos mesmos; dando à luz a crianças nascidas após a
morte de seu pai.
Porém, essa tecnologia acabou por trazer uma consequência um tanto quanto
inesperada no que diz respeito a inseminação artificial post mortem: a princípio,
crianças nascidas por meio do método da fertilização in vitro feita após a morte de
seu progenitor teriam o direito à sucessão dos bens de seus falecidos pais garantido
pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal. Com isso, haveria um choque
entre o direito das pessoas que já receberam a sua parte da herança e o direito do
recém-nascido em receber o seu quinhão.
Esse problema se agrava pelo fato de que, no Brasil, não existe nenhuma lei que
verse sobre o assunto, ao contrário de alguns países que já possuem legislações que
buscam resolver a questão.
Este trabalho tem como objetivo analisar como o poder judiciário lida com a
sucessão de crianças concebidas após a morte de seu progenitor, discutindo seu
direito à herança em conflito com os de outros herdeiros.
2. DIREITO DE FAMÍLIA
2.1Conceito de família
O estudo da sucessão do filho concebido por inseminação artificial post mortem
será iniciado com uma breve análise sobre o Direito de Família. O objetivo desse
estudo é saber se uma criança concebida após a morte do seu genitor pode ser
considerada como filho legítimo de seu pai e, dessa forma, ter direito à sucessão.
Não existe um conceito definido a respeito do que seja família. Tanto o Direito,
como a Antropologia e a Sociologia fornecem definições diferentes a respeito do
tema e, mesmo assim, se analisarmos o conceito apenas dentro do aspecto jurídico,
encontraremos diferentes formas de definição para os ramos, por exemplo, do
Direito Civil, Penal e Tributário.
Venosa (2007) considera a família no que ele denomina de “conceito amplo”
baseando-se nas relações de parentesco, ou seja, para o autor, família é “[...] o
conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.” (VENOSA,
2007, p. 2).
Figueiredo e Giancoli (2012, p. 228) definem o conceito de família como“[...] o
núcleo fundamental da sociedade, pois representa o primeiro agente socializador
do ser humano.”
Já Diniz (2012) vai mais além e divide o conceito em três acepções fundamentais: a
amplíssima, a lata e a restrita. No sentido amplíssimo, segundo a autora, o termo
engloba todas as pessoas que estiverem ligadas pelo vínculo de consanguinidade
ou afinidade.
Esse conceito pode inclusive incluir estranhos, como no caso do artigo 241 da Lei
nº 8.112/90, que considera como família do servidor público, além de seu cônjuge
e seus descendentes, qualquer pessoa que dependa dele, como mostrado a seguir:
“Art. 241. Consideram-se da família do servidor, além do cônjuge e filhos,
quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem do seu assentamento
individual.”(BRASIL, 1990, não paginado).
Na concepção lata, o conceito de família abrange, além de cônjuges ou
companheiros e filhos, os parentes em linha reta ou colateral e os afins, estes
definidos nos artigos 1.591 e 1.592 do Código Civil (BRASIL, 2002). Como exemplo
de legislação que utiliza essa definição, temos o parágrafo único do artigo 25 da Lei
nº 8.069/90, sendo que, na ocasião, o dispositivo utiliza a denominação de
“família extensa”, como observado:
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por
parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém
vínculos de afinidade e afetividade. (BRASIL, 1990, não paginado).
O último sentido estabelecido por Diniz (2012), e que será adotado neste trabalho,
considera família como o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e
da filiação, em outras palavras, os cônjuges ou companheiros e a prole.
Apesar do grande número de conceitos diferentes, pode ser considerado um
consenso que a mais importante característica da família, principalmente nos
tempos atuais, e considerada a pedra fundamental das relações familiares é o afeto.
Isto é, a família não surge por uma imposição do ordenamento jurídico, mas pela
convivência de pessoas que possuem uma reciprocidade de sentimentos. Porém, a
partir de uma análise das relações familiares pela história, percebemos que nem
sempre a relação familiar foi baseada no afeto, como será visto a seguir.
2.2A evolução das relações familiares
Venosa, citando Engels (ENGELS, 1997 apud VENOSA, 2007), afirma que, nos
primórdios das civilizações, as famílias não se assentavam em relações individuais,
ou seja, as relações sexuais ocorriam entre todos os membros de uma tribo. Dessa
forma, o pai das crianças nunca era conhecido, apenas a mãe, o que nos permite
afirmar que a família teve um início matriarcal, pois era ela a única que alimentava
e cuidava de seus filhos.
Com o passar do tempo, os homens passaram a buscar relações sexuais com
mulheres de outras tribos, pois houve o aumento da ocorrência de guerras, nas
quais muitos membros da comunidade eram mortos. Para Venosa (2007), a partir
desse momento, o homem começa a marchar rumo às relações individuais,
monogâmicas, embora muitas outras civilizações aindamantivessem a poligamia.
Com a monogamia, a família começou a sair do poder matriarcal e o pai passou a
exercer o poder familiar. Na Babilônia, por exemplo, onde a família era
monogâmica, o direito autorizava o marido a procurar uma segunda esposa caso a
primeira fosse estéril ou possuísse alguma doença grave.
Em Roma e na Grécia, o poder do patriarca era praticamente absoluto. A mulher
era vista apenas como uma mera reprodutora e não tinha nenhum direito sobre os
bens da família, mesmo na ausência de seu marido.
Nesse momento histórico, a união familiar, apesar de poder existir entre os entes
afetividade, se baseava principalmente no culto aos seus antepassados, o qual era
dirigido pelo pai. A mulher, ao se casar, deixava de cultuar os antepassados de sua
família, e passava a oferecer oferendas aos deuses de seu marido (VENOSA, 2007).
Dessa forma, a família era vista como um grupo de pessoas que cultuavam os
mesmos deuses e antepassados. Por conta disso, era importantíssimo o nascimento
de um menino para continuar o culto familiar, sob pena de a família desaparecer.
Esse filho precisava ser legítimo, pois os bastardos também não possuíam nenhum
direito dentro da família e, dessa forma, não poderiam ministrar a adoração aos
antepassados.
Na Idade Média, perante as classes nobres, a família perdeu totalmente a sua
conotação afetiva, pois os casamentos eram feitos visando, principalmente,
acordos econômicos e não a simpatia entre os noivos.
Com isso, eram muito comuns os casamentos entre primos ou entre um tio com a
sua sobrinha. Também era incentivado o casamento da viúva, sem filhos, com o
parente mais próximo de seu marido, sendo que o filho concebido por essa união
era considerado filho do falecido. Tudo era feito com o objetivo de preservar o
patrimônio da família (VENOSA, 2007).
Na Idade Moderna, a família era um fator econômico de produção, pois nos lares
existiam pequenas oficinas artesanais, as quais garantiam o sustento de seus
membros.
Isso mudou com o advento da Revolução Industrial, onde o modelo de família foi
mais uma vez alterado. Na ocasião, a família perdeu sua característica de unidade
de produção e, dessa forma, sua função se transfere para o âmbito da afetividade,
ou seja, a família passou a ser a instituição onde “[...]se desenvolvem os valores
morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros.”
(BOSSERT-ZANNONI, 1996, p. 5 apud VENOSA, 2007, p. 3).
No mundo contemporâneo, principalmente no ocidente, a família segueo:
[...] modelo romano-germânica (judaico-cristão), onde vigia o sistema
patriarcal, religioso, ou seja, pelo sistema do pátrio-poder, em que o pai não
tinha limites, comandava a família e era quem sustentava a mulher e sua
prole.(CORRÊA, 2013, não paginado).
Como prova do pensamento da época, o próprio Código Civil de 1916 não trazia a
possibilidade de a mulher prover o sustento da família, como mostra o artigo 233,
que assim expõe:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao
marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou
do pacto antenupcial;
III. Direito de fixar e mudar o domicílio da família;
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto
conjugal;
V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.
(BRASIL, 1916, não paginado).
Em outras palavras, o papel da mulher se resumia a cuidar do lar, do marido e de
seus filhos.
Apesar disso, no decorrer do século XX a sociedade passou por inúmeras
mudanças de pensamento que transformaram a concepção de família. O
crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, tornando-as menos
dependentes de seus maridos; o desgaste das religiões tradicionais, que fez com
que se aumentasse o número de divórcios e, mais recentemente, o reconhecimento
jurídico das uniões estáveis, que fez com que a família se estruturasse
independentemente de núpcias (VENOSA, 2007).
