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COMPORTAMENTO DEFENSIVO: uma estratégia para suportar o sofrimento no trabalho Ana Magnólia Bezerra Mendes" RESUMO Este éum estudo exploratóno, que tem por objetivo ídentíficu as estrstégÍas defensiv.9SUtílízadaspelos tr~alha, acres para evitar ou minimizer o soirimento psiquico gerado nas imposições da organÍzaçá.o do trebelho. Para tel, reelizemos quatro entrevistes com engenheiros da área.técnica de uma empresa de telecomuniceções. Os dados Sram enelisedos queliuuivemente. com base na interpreteçêo da fa.!adesses trebelhedores. Identífica.mos como _ . cipsis estratégiase recionelaeçêo, o individuellsmo e apessividede. A utífÍzaçá.odessas defesas permite ao trebe- •• edor manter seu equiltbrio psiquico, e, ao mesmo tempo, favorece a slleneçêo das causas do seu sotrimento. dificultando assim, oprocesso de mudança. das sltueções de tra.ba.!ho. - 'STRACT Thls exploretory study eims to ÍdentífY the detensive stretegies used by me worker; in order to evoid or to zzsuma e the psychíc su!ferÍng genereied by me impositions of works orgeniauion. For such, four group iaterviews , ere underteken wid: engineers trom me technicel eree of a tele communicetion sinstituition. The besis for me is of the qua.!íty ofínformatÍon obteined was me iaterpretetion of the worker's speech. Rsuionslizedon. ::'ivídua.!Ísmerid pessivity were identitied as me mein stretegies. The use cftbese defenses a.!lows the worker to _ bis psychic belsnce and, sirnulteneously. colsboretes to me elienetion of me causes of bis sutiering, thus zreeting handca.ps to me worker's situstions process of change. ersidade de Brasília.. Revista de Psicologia, Fortaleza, y'13(1!2) Y.14(1!2) p. - p. jan/dez 1995/96 27 Introdução A problemática das estratégias defensivas diante do sofrimento vem sendo estudada desde 1980, com as pesquisas desenvolvidas por Dejours (1987), e tem como propósito coompreender as relações de trabalho do ponto de vista da intersubjetividade, uma mediação entre o psíquico e o social, um espaço de produção de significa- ções psíquicas e de construção de relações sociais. Neste sentido, é a organização do trabalho a vari- ável fundamental para compreensão destas relações, ten- do em vista que as regras estabelecidas para a divisão do trabalho e divisão dos homens exerce impacto no funci- onamento psíquico do trabalhador, gerando vivências tanto de prazer quanto de sofrimento. Mendes (I 994), estudando o prazer-sofrimento, identificou que caso a organização do trabalho contem- pie a fragmentação e especialização, tarefas repetitivas e pouco significativas e relações com pares e hierarquia baseadas no controle e na competitividade, predomina- rão vivências de sofrimento expressas em sintomas como frustração, tédio e impotência. Diante da emergência desse sofrimento, o traba- Ihador manifesta comportamentos defensivos, ora indivi- duais, ora coletivos, com objetivo de evitar emergência de conflitos e/ou sentimentos dolorosos, bem como de manter o equilíbrio psíquico, combatendo ou ocultando internamente o sofrimento. Segundo Dejours (1990), o sofrimento é uma vivência subjetiva, que não se origina necessariamente na realidade exterior, mas sim está associado às relações que o sujeito estabelece com esta realidade, sendo a solicitação pulsional exigida pela organização do traba- lho que conduz a uma representação penosa. Geral- mente tem espressão através dos sentimentos de indig- nidade, desqualificação e inutilidade em relação às instituições atuais de trabalho. Desta forma, a qualidade do sofrimento recebe influência da cadeia biográfica e história de vida do su- jeito, sendo construída nas relações parentais, a partir do processo de identificação da criança com a mãe e do medo da perda deste objeto amado, Dejours (1992); Rodrigues (1992), sendo reproduzido nas situações de trabalho. Desse modo, o trabalho pode, de um lado, favo- recer condições estabilizadoras que