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Apostila Alfabetizacao

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Prévia do material em texto

CURSO 
Alfabetização 
O bom aluno de cursos à distância: 
 
• Nunca se esquece que o objetivo central é aprender o conteúdo, e não apenas terminar 
o curso. Qualquer um termina, só os determinados aprendem! 
 
• Lê cada trecho do conteúdo com atenção redobrada, não se deixando dominar pela 
pressa. 
 
• Sabe que as atividades propostas são fundamentais para o entendimento do conteúdo 
e não realizá-las é deixar de aproveitar todo o potencial daquele momento de 
aprendizagem. 
 
• Explora profundamente as ilustrações explicativas disponíveis, pois sabe que elas têm 
uma função bem mais importante que embelezar o texto, são fundamentais para 
exemplificar e melhorar o entendimento sobre o conteúdo. 
 
• Realiza todos os jogos didáticos disponíveis durante o curso e entende que eles são 
momentos de reforço do aprendizado e de descanso do processo de leitura e estudo. 
Você aprende enquanto descansa e se diverte! 
 
• Executa todas as atividades extras sugeridas pelo monitor, pois sabe que quanto mais 
aprofundar seus conhecimentos mais se diferencia dos demais alunos dos cursos. 
Todos têm acesso aos mesmos cursos, mas o aproveitamento que cada aluno faz do 
seu momento de aprendizagem diferencia os “alunos certificados” dos “alunos 
capacitados”. 
 
• Busca complementar sua formação fora do ambiente virtual onde faz o curso, 
buscando novas informações e leituras extras, e quando necessário procurando 
executar atividades práticas que não são possíveis de serem feitas durante as aulas. 
(Ex.: uso de softwares aprendidos.) 
 
• Entende que a aprendizagem não se faz apenas no momento em que está realizando 
o curso, mas sim durante todo o dia-a-dia. Ficar atento às coisas que estão à sua volta 
permite encontrar elementos para reforçar aquilo que foi aprendido. 
 
• Critica o que está aprendendo, verificando sempre a aplicação do conteúdo no dia-a-
dia. O aprendizado só tem sentido quando pode efetivamente ser colocado em prática. 
2 3
Índice
Apresentação 5
O que precisa saber quem alfabetiza 7
Alfabetização e letramento 7
Como se aprende a ler e escrever 10
O que está escrito e o que se pode ler 24
Aprender a ler: um pouco de história 32
As idéias, concepções e teorias que sustentam a
prática de qualquer professor, mesmo quando ele
não tem consciência delas. 35
O que propor na sala de aula... 59
O que são: poemas, canções, cantigas de roda, adi-
vinhas, trava-línguas, parlendas e quadrinhas 59
É fundamental lembrar 63
Situações de aprendizagem 63
Exemplos de atividades 69
O que são: contos de fadas, mitos, lendas e fábulas 75
É fundamental lembrar 80
Situações de aprendizagem 80
Exemplos de atividades 85
O que são: textos informativos, textos
instrucionais e biografias 92
É fundamental lembrar 96
Situações de aprendizagem 97
Exemplos de atividades 101
O que são: listas, cartas e bilhetes 105
É fundamental lembrar 108
Situações de aprendizagem 109
Exemplos de atividades 112
Como planejar as atividades de alfabetização 119
Bibliografia comentada 151
4 5
Caro Aluno,
Este curso foi feito com o intuito de ajudá-lo a planejar boas 
atividades de alfabetização. É composto de duas partes: a 
primeira, “O que precisa saber quem alfabetiza”, mais teó-
rica, deve ajudá-lo a compreender melhor o processo pelo 
qual passam seus alunos quando estão aprendendo a ler e 
escrever. A segunda, “O que propor em sala de aula”, mais 
prática, contém informações, explicações, exemplos sobre 
diferentes tipos de textos e suas possibilidades de uso em 
sala de aula além de um texto específico sobre planeja-
mento e uma bibliografia comentada.
Tanto a primeira quanto a segunda não se esgotam
aqui, ou seja, é interessante que você procure se aprofundar
nos temas tratados, estudando a bibliografia indicada. E é
importante que você amplie, reestruture e invente situa-
ções de aprendizagem em alfabetização.
Esperamos que este material possa contribuir com seu
trabalho.
Bons Estudos
APRESENTAÇÃO
6 7
Alfabetização e letramento
É da tradição pedagógica brasileira considerar a alfabeti-
zação como uma etapa escolar anterior ao ensino da lín-
gua portuguesa.
Estudos e pesquisas dos últimos vinte anos 1 têm mostra-
do que as práticas que centram a alfabetização apenas na
memorização das correspondências entre sons e letras em-
pobrecem a aprendizagem da língua, reduzindo-a a um con-
junto de sons a serem representados por letras. Em função
disso, essa visão mais tradicional da alfabetização vem sendo
questionada. Isso não significa que não seja necessário apren-
der as letras e os sons correspondentes. Significa que isto é
apenas uma parte do conteúdo da alfabetização. A alfabetiza-
ção é uma aprendizagem mais ampla e complexa do que o
“bê-a-bá”. Esta concepção ampliada do conteúdo da alfabeti-
zação acabou por levar a uma orientação pedagógica na qual,
além de aprender sobre as letras, os alunos aprendem sobre
os diversos usos e as formas da língua que existem num mun-
do onde a escrita é um meio essencial de comunicação.
Para ensinar os usos e as formas da língua para se
escrever em português, é necessário, sempre que possível,
fazê-lo em situações comunicativas. Significa ter como
unidade de ensino a unidade funcional da língua: o texto.
1 Ver bibliografia anexa.
8 9
Significa também trazer para dentro da escola a diversida-
de textual que existe fora dela, abrindo assim, para nossos
alunos, as portas do mundo letrado.
E o que vem a ser isso de “letramento”? Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais:
Letramento, aqui, é entendido enquanto produto da participação
em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e
tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para
torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as ativi-
dades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o
entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe
grau zero de letramento pois nelas é impossível não participar, de
alguma forma, de algumas dessas práticas.
Isto significa que as pessoas que vivem e trabalham nas
cidades, mesmo quando são analfabetas, têm sempre al-
gum conhecimento sobre as práticas sociais letradas. Por
exemplo: um analfabeto que vive na cidade sabe que para
descobrir para onde vai um ônibus é preciso ler o nome ou
o número dele, e apesar de não saber ler acaba descobrin-
do formas de resolver seus problemas de transporte: seja
pedindo a alguém que leia, seja memorizando o número.
Mas para poder participar realmente do mundo letrado, é
preciso muito mais que isso. É preciso, por exemplo, poder
ler jornais e livros. Tornar-se capaz de aprender coisas atra-
vés da leitura. Costumávamos pensar que bastava ser ca-
paz de decodificar para poder ler qualquer coisa. Hoje sa-
bemos que não é bem assim. Para ler jornais ou outros
textos de uso social é preciso conhecer não só as letras,
mas também o tipo de linguagem em que são escritos. Para
poder compreender o que se está lendo – e não apenas fa-
zer barulho com a boca como um papagaio – é necessário
construir uma familiaridade com a linguagem que se usa
para escrever cada gênero.
Mas o que é isso de “gênero”? Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais:
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero . Os
vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relati-
vamente estáveis de enunciados (…). Podemos ainda afirmar que
a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que comparti-
lham algumas características comuns (…).
Os gêneros são determinados historicamente. As intenções
comunicativas (…) geram usos sociais que determinam os gêne-
ros, os quais dão forma aos textos. É por isso que, quando um
texto começa com “era uma vez”, ninguémduvida de que está
diante de um conto, porque todos conhecem esse gênero. Diante
da expressão “senhoras e senhores”, a expectativa é ouvir um
pronunciamento público ou uma apresentação de espetáculo, pois
sabe-se que nesses gêneros o texto, inequivocamente, tem essa
fórmula inicial. Do mesmo modo, podemos reconhecer outros
gêneros como: cartas, reportagens, anúncios, poemas etc.
Portanto, além do conhecimento sobre as letras, o professor
precisa ensinar a seus alunos, ao mesmo tempo, a linguagem
que se usa para escrever os diferentes gêneros. E a forma de
ensinar isso é trazendo para dentro da sala de aula a diversi-
dade textual que existe fora. É lendo para eles – em situações
onde essa leitura faça sentido – os mais variados textos. Prin-
cipalmente para os alunos de escolas rurais que, com fre-
qüência, não têm quase nenhum contato com textos e leito-
res. São exatamente essas crianças que mais dependem da
escola para ter acesso ao conhecimento letrado e é com rela-
ção a elas que é maior a responsabilidade do professor.
Em função dessa nova compreensão do que seja a tare-
fa de alfabetizar, este material de apoio inclui um conjunto
10 11
de textos de diferentes gêneros para serem usados com os
alunos e várias sugestões de atividades a serem realizadas
com esses textos. Tanto os textos como as atividades são
apenas amostras e sua função é dar ao alfabetizador uma
idéia das possibilidades de trabalho.
Como se aprende a ler e escrever2
A criança e seu processo de alfabetização
As pesquisas sobre o processo de alfabetização vêm mos-
trando que, para poder se apropriar do nosso sistema de
representação da escrita, a criança precisa construir res-
postas para duas questões:
1 . O que a escrita representa?
2 . Qual a estrutura do modo de representação da escrita?
A escola considera evidente que a escrita é “um sistema de
signos que expressam sons individuais da fala” (Gelb, 1976)
e supõe que também para a criança isso seja dado a priori.
Mas não é. No início do processo toda criança supõe que a
escrita é uma outra forma de desenhar as coisas. Vamos dar
alguns exemplos que o professor pode reconhecer, na sua
prática diária, mas não tinha até então como interpretar.
Pediu-se a uma criança, que aprendeu a reproduzir a for-
ma escrita do nome de sua mãe (Dalva), que escrevesse a pala-
vra “mamãe”, cuja forma ela não conhecia. Ela escreveu, com
convicção, “Dalva”. E, questionada em relação à inadequação
da sua escrita, ficou perplexa com a incapacidade adulta de
compreender uma coisa tão evidente, isto é, que Dalva e ma-
mãe são a mesma pessoa e, portanto, a mesma escrita.