Um caso marcante dessa mudança na forma de pensar da sociedadeocorreu na
França na década de 1970 quando foi extinto a expressão “chefe de família”, pois,
desde o fim da Segunda Guerra, houve o aumento de famílias comandadas
somente pelas mães. No Brasil, as modificaçõesno conceito de família só se
acentuaram após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
2.3 O conceito de família para a constituição de 1988
A nova Carta Magna, segundoScalquette (2010, p. 40), trouxe três mudanças
fundamentais:
[...]igualaram-se os direitos entre o homem e a mulher, instituiu-se a igualdade
entre os filhos, sejam estes havidos ou não na constância do matrimônio, e
ainda consagrou o pluralismo familiar, qual seja, reconhecendo como
entidades familiares a união estável e a família monoparental.
No decorrer desta seção, analisaremos com mais detalhes cada mudança
explicitada pela autora, aplicando os referidos conceitos, de forma análoga, ao
tema deste trabalho com a finalidade de se atender ao objetivo proposto neste
capítulo.
2.3.1A igualdade entre o homem e a mulher na constituição de 1988
Com relação à igualdade de direitos entre o homem e a mulher, isso está previsto
no artigo 5º, inciso I da Constituição Federalque expõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.(BRASIL, 1988, não paginado).
Esse pensamento expresso no texto constitucional vai de encontro ao que está
escrito na Lei nº 4.121/62, o Estatuto da Mulher Casada (BRASIL, 1962), visto que
extinguiu a incapacidade relativa conferida à mulher casada. A grande
consequência dessa igualdade se mostrou na questão do divórcio. Com o passar
dos anos a possibilidade de se dissolver a sociedade conjugal se tornou cada vez
mais simples.
Segundo Diniz (2012, p. 360), “O divórcioé a dissolução de um casamento válido,
ou seja, extinção do vínculo matrimonial [...], que se opera mediante sentença
judicial ou escritura pública, habilitando pessoas a convolar novas núpcias.”
Um exemplo da facilidade verificada para se realizar o divórcio se evidenciou com
a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010 (BRASIL, 2010) que
alterou a redação do artigo 226, § 6º, da Constituição, onde se verifica que, para a
lavratura de escritura pública de divórcio direto, não se precisa mais demonstrar a
existência de lapso temporal e nem a presença de testemunhas. Apenas alguns
requisitos devem ser preenchidos, por exemplo, a intenção clara de romper o
vínculo matrimonial e, principalmente, a inexistência de filhos menores ou
incapazes.
Porém, para este trabalho, o mais interessante é fazermos uma análise a respeito
do divórcio da mulher grávida para fins de reconhecimento de paternidade. Para
isso analisaremos o inciso II do artigo 1.597 do Código Civil de 2002, onde está
escrito o que se segue: “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do
casamento os filhos: [...] II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução
da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento.”(BRASIL, 2002, não paginado). Portanto, se a criança nascer até
trezentos dias após o divórcio, ela deverá ter o status de filha e, dessa forma, fará
jus aos direitos sucessórios.
2.3.2 A união estável
Com relação ao pluralismo familiar, que a Constituição vai contra o entendimento
secular de que a instituição familiar somente seria provida com o matrimônio.
Um exemplo desse entendimento é a união estável. Monteiro e Silva (2010, p. 46) a
definem como “[...]a ausênciade casamento para aqueles vivam como marido e
mulher.”. Ela também está prevista no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição
Federal onde está escrito:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento (BRASIL, 1988, não paginado).
Além desse dispositivo constitucional, também foi promulgada uma lei para
regular a união estável, a lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que logo em seu
artigo 1º estabelece seus requisitos: “Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar
a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família.”(BRASIL 1996, não
paginado). Ou seja, para ser união estável é preciso que a convivência do casal seja
duradoura, pública e contínua.
Uma convivência duradoura significa que a relação precisa durar por um tempo
considerável. Ao contrário do casamento, no qual a cerimônia pode ser realizada
em um dia e o divórcio no dia seguinte, a união estável deve permanecer por um
lapso temporal maior. Esse prazo deve ser estabelecido pelo juiz caso a caso, já que
a lei não indica o valor em seu texto.
Já com relação à publicidade da relação, isso significa que o relacionamento do
casal deve ser notório, ou seja, eles devem passar a impressão de que realmente
são um casal para as pessoas em volta. A relação secreta gera o desconhecimento
do fato e, consequentemente, a sua dificuldade de sua comprovação em juízo.
Relações clandestinas, como o concubinato, não constituem união estável, apesar
dos filhos dessas relações também possuírem direitos sucessórios.
A união também deve ser contínua, isto é, a convivência não pode ser eventual.
Apesar de ser comum todos os casais terem suas brigas e reconciliações, esses
desentendimentos não desconfiguram o requisito da continuidade. O mais
importante é que a relação não pode ser vista como casual.
É importante salientar que o requisito mais importante para se caracterizar a união
estável, e o que o diferencia de um simples namoro, é o objetivo de constituição de
uma família. Além disso, a simples existência de relação sexual entre o casal não é
suficiente para caracterizar a união estável.
Um casal também pode viver em união estável mesmo morando em casas
separadas, porém, aquela só vai se configurar se isto tiver um motivo justo, como
motivos profissionais por exemplo (MONTEIRO; SILVA, 2010).
Também é importante destacar que a união estável possui um requisito negativo
que é a inexistência de impedimentos matrimoniais, os quais estão previstos no
artigo 1.521 do Código Civil (BRASIL, 2002, não paginado), onde se lê:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi
do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau
inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de
homicídio contra o seu consorte.
Dessa forma, uma relação duradoura, pública e contínua entre irmãos, por
exemplo, não pode ser considerada como união estável.
Se preenchido todos os requisitos, a união estável gera uma família e, com isso,
surgem os direitos a alimentos, regime de bens e, o principal objeto de estudo
deste trabalho, o direito à sucessão.
2.3.3A família monoparental
A denominada família monoparental é aquela formada por apenas um dos pais e
seus descendentes. Ela está definida no artigo 226, parágrafo 4º da Constituição
Federal (BRASIL, 1988, não paginado) redigido da seguinte forma: “Art. 226. A
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...] § 4º Entende-se,
também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes.”
Essas famílias podem ser aquelas constituídas por pais viúvos, pais solteiros que
criam seus próprios filhos ou filhos adotados e, por fim, pais separados ou
divorciados (WITZEL, 2013).
Com relação à família monoparental constituída por pais viúvos, esta será a mais
abordada neste trabalho, além de ser a mais antiga, pois sempre quando um dos
cônjuges falecia, consequentemente formava-se uma família desse tipo.
Com o avanço da tecnologia, uma nova causa de formação de famílias
monoparentais surgiu: aquela formada da utilização, pela mulher, do material
genético previamente recolhido de seu falecido parceiro; o qual é usado para
fecundar seu óvulo através do processo de inseminação artificial.
SegundoWitzel (2013), a principal causa das mulheres recorrerem a esse
procedimento, apesar de ser permitida a adoção de crianças por mulheres
solteiras, seria o sonho de poder gerar o próprio filho.
Existem muitas discussões a respeito das consequências psicológicas, morais e
éticas que poderiam resultar no crescimento de uma criança nascida nessas
condições. Porém, há um consenso de que ela deveria ser considerada como filha
do falecido, apesar de divergirem quanto aos seus direitos sucessórios.
2.4 O princípio da igualdade entre os filhos
O princípio da igualdade entre os filhosestá estabelecido no artigo 227, § 6º da
Constituição Federal, onde está escrito:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
[...]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988, não paginado).
Como se pode perceber através de uma simples leitura do dispositivo acima, o
atual Direito Brasileiro veda quaisquer diferenças de tratamento com relação a
filhos havidos ou não dentro da relação matrimonial, ou seja, todos possuem os
mesmos direitos e deveres. Porém, nem sempre isso ocorreu dessa maneira.
Diniz (2012), em seu livro, classifica osfilhos gerados em dois tipos: os naturais e
os espúrios; sendo que os filhos naturais seriam aqueles descendentes de pais os
quis não possuíam nenhum impedimento matrimonial quando os conceberam. Já
os espúrios são aqueles descendentes de pais os quais, na época que os
conceberam, possuíam impedimento matrimonial. A autora os subdivide em
adulterinos e incestuosos.