neutralizam este so- frimento, muitas vezes existencial, quando as exigências pulsionais correspondem aos desejos inconscientes do sujeito e tem lugar o processo de sublimação e/ou a possibilidade de o trabalhador utilizar seus recursos de personalidade, inteligênciae discussão coletivapara trans- formar o sofrimento em prazer. De outro, o sofrimento permanece ou é mascara- do pelos comportamentos defensivos. Estes comporta- mentos têm relação com o conceito defesa como um conjunto de operações do ego cuja finalidade é reduzir e suprimir qualquer modificação que ponha em perigo o indivíduo, à medida em que desencadeia uma excita- ção interna desagradável para o ego e incompatível com o equilíbrio psíquico. Laplanche &- Pontalis (I 982). Para Wollheim (1971), as defesas assumen uma função integrativa ou construtiva na vida psíquica. En~ tretanto, caso estas defesas sejam excessivas, o ego pode ser enfraquecido se tal se fizer num período do seu de- senvolvimento em que não esteja preparado para esse dispêndio de energia, podendo ocorrer a sua cristaliza- ção e como conseqüência a instalação de neurose. Anna Freud (I 983), nos seus estudos sobre a defi- nição das defesas na obra de Freud, afirma que ele, em 1894, considerava os mecanismos de defesa como um processo empregado pelos sujeitos para descrever a luta do ego contra as idéias ou afetos dolorosos ou insupor- táveis. Em 1926, passou a definir defesa como designa- ção geral para todas as técnicas de que o ego se serve em conflito, que possasm transformar-se em neurose. Segundo a autora, os mecanismos de defesa se passam em mais de uma esfera psíquica. De um lado, são automáticos, inconscientes e encontram-se na de- pendência dos processos primários, com objetivo de re- duzir a tensão pulsional e angústia dele resultantes. De outro, são regidos pelos processos secundários, e visam arranjos das condições internas do indivíduo em função de uma flexível adaptação às condutas externas, bus- cando integração e controle. As defesas relacionadas ao trabalho são processos secundários, que têm como objetivo a adaptação às con- dições dolorosas das situações adversas de trabalho, aos quais geram conflitos que interferem no equilíbrio psí- quico e ameaça a integridade do sujeito. Dejours (I 990) define as estratégias defensivas como um mecanismo pelo qual o trabalhador busca modificar, transformar e minimizar sua percepção da realidade que o faz sofrer. Este processo é estritamente mental, já que ele não modifica a realidade de pressão patogênica imposta pela organização do trabalho. Para o autor, as estratégias defensivas coletivas (ter- mo usado especificamente pela psicodinâmica do traba- lho) se diferencia dos macanismos de defesa individuais estudados pela psicanálise. A diferença entre eles reside no fato de que o primeiro depende da presença de con- dições externas e podem ser coletivos, sustentando-se no consenso de um grupo específico de trabalhadores. Revista de Psicologia, Fortaleza, V.13(1t2) V.14(1t2) p. - p. jan/dez 1995J9628 Assim, as estratégias defensivas coletivas caracte- rizam-se pela presença de condições externas reais que geram sofrimento e são construídas no coletivo a partir o estabalecimento de regras e consenso entre mern- os de uma determinada categoria profissional. Dejours 1985/1987). As estratégias defensivas podem permitir ao sujei- :0 uma estabilidade na luta contra o sofrimento, que, em outras situações, seria incapaz de garanti-Ia apenas com suas defesas individuais. Assim, as estratégias defensivas coletivas devem estar em harmonia com as defesas individuais para ga- rantir a economia psíquica do trabalhador (Dejours, " 90). Entretanto, isto nem sempre ocorre, gerando con- .: tos e tensões internas que podem comprometer o fim- onamento psíquico do sujeito. Segundo o autor, as defesas exercem um papel irn- oortante na estruturação do coletivo, na sua coesão e sua estabilização, porqueimpedem a emergência do sofri- -ento