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QUADRO V Os clássicos e as primeiras ciências sociais: política e economia Prof. Euclides Guimarães 2 Maquiavel, fundador da Ciência Política � Maquiavel é produto da mesma renascença florentina de Leonardo da Vinci e Miquelângelo. � É o primeiro homem a perceber a necessidade de considerar a contingência para pensar as sociedades humanas � Contingência se refere a situação vigente: as forças e as condições relacionais presentes num dado momento devem ser equacionadas para que se possa saber a melhor forma de agir (eis o fundamento básico da política como ciência). � Governar é uma arte, mas o melhor governo só a ciência pode subsidiar. � Natureza humana: a observação e a pesquisa levaram Maquiavel a concluir que os homens são egoístas e medrosos por natureza, e ainda, gostam mais de mandar que de ser mandados. A obediência é uma subversão da natureza humana, de forma que o natural é a crise, a instabilidade 3 Maquiavel, fundador da Ciência Política � A estabilidade e a ordem contrariam a natureza humana, mas são necessárias para que exista paz. “A política não leva aos céus, mas sua ausência é o pior dos infernos” � Para produzir a estabilidade, e também para mantê-la, é preciso estar sempre considerando e jogando com as variáveis da contingência � Visão tipicamente renascentista: estabilidade e ordem são desejáveis; para produzi-las é fundamental que a arte de governar se apoie na ciência � Na mentalidade renascentista ordem, beleza, harmonia e justiça coincidem 4 Maquiavel nada maquiavélico � Maquiavel não era absolutista, pretendia ser científico. O principado era o regime cabível em certos casos, como ele acreditava ser o caso da Itália. Passou para a história como absolutista porque seu livro mais famoso, “O Príncipe”, foi escrito com a intenção de orientar seu amigo Lourenço a unificar a Itália e isso não era possível sem o uso de técnicas autoritárias e, por vezes, violentas. Isso lhe rendeu o adjetivo “maquiavélico”, coisa que ele próprio nunca foi. � No mesmo ano se 1513 em que escreveu “O príncipe”, Maquiavel escreveu os “Discursos para a primeira década de Tito Lívio”, onde defende a República como algo preferível por ser mais civilizado que o principado, mas nem sempre esse regime é possível. 5 Maquiavel nada maquiavélico � Considerando a contingência da Itália fragmentada de seu tempo é que Maquiavel defende o principado, mas isso não foi bem entendido pelas gerações seguintes de seus leitores. “O príncipe” se tornou sua obra mais conhecida e isso lhe rendeu a pecha de defensor do absolutismo. � Hoje este livro se tornou obrigatório não só para estudantes de ciências sociais, mas também de administração e outras formas de gestão de negócios e atividades gerenciais. Isso porque seu conteúdo trata de estratégias para a conquista e, principalmente, manutenção do poder. 6 A ciência política no auge do tempo dos reis � No século XVII, quando alguns reis se tornaram absolutos, reunindo poder político e econômico em torno de si, aparecem os verdadeiros defensores do absolutismo, como era o caso de Hobbes � Hobbes, assim como Maquiavel, acreditava ser a natureza humana egoísta e mesquinha, daí afirmar que “o homem é o lobo do homem”. A liberdade é portanto perigosa e no estado de natureza viveríamos em constante estado de guerra. � O preço da paz é a perda da liberdade. Devemos entregar nossa liberdade para o Estado (Leviatã) naquilo que ele denominou “pacto social”, recebendo em troca segurança e civilidade. � Este Leviatã deve governar com firmeza e centralidade, posto que o faz como forma de controlar nossos ímpetos destrutivos inerentes à natureza humana. Só assim é possível a estabilidade e a durabilidade de uma sociedade. 