O que a criança não compreende é que a escrita represen-
ta a fala, o som das palavras, e não o objeto a que o nome se
refere. De uma pesquisa realizada em Recife reproduzimos as
seguintes informações da entrevista ocorrida no início do ano
letivo com uma criança cursando pela primeira vez a 1ª série:
Diante do par de palavras BOI/ARANHA:
Experimentador: Nestes cartões estão escritas duas palavras:
boi e aranha . Onde você acha que está escrito boi e onde está
escrito aranha?
Criança: Aqui está escrito boi (apontando para a palavra ARA-
NHA) e aqui está escrito aranha (apontando para a palavra BOI) .
Experimentador: Por que você acha que aqui (BOI) está escrito
aranha e aqui (ARANHA) está escrito boi?
Criança: Porque essa daqui tá pequena e esse daqui tá grande.
Tia me ensinou que boi começa com A.
Vê-se, portanto, aqui, o divórcio entre o conhecimento da le-
tra e as hipóteses dessa criança a respeito da escrita. Para ela, a
escrita devia conformar-se à sua concepção ainda realística da
palavra, ou seja, coisas grandes têm nomes grandes e coisas pe-
quenas têm nomes pequenos. 3
Mas o fato é que, em vez de confirmar, a realidade, dentro e
fora da escola, desmente seguidamente a teoria que a cri-
ança construiu sobre o que a escrita representa. Desmente
e problematiza, obrigando a criança a construir uma nova
teoria, novas hipóteses. Ao começar a se dar conta das ca-
racterísticas formais da escrita, a criança constrói então
duas hipóteses que vão acompanhá-la por algum tempo
durante o processo de alfabetização:
2 Este texto é um fragmento do artigo “Como se aprende a ler e escrever ou, prontidão,
um problema mal colocado”, de Telma Weisz, publicado em Ciclo Básico, CENP/
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, 1988.
3 In Aprender pensando: contribuições da Psicologia cognitiva para a educação,
SEE Pernambuco/1983.
12 13
a) de que é preciso um número mínimo de letras – entre
2 e 4 – para que esteja escrito alguma coisa4 e
b) de que é preciso um mínimo de variedade de
caracteres para que uma série de letras “sirva para ler”.
De início, a criança não faz uma diferenciação clara entre o
sistema de representação do desenho (pictográfico) e o da
escrita (alfabético), como se pode observar na escrita de
Reginaldo, 6 anos (22/8/84). 5
O contato, no universo urbano, com os dois sistemas –
da escrita e do desenho – permite estabelecer progressiva-
mente essa diferenciação. Mas, mesmo quando a criança
já tem claro que “desenha-se com figuras” e “escreve-se
com letras”, a natureza do sistema alfabético ainda perma-
nece um mistério a ser desvendado.
Ainda antes de supor a escrita como representação da
fala, a criança faz várias tentativas de construir um siste-
ma que se assemelhe formalmente à escrita adulta, bus-
cando registrar as diferenças entre as palavras por meio de
diferenças na quantidade, posição e variação dos caracteres
empregados para escrevê-las. Veja a escrita da Edinilda
(22 /8 /84 ) .
4 A idéia de que uma letra sozinha “não serve para ler”, “não diz nada”, nos dá
uma pista para compreender a dificuldade das crianças, mesmo as mais avançadas,
com a escrita isolada dos artigos.
5 In Repensando a prática de alfabetização – as idéias de Emília Ferreiro na sala de
aula, Telma Weisz – Cadernos de Pesquisa/1985.
Reginaldo ainda não estabelece uma diferença clara entre o sistema
de representação da escrita e do desenho. As letras que aparecem
são as do seu nome, menos em “borboleta”, onde usa as do nome
de sua irmã Sandra.
1) (gato ¬)
2) (borboleta ¬)
3) ( ® cavalo)
4) (i, agora vou
fazer o boi.)
5) (gato) (bebe leite)
REGINALDO, 6 anos
Edinilda avançou mais que
Reginaldo. Ela supõe que “escreve-se
com letras”, mas ainda não
descobriu que as letras representam
sons. Sua hipótese – é preciso uma
hipótese para produzir qualquer
escrita – poderia ser descrita assim:
Para escrever (qualquer coisa) é
preciso de 7 a 9 letras (o nome dela
tem 8 letras).
Mas não podem ser sempre as
mesmas letras, nem na mesma
posição. Por isso ela varia o máximo
que pode dentro do seu limitado
repertório, o que, às vezes, exige
que ela invente algumas.
Edinilda já percebeu que a palavras
diferentes correspondem escritas
diferentes, mas não sabe a que
atribuir essas diferenças, pois não
descobriu ainda o que é que as
letras representam.
EDINILDA, 7 anos
14 15
Enquanto não encontra respostas satisfatórias para
as duas perguntas fundamentais: “o que a escrita repre-
senta?” e “qual a estrutura do modo de representação
da escrita?”, a criança continua pensando e tentando
adequar suas hipóteses às informações que recebe do
mundo. A descoberta de que a escrita representa a fala
leva a criança a formular uma hipótese ao mesmo tempo
falsa e necessária: a hipótese silábica.
A HIPÓTESE SILÁBICA
A hipótese silábica é um salto qualitativo, uma daquelas
“grandes reestruturações globais” de que nos fala Piaget.
Um salto qualitativo tornado possível pelo acirramento das
contradições entre as hipóteses anteriores da criança e as
informações que a realidade lhe oferece.
O que caracteriza a hipótese silábica é a crença de
que cada letra representa uma sílaba – a menorunidade
de emissão sonora. Veja, a seguir, três amostras de es-
crita silábica.
A hipótese com a qual essa menina trabalha é a de que
cada letra representa uma emissão sonora, isto é, uma
sílaba oral. É o tipo de escrita que Emília Ferreiro chama
silábica estrita. Cleonilda demonstra um razoável conheci-
mento do valor sonoro convencional das letras que, no en-
tanto, ela adapta às necessidades de sua hipótese conceitual.
A vogal “o”, por exemplo, vale “to” em gato, “bor” e “bo” em
borboleta, “lo” em cavalo e novamente “bo” em boi.
A escrita desse menino também é silábica. Mas, no caso
dele, esta hipótese entra em conflito com outra: a hipótese da
quantidade mínima de caracteres para que um conjunto de
letras possa ser considerado uma palavra. (No início do pro-
cesso de alfabetização, as crianças supõem que uma única
letra “não serve para ler”, o que varia de uma para outra é o
número de letras que é tido como mínimo, em geral entre 2 e
4.) O Lourivaldo exige três letras no mínimo, o que cria um
problema na escrita dos monossílabos e dissílabos. A solução
que ele encontrou foi agregar letras sem valor sonoro às pala-
vras com menos de três sílabas, o que acabou criando, em gato
e boi, uma discrepância entre a intenção da escrita e a inter-
pretação da leitura: na escrita a letra muda era a terceira, mas
na hora de ler preferiu considerar como muda a letra do meio.
Há também preocupação com o valor sonoro convencional.
CLEONILDA, 7 anos
(22/8/84)
LOURIVALDO, 8 anos
(22/8/84)
16 17
Essa é uma escrita silábica bem mais difícil de reco-
nhecer que as anteriores. Um caso em que o conheci-
mento que a professora construiu observando a criança
é que possibilita a interpretação. Daniel estava vivendo
um momento de conflito cognitivo. Vinha testando sua
hipótese silábica em todas as palavras a que tinha aces-
so, isto é, todas as que alguém lia para ele, e ficava visi-
velmente aflito com as letras que sobravam. A forma que
encontrou de acomodar a situação foi agregar letras
mudas no final, mas esse arranjo não era, de modo al-
gum, satisfatório. Seu desconforto durante a atividade
era visível: recusou-se a ler “borboleta” e “boi” e foi pre-
ciso insistir muito para que lesse “cavalo” e “gato”.
Dissemos que a hipótese silábica é falsa e necessá-
ria. Vamos analisar as duas partes dessa afirmação. Em
primeiro lugar, a questão da falsidade . Supor que cada
letra representa uma sílaba é falso com relação à con-
cepção adulta da escrita, à convenção social, que é al-
fabética. Mas não resta dúvida de que é muito mais
verdadeira que as hipóteses anteriores. Ela dá uma res-
DANIEL, 7 anos
(22/8/84)
posta verdadeira à primeira questão: “O que a escrita
representa?” O salto qualitativo é a descoberta de que
a escrita representa os sons da fala. Junto com a com-
preensão da natureza do objeto representado emerge a
necessidade de estabelecer um critério de correspon-
dência. Não é mais possível à criança atribuir global-
mente a palavra falada à sua escrita. Impõe-se a neces-
sidade de partir tanto a fala quanto a escrita e fazer
corresponder as duas séries de fragmentos. Nesse es-
forço, a criança comete um erro: supõe que a menor
unidade da língua é a sílaba. Um “erro” aliás muito ló-
gico se pensarmos na impossibilidade de emitir o fonema
isolado. A hipótese silábica é, então, parcialmente fal-
sa, mas necessária. Necessária como são necessários
“erros construtivos” no caminho em direção ao conhe-
cimento objetivo.
As pesquisas de Emília Ferreiro, em 1982, com 900
crianças que cursavam pela primeira vez a 1ª série da
escola pública em várias cidades do México, mostram
que mais ou menos 85% das crianças estudadas que
aprenderam a ler utilizavam a hipótese silábica em pelo
menos uma das quatro entrevistas realizadas durante o
ano. Isto é, a maioria das crianças precisou desse “erro
construtivo” para chegar ao sistema alfabético. Como o
intervalo entre as entrevistas era de 60 a 80 dias, fica
difícil saber se os 15% restantes passaram ou não por
esse erro construtivo. Mas uma coisa é certa: é impossí-
vel chegar à compreensão do sistema alfabético da es-
crita sem descobrir, em algum momento, que o que a
escrita representa é a fala.
Mas, no processo de alfabetização, a hipótese silábi-
ca é, ao mesmo tempo, um grande avanço conceitual e
uma enorme fonte de conflito cognitivo.