que causa conflito e desestabilização emocional. O autor, então, atribui dois paéis contraditórios às estratégias defensivas coletivas: • De adaptação às pressões para evitar a loucura; e • de estabilização da relação subjetiva e da organi- zação do trabalho, alimentando uma resistência à mudança. Para o autor, a estratégia defensiva pode tornar-se - objetivo em si para enfrentar as pressões psicolôgi- do trabalho, o que leva a um processo de alienação, eando qualquer tentativa de transformação da si- ::..:açãovigente. Quando essas estratégias se estabilizam, surge o cesenccrajarnento, a resignação diante de uma situação e não gera mais prazer, mas só sofrimento. Betiol (1994), mencionando Dejours, afirma que e bteve como resultado de uma de suas pesquisas a zzse do individualismo, que é um processo pelo qual os hadores interpretam os fatos atuais das situações - trabalho de forma singular e sem considerar a histô- - que os produziu. Eles atribuem uma naturalização -~ causalidade, porque seria insuportável o desmente- rnento do esquema defensivo e a confrontação com as zausas do seu sofrimento no trabalho. A perspectiva teórica da psicodinâmica do traba- rescreve que não existem tipos de comportamen- e defesa padronizados para todos os trabalhadores. a categoria expressa comportamentos específicos, endo estes variar até dentro da mesma categoria ~ ional. Fundamentada nestes constructos teóricos, nossa - isa teve como objetivo identificar a utilização de estratégias defensivas pelos trabalhadores, como uma alternativa de comportamento, que visa seu equilíbrio psíquico e a evitação do sofrimento originado nas impo- sições e rigidez da organização do trabalho, consideran- do a hipótese de que a organização do trabalho à qual estes trabalhadores estavam submetidos é favorável à emergência do sofrimento e, como conseqüência, a uti- lização de estratégias defensivas coletivas, exercendo in- fluência nos processos de mudança das situações insatisfatórias de trabalho. Metodologia Os dados foram coletados em quatro entrevistas coletivas, com duração de, no máximo, duas horas. Par- ticiparam da pesquisa voluntariamente três engenheiros eletricistas, exercendo suas tarefas na área de planeja- mento, implantação, verificação e homologação de equi- pamentos técnicos especiais para telecomunicações. Não foi estabelecido um roteiro de entrevista; as perguntas foram elaboradas no momento da pesquisa e norteados por temas gerais relacionados aos seguintes aspectos: divisão do trabalho, descrição da jornada de trabalho, tarefas executadas, ritmos de produção, resul- tados e reconhecimento no trabalho, participação nos processos decisórios, margens de liberdade, relação com os pares e hierarquia e os sentimentos gerados quando submetidos a estas condições. A abordagem desses temas permitiu identificar os elementos da organização do trabalho determinantes do sofrimento e consequentemente da utilização de estra- tégias defensivas. Não é possível investigar defesas de forma direta, é a interpretação da fala que permite re- velar o sentido do discurso latente. As entrevistas foram conduzidas considerando os primeiros comentários dos participantes sobre os temas. A partir deles foram elaboradas questões mais específi- cas relativas aos objetivos da pesquisa, bem como reali- zadas intervenções nos comentários, por meio do le- vantamento de hipóteses explicativas do discurso manifesto. A apreensão das estratégias defensivas foi possível a partir das verbalizações diretas e das carregadas, ao mesmo tempo, de expressões negativas ou positivas, e quando ocorreram falhas de linguagem, silêncio, distorçóes, dificuldades de expressão, bloqueios na fala. Todas as verbalizações foram a unidade de análise, não sendo considerados importantes a identificação indivi- dual de falas e/ou sentimentos nem de determinados aspectos pessoais sobre o âmbito do trabalho. 29Revista de Psicologia, Fortaleza, V.13(1!2) V.14(1!2) p.