Os filhos adulterinos são aqueles que nascem de casal impedido de casar em
virtude de casamento anterior, ou seja, são aqueles frutos de um adultério. Esse
adultério pode ser duplo, isto é, adulterinidade bilateral se a criança descender de
homem casado e mulher casada, ou adulterinidade unilateral, sendo adulterino a
patre, se o homem for casado e a mulher solteira; ou adulterino a matre, se
proveniente de homem solteiro e mulher casada.
Os filhos espúrios incestuosos são aqueles nascidos de homem e mulher que, por
causa de uma relação de parentesco natural, civil ou afim, não poderiam casar à
época da concepção da criança (DINIZ, 2012).
Antes da Constituição de 1988, apenas eram considerados filhos legítimos os
naturais, sendo que os outros não possuíam nem ao menos o direito de serem
reconhecidos como filhos, como mostra o artigo 358 do Código Civil de 1916, que
afirma que “Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser
reconhecidos.”(BRASIL, 1916, não paginado).
Apesar disso, esse entendimento foi mudandocom o passar dos anos até a
promulgação da Constituição Federal, e, mesmo depois desta, ainda foi sancionada
a Lei nº 8.560/92 (BRASIL, 1992), que regulava a investigação de paternidade dos
filhos havidos fora do casamento. Dessa forma, tanto os filhos havidos dentro ou
fora de uma relação matrimonial possuem direitos iguais, inclusive o direito à
sucessão.
2.5Conclusões preliminares
A partir do que foi enunciado acima, podemos concluir que, segundo a
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), serão considerados filhos legítimos
e, dessa forma, terão direito à sucessão, as crianças nascidas nos trezentos dias
seguintes à dissolução do casamento, aquelas nascidas fruto de uma união estável e
aquelas nascidas mesmo após a morte de seu genitor.
Também podemos afirmar que, perante a lei, não deverá haver distinção entre
aqueles filhos concebidos na constância do casamento e aqueles gerados de
relações extraconjugais. Todos terão os mesmos direitos, inclusive o direito à
sucessão.
Dessa forma, utilizamos da analogia para aplicarmos as conclusões acima definidas
ao tema deste trabalho, é possível concluir que: se um casal havia se divorciado e o
ex-cônjuge tiver falecido deixando seu material genético congelado. Se este for
utilizado por sua ex-mulher através do método da inseminação artificial post
mortem para gerar uma criança, esse filho, em tese, terá o status de filho legítimo
e, consequentemente, o direito à herança, se nascer nos trezentos dias
subsequentes ao divórcio de seus pais.
Um casal que viver em união estável e optar em conceber um filho por inseminação
artificial, se o homem morrer e sua ex-companheira utilizar esse material para
conceber um filho, essa criança também, em teoria, será filha legítima do falecido e
também terá direito à sucessão.
A concubina que utilizar o material genético de seu amante falecido para gerar
uma criança, esse filho também deverá, em regra, ser considerado como legítimo e
também teria direito à herança do falecido.
Em resumo, a criança nascida por inseminação artificial post mortem pode sim, a
princípio, ser considerada filha legítima de seu falecido pai. Porém, será que a
presunção dessa filiação é válida para toda e qualquer tipo de fertilização in vitro
existente? Esse questionamento será respondido ao se estudar com mais detalhes o
método de inseminação artificial, o que será feito no capítulo a seguir.
3. O MÉTODO DE INSEMINAÇÃO
ARTIFICIAL
3.1 Conceito de inseminação artificial
A inseminação artificial, também conhecida como concepção artificial, fertilização
artificial, semeadura artificial, fecundação ou fertilização in vitro, é uma técnica de
reprodução assistida e “[...] consiste na colocação de forma artificial do sêmen do
parceiro ou doador no interior do útero da mulher, com o objetivo de auxiliar os
casais que não conseguem engravidar de forma natural [...]” (SILVA, 2012, não
paginado), ou seja, casais que possuem problemas de infertilidade.
Infertilidade é a incapacidade de um casal de gerar um filho ou de uma mulher de
levar sua gravidez até o final, isto é, até o parto. Essa incapacidade pode ser
permanente ou temporária e possui vários fatores diferentes, como endometriose e
a síndrome dos ovários policísticos, no caso das mulheres; e má formação, pouca
mobilidade ou mesmo ausência de produção de espermatozoides no caso dos
homens. A idade também é um fator que causa infertilidade.
O objetivo deste capítulo será o estudo a respeito do método da inseminação
artificial, seu histórico, o procedimento para sua realização e, principalmente, a
análise de como a legislação pátria, mais precisamente o Código Civil (BRASIL,
2002), cuida desse tema.
3.2Histórico
Segundo Lima Júnior (2013), os gregos já haviam iniciado o estudo sobre
embriologia desde o século V a. C., sendo que Aristóteles, no século IV a. C., foi o
primeiro responsável pela elaboração de um tratado sobre o assunto.
Com a invenção do microscópio no século XVI, o avanço científico passou a ser
mais expressivo e, em meados do século XVII, passou-se a se admitir a esterilidade
de ambos os sexos, o que fez com que os cientistas buscassem novos métodos e
técnicas como forma de combate à infertilidade.
Porém, a primeira experiência científica envolvendo inseminação artificial
somente foi realizada em 1777 pelo monge italiano Lazzaro Spallanzani, que
pretendia demonstrar a possibilidade de fecundação sem a necessidade da relação
sexual. Utilizando o sêmen de um cachorro, o religioso o implantou em uma cadela
no cio, que, sessenta e dois dias depois, deu à luz a três filhotes (LIMA JÚNIOR,
2013).
As investigações sobre a inseminação artificial humana só começaram em meados
de 1790, sendo que apenas no final do século XIX os pesquisadores concluíram que
a fecundação se dava pela união de um espermatozoide com um óvulo.
No ano de 1884, na Filadélfia, William Pancoast foi o primeiro a obter sucesso em
inseminar uma mulher com o material genético doado por um terceiro e, a partir
dos anos seguintes, com o desenvolvimento de novas técnicas de manipulação e
preservação do sêmen, as inseminações tornaram-se cada vez mais frequentes.
A partir do século XX, o método de inseminação artificial passou por um grande
desenvolvimento por conta de várias descobertas, como a possibilidade de
descoberta do período fértil da mulher, em 1932, e a criopreservação dos
espermatozoides, em 1945 (LIMA JÚNIOR, 2013).
Na década de setenta, na Inglaterra, ocorreu o nascimento do primeiro bebê
concebido pela fertilização in vitro através da utilização de material genético de
seus pais. No Brasil, a primeira criança concebida nessas condições nasceu em
1992.
3.3 O procedimento de inseminação
O processo de inseminação artificial é realizado em três etapas, a saber:
estimulação dos ovários através de medicamentos para que estes possam ovular;
seleção de espermatozoides e o processo de inseminação propriamente dito
(CONCEPTION..., [200?]).
3.3.1 Primeira etapa
A inseminação artificial se inicia com a estimulação dos ovários para que estes
possam ovular. Isso é feito através da ministração de medicamentos, como a
Gonadotrofina sintética e o Clomifeno, que devem ser utilizados sob orientação
médica por causa de seus efeitos colaterais; por exemplo, a retenção de líquidos e o
câncer de ovário.
A ovulação ocorre, normalmente, sete dias após a interrupção do uso do
medicamento. É importante frisar que, como a mulher foi induzida à ovulação, é
muito provável que não apenas um dos ovários tenha liberado um óvulo, o que
aumenta o risco de gravidez gemelar (CONCEPTION..., [200?]).
3.3.2 Segunda etapa
A segunda etapa do processo de inseminação artificial consiste na escolha dos
espermatozoides para a fecundação. O marido ou parceiro fará a coleta
aproximadamente de uma a uma hora e meia antes do processo de inseminação,
pois este é o tempo necessário para que os espermatozoides sejam cuidadosamente
escolhidos.
A coleta se dá, na maior parte das vezes, em uma sala específica do consultório.
Porém, ela também pode ser feita na própria casa do marido ou parceiro, sendo
que, nesse caso, é extremamente importante que o material esteja no consultório
no máximo uma hora após a coleta.
O sêmen pode ser recolhido de inúmeras formas, sendo que, na grande maioria das
vezes ele é coletado por meio da masturbação em um recipiente estéril fornecido
pelo consultório. Se existir ejaculação retrógrada, ele é recolhido pelo médico
através da urina. Se o paciente for paraplégico ou tetraplégico, a coleta é realizada
por meio da eletroestimulação (CONCEPTION..., [200?]).