18 19
No entanto, a hipótese silábica cria suas próprias condições de con-
tradição: contradição entre o controle silábico e a quantidade mínima
de letras que uma escrita deve possuir para ser interpretável (por
exemplo, o monossílabo deveria se escrever com uma única letra,
mas quando se coloca uma letra só, o escrito “não pode ser lido”, ou
seja, não é interpretável); além disso, há contradição entre a interpre-
tação silábica e as escritas produzidas pelos adultos (que têm sem-
pre mais letras do que as que a hipótese silábica permite antecipar).
No mesmo período – embora não necessariamente ao mesmo
tempo – as letras podem começar a adquirir valores sonoros (silábi-
cos) relativamente estáveis, o que leva a uma correspondência com
o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre as palavras
começam a se exprimir por letras semelhantes. E isto também gera
suas formas particulares de conflito. (Emília Ferreiro)
Imaginem como fica conflitante para a criança defron-
tar-se com o fato de que, por exemplo, sua escrita para
“pato” (AO) ficou igual à que ela produziu para “gato”.
Vocês devem estar se perguntando por que isso não
foi percebido até então; por que não se tornou observável
antes para nós, professores. A resposta é que não podí-
amos “ver” a escrita silábica por razões semelhantes à
de que a humanidade não pôde rever a idéia de uma
Terra plana enquanto não admitiu que esta é que girava
em torno do Sol e não o contrário. Foi necessária uma
concepção dialética do processo de aprendizagem, uma
concepção que permitisse ver a ação do aprendiz cons-
truindo o seu conhecimento, onde o professor aparece
não mais como o que controla a aprendizagem do aluno e
sim como um mediador entre aquele que aprende e o con-
teúdo a ser aprendido. Só a partir desse novo referencial
é possível imaginar que a criança aprenda algo que não
foi ensinado pelo professor.
A CAMINHO DA HIPÓTESE ALFABÉTICA
Vamos recapitular para não perder o fio. Vimos emergir das
pesquisas uma criança que se esforça para compreender a
escrita. Que começa diferenciando o sistema de representa-
ção da escrita do sistema de representação do desenho. Que
tenta várias abordagens globais, numa busca consistente da
lógica do sistema até descobrir – o que implica uma mudança
violenta de critérios – que a escrita não representa o objeto a
que se refere e sim o desenho sonoro do seu nome. Que nes-
se momento costuma aparecer uma hipótese conceitual que
atribui a cada letra escrita uma sílaba oral. Que essa hipó-
tese gera inúmeros conflitos cognitivos, tanto com as infor-
mações que recebe do mundo como com as hipóteses de quan-
tidade e variedade mínima de caracteres construídas pela pró-
pria criança. Veja a seguir as amostras de escrita da Cleonilda,
do Lourivaldo e do Daniel, de 22/8/84, onde isso aparece
com clareza.
CLEONILDA, 7 anos
(22/8/84) (30/11/84)
20 21
As escritas silábica e silábico-alfabética têm sido
encaradas como patológicas pela escola que não dis-
põe de conhecimento para perceber seu caráter
evolut ivo.
Se o professor compreende a hipótese com que a cri-
ança está trabalhando, passa a ser possível problematizá-
la, acirrar – por meio de informações adequadas – as con-
tradições que vão gerar os avanços necessários para a
compreensão do sistema alfabético. E foi isso o que acon-
teceu com Cleonilda, Lourivaldo e Daniel, como se pode
ver nas amostras de escrita de 30/11/84 (na coluna da
direita, em cada umdos exemplos anteriores).
Cleonilda, que em 90 dias de aula estava alfabeti-
zada, não é capaz de articular oralmente nenhum en-
contro consonantal – nem no seu próprio nome. Ape-
sar disso, ou talvez por isso mesmo, das crianças que
se alfabetizaram nesse grupo era a que menos erros
de escrita cometia. Ela jamais escrevia “comi” para
“come”, como o Lourivaldo, que falava corretamente.
Reginaldo, como se pode ver no quadro seguinte, pela
evolução da cópia de seu nome, não tem orientação espa-
cial da escrita, “come” letras, espelha letras, tem traçado
inseguro, é incapaz de manter a ordem das letras na có-
pia (e tinha dificuldade para segurar o lápis)...
(14/6/84) Diante da recusa e
da ansiedade da criança, a
professora sugere o uso do
apelido Regi, em lugar de
Reginaldo, e oferece um
modelo para cobrir e copiar.
Daniel escreve alfabeticamente as palavras, mas regride ao nível silábico-
alfabético (de transição) na frase. É possível que isso tenha acontecido
porque estava preocupado com a separação das palavras. Foi o único
que não escreveu tudo junto, como seria normal. O que é coerente com
seu estilo: muito atento à forma adulta de escrever, buscando sempre
reproduzir suas características, mesmo sem compreender.
LOURIVALDO, 8 anos
(22/8/84) (30/11/84)
(gato-be-be-lei-te)(ca-va-lo)
(bor-bo-le-ta) (bo-_-i)
(ga-_-to)
DANIEL, 8 anos
(22/8/84) (30/11/84)
(ga-to)
(ca-va-lo)
(borboleta)
(o gato) (o gato bebe leite)
(boi)
(co-me)(bo-i)
22 23
Em setembro e
outubro consegue
garantir a presença
de todas as letras e
parece começar a
se preocupar com a
ordem.
Em novembro descobre
que as letras
representam sons (ver
quadro abaixo) e a
questão da ordem das
grafias se resolve.
Dedica-se, então, a
posicionar corre-
tamente cada letra.
(assinatura na ausência de modelo)
(8/8/84)
(8/8/84)
(8/8/84)
(8/8/84)
(13/9/84)
(22/10/84)
(9/11/84)
(26/11/84)
(29/11/84)
1ª tentativa (rejeitada) de escrever mato.
Prof. – “Mato se escreve com que sílabas?”
 (2ª tentativa)
Regi – “O ma do macaco.” (escreve M)
“O to do pato.” (escreve T)
“E a bolinha?” (apaga o T e substitui por O)
Prof. – “Agora escreve boi.”
Regi – (escreve B) “É o i (que falta)?”
Prof. – “O que você acha?”
Regi – “É.” (Escreve A)
(ma – to)
(bo – i)
(25/6/84) Aceita fazer “lição
de nome”, isto é, cobrir o
modelo e copiar embaixo.
Durante o mês de agosto,
Reginaldo se esforça para
copiar todas as letras do seu
nome, agregando-as aos
poucos. A conservação da
ordem das grafias do modelo
não tem ainda significado, o
que importa é a presença.
3) (cavalo)
4) (i, agora vou fazer o boi.)
5) (gato)
(bebe leite)
1) (gato)
2) (borboleta)
(19/6/84) Insiste em
copiar Reginaldo. Fica
muito infeliz com o
resultado.
24 25
uma figura e ela responde “uma” bola (ou “uma” boneca ou
“uma” bicicleta...) e quando perguntamos o que está escri-
to junto da bola ela diz apenas “bola” (ou “boneca”, ou “bi-
cicleta”, omitindo o artigo indefinido).
Essa distinção sutil é sistemática e caracteriza o que
Emilia Ferreiro chamou a hipótese do nome. Isto é, no
início, as crianças pensam que o que se escreve são apenas
os nomes. Investigando essas idéias infantis ela descobriu
coisas interessantes. 6
Uma de letras é a seguinte: as letras representam o nome dos
objetos. Santiago, um menino de 3 anos pertencente à classe
média, a mais jovem das crianças que acompanhamos longi-
tudinalmente, foi quem fez explicitamente essa af irmação.
Enquanto olhava um novo carrinho de brinquedo, das primei-
ras idéias que as crianças elaboram em relação ao significado
de uma seqüência descobriu as letras impressas no objeto e,
apontando para estas letras, disse: “Aqui estão as letras. Elas
dizem o que é”. O texto escrito na verdade dizia MÉXICO, mas
Santiago achou que estava escrito “carro”. De modo seme-
lhante, as crianças acham que as letras impressas em uma
lata de leite dizem “leite”; que as letras em um relógio dizem
“relógio”, e assim por diante. O significado de um texto escrito
é, portanto, inteiramente dependente do contexto. Se o con-
texto for um livro com figuras, imagina-se que as letras “di-
gam” o nome dos objetos ilustrados. A proximidade espacial
entre a escrita e as gravuras é a informação relevante que as
crianças procuram para descobrir qual dos textos escritos po-
deria “dizer” o nome de cada objeto ilustrado.
No entanto, os seus problemas perceptivo-motores de-
sapareceram como por encanto, quando ele descobriu o que,
exatamente, as letras representavam. Pensem bem, que im-
portância têm a posição ou a ordem das letras, se para nós
elas são apenas desenhos?
O que esse texto tentou informar em linhas gerais é como
é que se aprende a ler. Tentamos mostrar que as dificulda-
des desse processo são muito mais de natureza conceitual e
muito menos perceptual, conforme pensávamos antes. E,
como nossa prática se baseava sobre o que sabíamos, é pre-
ciso repensá-la, não?
O que está escrito
e o que se pode ler
Como vimos anteriormente, as crianças constroem hipóte-
ses sobre como se escreve e muitos professores já ouviram
falar disso. No entanto, parte importante e pouco conhecida
das investigações sobre a aquisição da escrita se refere ao
que poderíamos chamar hipóteses de leitura, isto é, as idéias
que as crianças constroem sobre o que está ou não grafado
em um texto escrito e o que se pode ler ou não nele. As
crianças, antes de aprender a ler e escrever, constroem idéias
e distinções que parecem estranhas aos nossos olhos alfa-
betizados.
Crianças pequenas costumam pensar que qualquer coi-
sa que esteja escrita perto de uma figura deve ser o nome
da figura. Por exemplo, elas imaginam que se em uma cai-
xa de remédio há algo escrito deve ser “remédio” ou, quem
sabe, “pílulas”. A hipótese de que o que está escrito junto
de uma imagem deve ser seu nome fica evidente quando
perguntamos a crianças que não sabem ler o que se vê em
6 Experimento descrito no artigo “A interpretação da escrita antes da leitura
convencional”, capítulo do livro Alfabetização em Processo, de Emilia Ferreiro, Editora
Cortez. Usaremos a seguir vários fragmentos deste artigo para ajudar a explicar as
idéias da autora e os resultados dessas investigações.