7 O nascimento do iluminismo: contexto histórico � Entre o século XVII e o XVIII, o efeito das idéias humanistas e a consolidação dos poderes civis dos reis fazem com que a política cada vez mais se desvincule da religião. � Os grandes comerciantes, enriquecidos pelos negócios internacionais (navegações) e pela indústria manufatureira (guildas e corporações de ofício), chamados burgueses, começam a pressionar para que o Estado diminua seu controle sobre a economia, naquilo que resultará no liberalismo e nas revoluções burguesas. � O empirismo dos ingleses (Bacon, Hume e Locke) começa a surtir efeitos. A ciência se torna cada vez mais importante e disso resultam novos saberes racionais e novas tecnologias. 8 O nascimento do iluminismo: contexto histórico � Na segunda metade do século XVIII surge o homem moderno, que se guia pela consciência individual e não pelas “cartilhas” das religiões. � A profusão de tipografias e os novos lugares da arte, como bibliotecas e teatros, dão início a uma cena cultural urbana de efervescência inusitada. A ópera, a orquestra sinfônica, as superproduções, a arqueologia, as plêiades poéticas, o circo e a física newtoniana são claras evidências de que novos tempos estão por vir. � A geometria e a matemática dos gregos, recuperada de forma contemplativa na renascença, é agora usada como base teórica para as ações práticas, seja no campo da política, da economia, da cultura ou das tecnologias 9 Princípios fundamentais do iluminismo � A mais revolucionária idéia iluminista propõe que os homens são iguais por natureza, posto que são todos dotados da faculdade da razão, com a qual podem se orientar conscientemente na vida. � E assim, são também considerados puros e bons por natureza, podendo se tornar maus e egoístas apenas quando a sociedade assim os corrompe. � Isso derruba a velha tradição do “sangue azul” e dos “direitos divinos” dos reis. � E também consolida a idéia de que a célula da sociedade é o indivíduo, pois é nele, como portador da consciência, que podem se construir os valores que sustentam a sociedade civil. � Esse indivíduo consciente dos seus atos é o cidadão, portador dos direitos que o permitem tentar satisfazer suas necessidades e caprichos enquanto se apropria da natureza e se relaciona com outros indivíduos 10 Princípios fundamentais do iluminismo � Como cidadão ele tem os seus direitos limitados pelos seus deveres. Os deveres são o que torna a sociedade mais importante que seus interesses individuais, ou seja, seus direitos acabam onde começam os do outro. � A república é o lugar por excelência do cidadão. Inspirados nos gregos e sua pólis, os iluministas concebem a idéia de “esfera pública” como o lugar do social. Assim o público prevalece sobre o individual. � Para conter o poder pessoal dos governantes os iluministas propõem as constituições e a divisão dos poderes. Leis mandam mais que pessoas e determinam os limites do poder de cada administrador público. � O destino da sociedade deve ser pautado pela opinião da maioria. 11 Iluminismo e modernidade � O iluminismo não se contenta em fazer novas interpretações do homem e da sociedade, ele quer construir, a partir dessas interpretações, um novo mundo. � É preciso entender o iluminismo como um “projeto de civilização”. � As idéias iluministas foram, bem ou mal, colocadas em prática a partir das revoluções burguesas do fim do século XVIII e muito do que veio a ser o mundo moderno é conseqüência da aplicação dessas idéias. � Estados de direito, a democracia representativa, os direitos humanos, os direitos civis, as instituições políticas e jurídicas da modernidade são alguns dos efeitos desse projeto. 12 O papel de Montesquieu � Se considerarmos que a única era histórica proveniente de um projeto foi a modernidade, não devemos esquecer a importância de certos autores na construção de um novo tempo. Por esseaspecto é difícil imaginar um nome mais influente que o de Montesquieu. � Autor do livro “O espírito das leis” que, por conter a sistematização da famosa teoria dos três poderes, torna-se um dos livros mais influentes da história, Montesquieu não pode ser reduzido a isso, uma vez que seu pensamento gerou efeitos em vários campos do saber que só se consolidariam a partir do século XIX, a exemplo da sociologia e da antropologia, para não falar do direito e da política, campos nos quais suas idéias surtiram efeitos imediatos. 