• p. jan/dez 1995/96 Resultados Os comportamentos defensivos foram identifica, dos a partir da análise das verbalizações dos partici- pantes. Categorizamos os comportamentos defensivos de acordo com o contexto no qual emergiam senti, mentos de tédio, frustração e impotência, imediata, mente minimizados ou evitados através das contra, dições da própria verbalização. Denominamos as estratégias de racionalização, individualismo, e passivi- dade, por representarem os comportamentos que afas- tavam as situações de sofrimento. Estes resultados se, rão explicitados por meio da demonstração das verbalizações que indicam a presença de estratégias. Racionalização Entendemos por racionalização, omecanismo de atribuir explicações coerentes do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, ação, idéia ou sentimento, de cujosmotivosverdadeiros não se apercebe, Laplanche &- Pontalis(1982). Esta estratégia foi utilizada diante das situações nas quais os sujeitos consideravam o trabalho extrema, mente dividido, mas não atribuíram à organização do trabalho a causa do sentimento subliminar de frustra, çâo, conforme podemos identificar nesta verbalização. Verificamosa preservação da imagem da empresa e a negação da sua responsabilidade na divisãodo trabalho. A gente aquí dentro ... a gente não consegue enxergar o todo, uma empresa muíto grande, a gente não sabe muíto bem as díficuldades... eu acho até que a empresa faz um bocado de coísa... bem ágíf... Na verbalização a seguir identificamosa distorção dos movimentos causadores da frustração, ocorrendo uma minimização da realidade de trabalho que faz so- frer, não considerando o poder hierárquico e limita' ções na realização profissional. em termos da aplica, bilidade das competências técnicas com causas diretas da frustração. ...no meu casodáraíva... uma grande ÍlTÍtação, mas depoís a gente pensa: deíxa para lá, não vale a pena ficargastando adrenalína com ísso aquí, o im- portante é que no final do mês eu tenha o meu dínheíro no banco parapoder fazer oplanejamento da mínha vide, me realizar aí fora, já que não tem realizaçãoprofissíona!, tenh orealizaçãopessoa!. Aestratégiade racionalização utilizada pelos parti, cipantes permite a realização profissionalfora do espaço da empresa, demonstrando assim, uma necessidade de não permitir o domínio do adonnecimento intelectual, e consequentemente manter o equilíbriopsíquico. ...fazemos nossas coísasíndependente do que está acontecendo por lá... a realização nossa é ísso ai .. é suportével, não dou ímportân cíapara certas coísas. Se for parar e pensar a gente entra em con- flíto interno, porque chega um ponto em que você não agüenta meis, ou eceite ou saí... Asverbalizações apresentadas parecem dernons- trar que a racionalização está relacionada às situações de divisão do trabalho e conteúdo da tarefa, à proble- mática da realização profissional, implicando uma erga- nização do trabalho onde predomina o parcelamento do trabalho e a desqualificação técnica. Individualismo O individualismoenquanto estratégia defensiva é atribuição de naturalização para comportamentos e fa- tos atuais das situações de trabalho que levam ao isola, mento dos trabalhadores, sem considerar a causalidade que osproduziu. Identificamosque o individualismopode ser considerado uma estratégia para fazer face aos con- flitos internos resultantes do sentimento de impotência diante da percepção dos princípios tayloristaspresentes na situação de trabalho, e dos mecanismos de deses- truturação das realizações com os pares, a competição e o isolamento,ou seja, quando não ocorre a cooperação, confiança e estabelecimento de regras comuns. Aqui não tem um trabalho em equipe, não tem uníão... quando alguma coísa dá errado... todo mundo quer se salvar;colocar culpa para alguém. A existênciadeste fenômeno demonstra, por um lado, a naturalização do isolamento, e de outro, uma queixa pela falta de cooperação, o que permite uma certa isenção de culpa do