26 27
O que caracteriza o nível 3 é a possibilidade de con-
siderar algumas propriedades do próprio texto escrito
em relação à imagem. Vejamos um exemplo – em outro
tipo de experimento – onde a criança considera as pro-
priedades quantitativas do texto, sem renunciar à idéia
de que só os nomes estão escritos.
Ana Teresa (5 anos e 3 meses) procura interpretar um texto de
três segmentos que acompanha a imagem de uma cena com
vários personagens. O texto é: “as galinhas comem” e Ana Te-
resa pensa que está escrito “gato, galinha, menino” um nome
para cada um dos segmentos, na ordem da esquerda para a
direita; trata-se de três nomes de personagens representados
na figura. Quando, porém, no mesmo dia, a mesma menina
procura interpretar outro texto de três segmentos que acompa-
nha uma figura com um único personagem, suas dificuldades
se tornam manifestas. A figura é um pato na água. O texto é “o
pato nada”. Ana Tereza começa tentando uma silabação do nome
“pato”, a fim de ajustar-se às segmentações do texto: atribui a
primeira sílaba (“pa”) ao primeiro segmento do texto (“o”) e a
segunda sílaba (“to”) ao resto do texto (“pato nada”). Esta solu-
ção não a satisfaz porque deve atribuir uma única sílaba a dois
segmentos. Tenta então outra solução: atribui o nome “pato” a
um dos segmentos maiores (“nada”), pensa que diz “água” no
outro segmento de quatro letras (“pato”) e, como não lhe ocorre
mais nada porquenão há outros elementos na figura, atribui o
nome “cores” ao segmento restante (“o”).
Uma das idéias mais surpreendentes (surpreendentes para
nosso olhar alfabetizado, é claro) construídas pelas crian-
ças no início de seu contato com o mundo da escrita é a
distinção entre o que está escrito e o que se pode ler.
A idéia de que se deve escrever tudo o que se quer dizer
não é compreendida antes que a criança se alfabetize. Pelo
A um grupo de crianças entre 3 e 5 anos, de diferentes ori-
gens sociais – que a pesquisadora acompanhou durante dois
anos, realizando entrevistas individuais a cada dois meses –
apresentou-se um conjunto de cartões com imagens e um
conjunto de cartelas com textos escritos. Nenhuma das crian-
ças sabia ler ou conhecia de memória a forma do que estava
escrito nas cartelas. Solicitava-se a elas que agrupassem
em pares as figuras com os escritos que “combinassem” com
elas. Depois, pedia-se a cada criança que dissesse o que
estava escrito em cada uma. Emilia Ferreiro classificou as
respostas em três grupos, ou melhor, em três níveis:
As crianças no nível 1 deixam evidente que o significado atribuí-
do ao escrito (texto) depende inteiramente do contexto: o signifi-
cado do texto muda tantas vezes quanto varia o contexto. Por
exemplo, se um determinado texto tiver sido colocado em relação
à imagem de uma girafa, “ele diz girafa”, mas o mesmo texto es-
crito pode “dizer” outros nomes (“leão”, “cavalo” etc., se o conjun-
to de cartões ilustrados for um conjunto de animais). O mesmo
texto escrito pode “dizer” novamente “girafa”, se for outra vez co-
locado nas proximidades daquela imagem.(…)
As crianças no nível 2 já não aceitam que um texto escrito
dependa tão completamente do contexto e, nas entrevis-
tas, explicam:
• Areli (de 4 anos e 7 meses, pertencente à classe média)
argumenta que o texto escrito atribuído ao leão não
pode servir para outro animal, “porque é do leão”; o
texto escrito pertencente à girafa não pode servir para
outro animal, “porque diz girafa”.
• Victor (de 5 anos e meio, favelado) argumenta que o
texto escrito atribuído a uma espiga de milho não é
adequado para o homem, porque se o colocarmos perto
da figura de um homem “ele vai se chamar milho”.
28 29
gue repetir a oração quando lhe perguntamos: “o que
dizia o texto todo?”). É um problema de contraste de con-
cepções. Para poder utilizar a informação oferecida pelo
adulto (quando lê o texto para ela), a criança deveria
partir das suposições básicas de nosso sistema escrito:
que todas as palavras ditas estão escritas, e que a or-
dem da escrita corresponde à ordem da enunciação.
É interessante observar que as idéias das crianças so-
bre “o que está escrito” e “o que se pode ler” evoluem em
direção à correspondência termo a termo entre o falado e o
escrito, não dependendo para isso da decifração ou do co-
nhecimento das letras. Esta é uma evolução conceitual e
acredita-se que esteja relacionada às oportunidades de con-
tato com a escrita. Retiramos do mesmo artigo citado aci-
ma a transcrição de três entrevistas que nos parecem mui-
to esclarecedoras. A oração que nos servirá de exemplo é:
“Papai martelou a tábua”.
Entrevistador Erick (6 anos)
(Lê a oração.) O que diz? Papai martelou a tábua
Diz tábua em algum lugar? (Repassa o texto com o
dedo indicador, repetin-
do para si a oração e
logo mostra tábua )
Diz papai em algum lugar? (Mostra papai sem pes-
tanejar)
O que diz aqui? (martelou) (Repassa o texto desde
o começo, como antes.)
Martelou.
E aqui? (a) (Repete o mesmo proce-
dimento.) A.
contrário, descobrir que é necessário escrever tudo, sem
omitir nada, requer bastante experiência com a língua es-
crita. Emilia Ferreiro e colaboradores realizaram experi-
mentos com crianças de diferentes países, diferentes lín-
guas, diferentes idades e classes sociais, buscando com-
preender a natureza e a evolução dessa distinção entre “o
que está escrito” e “o que se pode ler”. E observaram que,
em torno dos 4 ou 5 anos, crianças urbanas costumam
pensar que apenas os substantivos precisam estar escritos
para que se possa ler um enunciado. Como quando uma
criança desenha, por exemplo, um menino jogando bola: o
que aparece no desenho é o menino e a bola, tudo o mais é
inferido por quem o interpreta quando olha para o desenho
e diz: “o menino está jogando bola”.
Vejamos um exemplo concreto para ajudar a compre-
ender:7
Apresentamos e lemos para a criança a oração: “a
menina comprou um caramelo”. A criança a repete cor-
retamente (repetindo inclusive o assinalar contínuo que
acabamos de fazer). Se lhe perguntarmos onde está es-
crito “menina” ou “caramelo”, não terá dificuldades em
assinalar alguma das palavras escritas (não importa, no
momento, saber se a indicação é ou não correta), mas
não lhe ocorrerá que o verbo, e muito menos os artigos,
estejam escritos. De acordo com a análise realizada pe-
las crianças deste nível, existem partes escritas em de-
masia, e bastaria apenas duas palavras: “menina” e “ca-
ramelo” para se poder ler uma oração completa. O que
falta não é a memória imediata (já que a criança conse-
7 Transcrito de “A compreensão do sistema de escrita: Construções originais da
criança e informação específica dos adultos”, capítulo do livro Reflexões sobre a
alfabetização, de Emilia Ferreiro, Editora Cortez.
30 31
O que diz o texto todo? Papai martelou a tábua.
Onde está escrito tábua? (Mostra tábua ).
O que diz aí? Tábua
E aqui? (a) …………
Diz algo ou não diz nada? Não, não diz nada.
Por quê? Tem uma letra só.
Mas para Laura apenas os nomes estão escritos. Tanto
que não teve dúvidas em transformar o verbo “marte-
lou” no substantivo “martelo”. Este não foi um procedi-
mento particular de uma criança. No caso desse enun-
ciado, várias crianças que estavam nesse momento do
processo transformaram “martelou” em “martelo”, uma
solução engenhosa para resolver a questão ali, naquele
momento.
Esta questão – a distinção entre “o que está escrito”
e “o que se pode ler” – evolui, evidentemente, na direção
inversa à da apresentação das entrevistas. Erick é mais
avançado que Silvia e esta, que Laura. No entanto os
três têm a mesma idade. Estamos enfatizando este fato
para marcar que na evolução das idéias sobre a escrita a
idade conta menos que o tempo de participação em situa-
ções e atividades onde a escrita está direta ou indireta-
mente presente. Se a idade fosse a variável mais impor-
tante, não existiriam adultos analfabetos.
As idéias infantis que descrevemos aqui são cons-
truções originais das crianças e dão inúmeras pistas ao
leitor atento sobre por que é importante oferecer à cri-
ança a oportunidade de se defrontar com textos nos quais
ela sabe o que está escrito ou pode deduzir a partir do
contexto. Colocá-la freqüentemente neste tipo de situa-
Como vemos, Erick consegue atribuir cada parte falada a
uma parte escrita, apesar de não saber ler.
Sílvia consegue atribuir o verbo (martelou) à sua escrita
mas lhe parece inadmissível que algo possa estar escrito
em um segmento com apenas uma letra. Imagina então
que esta letra possa ser um pedaço de um dos substan-
tivos, no caso o “ta”, de tábua.
Entrevistador Silvia (6 anos)
(Lê a oração.) O que diz? Papai martelou a tábua.
Onde está escrito papai? Aqui (papai).
E aqui? (martelou) Martelou
E aqui? (tábua ) Tábua
E aqui? (a) Tá
Eu escrevi: papai Sim, papai martelou
martelou a tábua. a tábua.
Então o que diz aqui? Papai
(papai)
Aqui? (tábua ) Tábua
E aqui? (a) Tá
®
Entrevistador Laura (6 anos)
(Lê a oração.) O que diz? Papai martelou a tábua.
Diz papai em algum lugar? Aqui (papai).
Diz tábua em algum lugar? Aqui (tábua ).
O que diz aqui? (martelou) Martelo
E aqui? (a) …………
32 33
que conhecemos, ampliou-se muito o número de pes-
soas que sabiam ler sem que aparentemente tivessemsido ensinadas. Historiadores como Jean Hébrard veri-
ficaram que esta alfabetização, que ninguém compre-
endia muito bem como acontecia, tinha relação com a
instrução religiosa.
