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Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I 10AULA AULA10.indd 107 14/10/2005, 08:28:58 Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I CEDERJ108 Na aula anterior, você conheceu a história da Glicólise e soube como se chegou ao conhecimento disponível sobre esta via metabólica. Agora podemos falar um pouco mais sobre ela, suas funções, seus intermediários, enzimas, cofatores etc. Essa é uma via importante, pois a glicose (que você já conhece da Bioquímica I) é, quantitativamente, o principal substrato oxidável na maioria dos seres vivos: dos microorganismos ao homem. A glicólise é a principal via para a utilização da glicose e ocorre no citosol da maioria das células, sendo considerada, portanto, uma via universal. Ela pode ocorrer se o oxigênio estiver disponível (aerobiose) ou na total ausência dele (anaerobiose). A GLICOSE COMO SUBSTRATO OXIDÁVEL Quase todas as células são capazes de atender às suas demandas energéticas apenas a partir de glicose. Esse açúcar é imprescindível para algumas células e tecidos, como hemácias e tecido nervoso, por constituir o único substrato que eles são capazes de utilizar para obter energia. Você viu nas nossas aulas iniciais que a energia contida nas moléculas oxidáveis, como a glicose, são derivadas em última análise da radiação solar. Esse tipo de energia é transformado em energia química durante a síntese de moléculas orgânicas (principalmente glicose) que ocorre na fotossíntese. Os organismos chamados heterotrófi cos são capazes de utilizar tal energia presente nas ligações químicas das moléculas orgânicas para realizar suas atividades celulares. Mas essa utilização não ocorre de forma direta: primeiro a energia precisa ser convertida em ATP. INTRODUÇÃO CO2 + H2O (CH2O)n piruvato Luz solar ADP + Pi ATP fotossíntese glicólise Uma das vias metabólicas de extração de energia, acoplada à síntese de ATP, é a glicólise, também chamada via glicolítica. Nela, a glicose é oxidada (degradada, quebrada) e, durante esse processo oxidativo, a célula é capaz de utilizar a energia liberada para sintetizar duas moléculas de ATP. Esquema 10.1 AULA10.indd 108 18/10/2005, 08:33:09 CEDERJ 109 A U LA 1 0 M Ó D U LO 3 A GLICOSE COMO INDICADOR METABÓLICO O nível sangüíneo de glicose é chamado glicemia. Variações na glicemia são indicadores do estado fisiológico do organismo. Assim, quando a glicemia está baixa (hipoglicemia), as células têm um comportamento metabólico distinto daquele que ocorre quando a glicemia está alta (hiperglicemia). Hiperglicemia indica um estado fi siológico de fartura e, portanto, de armazenamento ou biossíntese (anabolismo – como você viu nas aulas de introdução ao metabolismo). Hipoglicemia indica um estado fi siológico de privação, mesmo que momentânea, e as células respondem derivando seu metabolismo para a degradação (catabolismo). Os níveis sangüíneos de glicose são mantidos dentro de uma faixa estreita, graças a diferentes vias metabólicas de síntese de glicose (gliconeogênese) ou armazenamento de glicose na forma de glicogênio (glicogenogênese), em contraposição a vias de oxidação de glicose (glicólise). Esse processo, que procura manter os níveis de glicose no sangue constantes, chama-se homeostase e é fi namente regulado por hormônios. Pequenas variações nesse nível indicam, para as células, o que fazer. Glossário: Glicogênio – um polímero de glicose. Gliconeogênese ou neo- glicogênese – síntese de glicose a partir de precur- sores não glicídicos. Glicogenogênese – sín- tese de glicogênio. Glicólise – quebra da