trabalhador, por não estabele- cer tais relações, bem como evita o contato com uma divisãode trabalho e rigidezhierárquica que desfavorece a fonnação do coletivo. O in idualisrnopode ser identificado através das brincadeiras os colegas, constituindo uma situação onde sen en o de desagrado pela falta de confiança entre res é minimizadopor uma pseudo integração Revista de Psicologia, Fortaleza,V.13(1fl) V.1 (fl) . - p. jan/dez 1995/9630 através do humor. Assim, de um lado, a brincadeira é uma forma de manter o equilíbrio do grupo, e de outro, é mordaz no sentido de encobrir a agressividade origi- nada nas relações competitivas entre os pares. ...acho que uma coisa boa éo fáto de a gen- te conseguir superar um monte de coisas desegre- dáveis que acontecem, com o bom humor. .. a gente brinca mesmo ... ri da própria desgraça ... brincar com a gente mesmo ... quando a coisa tá séria, cada um quer selver a sua pele ... se der selv« a si mesmo e ao outro, se não der... As verbalizações nas quais identificamos o com' portamento do individualismo demonstra a separação do planejarnento-execuçâo, refletindo um trabalho iso- lado, no qual os sujeitos, enquanto grupo de trabalho não tem espaço para discussões coletivas na forma de gestão da organização do trabalho, instalando-se, um ciclo de acusações mútuas entre os pares e uma natura- lização do isolamento, quase um culto ao individualis- mo, não permitindo a clarificação dos mecanismos utili- zados pela empresa para afastar as posibilidades de discussões coletivas sobre a organização do trabalho. Passividade A passividade reflete muito mais um estado em o' cional do que uma estratégia, apesar de que quando neste estado, o trabalhador nega a percepção da real i, dade. Enquanto estratégia, é um comportamento de aco- modação para justificar a não transformação das situa' ções de trabalho, atribuindo o poder de mudar a forças externas a ele, para não se confrontar com o tédio, o desinvestimento e desmotivação pelo seu trabalho gera, do na divisão e conteúdo das tarefas, e nas relações com os pares e hierarquia. As verbalizações demonstram a atribuição à erga- nização do trabalho características de imutabilidade e imobilidade, o que resulta num papel passivo diante das imposições e das possibilidades de transformação. Cumpre o que o chefe ordena emeis nada. Cum- priu está satisfeito. A passividade pode levar ao corporativismo e à supervalorização da empresa, que mascara os elernen- tos determinantes do sofrimento e justifica a rnanuten- ção da situação vigente, não exigindo um confronto com a responsabilidade de cada um e da própria empresa para provocar mudanças, já que para isto o trabalhador teria que aceitar as incompatibilidades entre suas aspira, ções e a sua realidade de trabalho. Querendo ou não você sempre quer vestir a ca- misa da empresa ... aqui dentro a gente pode fa.!armel. é como um pai, que fa.!amel dos filhos, mas não quer que ninguém fa.!e... âs vezes não é culpa da empresa ... émá informação daspessoas. As verbalizacões demonstram que a passividade é uma estratégia que justifica a permanência no emprego, até porque o mercado está difícil. facilitando a aceita' ção de uma situação que só pode ser mudada por forças externas e independentes do contexto organizacional. Isso favorece uma tranqüilidade no sentido de que a empresa e o próprio trabalhador não é responsável pe- Ias adversidades das situações de trabalho, tomando esta estratégia como uma alternativa para manter o equilí- brio psíquico. ...muitos colegas estão desempregados ... aqui pelo menos sou engenheiro ... Consideramos a passividade como uma estratégia que pode ser prejudicial aos processos de mudança à medida em que o trabalhador não identifica as causas do seu sofrimento na organização do trabalho, logo não o compartilha coletivamente, e sente-se isento de res- ponsabilidade pelo fato de justificar a passividade para toda a categoria profissional. Estes resultados parecem apontar