No mesmo período histórico em que os livros deixa-
ram de ser produzidos a mão, copiados um a um, e pas-
saram a ser reproduzidos industrialmente, em tipografias
– graças à invenção de Gutenberg –, a Europa foi sacu-
dida por um movimento conhecido como a Reforma Pro-
testante. Este movimento foi desencadeado pelo padre
alemão Martinho Lutero, que se rebelou contra o Papa e
estabeleceu as bases doutrinárias que deram origem às
Igrejas protestantes. Uma das mudanças mais impor-
tantes era o direito de cada cristão à livre interpretação
das Escrituras. Isto é, o exercício da fé exigia o acesso
pessoal ao que estava escrito na Bíblia. Todo cristão ti-
nha o direito e o dever de se esforçar para buscar a pala-
vra de Deus, tentar compreender seus desígnios, atra-
vés das Sagradas Escrituras, o que então estava se tor-
nando possível, pois as bíblias impressas começavam a
estar ao alcance de muitos.
Na tradição católica, apenas os religiosos deveriam
saber ler. O acesso à palavra de Deus, para os católicos,
era mediado pelos padres, que a interpretavam. Para os
protestantes, no entanto, nenhum intérprete autoriza-
do, nenhuma tradição poderia se interpor entre o crente
(“mesmo se é uma miserável filha de moleiro, ou mesmo
uma criança de 9 anos”, escreveu Lutero) e as Escritu-
ras. Jean Hébrard conta que, no século XVII, na Suécia
e na Finlândia, países de forte presença luterana, prati-
camente toda a população era alfabetizada sem que exis-
ção é oferecer-lhe oportunidades para pensar sobre a
escrita, elaborar hipóteses, testá-las e reconstruí-las
progressivamente, apoiando-a em seu esforço para apren-
der a ler e escrever.
Para saber mais sobre este tema leia:
“A compreensão do sistema de escrita: construções
originais da criança e informação específica dos adul-
tos”, capítulo do livro Reflexões sobre a alfabetiza-
ção, de Emilia Ferreiro, Editora Cortez.
“A interpretação da escrita antes da leitura convenci-
onal”, capítulo do livro Alfabetização em processo, de
Emilia Ferreiro, Editora Cortez.
“Leitura sem imagem: a interpretação dos fragmen-
tos de um texto”, capítulo do livro Psicogênese da lín-
gua escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, Edi-
tora Artmed.
Aprender a ler:
um pouco de história
Quando pensamos em alfabetização, o que nos vem ime-
diatamente à cabeça é a sala de aula, a escola. Até a
recente publicação de estudos sobre a história da leitu-
ra, todos nós, caso nos perguntassem, responderíamos
que sempre foi na escola que se aprendeu a ler. Investi-
gações atuais sobre a história das práticas sociais de
leitura estão mostrando que nem sempre foi assim e essa
revelação está ajudando a produzir transformações muito
interessantes na didática da alfabetização.
O que aparece nas pesquisas dos historiadores é
que, muito antes da existência de escolas tal como as
34 35
dirigidas às crianças que ainda não sabem ler. Algumas
delas estarão entre as sugestões de atividades que você
vai encontrar mais à frente.
Para os interessados no tema da história das práti-
cas sociais de leitura:
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores
e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.
CHARTIER, Roger (org.). Práticas de leitura. São Paulo:
Estação Liberdade, 1996.
CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger. História da
leitura no mundo ocidental (vols. I e II). São Paulo:
Editora Ática, 1998.
HÉBRARD, Jean. “A escolarização dos saberes elemen-
tares na época moderna”. Na revista Teoria e Educa-
ção, 2, 1990, págs. 65-110.
As idéias, concepções
e teorias que sustentam a
prática de qualquer professor,
mesmo quando ele não tem
consciência delas8
Quando analisamos a prática pedagógica de qualquer
professor vemos que, por trás de suas ações, há sempre
um conjunto de idéias que as orienta. Mesmo quando
tissem escolas elementares. Como é possível uma coisa
dessas se hoje, mesmo com escolas, temos tanta dificul-
dade para alfabetizar todas as nossas crianças? Em pri-
meiro lugar, não havia uma preocupação específica com
a alfabetização, e sim com a catequese. O que importava
era a instrução religiosa.
Mas não são só os cristãos que têm escrituras sagra-
das. Também os judeus e os muçulmanos as têm. O es-
tudo da Torá pelos judeus e do Alcorão pelos maometanos
também tem muito a nos contar sobre práticas não
escolarizadas de alfabetização. E é com o estudo dessas
práticas que a didática da alfabetização tem aprendido
coisas importantes.
Tanto o estudo da Bíblia como o da Torá judaica,
bem como o do Alcorão, tinham em comum o fato de que
se lia, ou melhor, se recitava o texto sagrado em voz alta
até sua memorização. Saber o texto de cor e procurar no
escrito onde está o que se fala parece ter cumprido um
papel fundamental na difusão dessa alfabetização sem
escola, uma alfabetização cujo sucesso era atribuído a
uma espécie de iluminação de origem divina. Quando a
alfabetização passou a ser assunto escolar, a prática de
colocar os que não sabem ler diante de um texto desapa-
receu. Hoje nós a estamos recuperando, porque pode-
mos compreendê-la em seus fundamentos
psicopedagógicos e adaptá-la às nossas atuais necessi-
dades. É claro que não estamos propondo obrigar as
crianças a decorar enormes textos e recitá-los até não
agüentar mais. Mas o fato de compreendermos que essa
situação produzia um excelente espaço para a reflexão
sobre o modo de funcionamento da escrita tornou possí-
vel adaptá-la à nossa realidade. Assim, têm sido criadas
diversas atividades de leitura apoiadas em textos e
8 Texto extraído dos capítulos 4 e 5 do livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem
de Telma Weisz, Editora Ática, 1999.
36 37
dar o aluno a desentranhar a regra de geração do siste-
ma alfabético: que “b” com “a” dá “ba”, e por aí afora.
Centrada nesta abordagem que vê a língua como pura
fonologia, a cartilha introduz o aluno no mundo da escrita
apresentando-lhe um texto que, na verdade, é apenas um
agregado de frases desconectadas. Esta concepção de “tex-
to para ensinar a ler” está tão impregnada no imaginário
do professor que, certa vez, uma professora que se esforça-
va para transformar sua prática documentou em vídeo uma
aula e me enviou, para mostrar como já conseguia traba-
lhar sem a cartilha. A atividade era uma produção coletiva
de texto na lousa. O texto produzido pelos alunos e grafado
pela professora era o seguinte:
O SAPO
O sapo é bom.
O sapo come inseto.
O sapo é feio.
O sapo vive na água e na terra.
Ele solta um líquido pela espinha.
O sapo é verde.
Como se pode observar, cada enunciado é tratado como
se fosse um parágrafo independente. Exigências míni-
mas de coesão textual, como não repetir “o sapo” em
cada enunciado, nem sequer são consideradas. Só na
quinta frase aparece, pela primeira vez, um pronome
para substituir “o sapo”. E na sexta frase, lá está ele
de novo. Seria fácil concluir que a professora é que
não sabe escrever com um mínimo de coerência e coe-
são. Mas não era esse o caso. Além de saber escrever,
era uma ótima professora: empenhada e comprometi-
ele não tem consciência dessas idéias, dessas concep-
ções, dessas teorias, elas estão presentes.
Para compreender a ação do professor, é preciso analisá-
la com o objetivo de desvendar os seguintes aspectos:
• qual a concepção que o professor tem, e que se ex-
pressa em seus atos, do conteúdo que ele espera que
o aluno aprenda;
• qual a concepção que o professor tem, e que se expres-
sa em seus atos, do processo de aprendizagem, isto é,
dos caminhos pelos quais a aprendizagem acontece;
• qual a concepção que o professor tem, e que se ex-
pressa em seus atos, de como deve sero ensino.
A teoria empirista – que historicamente é a que mais vem im-
pregnando as representações sobre o que é ensinar, quem é o
aluno, como ele aprende e o que e como se deve ensinar – se
expressa em um modelo da aprendizagem conhecido como de
“estímulo-resposta”. Este modelo define a aprendizagem como
“a substituição de respostas erradas por respostas certas”.
A hipótese subjacente a essa concepção é que o aluno
precisa memorizar e fixar informações – as mais simples e
parciais possíveis e que devem ir se acumulando com o
tempo. O modelo típico de cartilha está baseado nisso.
As cartilhas trabalham com uma concepção de lín-
gua escrita como transcrição da fala: elas supõem a es-
crita como espelho da língua que se fala. Seus “textos”
são construídos com a função de tornar clara (segundo
o que elas supõem) essa relação de transcrição. Em ge-
ral , são palavras-chave e famíl ias si lábicas, usadas
exaustivamente – e aí encontram-se coisas como o “bebê
baba na babá”, “o boi bebe”, “Didi dá o dado a Dedé”. A
função do material escrito numa cartilha é apenas aju-
38 39
quantidade de informações. Na verdade, o modelo su-
põe apenas a acumulação. Os professores é que, con-
vivendo com alunos reais o tempo todo, acabam en-
contrando na figura do “estalo” a resposta para cer-
tas ocorrências aparentemente inexplicáveis. Porque
sabem que alguns entendem o sistema logo que apren-
dem algumas poucas famílias silábicas, enquanto ou-
tros chegam ao “Z”, de “zabumba”, sem compreendê-
lo. E já que não têm como entender essas diferenças,
buscam explicações no que se convencionou chamar
de “estalo”. Freqüentemente dizem: “O menino deu o
estalo” , ou “Ainda não deu o esta lo , mas uma hora
vai dar”.
