Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UCAM – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES ROMANA MISSIANE DIÓGENES LIMA TOMBAMENTO ADMINISTRATIVO COMO PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO FORTALEZA - CE 2017 UCAM – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES ROMANA MISSIANE DIÓGENES LIMA TOMBAMENTO ADMINISTRATIVO COMO PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO Artigo Científico Apresentado à Universidade Candido Mendes - UCAM, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Administrativo. FORTALEZA - CE 2017 1 TOMBAMENTO ADMINISTRATIVO COMO PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO Romana Missiane Diógenes Lima1 RESUMO O patrimônio histórico e cultural brasileiro é um dos mais vastos e ricos em diversidade. A Constituição Brasileira o elevou à categoria de direito fundamental, preconizando a necessidade premente de sua preservação e acautelamento. Nesse interim, o presente artigo tem por objetivo demonstrar e analisar um dos principais instrumentos de proteção a esse patrimônio, que restringe a utilização da propriedade privada com o fito de atender a um interesse público maior – o tombamento. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, considerando as contribuições de autores como Di Pietro (2016), Carvalho Filho (2015) e Cunha Filho (2000), entre outros, tendo em vista a necessidade de explanação do problema com supedâneo em autores credenciados na temática, além da visibilização da jurisprudência nacional. Por meio de uma demonstração sistemática da figura do tombamento no ordenamento jurídico brasileiro, com a apresentação de questões materiais e processuais sobre o instituto, concluiu-se que o mesmo apresenta relevante importância para a adequada proteção e acautelamento do patrimônio histórico, cultural e artístico nacional, sem o qual tal patrimônio já teria sido relegado ao passado, deixando de constituir instrumento identitário para inúmeras comunidades brasileiras. Palavras-chave: Patrimônio histórico-cultural brasileiro. Proteção. Tombamento. Introdução O presente trabalho tem como tema a função do tombamento administrativo como proteção do patrimônio histórico-cultural brasileiro, enfatizando a sua importância como elemento efetivador do direito fundamental à cultura, previsto na Lei Maior. Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho: • Se a Constituição determina que todos têm direito à promoção e ao acesso aos bens culturais, qual o instrumento jurídico mais eficaz para efetivação desse direito? • Qual o papel do tombamento na implementação do direito à cultura e como se dá a sua procedimentalização e alcance jurídico? O estudo em questão é de sobremaneira importância, tendo em vista que o patrimônio histórico-cultural de um país é o que identifica seu povo enquanto tal, auxiliando as comunidades a se construir historicamente, permitindo uma melhor 1 Advogada e professora universitária. Mestre em Direito Constitucional. 2 compreensão do presente e dos elementos existenciais que lhes são tão característicos. A Carta Magna tratou dos direitos culturais nos artigos 215 e 216 de seu texto, e em demais dispositivos, inclusive de forma implícita, entendendo muitos autores que se tratam de verdadeiros direitos fundamentais: No corpo de toda a Constituição espalham-se direitos culturais que, pelo conteúdo, nenhum intérprete, com o mínimo de sensibilidade, pode negar- lhes o status de fundamental. Isto porque referem-se a aspectos subjetivos de importância capital, por vezes de individualidades, por vezes de grupo e também de toda a Nação, no que concerne à questão da chamada identidade cultural (CUNHA FILHO, 2000, p. 42) Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, demonstrar e analisar um dos principais instrumentos de proteção ao patrimônio histórico-cultural e artístico brasileiro, o tombamento, que restringe a utilização da propriedade privada com o fito de atender a um interesse público maior de socialização da carga valorativa cultural da propriedade privada. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica e documental, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura, artigos científicos divulgados no meio eletrônico e julgados dos tribunais pátrios. O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: Di Pietro (2016), Carvalho Filho (2015), Cunha Filho (2016), Costa (2011), Miranda (1996) e Coelho (2008). Desenvolvimento O instituto do tombamento fundamenta-se na adequação da propriedade à sua correspondente função social, no caso, essa função é caracterizada especificamente pela proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico, turístico e paisagístico. O legislador pátrio entendeu a necessidade de se preservar a memória nacional, regional e local, assim como a identidade social e cultural das mais diversas comunidades brasileiras. Na Constituição Federal de 1988, o instituto encontra-se positivado no art. 216, §1º, segundo o qual cabe ao Poder Público, com a devida colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, utilizando-se de instrumentos diversos, como os inventários, registros, vigilância, tombamento e até 3 mesmo a mais gravosa de todas as intervenções estatais na propriedade, a desapropriação. A competência para legislar sobre tombamento é concorrente – cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal, conforme disposição do art. 24, VII, da Lei Maior. Ao passo que a competência para promover os atos executivos de proteção e acautelamento é comum, conforme dispõem os arts. 23, III e IV, e 30, IX da referida Lei. Na seara infraconstitucional, tem-se o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza e estrutura a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Fácil é perceber que o nosso arcabouço legislativo conferiu devida importância a esse instituto, permitindo uma ação conjugada entre os três entes federativos, o que reforça o poder-dever da Administração de proteger nosso patrimônio histórico- artístico cultural, sem contar com a contribuição que deve ser operada pela própria comunidade. O preceptivo em questão também encontra fundamento no art. 215 da Carta Magna, que estabelece ser dever do Estado assegurar a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às suas fontes, promovendo a valorização e a divulgação de todas as manifestações culturais. Em continuidade, o artigo seguinte expõe o que pode ser entendido como patrimônio cultural: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. É necessário lembrar que o Estado brasileiro é pluralista, tanto pela perspectiva de sua formação histórica, que foi indubitavelmente permeada pela convivência de diversos povos, de nacionalidadese etnias distintas, como pela concepção jurídico- filosófica que foi adotada por nosso ordenamento jurídico. Para Jorge Miranda (1996), definir cultura não é uma tarefa fácil, já que a sua concepção acaba englobando as representações espirituais, sobrelevando uma carga metafísica ao conceito, que se refere a bens não valorados economicamente, porém de relevante carga criativa e idealista, o que identifica o homem como racional e pensante. 4 Já de acordo com Teixeira Coelho (2008), a cultura é um complexo de significação e práxis, que influi diretamente na formação e manutenção da coesão social que caracteriza um determinado povo. Quanto à definição de direitos culturais, sobrelevam-se as lições de Francisco Humberto Cunha Filho, para quem esses direitos são aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o conhecimento e o uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão de opções referentes ao futuro, visando sempre a dignidade da pessoa humana (CUNHA FILHO, 2000, p. 34). Interessante notar essa perspectiva pedagógica dos direitos culturais, ora exposta pelo autor, que promove a direção do pensar e agir humano, permitindo uma ligação estrita desses direitos com o pleno exercício da cidadania, enfatizando, ainda, a implementação do princípio da dignidade humana por um viés sociopolítico. Diante dessa conjuntura, verifica-se que, de forma implícita, os direitos culturais são tratados como direitos fundamentais pela Constituição Federal, devendo obter todas as prerrogativas que lhes são inerentes. Assim, resta evidente a premente adequação da função individualista da propriedade privada com sua função coletiva, voltada às necessidades sociais, buscando-se a efetivação das determinações jurídico-políticas estabelecidas na Constituição. Dessa forma, passa-se à análise dos instrumentos de proteção ínsitos ao tombamento, que se revela como uma das principais formas de acautelamento, preservação e difusão do patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro. Primeiramente, registre-se que o tombamento é um tipo de intervenção na propriedade que restringe a liberdade do proprietário, atingindo o seu caráter absoluto, no sentido de que este não mais poderá utilizar o seu bem de forma irrestrita2, devendo obedecer determinadas regras que impõem ações ou abstenções, todas instituídas com o objetivo principal de conservação do bem móvel ou imóvel, buscando-se a preservação e perpetuação de suas características originais. Trata-se de uma limitação, a priori, perpétua, ao direito de propriedade, fundamentada no princípio do superior interesse público em detrimento do privado. 