13 Montesquieu e o espírito das leis I: leis naturais x leis positivas � Para iniciar essa obra que pretende, como Maquiavel já tentara há mais de um século, compreender a ascensão e queda das estabilidades dos estados, Montesquieu propõe uma classificação das leis em dois tipos: naturais e positivas. � Leis naturais são aquelas que Deus fez para que o mundo funcionasse de maneira racional e previsível ( associadas, portanto, ao conceito platônico de imanência). Um ótimo exemplo é a “lei da gravidade”, enunciada por Newton. Montesquieu as define como “relações necessárias que derivam da natureza das coisas”. � Leis positivas são aquelas que cabe aos homens criar e obedecer para que as sociedades funcionem. � Para compreender a diferença entre esses dois tipos de lei é preciso partir das peculiaridades da natureza humana: somos um bicho cheio de desejos, paixões e necessidades, o que nos faz ao mesmo tempo criativos e suscetíveis ao erro, de forma que não obedecemos a uma essência fixa como fazem os outros entes do mundo. Embora individualmente frágeis e ingênuos, quando em sociedade podemos facilmente inverter essa natureza tornando-nos gananciosos e belicistas. � Sendo um bicho que naturalmente se distancia da natureza e as vezes até da sua própria natureza ( nesse caso boa e não má como pensavam Maquiavel e Hobbes), mas que ao mesmo tempo não tem como fugir totalmente dela, os homens encontram- se na situação que os faz históricos e geográficos. � Deriva assim da maneira como se arranjam em suas paixões e interesses, bem como da maneira como se organizam para lidar com a natureza, as referências de onde uma sociedade estabelece suas leis positivas ( valendo então as peculiaridades climáticas e naturais do ambiente em que uma sociedade se encontra). 14 Montesquieu e o espírito das leis II: estruturando o poder � A única maneira de garantir que as relações humanas sejam justas e duradouras é estabelecendo o pacto elementar que nos obriga a obedecer a leis positivas, que nada mais são que códigos jurídicos instauradores da ordem social. � Preocupado em buscar o melhor arranjo para a outorga de leis positivas eficientes e boas, Montesquieu procede a primeira tentativa histórica de uma pesquisa. Viaja pela Europa a fim de observar algumas formas de governo que, para ele, evidenciam as maneiras como, na prática, se faz possível constituir tais arranjos. O resultado dessa pesquisa a sistematização de três formas básicas de estrutura social ( regimes políticos). O despotismo, que produz a obediência pelo medo, a monarquia, que a produz pela honra e a república, que garante a ordem pela virtude. � Procurando equacionar o compósito de elementos que envolvem a configuração de uma ordem social, coisas como clima, paixões e capacidade de raciocínio, Montesquieu então se lança na aventura de propor a melhor estrutura: é daí que sai a famosa estrutura dos três poderes 15 Montesquieu e os três poderes � A idéia de divisão entre poderes legislativo, executivo e judiciário está firmada sobretudo na intenção de garantir que a autoridade esteja limitada a atribuições específicas, tendo a lei como principal instância de emanação do poder. � A maneira cuidadosa e pormenorizada com que Montesquieu trata cada uma dos três poderes faz dessa sua equação a base para a consolidação da forma mais eficiente e usual de conformação do Estado de Direito, aquele que se procurou implantar em grande parte das sociedades civis da modernidade, tornando-se assim uma de suas principais marcas. 16 Iluminismo e modernidade � Alguns autores porém, como Nietzsche no século XIX e os frankfurtianos Adorno e Horkheimer, estes já no século XX, atribuem ao iluminismo a responsabilidade pelos efeitos colaterais da aplicação do projeto, como o individualismo exacerbado, a ganância, as gritantes desigualdades sociais, a coisificação do homem reduzido à condição de recursos humanos e o pragmatismo doentio do nosso tempo. � Mas, para melhor entendermos esses efeitos, precisamos investigar também o LIBERALISMO. 