O preparo pode ser feito de inúmeras maneiras, mas o principal objetivo é separar
o maior número de espermatozoides bons daqueles que possuem pouca
mobilidade ou que estão mortos. Nessa etapa também se retiram do sêmen outras
células e substâncias tóxicas que possam estar presentes.Após o preparo, o sêmen pode ser utilizado na fase de inseminação, ou pode ser
congelado para futura utilização. Isto será importante para o estudo do tema deste
trabalho e será analisado com mais detalhes na seção 4.2.
3.3.3 terceira etapa
A terceira etapa do procedimento é a fase da inseminação propriamente dita, que é
realizada durante o período ovulatório da mulher para que, dessa maneira, possa
ocorrer a fecundação.
Normalmente, a inseminação é realizada apenas uma vez no mês. Porém, em
alguns casos, para aumentar a probabilidade de gravidez, realiza-se duas
inseminações no mesmo mês, o que é chamado de inseminação dupla.
Os espermatozoides podem ser lançados em qualquer ponto do útero. Porém, as
chances de gravidez aumentam se eles forem lançados mais ao fundo da cavidade
uterina devido à proximidade com as trompas.
A inseminação é feita através de um cateter (um tubo longo e fino de plástico), e a
paciente fica em repouso por cerca de trinta minutos, sendo liberada logo a seguir.
Entre doze a quinze dias após o procedimento é realizado o teste de gravidez
(CONCEPTION..., [200?]).
3.4Tipos de inseminação segundo o código civil de 2002
Após várias críticas com relação ao seu projeto original, foi inserido, no artigo
1.597 do Código Civil de 2002, os incisos III, IV e V, que tratam a respeito da
reprodução assistida, fazendo referência às técnicas homóloga e heteróloga de
inseminação artificial, como exposto a seguir:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido (BRASIL, 2002, não paginado).
Venosa (2007, p. 216), em seu livro, critica esse dispositivo. O autor escreve que:
Advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a
reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da
problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa
matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei
específica, por um estatuto ou microssistema. Com esses dispositivos na lei
passamos a ter, na realidade, mais dúvidas do que soluções, porque a
problemática ficou absolutamente capenga, sem a ordenação devida, não só
quanto às possibilidades de o casal optar pela fertilização assistida, como pelas
consequências dessa filiação no direito hereditário. É urgente que tenhamos
toda essa matéria regulada por diploma legal específico. Relegar temas tão
importantes aos tribunais acarreta desnecessária instabilidade social.
De fato, a problemática abordada neste trabalho existe justamente por causa da
falta de uma norma que regulamente, de forma clara, a situação do filho concebido
por meio de reprodução in vitro após a morte de seu genitor com relação ao seu
direito de sucessão. Quando o ordenamento jurídico não faz, gera uma profunda
insegurança jurídica para com os outros herdeiros, que ficam com o direito
adquirido sobre o seu quinhão ameaçado.
Agora, será analisado mais detalhadamente a inseminação artificial homóloga e a
heteróloga.
3.4.1 Inseminação artificial homóloga
A inseminação artificial homóloga está expressa nos incisos III e IV do artigo
supracitado (BRASIL, 2002). Monteiro (2007, p. 307) a conceitua da seguinte
forma: “A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário
do marido. Neste caso, o óvulo e o sêmen pertencem à mulher e ao homem,
respectivamente, pressupondo – se, in casu, o consentimento de ambos.”
Em outras palavras, a inseminação artificial homóloga é aquela em que se usa
material genético do próprio casal. Ou seja, o óvulo deve ser da própria esposa e o
sêmen deve ser do próprio marido, obrigatoriamente.
Tomando como base o estudo feito no capítulo anterior, pode-se afirmar que, para
que a fertilização in vitro seja considerada homóloga, não há a necessidade de que
o homem e a mulher sejam casados, podendo também ocorrer em casos de união
estável, por exemplo. O mais importante, como comenta o autor, é que haja o
consentimento de ambos sobre a extração e manipulação de seu material genético.
A atribuição de paternidade, segundo Coco (2012), é algo simples, visto que será
pai o doador do sêmen por ter dado seu consentimento à época da colheita e por
conta da sua identificação genética com o embrião.
O mais interessante para o estudo neste trabalho, porém, é a parte final do inciso
III (BRASIL, 2002), que declara pai o doador do sêmen mesmo após este chegar ao
fim de sua vida.
Para que ocorra a fecundação post mortem, é necessário, primeiramente a
criopreservação dos espermatozoides. Sobre o tema, o Conselho Federal de
Medicina, na resolução nº 1957/2010 estabelece que: “Não constitui ilícito ético a
reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do
(a) falecido (a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a
legislação vigente.” (CONSELHO..., 2011, não paginado).
Ou seja, para que haja a reprodução assistida post mortem é necessário que o
marido ou companheiro tenha autorizado a criopreservação do sêmen. Portanto,
deve haver duas autorizações do doador, uma pra que se extraia e se manipule seu
material genético, e outra para congelá-lo visando alguma futura utilização.
Além disso, o Enunciado 106 do Conselho da Justiça Federal, aprovado durante a I
jornada de Direito Civil, objetivando preencher algumas lacunas existentes no
inciso III do artigo 1.597, expõe que essa autorização deve ser escrita e que a
mulher, para que esteja autorizada a realizar o procedimento, deve estar na
condição de viúva, como mostrado a seguir:
[...] para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório
que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com
o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório,
ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize eu material
genético após a morte (BRASIL, 2002, p. 70).
O fato de o enunciado exigir o estado de viuvez da mulher tem fundamento no fato
de que, se ela contrair novas núpcias, isso pode afastar a presunção de paternidade
do marido falecido, como enunciado no artigo 1.598 do Código Civil:
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no
inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho,
este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar
da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse
período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597 (BRASIL,
2002, não paginado).
Ainda com relação à inseminação artificial homóloga, a doutrina se divide em dois
posicionamentos a respeito da possibilidade de sua realização do ponto de vista
jurídico, como assevera Aguiar (2009, p.117):
Apesar de restar na legislação a atribuição da paternidade do inseminado ao
de cujus, saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da
morte, é tema que divide os doutrinadores em duas correntes básicas. De um
lado, os que defendem essa proteção, ao argumento de ser convergente do
direito da criança à existência. De outro, os que sustentam a impossibilidade
dessa técnica, como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura
familiar formada por ambos os pais.
Entre os autores que defendem a impossibilidade de realização da fertilização post
mortem, o principal argumento é de que os cônjuges ou companheiros são uma
única parte no contrato em que se autoriza o recolhimento e criopreservação de
seu material genético; isto é, para que haja a inseminação artificial, é preciso que a
vontade dohomem e a da mulher sejam “[...] convergentes para a realização de um
único fim.” (COCO, 2012, não paginado). Além disso, também esses doutrinadores
também salientam os possíveis prejuízos psicológicos que a orfandade resultante
dessa técnica poderia causar.
Exemplos de autores que defendem esse ponto de vista citados por Coco (2012) são
João Vaz Rodrigues, João Álvaro Dias e Eduardo de Oliveira Leite. Há também o
Enunciado nº 127 do Conselho Federal Justiça (BRASIL, 2002) que propõe a
supressão do termo “mesmo que falecido o marido”, alegando que o nascimento de
uma criança sem pai afrontaria o princípio da paternidade responsável e o da
dignidade da pessoa humana.
Porém, esse posicionamento não parece ser o mais correto, visto que, como foi
visto no capítulo anterior, a existência da família monoparental é prevista na
Constituição Federal no artigo 226, § 4º (BRASIL, 1988). Há também o Princípio
do Planejamento Familiar, expresso no artigo 226, § 7º (BRASIL, 1988), o qual,
segundo Gama (2003) é decorrente do direito à liberdade previsto no artigo 5º da
Carta Magna e, dessa forma, não pode ser desfeito pela lei em decorrência do
falecimento do pai, por causa de sua manifestação de vontade enquanto ainda
estava vivo.
Ainda a respeito desse assunto, Coco (2012, não paginado) escreve, citando a
possibilidade da adoção post mortem, que “[...] se há a possibilidade de adoção
póstuma no ordenamento jurídico, quando o adotante vier a falecer no curso do
processo de adoção, não há razão de ser para que se proíba a inseminação artificial
homóloga post mortem.”
Dessa forma, parece não haver motivos para que não se permita a prática da
inseminação artificial homóloga post mortem, pois, como se necessita de expresso
consentimento do marido para a sua realização, uma possível proibição seria uma
afronta ao princípio da liberdade expresso no artigo 5º da Constituição Federal
(BRASIL, 1988). Também não existem pesquisas científicas comprovando uma
possível lesão psicológica na criança em virtude desta ter crescido sem a presença
paterna, visto que isso também pode ocorrer em casos sem relação com a
fertilização in vitro.