glicose. Glicogenólise – quebra do glicogênio. Figura 10.1: A homeostase de glicose é mantida pelas vias de síntese e de degradação. Glicogênio, amido Fotossíntese GlicoseGlicose Gliconeogênese Co e luz solar 2 Piruvato e Alanina ATP NADPH e ribose-5-P Glicólise e ciclo de Krebs Via das pentoses- fosfato AULA10.indd 109 14/10/2005, 08:29:00 Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I CEDERJ110 GLICÓLISE – ASPECTOS GERAIS Na via glicolítica, uma molécula de glicose (seis carbonos – Figura 10.2) é quebrada, produzindo duas moléculas de três carbonos denominadas piruvato. É um processo oxidativo no qual duas moléculas de NAD+ (Figura 10.3) são reduzidas a duas moléculas de NADH + H+. Figura 10.3: Nicotinamida adenina dinucleotídeo – NAD. O NAD pode estar na sua forma oxidada NAD+ ou na sua forma reduzida NADH. Para que esta via ocorra, existem etapas que consomem energia (através da hidrólise de ATP - Figura 10.4): etapas endergônicas, onde a molécula de glicose é preparada para ser clivada; e etapas que sintetizam ATP: etapas exergônicas, onde moléculas de ATP são formadas a partir da energia liberada durante o processo oxidativo. Figura 10.4: Adenosina trifosfato – ATP. Em destaque, a ligação fosfoéster entre a adenosina e o fosfato e as ligações fosfoanidras, entre fosfatos. Figura 10.2: Glicose ou α-D- glicopiranose (projeção de Haworth). H H HO O R +HC C NH2 NH2 2H+ 2e- + N O-O O O P O O- O O H OH OH H H HP CH2 O H OH OH - H H CH2 .. N NADH Reduzido NAD+ (oxidado) Adenina NH2 N H N N N ATP AMP Adenosina ADP O O O O O O OO OP P Ligações fosfoanidras fosfoéster O O P H OH OH - H H CH2 H NH2 N N N N � � � HH O HO H OH OH H OH H CH2OH 23 4 5 6 1 AULA10.indd 110 14/10/2005, 08:29:00 CEDERJ 111 A U LA 1 0 M Ó D U LO 3 No processo completo, associando-se consumo e formação de ATP, temos um saldo líquido de duas dessas moléculas. Vale ressaltar que, na realidade, conservamos parte da energia liberada nesse processo oxidativo na formação de ligações éster–fosfato (ligações ricas em energia) entre a molécula de ADP e fosfato inorgânico (Pi). Uma visão geral deste processo é apresentada na Figura 10.5. Como produtos desta via temos, além de ATP e NADH, duas moléculas de piruvato. O destino deste piruvato depende da célula e da presença ou ausência de oxigênio, como veremos mais adiante. Figura 10.5: Resumo da via glicolítica. Uma molécula de glicose (seis carbonos) é quebrada em duas moléculas de piruvato (três carbonos). Neste processo, a energia liberada é utilizada para a síntese de duas moléculas de ATP. O produto fi nal (piruvato) pode ter des- tinos diferentes (lactato, CO2 e H2O ou etanol e CO2), como veremos mais adiante. Glicólise Glicose 2 piruvato Frutose - 1,6 - bisfosfato 2NAD+2ADP + 2Pii 2NADH2ATP Lactato CO + H O 2 22 2 Etanol + CO22 AULA10.indd 111 14/10/2005, 08:29:01 Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I CEDERJ112 A VIA GLICOLÍTICA PASSO A PASSO A glicólise pode ser dividida em dois estágios. O estágio 1 é chamado estágio de investimento; e o estágio 2, o de pagamento ou de síntese de ATP. Nesta aula, nós iremos mostrar o primeiro estágio apenas. Na aula seguinte você verá a última fase, o estágio 2. Estágio 1: Neste primeiro estágio da via glicolítica, são gastas duas moléculas de ATP, sendo a molécula de glicose (seis carbonos) convertida em duas moléculas de três carbonos (gliceraldeído 3-fosfato). Glicose 2 x gliceraldeído 3P A glicose entra na via glicolítica por fosforilação, na hidroxila do carbono 6, formando uma molécula de glicose 6-fosfato (G6P). Glicose + ATP Glicose 6-fosfato + ADPReação 1:Resumo do estágio 1: AULA10.indd 112 14/10/2005, 08:29:01 CEDERJ 113 A U LA 1 0 M Ó D U LO 3 Esta reação é dependente de energia, sendo, portanto, acoplada à clivagem de uma molécula de ATP e é catalisada pela enzima hexoquinase. (Figura 10.6). Figura 10.6: Hexoquinase e seu mecanismo de ação. A seta indica o substrato (glicose) em (a) se aproximando do sítio ativo. Em (b) a mudança conformacional induzida pela ligação do substrato (fi t induzido). Entretanto, nas células do parênquima hepático e nas ilhotas pancreáticas, tal reação é catalisada pela enzima glicoquinase, cuja atividade é induzida e afetada por mudanças no estado nutricional. A hexoquinase é inibida de maneira alostérica pelo produto de sua reação, a G6P. A hexoquinase está presente em baixas concentrações em todos os tecidos extra-hepáticos e possui alta afi nidade (baixo Km) por seu substrato, a glicose. Sua função é permitir que a glicose seja utilizada pelos tecidos, mesmo quando os níveis de glicose no sangue estejam baixos. No momento em que uma molécula de glicose entra na célula e é fosforilada, ela permanece dentro da célula mesmo contra um gradiente de concentração. A hexoquinase pode catalisar a fosforilação dos isômeros α (alfa) e β (beta) da glicose, bem como de outros açúcares de seis carbonos. A função da glicoquinase é remover glicose do sangue após a alimentação. Ao contrário da hexoquinase, a glicoquinase tem um alto Km por glicose e opera em condições ótimas quando os níveis de glicose do sangue são elevados, sendo específi ca para este tipo de açúcar. A glicose 6-fosfato, além de ser a molécula utilizada nas próximas etapas da via glicolítica, é um componente importante na junção de diversas outras vias metabólicas, tais como gliconeogênese, via das pentoses, glicogenogênese e glicogenólise, como estudaremos mais adiante. Para relembrar os conceitos de enzima alostérica e Km – ver as aulas de enzimas da Bioquímica I. ! a b AULA10.indd 113 14/10/2005, 08:29:01 Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I CEDERJ114 EN Z I M A I N D U Z Í V E L Uma enzima cuja síntese pode ser aumentada (induzida) em uma determinada situação metabólica. Em contraposição, utilizamos o termo enzima constitutiva, cujo nível é constante, independente da situação metabólica. Além disso, essa primeira reação da glicólise tem conseqüências importantes para a célula: ao ser fosforilada, a glicose não pode mais sair da célula, pois os mecanismos de transporte dessa molécula não servem para aquela que já foi fosforilada. Isto mantém o nível de glicose, na célula, sempre baixo em relação à concentração extracelular. Como o transporte de glicose é dependente da concentração (ver difusão facilitada e glicose, em Biologia Celular I), a tendência da glicose é sempre entrar na célula. Outra conseqüência desta primeira reação é indicar o caminho metabólico que a glicose vai seguir. A fosforilação no carbono 6 indica que a glicose será degradada na via glicolítica. Como veremos mais tarde, a glicose pode receber diferentes “etiquetas” que indicam outros destinos metabólicos. Na segunda reação da glicólise, a glicose 6P é convertida em frutose 6P (Fru 6P). Essa é uma reação do tipo isomerização aldose-cetose e é catalisada por uma fosfo-hexoisomerase (reação 2). Glicose 6P Frutose 6PReação 2: Na etapa seguinte, também dependente da energia de clivagem de ATP, a molécula de frutose 6P é fosforilada na hidroxila do carbono 1, formando uma molécula de Frutose 1-6-bisfosfato (Fru 1,6-bisP) (reação 3). Tal reação é catalisada pela enzima fosfofrutoquinase (PFK). (Veja