2 É necessário esclarecer que se trata de uma utilização irrestrita dentro dos parâmetros de licitude. Por óbvio, a utilização indevida, abusiva, é rechaçada pela lei. 5 Quanto aos destinatários do tombamento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016) expõe que o tombamento pode ser geral, quando o dever de conservação atinge uma generalidade de bens de titularidades diversas, sem, no entanto, individualizá-los, como acontece nos tombamentos de ruas e até mesmo de bairros inteiros; e individual ou específico, quando atinge bem ou bens determinados, de um proprietário em singular. Essa classificação é criticada por José dos Santos Carvalho Filho (2015). Para o autor, todo tombamento é individual, tendo em vista que os efeitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica de cada proprietário do bem ou bens especificados no tombamento. De fato, o tombamento interfere na esfera jurídica particular, tanto é assim que os proprietários podem ingressar com ações judiciais individuais para litigar contra o Estado. Quanto ao procedimento3, o tombamento pode ser voluntário (art. 7º, DL 25/37) ou compulsório (arts. 8º e 9º, DL 25/37). Procede-se ao primeiro em razão do requerimento do proprietário, quando o bem em questão se reveste dos requisitos necessários para composição do patrimônio histórico e artístico4, ou sempre que o proprietário concordar, por escrito, à notificação, que lhe é feita pelo Poder Público, para inscrição do bem em qualquer dos Livros do Tombo. Por outro lado, procede-se ao tombamento compulsório quando o proprietário não consente, após ser notificado a respeito da pretensão de inscrição do bem no Livro do Tombo. Quanto à eficácia do tombamento (art. 10, DL 25/37), pode ser ele provisório, quando ainda está em andamento o processo administrativo iniciado com a notificação ao proprietário; ou definitivo, quando já finalizado o processo, e a Administração Pública determina a inscrição do bem no competente Livro do Tombo. Importante destacar que, seja provisório ou definitivo, haverá a mesma eficácia restritiva quanto à utilização do bem – salvo quanto à transcrição no registro de imóveis, que só se 3 O tombamento de um bem é resultado de um processo administrativo, que culmina na inscrição do patrimônio no Livro do Tombo. Avaliada a situação do bem pelo órgão competente, o proprietário será notificado para, em 15 dias, a contar do recebimento da notificação, concordar com o tombamento ou impugná-lo. Caso concorde ou não apresente contestação, a autoridade determinará, por simples despacho, que se proceda à inscrição do bem no competente Livro do Tombo. Com a negativa do proprietário, necessário se faz a continuidade dos trâmites processuais, até decisão final. Tratando-se de bem imóvel, o tombamento deve ser levado a registro no Ofício de Registro de Imóveis em que está matriculado. 4 Interessante destacar os ensinamentos de Costa (2011, p. 54), segundo o qual deve ser levado em consideração, para a proteção de um bem cultural, o valor identitário que ele representa para a coletividade, pois, do contrário, “a ação estatal nas políticas culturais ligadas a área patrimonial ficaria prejudicada, tendo em vista o contingenciamento de demandas nas quais tudo seria passível de proteção e ao mesmo tempo nada seria protegido”. 6 opera no tombamento definitivo – havendo, nas duas situações, ampla proteção das suas características originais. O Decreto-Lei nº 25/37 disciplina, em seu art. 5º, o tombamento de bens púbicos. De fato, não haveria qualquer razão para se impossibilitar a proteção jurídica do patrimônio artístico, histórico e cultural que pertença aos entes públicos. O que a Constituição protege é a carga valorativa desse conjunto de bens para toda a coletividade, não importando a natureza jurídica de quem detém domínio sobre os mesmos. Transcreve-se abaixo o dispositivo legal pertinente: Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o órgão federal responsável pelo tombamento de que trata o referido artigo, ou seja, de todos os entes federativos. A questão que se faz presente é se os demais Institutos, de alcance regional e local, podem tombar bens uns dos outros e da própria União Federal. Para José dos Santos Carvalho Filho (2015), a resposta é negativa, podendo o tombamento se operar apenas na seguinte configuração: Por interpretação analógica ao art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 3.365/1941, que regula as desapropriações, a União pode tombar bens estaduais, distritais e municipais, e os Estados podem fazê-lo em relação aos bens do Município (CARVALHO FILHO, 2015, p. 843). Guardadasas devidas considerações ao entendimento do autor, não é este o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que expõe não haver qualquer ofensa à hierarquia federativa no caso de tombamento, já que não há supressão da propriedade privada, mas tão somente restrição – parecendo ser este o entendimento mais acertado. Observe-se o julgado a seguir: ADMINISTRATIVO – TOMBAMENTO - COMPETÊNCIA MUNICIPAL. 