17 O nascimento do Liberalismo � O liberalismo é uma versão anglo-saxã do iluminismo, cunhada concomitantemente à efervescência deste na França. � O contexto histórico de seu surgimento é assim, o mesmo do surgimento do iluminismo, mas o contexto teórico da Grã- Bretanha já era, desde Bacon e o empirismo da Era Elizabethana (vide quadro IV), bem mais pragmático e materialista. � Ressaltamos que a influência do protestantismo e a tradição feudal pautada na Inglaterra pelo pacto entre os nobres, foram fatores decisivos para que o iluminismo da ilha ganhasse os contornos do liberalismo 18 O nascimento do Liberalismo � Sob a batuta do liberalismo, nasce uma nova ciência social, a Economia. � Assim como a ciência política se ocupa das trocas de influências e poderes entre os homens, a ciência econômica se preocupa com as trocas materiais. � O principal fundador da economia é o escocês Adam Smith, cujas principais teses resumimos nas próximas páginas 19 Princípios fundamentais do liberalismo � O homem é o único ente que cria necessidades, o único insatisfeito com o mundo como Deus fez. � Essas necessidades são fundamentalmente materiais e nos obrigam a modificar constantemente a natureza para dela extrair produtos. � Essa ação pela qual modificamos a natureza denomina-se “trabalho”. � Sendo assim, o trabalho é a ação pela qual o homem se faz homem. � Antes da Reforma protestante e do liberalismo o trabalho era considerado uma atividade secundária, apenas indispensável à sobrevivência. Agora, com essas novas concepções, ele passa a ser cultuado como a mais hominizante das atividades. 20 Princípios fundamentais do liberalismo � Também em função da satisfação das necessidades é que nasce e se desenvolve a sociedade. Por conceber a produção material da existência como o fundamento da condição humana, os liberais acreditam que as pessoas se associam antes de tudo porque precisam umas das outras. A volição que funda a sociedade: o interesse. � Enquanto o iluminismo pensa o indivíduo como cidadão, o liberalismo o vê como produtor e/ou consumidor. Nessa condição ele é portador de necessidades e capacidades. � O trabalho humano resulta num produto maior que a necessidade do produtor, denominado “excedente”, que será assim, objeto das trocas materiais. � O centro coordenador da sociedade é, portanto, o mercado. 21 Princípios fundamentais do liberalismo � O valor (de uso) de uma mercadoria é determinado basicamente pelo trabalho gasto em sua confecção � A escassez ou abundância de um produto (mercadoria) no mercado e a escassez ou abundância de procura por esse produto determinam seu valor de troca (preço). Através desse mecanismo de auto-regulagem, denominado “lei da oferta e da procura”, os liberais acreditam que o mercado equilibra a sociedade. � Assim, o Estado não deve interferir na vida econômica, atuando apenas como uma “mão invisível” para agir tão somente quando algum indivíduo ou grupo abusar de outros, produzindo algum tipo de desequilíbrio nessa harmonia natural 22 Liberalismo e contemporaneidade� Nenhuma concepção produzida nos campos das ciências sociais pode ter gerado mais efeitos que o liberalismo. � As principais vertentes das ciências sociais nascidas no século XIX (Positivismo e Socialismo), serão, cada uma a seu modo, ferrenhas opositoras do pensamento liberal, ao ponto de culpar o liberalismo pelas principais mazelas da civilização moderna: o individualismo exacerbado, a ganância, as gritantes desigualdades sociais, a coisificação do homem reduzido à condição de recursos humanos e o pragmatismo doentio. � Muitos intérpretes dos tempos atuais acreditam que vivemos em um período neo-liberal. Uma economia de mercado em nível global, garantindo que interesses de empresas tornem-se maiores que os de países inteiros, um culto ao trabalho em proporções inusitadas e o consumo como fator de construção de identidades, pautando a própria cidadania, são os motivos pelo quais se fala de neo-liberalismo.