3.4.2 Inseminação artificial heteróloga
A inseminação artificial heteróloga, por sua vez, foi conceituada por Venosa (2007,
p. 220) da seguinte forma:
A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o
marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido,
incompatibilidade do fator rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc.
Com frequência, recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos quais, em
tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos.
Em outras palavras, a inseminação artificial heteróloga é aquela feita utilizando-se
o material genético da mulher e de um terceiro doador. O sêmen do marido não é
utilizado nesse caso.
A resolução 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina estabelece critérios para a
doação de material genético. Entre elas, destaca-se que a doação não poderá ter
caráter comercial ou lucrativo, além de que a clínica deverá manter um registro
para evitar que o sêmen de um doador venha a ser usado em “[...] mais do que uma
gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.”
(CONSELHO..., 2011, não paginado)
A resolução também é bastante rigorosa com relação à obrigatoriedade do sigilo da
identidade dos doadores e receptores de gametas, conforme expresso a seguir:
[...] 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-
versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as
informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador
(CONSELHO..., 2011, não paginado).
Para fins de estudo neste trabalho, a discussão mais importante se refere à filiação,
visto que a criança terá um pai biológico diferente daquele que irá registrá-la e
criá-la. Em outras palavras, se existe a possibilidade de o marido poder ou não
impugnar a paternidade, excluindo a criança do rol de herdeiros.
Com relação a isso, Aldrovandi e de França (2002, não paginado) escrevem que:
“[...] a inclusão do inciso V do art. 1.597 do Novo Código Civil foi extremamente
importante, porque reforça o entendimento de que ao dar o consentimento, o
marido assume a paternidade, não podendo, após, impugnar a filiação.”
Venosa (2007, p. 220) vai ao encontro do ponto de vista das autoras acima ao
escrever o seguinte: “Se a inseminação deu-se com seu consentimento, há que se
entender que não poderá impugnar a paternidade e que a assumiu. Nesse sentido
se coloca o inciso V, do art. 1597, do atual Código. A lei brasileira passa a resolver
expressamente essa questão.”
Dessa forma, pode-se concluir que, seguindo as orientações do inciso V do artigo
1.597 do Código Civil (BRASIL, 2002), se o marido der prévia autorização para a
realização da inseminação artificial heteróloga, a criança será considerada sua filha
e deverá ter seu direito à sucessão. Assim como no caso da fertilização in vitro
homóloga, essa autorização deverá ser feita por escrito, seguindo normas
estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina.
No caso da autorização não for dada, a doutrina é unânime em afirmar que o
marido poderá impugnar a paternidade, como Venosa (2007, p. 220), que escreve
que “[...] se a inseminação heteróloga deu sem o consentimento do marido, este
pode impugnar a paternidade.”
Moreira Filho (2002) vai mais além e afirma que a mulher, ao se submeter à
fertilização heteróloga sem o consentimento do marido, ela comete um ato
atentatório contra o casamento, ou seja, o cônjuge poderá impugnar a paternidade
da criança mesmo se já tiver feito o registro, pois foi induzido ao erro ao registrá-
la.
Aldrovandi e de França (2002, não paginado), também fazem uma ressalva com
relação aos casais que vivam em união estável. As autoras escrevem o seguinte:
Ainda em relação ao art. 1.597 do Novo Código Civil, é importante ressaltar que a
presunção não se aplica aos filhos havidos na União Estável, visto que o referido
artigo trata especificamente do casamento. Entretanto, sobre essa questão,
entendemos que o consentimento também irá gerar o reconhecimento
incontestável da paternidade por parte do companheiro, pois ao consentir, o
companheiro reconhece a paternidade da criança, tendo plena consciência que não
será seu pai biológico. Situação semelhante a que ocorre na chamada "adoção à
brasileira". Ademais, tendo em vista a proteção dos interesses do menor, seria
inadmissível que o companheiro pudesse rever seu consentimento, e
consequentemente contestar a paternidade da criança.
Ou seja, as regras acima descritas também devem ser plicadas aos casais que vivam
em união estável. Isto é, se o companheiro der anuência para que a sua mulher
realize a fertilização in vitro heteróloga, a ele deverá ser imputada a paternidade
da criança. Caso contrário, ele poderá impugnar a paternidade, mesmo se tiver
feito o registro do recém-nascido como seu filho.
3.5 Questionamento
A partir do foi visto nesse capítulo, podemos concluir, tendo em vista os dois tipos
de inseminação artificial estabelecidos pelo Código Civil de 2002 e aplicando esses
conceitos ao tema deste trabalho, o que se segue:
Em primeiro lugar, observamos que a lei brasileira não contempla o tema da
reprodução assistida de maneira satisfatória. Segundo Venosa (2007) o artigo
1.597 do Código Civil não regulamenta, proíbe ou autoriza a sua prática. Ela apenas
constata a sua existência e tenta, de maneira precária, estabelecer critérios para
atribuição da paternidade. O autor escreve que o assunto seria melhor tratado se
fosse criada uma lei específica para o tema, porém apenas um título dentro do livro
de Direito deFamília (artigos 1511 ao 1783 do Código Civil de 2002) que tratasse
somente dessa questão já se mostraria suficiente para atender a essa necessidade.
Tratando agora da inseminação artificial homóloga, a atribuição da paternidade,
nesse caso, é fácil, visto que será pai quem tiver doado o sêmen. A problemática
que pode ter se mostrado mais difícil de resolver evolvia questões éticas a respeito
da reprodução assistida homóloga post mortem, já que a criança nasceria sem pai.
Porém, isso foi resolvido aplicando-se os princípios constitucionais da liberdade e
do livre planejamento familiar, além da proteção constitucional à família
monoparental e do caso análogo da adoção post mortem. Dessa forma, a prática da
inseminação artificial homóloga post mortem deve sim ser permitida.
A situação mais complexa se deu com a análise da reprodução assistida heteróloga,
visto que ela utiliza apenas o material genético da mulher, pois o espermatozoide é
oriundo de um terceiro doador. A atribuição da paternidade, nesse caso, foi feita
tomando-se como base o consentimento do marido, aplicando-se também, citando
Aldrovandi e de França (2002), o caso análogo da “adoção à brasileira”.
Em suma, essas conclusões vão ao encontro do que foi escrito no capítulo anterior
deste trabalho. Ou seja, a criança nascida por meio da técnica de inseminação
artificial post mortem, seja ela homóloga ou heteróloga, deve sim ser considerada
como filha de seu pai e, dessa forma, pelo menos em tese, ter direito à sucessão de
seus bens. Sendo isso também aplicável os casais que vivam em União Estável ou
concubinato.
Porém, a partir das análises feitas neste capítulo pode-se introduzir uma condição
essencial para que essa presunção de filiação posa ocorrer: a expressa
concordância do marido. Ou seja, o homem deve consentir, obviamente antes de
sua morte, que o seu material genético seja extraído, manipulado e congelado para
uma possível futura utilização, no caso da reprodução assistida homóloga; ou que
sua esposa ou companheira receba o material genético de outro homem para gerar
uma criança, no caso da heteróloga.
Esse consentimento deve ser expresso e feito por escrito, segundo a resolução
1597/2010 do Conselho Federal de Medicina (2011). Dele também não deverá
caber a retratação, tendo em vista o resguardo dos interesses do menor, segundo
Aldrovandi e de França (2002).
E se o homem não demonstrar sua concordância? Nos casos de reprodução
assistida heteróloga a resposta a essa pergunta é simples: a criança não será
considerada sua filha e não possuirá o direito à herança. Porém, nos casos de
reprodução homóloga, como o recém-nascido possui ligação genética com o
falecido, cabe um estudo mais aprofundado do Direito das Sucessões, o que será
feito no próximo capítulo.
4. O DIREITO DAS SUCESSÕES
4.1Introdução
Diniz (2010, p. 3) conceitua o Direito das Sucessões como sendo “[...] o conjunto
de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua
morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento.”
A palavra “suceder” significa substituir, ou seja, ocorre quando alguém toma o
lugar de outra pessoa em uma relação jurídica. Isso não ocorre apenas no caso de
falecimento, quando os herdeiros e legatários tomam o lugar do falecido na
propriedade dos bens (sucessão causa mortis); mas também pode derivar de um
ato entre vivos, o que ocorre em um contrato de compra e venda, por exemplo, no
qual o comprador assume a propriedade do bem em lugar do vendedor mediante o
pagamento de uma quantia em dinheiro (sucessão inter vivos) (GONÇALVES,
2009).