1. A Constituição Federal de 88 outorga a todas as pessoas jurídicas de Direito Público a competência para o tombamento de bens de valor histórico e artístico nacional. 2. Tombar significa preservar, acautelar, preservar, sem que importe o ato em transferência da propriedade, como ocorre na desapropriação. 3. O Município, por competência constitucional comum - art. 23, III -, deve proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. 4. Como o tombamento não implica em transferência da propriedade, inexiste a limitação constante no art. 1º, § 2º, do DL 3.365/1941, que proíbe o Município de desapropriar bem do Estado. 5. Recurso improvido (STJ, RMS 18.952-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Data de publicação: 30/05/2005). De todo modo, depois de tombado o bem, a Administração Pública pode, ex officio, ou em virtude de solicitação do proprietário, julgar ter desaparecido o motivo 7 que subsidiou o ato restritivo. Identificada essa hipótese, da extinção do motivo para a restrição ao uso da propriedade, medida razoável é a que impõe o pronto cancelamento do ato de inscrição. As restrições operadas pelo tombamento podem impor obrigações positivas, no sentido de instar o titular do domínio a fazer algo, como o dever de conservar o bem, devendo realizar as obras necessárias à sua preservação, salvo quando comprovada insuficiência de recursos financeiros, ocasião em que o Poder Público deve obrigatoriamente ser comunicado, para executar as obras às suas próprias custas (art. 19, DL 25/37). Importante enfatizar que, em caso de urgência, o Estado tem o poder-dever de efetivar as obras de conservação independentemente de autorização do proprietário (art. 19, §3º, DL 25/37). Tem também o proprietário a obrigação de comunicar à autoridade competente casos de extravio ou roubo do bem tombado, no prazo de 5 dias, sob pena de multa de 10% sobre o valor do bem (art. 16, DL 25/37). Por fim, registre-se as obrigações positivas estabelecidas nos parágrafos do art. 13 do DL 25/37: Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio. § 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis. § 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados. § 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena. As restrições estipuladas na norma também impõem abstenções – as chamadas obrigações negativas, de não fazer algo –, como a obrigatoriedade de não destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas, nem restaurá-las, pintá-las ou repará- las sem autorização do Instituto competente, sob pena de multa de 50% sobre o valor do dano causado (art. 17, DL 25/37); assim como o dever do proprietário de não retirar o bem móvel tombado do país, exceto para intercâmbio cultural ou exposições, temporadas em museus etc., por curto período, desde que devidamente autorizado (art. 14, DL 25/37). Também deve o titular do domínio suportar a fiscalização do Poder Público, sempre que a Administração Pública entender conveniente, sem obstá-la, sob pena de aplicação de multa (art. 20, DL 25/37). 8 O dever de abstenção se impõe até contra o vizinho do bem tombado, que, sem prévia autorização do Instituto competente, não pode fazer qualquer construção que impossibilite ou mesmo mitigue sua visibilidade, nem apor anúncios ou cartazes, sob pena de destruição e ordem de retirada, além de multa no valor de 50% do objeto (art. 18, DL 25/37). Insta destacar que o direito de preferência à aquisição dos bens tombados pelos entes estatais, na alienação onerosa, foi revogado pelo art. 1.072, I do CPC/15. Porém, o mesmo diploma processual estabeleceu, no art. 892, §3º, que, na execução por quantia certa, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, em igualdade de oferta, direito de preferência na arrematação do bem leiloado. Por fim, tema bastante debatido é o direito à indenização pela restrição à propriedade efetivada por meio do tombamento. A princípio, não há direito a qualquer reparação por parte do Estado, tendo em vista o instituto em questão significar mera restrição que impõe ao proprietário a manutenção do bem tombado de acordo com suas características originais. Entretanto, se o proprietário comprovar que o tombamento lhe causou prejuízo além do normal, fará jus à indenização, conforme se demonstra no julgado abaixo: Ementa: ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO. INDENIZAÇÃO. BEM GRAVADO EM CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE, IMPENHORABILIDADE, USUFRUTO E FIDEICOMISSO. 