Para se acomodar a essa teoria, o processo de ensi-
no é caracterizado por um investimento na cópia, na
escrita sob ditado, na memorização pura e simples, na
utilização da memória de curto prazo para reconheci-
mento das famílias silábicas quando o professor toma
a leitura. Essa forma de trabalhar está relacionada à
crença de que primeiro os meninos têm de aprender a
ler e a escrever dentro do sistema alfabético, fazendo
uma leitura mecânica, para depois adquirir uma leitu-
ra compreensiva. Ou seja, primeiro eles precisariam
aprender a fazer barulho com a boca diante das letras,
para depois poder aprender a ler de verdade e a produ-
zir sentido diante de textos escritos.
Assim, os três tipos de concepção a que nos referi-
mos no início deste capítulo se articulam para produ-
zir a prática do professor que trabalha segundo a con-
cepção empirista: a l íngua (conteúdo) é v ista como
transcrição da fala, a aprendizagem se dá pelo acúmulo
de informações e o ensino deve investir na
memorização. Na verdade, qualquer prática pedagógi-
da com seu trabalho e seus a lunos. Apenas havia
interiorizado em sua prática o modelo de “texto” que
caracteriza a metodologia de alfabetização expressa nas
cartilhas. E de tal maneira, que nem sequer tinha cons-
ciência disso: foi preciso tematizar sua prática a par-
tir dessa situação documentada para que ela pudesse
se dar conta.
COMO A METODOLOGIA DE ENSINO
EXPRESSA NAS CARTILHAS CONCEBE OS
CAMINHOS PELOS QUAIS
A APRENDIZAGEM ACONTECE
Poderíamos dizer, em poucas palavras, que na concep-
ção empirista o conhecimento está “fora” do sujeito e
é internalizado através dos sentidos, ativados pela ação
física e perceptual. O sujeito da aprendizagem seria
“vazio” na sua origem, sendo “preenchido” pelas expe-
riências que tem com o mundo. Criticando essa idéia
de um ensino que se “deposita” na mente do aluno,
Paulo Freire usava uma metáfora – “educação bancá-
ria”– para falar de uma escola em que se pretende “sa-
car” exatamente aquilo que se “depositou” na cabeça
do aluno.
Nessa concepção, o aprendiz é alguém que vai jun-
tando informações. Ele aprende o “ba, be, bi, bo, bu”,
depois o “ma, me, mi , mo, mu” e supõe-se que em
algum momento, ao longo desse processo, tenha uma
espécie de “estalo” e comece a perceber o que é que o
“ma”, o “me”, o “mi”, o “mo” e o “mu” têm em comum.
Acredita-se que ele seja capaz de aprender exatamente
o que lhe ensinam e de ultrapassar um pouco isso,
fazendo uma s íntese a par t i r de uma determinada
40 41
nado. Um exemplo disso são os professores que, encan-
tados com o que a psicogênese da língua escrita desven-
dou sobre o que pensam as crianças quando se alfabeti-
zam, passaram a ensinar seus alunos a escrever silabi-
camente. Que raciocínio leva a uma distorção desse tipo?
Se os alunos têm de passar por uma escrita silábica para
chegar a uma escrita alfabética, ensiná-los a escrever
silabicamente faria chegar mais rápido à escrita alfabé-
tica, pensam esses professores. Essa perspectiva só pode
caber em um modelo empirista de ensino, cuja lógica
intrínseca é organizar etapas de apresentação do conhe-
cimento aos alunos. Essa lógica não faz nenhum senti-
do em um modelo construtivista.
Outro tipo de entendimento distorcido, mais influ-
enciado por práticas espontaneístas, é o seguinte: dian-
te da informação de que quem constrói o conhecimento
é o sujeito, houve professores que entenderam que a in-
tervenção pedagógica seria, então, desnecessária. Se é o
aluno quem vai construir o conhecimento, o que os pro-
fessores teriam a fazer dentro da sala de aula? E passa-
ram a não fazer nada. Como se vê, é fácil nos perdermos
em nossa prática educativa quando não nos damos con-
ta do que orienta de fato nossas ações. Ou melhor, de
quais são as nossas teorias em ação.
CONTEÚDOS ESCOLARES SÃO OBJETOS
DE CONHECIMENTO COMPLEXOS,
QUE DEVEM SER DADOS A CONHECER,
AOS ALUNOS, POR INTEIRO
A mudança na concepção dos conteúdos oferecidos pela
escola provoca, de imediato, uma transformação enor-
me na oferta de informação aos alunos. Vamos continuar
ca, qualquer que seja o conteúdo, em qualquer área,
pode ser analisada a partir deste trio: conteúdo, apren-
dizagem e ensino.
PARA MUDAR É PRECISO RECONSTRUIR
TODA A PRÁTICA A PARTIR DE UM NOVO
PARADIGMA TEÓRICO
Quando se tenta sair de um modelo de aprendizagem
empirista para um modelo construtivista, as dif icul-
dades de entendimento às vezes são graves. De uma
perspectiva construtivista, o conhecimento não é con-
cebido como uma cópia do real , incorporado direta-
mente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por par-
te de quem aprende, que organiza e integra os novos
conhecimentos aos já existentes. Isso vale tanto para
o aluno quanto para o professor em processo de trans-
formação.
Se o professor procura inovar sua prática, adotan-
do um modelo de ensino que pressupõe a construção
de conhecimento sem compreender suficientemente as
questões que lhe dão sustentação, corre o risco, grave
no meu modo de ver, de ficar se deslocando de um mo-
delo que lhe é familiar para o outro, meio desconheci-
do, sem muito domínio de sua própria prática – “mes-
clando”, como se costuma dizer.
O equívoco mais comum é pensar que alguns con-
teúdos se constroem e outros não. O que, nessa visão
“mesclada”, equivale a dizer que uns precisariam ser
ensinados e outros não. Em outros casos o modelo
empirista fica intocado e as idéias que as crianças cons-
troem em seu processo de aprendizagem são distorcidas,
a ponto de o professor vê-las como conteúdo a ser ensi-
42 43
e no vazio, mas a partir de situações nas quais ele possa
agir sobre o que é objeto de seu conhecimento, pensar
sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir,
interagindo com outras pessoas.
Quando se acredita que o motor da aprendizagem é
o esforço do sujeito para dar sentido à informação que
está disponível, tem-se uma situação bastante diferente
daquela em que o aprendiz teria de permanecer tranqüi-
lo e com os sentidos abertos para introjetar a informa-
ção que lhe é oferecida, da maneira como é oferecida.
Em um modeloempirista a informação é introjetada, ou
não. Em um modelo construtivista o aprendiz tem de
transformar a informação para poder assimilá-la. Con-
cepções tão diferentes dão origem, necessariamente, a
práticas pedagógicas muito diferentes.
AFIRMAR QUE O CONHECIMENTO
PRÉVIO É BASE DA APRENDIZAGEM NÃO
É DEFENDER PRÉ-REQUISITOS
Para aprender alguma coisa é preciso já saber alguma coi-
sa – diz o modelo construtivista. Ninguém conseguirá apren-
der alguma coisa se não tiver como reconhecer aquilo como
algo que se possa apreender. O conhecimento não é gerado
do nada, é uma permanente transformação a partir do co-
nhecimento que já existe. Essa afirmação – a de que o co-
nhecimento prévio do aprendiz é a base de novas aprendi-
zagens – não significa a crença ou defesa de pré-requisitos.
Tampouco esse tipo de conhecimento se confunde com a
matéria ensinada anteriormente pelo professor.
Se, por um lado, é o que cada um já possui de co-
nhecimento que explica as diferentes formas e tempos
de aprendizagem de determinados conteúdos que estão
com o exemplo da língua escrita para tornar mais claro
o que queremos dizer. Se o professor parte do princípio
de que a língua escrita é complexa, dentro de uma con-
cepção construtivista da aprendizagem ela deve ser –
mesmo assim e por isso mesmo – oferecida inteira para
os alunos. E de forma funcional, isto é, tal como é usada
realmente. Quando alguém aprende a escrever, está
aprendendo ao mesmo tempo muitos outros conteúdos
além do bê-á-bá, do sistema de escrita alfabética – por
exemplo, as características discursivas da língua, ou seja,
a forma que ela assume em diferentes gêneros através
dos quais se realiza socialmente.
Pensando assim, caberá ao professor criar situações que
permitam aos alunos vivenciar os usos sociais que se faz da
escrita, as características dos diferentes gêneros textuais, a
linguagem adequada a diferentes contextos comunicativos,
além do sistema pelo qual a língua é grafada, o sistema alfa-
bético. Para alguém ser capaz de ler com autonomia é preci-
so compreender o sistema alfabético, mas isso apenas lhe
confere autonomia. Qualquer um pode aprender muito so-
bre a língua escrita, mesmo sem poder ler e escrever auto-
nomamente. Isso depende de oportunidades de ouvir a lei-
tura de textos, participar de situações sociais nas quais os
textos reais são utilizados, pensar sobre os usos, as carac-
terísticas e o funcionamento da língua escrita.
Para os construtivistas – diferentemente dos
empiristas, para quem a informação deveria ser ofereci-
da da forma mais simples possível, uma de cada vez,
para não confundir aquele que aprende – o aprendiz é
um sujeito, protagonista do seu próprio processo de
aprendizagem, alguém que vai produzir a transforma-
ção que converte informação em conhecimento próprio.
Essa construção, pelo aprendiz, não se dá por si mesma
44 45
que o aluno deve escrever pondo em jogo tudo o que
sabe e pensa sobre a escrita – o professor deve usar
tudo o que sabe sobre as hipóteses que as crianças
constroem sobre a escrita para poder, interpretando o
que o aluno escreveu, ajudá-lo a avançar. Dentro des-
se contrato, quem “faz de conta” é a criança. Nesse
espaço em que a criança escreve “do seu jeito”, o pa-
pel do professor é delicado. Mas é semelhante ao de
alguém adulto que part ic ipa de uma brincadeira de
faz de conta sem entrar nela. Ao professor cabe orga-
nizar a situação de aprendizagem de forma a oferecer
informação adequada. Sua função é observar a ação
das crianças, acolher ou problematizar suas produ-
ções, intervindo sempre que achar que pode fazer a
reflexão dos alunos sobre a escrita avançar. O profes-
sor funciona então como uma espécie de diretor de
cena ou de contra-regra e cabe a ele montar o andai-
me para apoiar a construção do aprendiz.