Porém, em se tratando apenas do ramo do Direito das Sucessões, esse vocábulo é
utilizado somente para se referir a “[...] transmissão de bens, direitos e obrigações
emrazão da morte” (Venosa, 2007, p. 1). Este é o sentido que será adotado neste
trabalho.
No capítulo anterior, foi visto que para que seja reconhecida a filiação, tanto no
caso da reprodução assistida homóloga como na heteróloga, é necessário o
expresso consentimento do marido. Se isso não for feito, a criança não será
reconhecida como filha e, dessa forma, não poderá suceder seu pai.
Porém, no caso da inseminação homóloga, a criança possui um laço genético com
seu pai, mesmo o procedimento sendo realizado contra a vontade deste. Além
disso, a Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso XXX, o
direito à herança (BRASIL, 1988).
Neste capítulo, além de se procurar resolver essa problemática, será analisada a
situação hereditária dessa criança, nascida após a morte de seu pai, perante os
outros herdeiros e legatários, que já possuem a posse da coisa devido ao princípio
da saisine, que será estudado mais adiante, em um tópico específico.
4.2A abertura da sucessão
A sucessão é aberta a partir da morte do titular dos bens, ou seja, quando a pessoa
natural deixa de existir, como disciplina o artigo 6º do Código Civil de 2002: “Art.
6o. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto
aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.”
(BRASIL, 2002, não paginado).
Dessa forma, não se pode falar de herança de pessoa viva, já que, se o titular dos
bens da herança estiver vivo, não haverá sucessão. No antigo direito romano,
existia essa possibilidade pelo instituto da morte civil (ficta mors), porém isso
ocorre mais no direito moderno.
Segundo Gonçalves (2009), a essa morte a que o legislador se refere é a morte
natural ou real, a qual não importa a causa (velhice, assassinato, entre outros). Isto
é, ocorre a morte real quando se tem certeza do falecimento da pessoa.
Além da morte natural, a lei prevê a morte presumida em seu artigo 7º (BRASIL,
2002), que, segundo Ramos (2010), ocorre emcasos nos quais não foipossível
encontrar o cadáver ou testemunhas que presenciaram a sua morte, mas esta é
considerada extremamente provável, pois a pessoa estava correndo um grande
risco de vida. Nesse caso, como não há certeza da morte, o juiz pode decretar a
morte presumida se houver um conjunto de circunstâncias que o induzem a chegar
nessa conclusão.
A morte presumida pode ser declarada com ou sem a decretação de ausência.
Gonçalves (2009, p. 15) define o ausente da seguinte maneira:“Ausente é a pessoa
que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar um
representante ou procurador para administrar-lhe os bens.”
Para que a morte presumida seja decretada pelo juiz sem a declaração de ausência,
ela precisa atender aos requisitos do artigo 7º do Código Civil, que assim expõe:
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá
ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença
fixar a data provável do falecimento (BRASIL, 2002, não paginado).
Na hipótese do inciso I, isso acontece, por exemplo, no caso de acidentes aéreos
ocorridos em meio ao oceano, nos quais não é possível encontrar os corpos dos
passageiros. Nessas situações, a morte presumida deles pode ser declarada sem a
necessidade de se decretar a ausência.
Já no caso do inciso II, essa situação ocorre nos casos de soldados feitos
prisioneiros em guerra declarada. É importante ressaltar que o prazo de dois anos
para a declaração da morte conta a partir do término da guerra, e não de sua
prisão.
Vale lembrar que, no caso do inciso I, a decretação da morte somente pode se dar
após o término da busca por sobreviventes, ao contrário do inciso II, que possui
um prazo determinado.
Em se tratando de morte presumida com declaração de ausência, o Código Civil
trata desse assuntodo artigo 22 ao artigo 39, sendo o seu procedimento dividido
em três fases: a curadoria dos bens do ausente, a sucessão provisória e a sucessão
definitiva (BRASIL, 2002).
Nessa primeira fase, segundo o artigo 22 do Código Civil, o juiz, em caso de
desaparecimento, poderá decretar a ausência a requerimento de qualquer
interessado ou do Ministério Público. Na ocasião, será nomeado um curador, que
de preferência será o cônjuge, para administrar os bens do ausente (BRASIL,
2002).
Passado um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou três se ele tiver deixado
procurador ou representante, será aberta a sucessão provisória, na qual os bens
serão distribuídos aos herdeiros em caráter provisório pelo prazo dez anos. Vale
lembrar que, de acordo com o artigo 28 do Código Civil, a sentença que determinar
a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito depois de 180 dias de
publicada pela imprensa (BRASIL, 2002).
Após esse prazo de dez anos, os interessados poderão requerer a abertura da
sucessão definitiva, na qual será declarada a morte presumida do ausente e seus
bens serão transferidos para a posse em caráter permanente aos herdeiros. É
importante destacar que, de acordo com o artigo 39, se o ausente regressar em até
dez anos contados da decretação da morte presumida, ele terá direito ao
remanescente dos bens (BRASIL, 2002).
Também é importante destacar que o artigo 38 permite que seja declarada
diretamente a morte presumida do ausente se este estiver com no mínimo 80 anos
de idade quando for feito o pedido de decretação da ausência ou se o
desaparecimento tiver ocorrido a, no mínimo, cinco anos (BRASIL, 2002).
Em todos os casos, um dos principais efeitos que a morte da pessoa produzirá, e
cuja análise será importante neste trabalho, será a saisine, o qual será conceituado
logo a seguir.
4.3O princípio da saisine
O princípio da saisine está previsto no artigo 1784 do Código Civil, no qual se lê o
seguinte: “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos
herdeiros legítimos e testamentários.” (BRASIL, 2002, não paginado).
Em outras palavras, a saisine -do latim saicire (apoderar-se) - significa que, a
partir de aberta a sucessão, os bens são transmitidos automaticamente aos
herdeiros, sem a necessidade de nenhum ato ou mesmo do conhecimento da
abertura desta.
Silva (2012, não paginado) explica que esse princípio tem sua origem no direito
francês da Idade Média, mais precisamente no século XIII: “[...]Nesta época, o
senhor feudal institui a praxe de se cobrar pagamento dos herdeiros de seu servo
morto para que fossem estes autorizados a se imitir na posse dos bens havidos pela
sucessão.”
Por conta disso, foi criada a expressão “Le serf mort saisit Le vif, son hoir Le plus
proche”, ou seja, o servo morto é substituído pelo vivo, seu herdeiro mais próximo;
estabelecendo o imediatismo na transmissão de bens aos herdeiros e livrando o
servo desta imposição senhoril.
Krynen (1984, p. 190apud SILVA, 2012, não paginado), a respeito do surgimento
dessa expressão, escreve o seguinte:
[...] a expressão Le mort saisit Le vif apareceu a primeira vez em 1.259, em
julgamento de imigrantes. Um ano depois, tal expressão foi ressentida nos
tribunais franceses, tornando – se verdadeira regra geral no direito da
França. Em 1.384, em notas de audiência do Parlamento, evidenciou – se a
agregação do instituto referido no direito consuetudinário daquele país,
expresso no princípio geral de que o herdeiro vivo substitui o de cujus.
Miranda (1996apud GONÇALVES, 2009) afirma que a transmissão automática dos
direitos que compõe o patrimônio da herança aos sucessores foi introduzida no
direito luso-brasileiro por meio do Alvará de 9 de novembro de 1754 e, mais tarde,
através do Assento de 6 de fevereiro de 1786.
A respeito da adoção desse conceito no Código Civil de 1916 e, posteriormente, no
Código de 2002, Gonçalves (2009, p.21) escreve o seguinte:
O Código Civil de 1916 acolheu o aludido princípio no art. 1572, reproduzido no art.
1784 do diploma de 2002, sem, no entanto, qualquer referência do “domínio e
posse”. Optou o novel legislador, como já dito, por se referir à transmissão da
herança, subentendendo a noção abrangente de propriedade.
Portanto, no caso do filho nascido por inseminação artificial post mortem, quando
essa criança nasce todos os outros herdeiros, através do princípio da saisine, já
adquiriram, não só a posse, como também a propriedade dos bens da herança. Isso
que é a principal problemática deste trabalho.