1. O proprietário de imóvel gravado com cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade, usufruto e fideicomisso tem interesse processual para ingressar com ação de desapropriação indireta quando o referido bem é tombado. [...] 3. O ato administrativo de tombamento de bem imóvel, com o fim de preservar a sua expressão cultural e ambiental, esvaziar-se, economicamente, de modo total, transforma-se, por si só, de simples servidão administrativa em desapropriação, pelo que a indenização deve corresponder ao valor que o imóvel tem no mercado. [...] 5. Reconhecido o direito de indenização, há, por força de lei (art. 31, do DL 3.365, de 21.6.41), ficarem sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado. 6. Em razão de tal dispositivo, ocorrendo o pagamento da indenização, deve o valor ficar depositado, em conta judicial, até solução da lide sobre a extensão dos gravames. 7. Recurso improvido. (STJ, REsp 220983 SP 1999/0057694-2, Rel. Min. José Delgado, Data de publicação: 25/09/2000) Resta evidente que, via de regra, o proprietário é obrigado a suportar os ônus advindos do tombamento, tendo em vista o superior interesse público, mas, em casos excepcionais, em que fique devidamente comprovada a intervenção danosa além do normal, admite-se o ressarcimento estatal, já que é premissa legal a obrigação de indenizar em caso de lesão de interesses patrimoniais e extrapatrimoniais alheios. 9 Desse modo, verifica-se que todo o conjunto normativo que embasa o tombamento teve por fito torná-lo funcional e efetivo frente às inúmeras possibilidades de malversação do patrimônio histórico-cultural e artístico brasileiro. Deveras, de modo contundente, o direito administrativo prepondera a indisponibilidade do interesse público, haja vista sua relevância para concretização do Estado Social Democrático de Direito. Conclusão Diante do exposto, conclui-se que o tombamento é ferramenta imprescindível à proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico nacional. Sua procedimentalização e regras de caráter cogente revelam o poder estatalde intervir na propriedade privada para fazer valer o interesse público, que é indisponível. De fato, a proteção desse patrimônio valorativo é determinada diretamente pela Constituição Federal, que preconiza o direito de todos à cultura e à promoção do seu acesso. Nossas normas infraconstitucionais irradiam o mandamento constitucional por meio de determinações expressas, que formam um conjunto de normas hábil a efetivar o preceptivo legal. Conforme explanado, a função social da propriedade deve ser incessantemente buscada pelo Poder Público, sob pena de não concretização do Estado Social de Direito preconizado pela Lei Maior, que busca na solidariedade e socialização dos bens privados uma forma de implementar o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, demonstra-se a importância do presente trabalho, que teve por fito tratar do instituto mais expressivo em termos de proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico, que é o tombamento, apontando suas principais características e instrumentos que o qualificam como necessário para a efetivação do direito fundamental de acesso à cultura. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. ______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 220983 SP 1999/0057694-2. Relator Ministro José Delgado, Data de publicação: 25/09/2000. Disponível em: < 10 https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/336126/recurso-especial-resp-220983-sp- 1999-0057694-2>. Acesso em: 15. jul. 2017. ______. Superior Tribunal de Justiça. RMS 18.952-RJ. Relatora Ministra Eliana Calmon, Data de publicação: 30/05/2005. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7227124/recurso-ordinario-em-mandado- de-seguranca-rms-18952-rj-2004-0130728-5-stj>. Acesso em: 10. jun. 2017. ______. Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm >. Acesso em: 01. mai. 2017. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015. COELHO, Teixeira. A cultura e seu contrário. São Paulo: Iluminuras, 2008. COSTA, Rodrigo Vieira. A dimensão constitucional do patrimônio cultural: o tombamento e o registro sob a ótica dos direitos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. CUNHA FILHO. Francisco Humberto. Direitos culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2016. MIRANDA, Jorge. O patrimônio cultural e a Constituição – tópicos. In: Direito do patrimônio cultural. Lisboa: Instituto Nacional de Administração (INA), 1996.
Compartilhar