COMO FAZER O CONHECIMENTO
DO ALUNO AVANÇAR
O processo de aprendizagem não responde necessaria-
mente ao processo de ensino, como tantos imaginam.
Ou seja, não existe um processo único de “ensino-apren-
dizagem”, como muitas vezes se diz, mas dois processos
distintos: o de aprendizagem, desenvolvido pelo aluno, e
o de ensino, pelo professor. São dois processos que se
comunicam, mas não se confundem: o sujeito do pro-
cesso de ensino é o professor, enquanto o do processo
de aprendizagem é o aluno.
É equivocada a expectativa de que o aluno poderá rece-
ber qualquer ensinamento que o professor lhe transmitir,
sendo tratados, por outro sabemos que a intervenção do
professor é determinante nesse processo. Seja nas pro-
postas de atividade, seja na forma como encoraja cada
um de seus alunos a se lançar na ousadia de aprender,
o professor atua o tempo inteiro.
NÃO INFORMAR NEM CORRIGIR SIGNIFICA
ABANDONAR O ALUNO À PRÓPRIA SORTE
Como já vimos, diante de um corpo de idéias tão novo
como a concepção construtivista da aprendizagem e o
modelo de ensino através da resolução de problemas, o
professor está também na posição de aprendiz. No en-
tanto, o conhecimento pedagógico é produzido coletiva-
mente, o que permite aos professores hoje aprender a
partir do que outros já aprenderam, tomando cuidado
com erros já cometidos por outros.
Um erro que precisa ser evitado por suas graves con-
seqüências é o desvio espontaneísta: como é o aluno
quem constrói o conhecimento, não seria necessário
ensinar-lhe. A partir dessa crença o professor passa a
não informar, a não corrigir e a se satisfazer com o que o
aluno faz “do seu jeito”. Essa visão implica abandonar o
aluno à sua própria sorte. E é muito importante que o
professor compreenda o que significa, do ponto de vista
da criança, o “vou fazer do meu jeito”.
Vamos usar a a l fabet ização novamente para
exempl i f icar . Quando uma cr iança entra na escola ,
ainda não-alfabetizada, tanto ela quanto o professor
sabem que ela não sabe ler nem escrever. Ao propor
que ela se arrisque a escrever do jeito que imagina, o
que o professor na verdade está propondo é uma ati-
vidade baseada na capacidade infantil de jogar, de fa-
zer de conta. Em um contrato desse tipo – que reza
46 47
de objeto sociocultural real, sem transformar-se em
objeto escolar vazio de significado social.
É certo que nem sempre é possível organizar as atividades
escolares considerando simultaneamente esses quatro pres-
supostos pedagógicos. Isso é algo que depende muito do
tipo de conteúdo a ser trabalhado e dos objetivos didáticos
que orientam a atividade proposta. Mas os princípios aci-
ma apontam uma direção e é esta direção que convém não
perder de vista.
ALUNOS PÕEM EM JOGO TUDO O QUE
SABEM, TÊM PROBLEMAS A
RESOLVER E DECISÕES A TOMAR
Juntos, os dois primeiros pressupostos formam o pano
de fundo de uma proposta didática baseada na con-
cepção da aprendizagem como construção. Nesse sen-
t ido, “pôr em jogo” o conhecimento que se tem não
signi f ica s implesmente usá- lo , mas arr iscar-se : o
aprendiz precisa testar suas h ipóteses e enfrentar
contradições, seja entre as próprias hipóteses, seja
entre o que consegue produzir sozinho e a produção
de seus pares, ou entre o que pode produzir e o resul-
tado t ido como convencionalmente correto . Ao fa lar
em “problemas a resolver”, não se está pensando em
problemas matemáticos, nem em perguntas para as
quais se devem encontrar respostas. De uma perspec-
tiva construtivista, o conhecimento só avança quan-
do o aprendiz tem bons problemas sobre os quais pen-
sar. É isso que justifica uma proposta de ensino base-
ada na idéia de que se aprende resolvendo problemas.
Construir situações que se orientem por esses pressu-
postos exige do professor competência para estabelecer os
exatamente como ele lhe transmite. O professor é que pre-
cisa compreender o caminho de aprendizagem que o aluno
está percorrendo naquele momento e, em função disso,
identificar as informações e as atividades que permitam a
eleavançar do patamar de conhecimento que já conquis-
tou para outro mais evoluído. Ou seja, não é o processo de
aprendizagem que deve se adaptar ao de ensino, mas o
processo de ensino é que tem de se adaptar ao de aprendi-
zagem. Ou melhor: o processo de ensino deve dialogar com
o de aprendizagem.
Nesse diálogo entre professor e aprendiz, cabe ao pro-
fessor organizar situações de aprendizagem. Mas o que
vem a ser isso? Elas consistem em atividades planeja-
das, propostas e dirigidas com a intenção de favorecer a
ação do aprendiz sobre um determinado objeto de co-
nhecimento, e esta ação está na origem de toda e qual-
quer aprendizagem. Não basta, no entanto, que sejam
planejadas, propostas e dirigidas para se constituírem
automaticamente em boas situações de aprendizagem
para os alunos. Para terem valor pedagógico, serem boas
situações de aprendizagem, as atividades propostas de-
vem reunir algumas condições, respeitar alguns princí-
pios. Boas situações de aprendizagem costumam ser
aquelas em que:
• os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e
pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar;
• os alunos têm problemas a resolver e decisões a to-
mar em função do que se propõem a produzir;
• a organização da tarefa pelo professor garante a má-
xima circulação de informação possível;
• o conteúdo trabalhado mantém suas características
48 49
— Não tem importância, aqui ninguém ainda estu-
dou isso na escola, mas a gente aprende muitas coi-
sas fora da escola.
— Eu não, só o que eu sei é o que eu vi nos progra-
mas da TV Cultura e nos desenhos.
A valorização dos saberes construídos fora das situa-
ções escolares é condição para que os alunos tomem
consciência do que e do quanto sabem. Esses , ou
quaisquer conhecimentos que tenham, não são ne-
cessariamente conscientes, sistematizados ou corre-
tos do ponto de v ista adulto . Mas é certo que eles
“estão em jogo” quando se aprende na escola, princi-
palmente quando as propostas de ensino são plane-
jadas para que assim seja.
Se, em uma situação de aprendizagem da mult i -
plicação, por exemplo, o professor tem como objetivo
que seus alunos façam uso dos saberes que possuem
e que realizem operações de forma mais econômica,
deve propor atividades em que essas operações vão
se tornando mais complexas, levando-os, de fato, a
pôr em uso o que sabem, ao mesmo tempo em que
observam outras formas de resolução que não as pró-
prias. O professor pode agrupar os alunos em duplas
para participar de um jogo como o descrito a seguir,
de maneira que f iquem juntos um aluno que realiza
a operação ut i l izando procedimentos mais econômi-
cos e outro que não o faz. Jogos que colocam em ques-
tão a agil idade na resolução dos cálculos requerem,
dos que usam estratégias pouco avançadas, um es-
forço para aprender outras mais rápidas, que permi-
tam ganhar tempo.
desafios adequados para seus alunos, que são os que fi-
cam na interseção entre o difícil e o possível. Se a proposta
é difícil demais e impossível de realizar, o desafio não se
instaura para o aprendiz, pois o que está posto é um pro-
blema insolúvel no momento. Se a proposta é possível, mas
fácil demais, não há nem sequer desafio colocado. Portan-
to, o desafio do professor é armar boas situações de apren-
dizagem para os alunos: atividades que representem pos-
sibilidades difíceis, mas coloquem dificuldades possíveis.
Para que o aluno possa pôr em jogo o que sabe, a
escola precisa autorizá-lo e incentivá-lo a acionar seus
conhecimentos e experiências anteriores, fazendo uso
deles nas atividades escolares. Essa autorização não
pode ser apenas verbalizada pelo professor: é impor-
tante que ele prepare as atividades de maneira que isso
seja de fato requisitado.
Certa vez, uma professora que iniciava um traba-
lho sobre os pólos com seus alunos perguntou a eles o
que sabiam sobre os pingüins. Foi um alvoroço, mas
um menino que tinha se mudado para aquela escola
naquele ano não falou nada. A professora então se di-
rigiu a ele e perguntou:
— João, você conhece pingüim?
— Sim.
— Então o que sabe sobre ele?
— Nada.
— Como, nada? Algo você deve saber: como ele é, em
que tipo de lugar ele mora.
— É que a minha professora não deu pingüim no ano
passado.
50 51
sim como os dobros, os “quadrados” têm que ser memori-
zados, para facilitar. E começam a construir estratégias
de multiplicação: 9 caixinhas com 9 palitos é o mesmo
que 10 caixinhas com 9 palitos, menos 9 palitos; 8
caixinhas com 9 é igual a 81 (que já sabe de cor), menos
9. Dessa forma, as crianças vão compreendendo as pro-
priedades da multiplicação e, conseqüentemente, amplian-
do seus conhecimentos matemáticos.
No entanto, tratar-se de um jogo não garante, em si,
que a situação de aprendizagem seja interessante: existem
jogos extremamente enfadonhos, outros que não desafiam,
por serem muito fáceis ou muito difíceis. A vantagem que
um jogo do tipo acima apresenta para quem está apren-
dendo multiplicação é o fato de configurar uma situação
em que a agilidade no uso do tempo de resolução é um
fator importante: o jogo fica mais interessante se as estra-
tégias forem rápidas. Isso vai fazendo com que a tabuada
seja aprendida de forma inteligente. A limitação do tempo
– que é sempre uma variável em qualquer atividade huma-
na – é importante na construção de estratégias aritméticas
mais avançadas. Quando se restringe o tempo, as estraté-
gias têm de se tornar mais econômicas e isso, por sua vez,
exige um aprofundamento em relação à natureza da ope-
ração que está sendo realizada e às suas propriedades.
Em qualquer área de conhecimento é possível organi-
zar atividades que representem problemas para os alunos
e que demandem o uso do que sabem para encontrar solu-
ções possíveis.