4.4Espécies de sucessão
Diniz (2010), classifica as espécies de sucessão em dois tipos: quanto à fonte e
quanto aos efeitos. Aquela ainda divide-se em sucessão legítima e sucessão
testamentária, e esta em sucessão a título universal e sucessão a título singular.
4.4.1 Sucessão testamentária
A sucessão testamentária é aquela “[...] oriunda de testamento válido ou de
disposição de última vontade.”. O Código Civil de 2002, no artigo 1862, o classifica
em três tipos, a saber:
Art. 1.862. São testamentos ordinários:
I - o público;
II - o cerrado;
III - o particular (BRASIL, 2002, não paginado).
O testamento público, de acordo com Ramos (2006) é aquele feito por tabelião de
registro de notas, o qual, segundo a lei 8935/94, tem competência exclusiva para
confeccioná-lo. A denominação “público”, “[...] não significa que seja aberto ao
público, mas à oficialidade de sua elaboração.” (RAMOS, 2006, não paginado).
Isso garante ao testamento maior credibilidade, devido ao seu rigor formal.
O testamento cerrado ou secreto é aquele feito pelo próprio testador ou por pessoa
a seu mando, sendo que, neste caso, requer-se sua assinatura. Pode ser escrito a
próprio punho ou por meio de digitação com todas as folhas numeradas e
assinadas pelo testador.
Após sua confecção, deverá ser entregue ao tabelião que, na presença de suas
testemunhas, lavrará o termo de aprovação com a finalidade de atestar que o
documento é autêntico.
É importante destacar que “Se o testamento não foi lavrado pelo testador, mas por
alguém a seu rogo, essa pessoa não pode ser incluída como beneficiária, mesmo
que por meio de interposta pessoa (ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro do mesmo).” (RAMOS, 2006, não paginado).
O testamento particular ou privado se trata de um meio mais simples de
testamento. Pode ser feito manuscrito ou digitado, neste caso com todas as folhas
assinadas pelo testador, sem rasuras ou espaços em branco. Para ser válido é
necessária sua leitura diante de, pelo menos, três testemunhas idôneas e capazes,
os quais também assinarão o documento.
Por conta de sua simplicidade, ele apenas terá eficácia se, com a morte do testador,
ocorrer sua publicação, com a citação de todos os herdeiros necessários, além do
chamamento das testemunhas que deverão reconhecer suas assinaturas e a
assinatura do testador.
Em todos os tipos de testamento listados acima, se o testador tiver herdeiros
necessários, ele somente poderá dispor de metade da herança, como explícito no
artigo 1789 do Código Civil (BRASIL, 2002).
São considerados herdeiros necessários, pelo artigo 1845 do Código Civil, os
descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A estes pertence a metade dos bens a
herança que não poderá ser listada no testamento. Essa metade é denominada pela
lei civil de legítima (BRASIL, 2002).
A legítima será calculada sobre o valor dos bens existentes na ocasião da morte do
de cujus, descontados as despesas com o funeral e as dívidas, adicionando-se, em
seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
O testador não poderá estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade
e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima, salvo motivo justificado. Além
disso, não é permitido ao testador converter os bens da legítima em outros de
espécie diferente.
4.4.2 Sucessão legítimaou “in intestato’’
A sucessão legítima ou in intestato ocorre nos casos em que o de cujus não fizer
testamento ou nos casos de nulidade, anulação ou caducidade do testamento. Ela
está disciplinada no artigo 1788 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).
Nesse caso, os bens serão distribuídos aos herdeiros seguindo à ordem de vocação
hereditária, estabelecida no artigo 1829 do Código Civil, onde se lê o que se segue:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime
da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens
particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais (BRASIL, 2002, não paginado).
A sucessão legítima é a regra no direito das sucessões, devido à “[...] marcante
influência do elemento familiar na formação desse ramo do direito entre nós.”
(Diniz 2010, p. 15). Esse tipo de sucessão também pode subsistir com a sucessão
testamentária, no caso de o testador não abranger a totalidade de seus bens.
4.5 Sucessão a título universal
No caso da classificação da sucessão quantos aos seus efeitos, ela será a título
universal quando houver transferência total ou de parte indeterminada da herança,
tanto de seu ativo como de seu passivo.
Neste caso, haverá a instituição de um herdeiro, que se sub-rogará na posição do
de cujus, como titular da totalidade ou de porção disponível dos bens, por exemplo
todos os veículos de propriedade do falecido, ou todos os imóveis existentes em
determinada região. O herdeiro assumirá o controle dos ativos e passará a ser
responsabilizado pelos passivos.
4.6Sucessão a título singular
A sucessão a título singular ocorre quando o testador transferir a um beneficiário
certos objetos determinados e individualizados, por exemplo, uma joia, um veículo
ou um imóvel em particular.
Ao contrário da sucessão a título universal, neste caso haverá a instituição de um
legatário, o qual não se responsabilizará pelas possíveis dívidas da herança, pois
sucede in rem aliquam singularem.
A respeito de todas essas espécies de sucessão, é importante destacar que a
sucessão legítima sempre será a título universal, ou seja, sempre será transferido
aos herdeiros a totalidade ou uma fração ideal dos bens do de cujus; ao passo de
que a sucessão testamentária poderá ser universal, se o testador transferir ao
herdeiro a totalidade ou parte ideal do patrimônio, ou singular, se o testador deixar
algo individualizado a um legatário.
4.7capacidade para suceder
Segundo Venosa (2007, p. 45), a capacidade para suceder “[...] é a aptidão para se
tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança.”. Este tópico será de
extrema importância para se responder à pergunta feita no início deste capítulo.
Venosa (2007) enumera três requisitos para que uma pessoa possa ser considerada
herdeira: em primeiro lugar, ela deve existir, ou seja, estar viva ou já concebida no
momento da morte; ela também deve possuir aptidão específica para aquela
herança, além de não ser considerada indigna. Cada requisito será analisado em
um tópico específico.
4.7.1 Indignidade
A indignidade pode atingir tanto herdeiros como legatários e é disciplinada no
capítulo V sob o título “Dos excluídos da sucessão”, que vai do artigo 1814 ao 1828
do Código Civil. Esse primeiro artigo expressa o seguinte:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade (BRASIL,
2002, não paginado).
Em outras palavras, “[...] a lei tira a aptidão passiva do herdeiro se este houver
praticado atos, contra o autor da herança, presumidos incompatíveis com os
sentimentos de afeição real ou presumida.” (Venosa 2007, p. 42). Segundo
parágrafo único do artigo1815, o prazo para se requerer a exclusão de herdeiro ou
legatário extingue-se em quatro anos contados da abertura da sucessão (BRASIL,
2002).
Um detalhe importante é que uma das características da indignidade do herdeiro é
a sua pessoalidade, ou seja, seus descendentes o irão suceder mesmo após a sua
exclusão, como se estivesse morto antes da abertura da sucessão.
4.7.2 Legitimação
A aptidão para receber determinado ato jurídico denomina-se legitimação, ou seja,
a pessoa deve estar legitimada a receber determinada herança. Um exemplo disso é
a ordem de sucessão hereditária, explicitada no artigo 1829 do Código Civil, já
transcrito acima (BRASIL, 2002).
Dessa forma, por exemplo, se o de cujus deixou descendentes, os ascendentes
automaticamente perdem a legitimidade em receber a herança de acordo com esse
dispositivo.
Outro caso de ausência de legitimação está expresso no artigo 1830 da mesma lei,
que exclui a legitimidade para suceder o cônjuge sobrevivente se, no momento da
abertura da sucessão, o casal estava separado judicialmente ou separado de fato há
mais de dois anos. Também há o artigo 1839, que exclui a legitimidade dos
herdeiros colaterais além do quarto grau, já que o dispositivo limita a sucessão
legítima até aí (BRASIL, 2002).
O Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916) trazia os filhos incestuosos e adulterinos
como ilegítimos para a sucessão. Porém, com a entrada em vigor do Código de
2002, isso foi modificado, conforme já estudado no capítulo de direito de família.
4.7.3 Existência da pessoa
Este requisito atinge diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação
artificial post mortem. Ele está regulamentado pelo artigo 1798 do Código Civil,
onde está escrito: “Art. 1798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já
concebidas no momento da abertura da sucessão.” (BRASIL, 2002, não paginado).
Isso afeta diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação artificial
post mortem homóloga. De acordo com o Código Civil, ele somente terá direito à
herança se o óvulo já fecundado houver sido colocado no útero da mulher, isto é, se
a segunda fase do procedimento de inseminação artificial houver sido completada,
conforme visto no capítulo anterior (BRASIL, 2002).