que a utiliza, ção de defesas pode ser um fenômeno adaptativo ou patológico, possibilitando o equilíbrio psíquico ou le- vando à paralisação do pensamento e a percepções distorcidas da realidade, prejudicando os processos de mudança, muitas vezes necessários para a sobrevivên- cia e o crescimento da empresa. Apesar de as defesas favorecerem o equilíbrio psí- quico evitando o confronto permanente com os conflitos, é perigosa a sua cristalização em comportamentos de desencorajamento e desengajamento, conforme pesqui- sas realizadas por Dejours (I 994), que atrapalham o pro- cesso produtivo e cronificam as patologias individuais. O caráter exploratório deste estudo não permite generalizações, entretanto, o grupo pesquisado cornpar- tilhou coletivamente destas defesas e atribuiu a sua ca- tegoria profissional tais comportamentos como uma for' ma "natural" de funcionamento dentro da empresa, demonstrando assim, a sua cristalização. 31Revista de Psicologia, Fortaleza, V.13(1m V.14(1/2) p. - p. jan/dez 1995/96 Conclusões As funções desempenhadas pelas defesas são contra- ditórias, tendo em vista os elementos restritivos da organi- zação do trabalho que geram conflitos e sofrimento aos trabalhadores que necessitam manter sua saúde mental. Neste sentido, o comportamento defensivo está envolvido num processo cíclico, dinâmico e rnultide- terminado, variando de acordo com a percepção do tra- balhador, sua história de vida e personalidade, e tarn- bém em função da flexibilidade ou não da organização do trabalho para a negociação das regras estabelecidas (Linhares 1994). No caso dos nossos sujeitos, identificamos uma rigidez nas relações com pares e hierarquia, divisão do trabalho e a falta do uso das competências técnicas, o que leva à busca de realização profissional fora do tra- balho, respaldada na racionalização. A relação com os pares não é baseada na confian- ça e na cooperação, enquanto a chefia é baseada na submissão e controle. Esta, provavelmente, é uma das causas dos conflitos que geram sofrimento e a necessi- dade de utilizar defesas. As defesas, por um lado, permitem a convivência com o sofrimento, por outro, podem levar à alienação das suas verdadeiras causas, o que evita, no caso deste estudo, contato com o tédio, com a frustração e com o sentimento de impotência. Esta alienação serve à ideologia dominante, que não tem interesse nas mudanças das relações de traba- lho, e assim, explora e faz uso da contradição inerente à função das defesas para evitar discussões sobre a or- ganização do trabalho e manter a mão-de-obra produ- tiva ao desconhecer as causas do seu sofrimento e se manter no emprego. Os resultados encontrados nesta pesquisa são muito particulares ao grupo estudado, sendo necessário o de- senvolvimento de outras pesquisas com esta categoria em outras realidades organizacionais a fim de que os comportamentos defensivos possam ser ampliados e/ou confirmados. Fica, então, o alerta para a necessidade de outras pesquisas que possam demonstrar a influência da erga- nização do trabalho nos processos de sofrimento no trabalho e na utilização de estratégias defensivas, o de- senvolvimento de novos métodos de investigação e arn- pliação das variáveis antecedentes, com o objetivo de promover uma discussão teórica a partir do empírico dos princípios norteadores prejudiciais ao estado de saú- de mental no trabalho. Rerefências Bibliográficas DEJOURS, C. Psychopatologie du travaiJ.Paris: Entreprise modeme D' édition.1985. DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatología do trabalho.São Paulo: Cortez.( 1987). DEJOURS, C. &- ABDOUCHEU, E. Intinéraire theórique en psychopatologie du travail. Paris: RevuePrevenir; 20, 1osemestre. I990. DEJOURS, C. Travaí/' Usuremental(reédition). Paris: mimeo. 1992. BETIOL,M. I. S., Psicodinêmice do trabalho: Contri- buições da escola Dejouriene à análise da relação prazer; sotrimento e trabalho. 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