Voltando aos princípios: quando dizemos que os alu-
nos devem ter problemas a resolver e decisões a tomar em
função do que se propõem a produzir, estamos nos refe-
rindo a uma questão de natureza ideológica, que tem enor-
mes conseqüências de natureza pedagógica (e vice-versa).
JOGO DE CAIXA DE FÓSFOROS
Material: 9 (ou 10) caixinhas de fósforo e palitos.
Participantes: 2 alunos ou 2 grupos.
Regras : O jogo envolve dois jogadores. Cada um deve
pôr a mesma quantidade de palitos em cada caixinha.
Pode-se usar 2, 3, 4, até 9 caixinhas e só se pode colo-
car até 9 palitos de fósforo em cada uma. Deve-se pre-
parar escondido a jogada que será proposta ao oponen-
te e colocar os palitos nas caixinhas, para que ele diga
quantos existem no total – este é o problema que a ele é
colocado. Um deles pega, por exemplo, 4 caixinhas e
põe 5 palitos em cada. O oponente terá de dizer quantos
palitos há ao todo, sem tirar os palitos das caixas para
contar. Quem acertar ganha 1 ponto.
Pontos: ganha pontos quem conseguir dar a resposta
correta. Se o que está na posição de dar a resposta er-
rar, o que propôs o desafio deve saber a resposta, caso
contrário perde um ponto.
Vencedor: ganha o jogo aquele que tiver mais pontos
no final de 10 rodadas (ou outra quantidade que se com-
bine previamente).
Um dos aspectos interessantes desse jogo é que o parcei-
ro que propõe o desafio tem sempre que saber o resulta-
do, porque se não souber e tiver que conferir o outro vai
ver, já que estão um de frente para o outro. Geralmente,
as crianças começam propondo cálculos com números bai-
xos: duas caixinhas com 3 palitos cada uma, 3 caixinhas
com 2 palitos cada. À medida que vão se soltando, pro-
põem coisas cada vez mais complexas. Adoram 9 vezes 9
ou 8 vezes 8. Uma das descobertas que fazem é que, as-
52 53
temente é a mesma atividade, a redação, em duas ativida-
des completamente diferentes. A própria correção, como
uma outra atividade, ganha sentido quando é tratada como
um esforço de buscar maior legibilidade e permite ao aluno
compreender que é necessárioescrever dentro de padrões
convencionais, não para agradar ao professor, e sim para
poder ser lido com facilidade.
A ORGANIZAÇÃO DA TAREFA GARANTE A MÁXIMA
CIRCULAÇÃO DE INFORMAÇÃO POSSÍVEL
Informação é tudo o que de fato “acrescenta”. Livros e ou-
tros materiais escritos informam, a intervenção do profes-
sor informa, a observação de como um colega resolve uma
situação-problema informa, as dúvidas informam, as difi-
culdades informam, o próprio objeto com o qual os alunos
se debatem para aprender informa.
O conhecimento avança quando o aprendiz enfrenta
questões sobre as quais ainda não havia parado para
pensar. Quando observa como os outros a resolvem e
tenta entender a solução que os outros dão. Isso é o que
justifica a exigência pedagógica de garantir a máxima
circulação de informação possível na classe. Significa
permitir que as perguntas circulem e as respostas tam-
bém, e que cada aluno faça com isso – que é informação
– o que lhe é possível em cada momento. Para promover
a circulação de informações, é preciso que o professor
aceite que seu papel é o de um planejador de interven-
ções que favoreçam a ação do aprendiz sobre o que é
objeto de seu conhecimento. E que abra mão da posição
de ser o único informante da classe – posição muitas
vezes adotada não por autoritarismo, mas para evitar
que os alunos errem, pois, quando trocam livremente
Não adianta lamentar que a maioria dos alunos tenha como
único objetivo em sua vida escolar tirar boas notas e pas-
sar de ano, pois é a escola quem lhes ensina isso. Ensina
em atos, quando propõe tarefas cujo sentido escapa à cri-
ança e, freqüentemente, ao próprio professor. É fundamental
que os professores que têm compromisso político compre-
endam que é a alienação que educa para a alienação. Quan-
do falo de tarefas cujo sentido escapa à criança, não estou
me referindo a tarefas chatas, cansativas, e não estou pro-
pondo que se transforme a escola em um parque de diver-
sões. Aprender envolve esforço, investimento, e é justamente
por isso que em cada atividade os alunos devem ter objeti-
vos imediatos de realização para os quais dirigir o esforço
de equacionar problemas e tomar decisões. Esses objetivos
não precisam emergir do seu interesse, nem devem ser
decididos por eles. Propostos pelo professor, constituem-
se em parte da própria estrutura da atividade, de tal forma
que os alunos possam se apropriar tanto dos objetivos quan-
to do produto do seu trabalho.
Vou dar um exemplo. A produção de texto, ou, como é
mais conhecida, a redação, é uma atividade presente em
qualquer tipo de proposta pedagógica. O que varia é o mo-
mento em que se considera a criança apta a redigir textos.
A discussão sobre se é necessário escrever convencional-
mente ou não para começar a produzir textos envolve ques-
tões tanto do campo da lingüística (o que é um texto) quan-
to do campo da pedagogia (é necessário aprender para po-
der redigir, ou é necessário redigir para poder aprender?).
Mas nossa questão nesse momento não é essa e sim o sen-
tido do ato de redigir para o aluno.
Creio que ninguém discordaria que escrever para ser
lido é completamente diferente de escrever para ser corri-
gido. São dois sentidos distintos que tornam o que aparen-
54 55
que eu faço um ‘p’ para você”, ou “Não está vendo que é o
‘p’?”. E há, é claro, a possibilidade de o aluno que pergun-
tou ouvir de seu colega: “Padaria? Começa com ‘a’ ”– e se
dar por satisfeito. O medo de que eles aprendam errado,
em uma hora dessas, faz com que muitos professores re-
cuem e bloqueiem a circulação de informação.
Uma classe é, de certa forma, uma microssociedade. E
o professor estabelece o seu modo de funcionamento, mui-
to menos por ter montado um decálogo na parede – o que é
muito interessante, desde que seja discutido com os alu-
nos – mas, principalmente, por passar, através de seus pró-
prios atos, quais as atitudes que devem ser valorizadas,
quais não, que formas de relação são bem aceitas, quais
não. A classe incorpora isso tudo porque o professor está
no comando e é referência.
Os alunos muitas vezes discutem, defendem suas opi-
niões. E a atitude diante do que consideram um não-
saber do outro tem muito a ver, também, com o tempe-
ramento de cada um. Há crianças que não discutem, mas
não arredam pé; outras até discutem, mas acabam ce-
dendo. A questão central não é haver ou não discussão,
mas sim que cada um consiga formular o seu argumen-
to a favor ou contra uma dada questão. Aprende-se mui-
to quando se está exposto a uma argumentação e apren-
de-se mais ainda quando se tem que defender um ponto
de vista. O esforço de comunicar uma idéia sempre faz
avançar a compreensão e é altamente produtivo do pon-
to de vista da aprendizagem.
A interação entre os alunos não é necessária só porque
o intercâmbio é condição para o convívio social na escola:
a interação entre os alunos é necessária porque informa a
todos os envolvidos e potencializa quase infinitamente a
aprendizagem.
informações, expõem uns para os outros suas hipóte-
ses, muitas vezes erradas. A preocupação em evitar o
contato do aluno com a resposta errada é uma marca do
modelo empirista de ensino e está relacionada à idéia de
que ela vai se fixar em sua memória.
As crianças freqüentemente reproduzem o padrão de
comportamento que os adultos têm com elas. Em uma
classe onde o respeito intelectual com o processo de
aprendizagem dos alunos é baixo, é comum estes se van-
gloriarem dos seus saberes, gozarem e humilharem os
outros quando dão respostas inadequadas. Em uma clas-
se onde o professor cultiva a cooperação e o respeito
intelectual, os alunos costumam fazer o mesmo com os
colegas. Quando o professor proporciona situações de
intercâmbio e colaboração na sala de aula, eles podem
trocar informações entre si, discutir de maneira produ-
tiva e solidária e aprender uns com os outros. Para po-
der explicar para o colega que seu jeito de pensar está
incorreto, o aluno precisa formular com precisão e ar-
gumentar com clareza – e esta é uma situação muito
rica para sistematizar seus próprios conhecimentos.
Quando se contradiz e percebe isso, pode reorganizar
suas idéias e, dessa forma, seu conhecimento avança.
Em um ambiente de respeito e solidariedade os alunos
aprendem a dar as informações que julgam importantes
para o colega. Em uma sala de aula onde essa prática é
adotada, não é raro vê-los oferecendo informações parciais
uns para os outros e escutar diálogos do tipo: “Agora pen-
sa, para ver se você descobre”, “Repare bem, que você en-
contra a resposta”. É comum, também, ver uma criança
perguntando coisas do tipo “Com que letra começa pada-
ria?” e tendo como resposta “É com a mesma letra do nome
do Paulo” – uma resposta bastante diferente de: “Dá aqui
56 57
trabalha como vendedor na rua e não consegue resolver
problemas matemáticos simples na escola, é de se pen-
sar o que foi feito do ensino da matemática que a torna
algo tão pouco familiar. Claro que a questão que se colo-
ca para os alunos que vão bem nas contas “de rua” é
diferente: na escola aprende-se a linguagem matemática
escrita, que é pouco usada na rua. Mas não se pode dei-
xar de lado esta competência que o aluno já traz desen-
volvida e sobrepor a escolarização a ela.
Toda ciência ou prática social, quando se converte
em objeto de ensino escolar, acaba, inevitavelmente,
sofrendo modificações. A arte é diferente da Educação
Artística, o esporte é diferente da Educação Física, a
linguagem é diferente do ensino de Língua Portugue-
sa, a ciência é diferente do ensino de Ciências e assim
por diante. Mas é preciso cuidado para não produzir
invenções pretensamente faci l i tadoras, que acabam
tendo existência própria. Cabe à escola garantir a apro-
ximação máxima entre o uso social do conhecimento e
a forma de tratá-lo didaticamente. Pois se o que se
pretende é que os alunos estabeleçam relações

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