Ou seja, se os óvulos fecundados forem encaminhados para a criopreservação e a
mulher resolver utilizá-los para gerar um bebê, segundo esse dispositivo, essa
criança não poderá ter o status de herdeira necessária.
Apesar da lei não permitir que a criança nascida pelo método de fertilização in
vitro após a morte de seu genitor seja considerada herdeira necessária, o Código
Civil abre uma possibilidade, com relação à sucessão testamentária, ao estabelecer
o seguinte no inciso I do artigo 1799, onde se lê:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão [...] (BRASIL, 2002, não paginado).
Porém, para que haja essa possibilidade, a mesma lei impõe um prazo de dois anos
para que a criança seja concebida. Durante esse período, os bens da herança serão
confiados a um curador nomeado pelo juiz após a partilha, como explicitado no
artigo 1800, caput e parágrafo 4º:
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão
confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
[...]
§ 4o Se, decorridos dois anos após a aberturada sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do
testador, caberão aos herdeiros legítimos (BRASIL, 2002, não paginado).
Dessa forma, respondendo à pergunta feita no início do capítulo, mesmo a criança
tendo laço genético com seu falecido pai, ela não terá direito à herança se a
inseminação artificial homóloga for realizada sem o consentimento do genitor. O
direito sucessório somente existirá se o homem atestar essa possibilidade em seu
testamento.
4.8Conclusão acerca do posicionamento do Código Civil
De acordo com o que foi visto neste capítulo, podemos chegar à conclusão de que o
Código Civil brasileiro procura proteger os demais herdeiros necessários, os quais
adquirem a propriedade dos bens automaticamente pelo princípio da saisine, do
direito sucessório que, teoricamente, o filho concebido por inseminação artificial
post mortem teria, ao estabelecer que este só possuirá o direito de entrar na
partilha de bens se for expressamente citado no testamento; isto é, essa criança só
poderá ser herdeira testamentária ou legatária.
Embora a lei seja clara quanto à sucessão do filho concebido por fertilização in
vitro após a morte de seu genitor perante outros herdeiros necessários, parte da
doutrina contesta se essa realmente é a melhor solução para o caso.
No último capítulo, será feita uma análise acerca dessas correntes doutrinárias,
concluindo, posteriormente, se essa solução encontrada pelo Código Civil é o
melhor caminho para se resolver a problemática do direito sucessório do filho
concebido por inseminação artificial após a morte de seu genitor.
5. O DIREITO SUCESSÓRIO DO FILHO
CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO
ARTIFICIAL POST MORTEM NO BRASIL E NO
EXTERIOR
5.1Introdução
O objetivo deste capítulo final é gerar uma conclusão sobre do posicionamento da
legislação brasileira acerca do direito sucessório do filho concebido por
inseminação artificial post mortem. Além de sugerir modificações na legislação
atual para abranger o caso da melhor forma possível.
Como visto nos capítulos anteriores, o Código Civil não trata de forma satisfatória
o processo de inseminação artificial, procurando apenas resolver a questão da
paternidade sem procurar regulamentar a problemática, sendo necessário buscar
em resoluções as respostas para algumas lacunas.
Além disso, a mesma lei garante o direito sucessório apenas se a criança nascida
nessas condições for citada no testamento, excluindo-se totalmente a sua condição
de herdeira legítima, apesar de o mesmo Código Civil a classificar com descendente
do de cujus (BRASIL, 2002).
Em resumo, na legislação atual, para que a criança nascida por inseminação
artificial post mortem tenha direito à herança são necessários três requisitos: que a
fecundação in vitroseja homóloga ou heteróloga com expresso consentimento do
marido ou companheiro; que essa criança esteja prevista no testamento e que ela
seja concebida no prazo máximo de dois anos contados da morte de seu pai.
5.2 Posicionamentos doutrinários
Entre os doutrinadores, existem três pontos de vista diferentes. Há a corrente que
concorda com a abordagem do Código Civil e duas que discordam, sendo uma que
afirma que a criança não teria direito nem mesmo à sucessão testamentária e
aqueles que afirmam que ela deveria ser incluída no rol de herdeiros necessários,
como será visto a seguir.
5.2.1 Primeira corrente
A primeira corrente afirma que não se aplica o direito sucessório ao filho
concebido por inseminação artificial após o falecimento de seu genitor, ou seja, ele
seria incapaz de suceder tanto de forma legítima quanto testamentária.
Gama (2003, p. 1000), um dos defensores dessa corrente, explica sua posição da
seguinte maneira:
No estágio atual do direito brasileiro não há como se admitir a legitimidade do
acesso da viúva ou da ex-companheira (por morte do ex-companheiro) à
técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, diante do princípio da
igualdade de direitos entre os filhos. Contudo, se a técnica for empregada, a
paternidade poderá ser estabelecida com base no fundamento biológico e no
pressuposto do risco, mas não para fins sucessórios, o que pode conduzir a
criança prejudicada a pleitear reparação dos danos materiais que
eventualmente sofrer.
Já com relação à inseminação artificial heteróloga, Gama (2003, p. 1000) escreve o
seguinte:
Nos casos das técnicas de reprodução assistida heteróloga (unilateral), os
fundamentos relacionados à paternidade-filiação e à maternidade-filiação são
diferentes, porquanto apenas um dos cônjuges (ou companheiros) contribui
com seu gameta, normalmente a mulher. O critério do vínculo que se estabelece
entre a pessoa do casal que contribui com o seu material fecundante é o
biológico, havendo origem na consanguinidade. [...]. Os pressupostos variam
de acordo com a presença (ou não) do consentimento do marido (ou
companheiro) no acesso da sua consorte à técnica de reprodução assistida
heteróloga.
Em suma, para o autor, como o direito brasileiro não possui regulamentação
específica sobre a inseminação artificial homóloga post mortem, não deveria ser
permitido à mãe fazê-la em respeito ao direito sucessório dos outros filhos, já que a
criança poderia entrar com uma ação judicial pleiteando a reparação dos danos por
não ter participado da partilha dos bens. Além disso, mesmo se a mãe a realizar,
para evitar o conflito acima mencionado, a paternidade deveria ser considerada
apenas no campo biológico, não no sucessório.
Por outro lado, o autor afirma esse mesmo raciocínio não se aplica à inseminação
artificial heteróloga, já que ela é realizada com apenas os gametas da mulher. Ou
seja, a criança não deveria ser considerada filha do falecido.
Como foi analisado no capítulo 2, onde inclusive foram relatados outros
doutrinadores que também defendem essa mesma tese, a proibição da prática da
inseminação artificial post mortem não possui razão de ser, já que a própria
Constituição Federal autoriza a realização da adoção post mortem, além de
conferir proteção à família monoparental (BRASIL, 1988).
A questão da falta de regulamentação específica poderia ser facilmente resolvida,
de acordo com Venosa (2007), com a criação de uma lei que regulamente de forma
minuciosa a questão. Dessa forma, esse posicionamento parece ser incorreto.
5.2.2 Segunda corrente
Para aqueles que defendem a segunda correte, o filho nascido de uma inseminação
artificial post mortem deverá ser considerado como herdeiro necessário e, dessa
forma, tem o direito de participar da sucessão legítima.
Almeida (2003), um dos que defendem a tese, justifica sua opinião afirmando que
o Código Civil tratou do tema de maneira equivocada, pois, para ele, o legislador
atual apenas repetiu o que estava contido no Código Civil de 1916, quando não
existia a possibilidade de inseminação artificial, no qual possibilita que alguém que
esteja mortotenha um filho.
Além disso, o doutrinador afirma que não dar à criança o seu direito à sucessão
seria o equivalente a não considerar legítimo à receber a herança um filho
concebido em uma relação extraconjugal. Como explicitado a seguir:
Os filhos nascidos de inseminação artificial homóloga post mortem são
sucessores legítimos. Quando o legislador atual tratou do tema, apenas quis
repetir o contido no Código Civil anterior, beneficiando o concepturo apenas
na sucessão testamentária porque era impossível, com os conhecimentos de
então, imaginar-se que um morto pudesse ter filhos. Entretanto, hoje a
possibilidade existe. O legislador, ao reconhecer efeitos pessoais ao concepturo
(relação de filiação), não se justifica o prurido de afastar os efeitos
patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminiscência do
antigo tratamento dado aos filhos, que eram diferenciados conforme a
chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os

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