reação 3 e Figura 10.7). A PFK é tanto uma enzima alostérica quanto uma ENZIMA INDUZÍVEL, cuja atividade é considerada o principal ponto de regulação da velocidade da via glicolítica. AULA10.indd 114 17/10/2005, 08:30:17 CEDERJ 115 A U LA 1 0 M Ó D U LO 3 Frutose 6P Frutose 1,6-bisfosfatoReação 3: Figura 10.7: Fosfofrutoquinase (PFK). A PFK é uma enzima chave da glicólise. Preste atenção nas características da enzima e da reação que ela catalisa. Esta reação é um importante ponto de regulação da via, como veremos na próxima aula. A seguir, a molécula de frutose 1-6-bisfosfato sofre uma clivagem pela ação da enzima aldolase, gerando duas moléculas isômeras, que possuem três carbonos: gliceraldeído 3P (G3P) e dihidroxiacetona fosfato (DHAP). Pela ação de uma triose-isomerase específi ca, a DHAP é convertida em G3P. Assim, iniciaremos os passos seguintes com duas moléculas de G3P. Fique atento. Em alguns livros você vai encontrar notações diferentes para as moléculas. A frutose 1,6-bisfosfato pode ser encontrada como frutose 1,6-bifosfato ou frutose 1,6-difosfato; a fosfofrutoquinase pode ser encontrada como fosfo-frutose-quinase ou ainda fosfofrutocinase, junto ou separado. ! Frutose 1,6-bisfosfato dihidroxiacetona-P + gliceraldeído 3PReação 4: ∆G10 = 23.8 kJ/mol O P O CH2 O O - 6 - H H HO HOH OH O CH2 OH 5 4 3 2 1 ATP ADP Mg2+ 2 6 H H HO HOH OH O CH 5 4 3 2 2CH 1 O P O O O - - O P O O O- - Frutose 6-fosfato frutose 1,6-bisfosfato Gº = -14,2 kJ/mol O P O CH 2 O O O CH O P O O O - - OH HO H H H OH 2 2 34 5 6 CH O P O C O C H OH 2 2 - - O O CH O P O2 HCOH O O - - C O H + Frutose 1,6-bisfosfato Gliceraldeído 3-fosfato Dihidroxiacetona 3-fosfato aldolase AULA10.indd 115 14/10/2005, 08:29:03 Bioquímica II | Glicólise: oxidação de glicose a piruvato I CEDERJ116 dihidroxiacetona-P gliceraldeído 3PReação 5: Até aqui uma molécula de seis carbonos (a glicose) foi parcialmente quebrada em duas moléculas de três carbonos (gliceraldeído 3-P). Note que as duas moléculas geradas são fosforiladas e apresentam a metade do número de carbonos que a molécula original de glicose. Se você prestou atenção, provavelmente reparou que até aqui não ocorreu síntese de ATP. Pelo contrário, a célula gastou duas moléculas de ATP (reações 1 e 3). Por este motivo, essa primeira fase é chamada etapa de investimento ou etapa preparatória. Tal etapa é fundamental, pois nela a célula coloca à disposição do processo a energia já existente, e esse investimento possibilita, em etapas posteriores, não só a recuperação do investimento inicial, como também a síntese de mais ATP. Isto acontece através de um conjunto de reações conhecido por etapa de pagamento ou etapa de conversão de energia ou simplesmente etapa de síntese de ATP. ∆G10 = 7,5 kJ/mol CH OH2 C O CH O P O O O - - 2 HCOH CH O P O2 O O- - C O H Triose fosfato isomerase Dihidroxiacetona fosfato Gliceraldeído 3-fosfato AULA10.indd 116 14/10/2005, 08:29:03 CEDERJ 117 A U LA 1 0 M Ó D U LO 3 Figura 10.8: Resumo das reações da etapa de investimento ou etapa preparatória da glicólise. Nessa fase, os eventos principais são a fosforilação da glicose e sua conversão a gliceraldeído-3P. Clivagem de um açúcar-fosfato de seis carbonos em dois açúcares- fosfato de três carbonos. Lembre-se de que esse assunto não acabou. Na próxima aula, você verá o estágio 2 da glicólise, e como a célula usa a energia da quebra da glicose, para sintetizar ATP. Não esqueça que, embora por motivos didáticos os dois estágios estejam separados,o processo é um só. AULA10.indd 117 14/10/2005, 08:29:03
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