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Gita Goldenberg e César Gonçalves - Relações de Filiação Decorrentes de Separações Conjugais

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ESTUDO PSÍQUICO-JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO DECORRENTES DE SEPARAÇÕES CONJUGAIS
Gita Goldenberg� 
César Gonçalves�
 A análise da problemática da relação de filiação, sob a ótica jurídica e psicanalítica, consubstancia-se em tema de grande importância social. Cumpre ao nosso sistema jurídico criar novas respostas e soluções aos problemas atuais, eis que dentre todas as instituições públicas ou privadas, o instituto família é o que reveste-se de maior significado. A família, núcleo fundamental e base mais sólida do próprio Estado, resguarda inclusive plena proteção constitucional devido a sua máxima importância, gozando de proteção especial do Estado.
 Esta presente pesquisa embasa-se em trabalho de campo realizado em Varas de Família na Justiça Estadual onde, diferentemente, da pesquisa jurídica convencional, houve uma participação mais ativa do pesquisador, mediante a análise de processos judiciais concernentes a separações conjugais, fazendo-se também entrevistas com os pais e crianças, em conjunto e/ou separadamente e com os juízes lotados em Varas de Família. Analisou-se também a importância da atuação do psicanalista para melhor instruir processos judiciais nos casos de determinação de guarda dos filhos advindos das relações conjugais. 
 Constitui-se como objetivo primordial desta pesquisa analisar os critérios judiciais adotados mediante a verificação dos casos referentes aos processos atuais, bem como perquirir se tais critérios encontram consonância e respaldo legal frente às novas regras instituídas pela Constituição da República de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, isntituído pela Lei 8.069/90, que promovem a plena e integral proteção da criança e do adolescente e alicerçam o Princípio do Melhor Interesse da Criança. 
 No sistema do Código Civil original a família repousava necessariamente no casamento e na filiação que dele decorre, observando-se sérias discriminações em relação aos filhos não advindos do casamento. Reputando-se certo que sendo certo que a evolução jurídica da filiação no direito brasileiro operou-se de forma muito lenta e gradativa.
 A guarda era somente tratada pelos dispositivos legais constantes no Código Civil, os quais foram, em sua maioria, alterados pela Lei 6.515/77. O artigo 10 desta retrocitada lei atrelava a guarda ao rígido sistema da culpa quanto à separação judicial entre os cônjuges, isto é, a guarda deveria ser sempre atribuída ao cônjuge que não a houvesse dado causa. Cumpre salientar, no entanto, que tal sistema legal de culpa é bastante criticável, pois não deve ser este fator prevalente na determinação da guarda. A relação do casal é distinta, tanto em termos psíquicos quanto jurídicos, da relação dos pais para com os filhos. Tal situação felizmente alterou-se por força do artigo 226, parágrafo 6º da Constituição da República ao tratar do divórcio direto não mais se cogitando da culpa na determinação da guarda.
 Não obstante tenha o número de divórcios aumentado nos últimos vinte anos, a divisão da guarda das crianças pouco se alterou, permanecendo a custódia na imensa maioria dos casos com a mãe, sendo atribuída apenas excepcionalmente a guarda ao genitor masculino.
	O filme Kramer versus Kramer, objeto de investigação quanto a questão da posse e guarda de uma criança, nos demonstra que quase nunca a guarda é concedida ao pai, não obstante muitas vezes existirem evidências de que melhor seria para o interesse da criança se a guarda fosse atribuída a este.
 
 Neste retrocitado filme constatou-se tendência do juiz em decidir em prol da mãe nos casos de guarda, bem como a inobservância por parte do juiz da função do papel maternalizante do pai em relação ao filho. 
O papel materno não é necessariamente realizado pela mãe, tanto o pai quanto a mãe podem exercer bem a função materna e paterna. A relação pai-filho por vezes até melhor se desenvolve após a separação dos pais, tal como demonstrado no filme acima apontado onde o pai passou a cuidar de forma afetiva do filho, alimentando-o, bem como levando e buscando à escola e à pracinha. 
Quando os pais se separam isto não implica necessariamente num distanciamento do filho. No entanto, existem pais que, ao se separarem, acabam se distanciando do filho, como se seus respectivos genitores tivessem se separado também daquele. No caso de separação do casal seria preferível que a mãe e o pai tivessem cada qual por seu lado, sua própria vida afetiva e sexual, a fim de que a criança não fosse colocada na situação de se considerar ao mesmo tempo filha e cônjuge da mãe ou do pai, o que bloquearia a sua personalidade.
 Quanto aos casos de separação conjugal e a problemática da ruptura física da relação antes existente entre criança e seus respectivos genitores, observou-se que nem sempre a não separação do casal trará conseqüências mais favoráveis ao pleno desenvolvimento da criança. Por vezes a relação da criança com seus genitores até melhora após a separação destes, com o fim das inúmeras contendas antes existentes. Percebeu-se também a importância do genitor, contínuo ou descontínuo, em estabelecer outra relação afetiva e sexual com um terceiro após a separação, pois é na convivência desta triangularização que poderá ser estruturada a identificação sexual da criança.
 O maior stress para os filhos ocorre quando eles se tornam os instrumentos de desavenças continuadas entre os pais. Há genitores que se mostram hostis e vingativos aproveitando as visitas para destruir a figura do outro progenitor. Procuram denigrir ou fazer verdadeiras lavagens cerebrais contra o outro. Fazem, ainda, sedução quando os filhos estão sob a sua presença, procurando ter o menor ao seu lado.
 A criança que está sob a guarda apenas de um dos genitores, deveria estar com o outro não somente de quinze em quinze dias; o ideal seria que o outro genitor estivesse com a criança em dias livres, levando-a para passear ou para dormir em sua companhia com mais frequëncia. Constatou-se, ordinariamente, que o genitor que não detém a guarda do filho, tem este confiado a si por apenas dois finais de semana por mês, sendo tal prática bastante corrente nos tribunais. Deve-se, por certo, aumentar a frequência de visitas ao genitor que não possui a guarda, sobretudo nos casos em que a criança está sendo manipulada pelo outro e não tem idade, nem tampouco discernimento para tomar qualquer iniciativa.
	Verifica-se por vezes nas Varas de Família problemas relacionados às mães que, detendo a guarda do filho, não permitem a visitação efetiva do pai. Françoise Dolto (1989) sustenta que no caso da criança ser filho de pais separados, onde não se protege a segurança da relação, privando o filho de conhecimento e contato com o outro genitor, isto constitui promessa de uma enorme insegurança futura, visto consubstanciar-se em verdadeira anulação de uma parte da criança. Verificou-se, ainda, que não raras vezes é dito a criança pelo genitor contínuo que esse outro genitor (descontínuo) é alguém desvalorizado e falho, como se quisesse reunificar a criança na figura única do guardião.
	 Constatou-se, deste modo, que muitas vezes não é o caso de se deferir a guarda a um dos genitores e sim, atribuir a guarda compartilhada. Esta não significa apenas estar presente com a criança em tempo, mas participar qualitativamente das decisões gerais dos filhos, inclusive cuidados médicos, educacionais, culturais e de lazer.
 O Estatuto da Criança e do Adolescente seguindo as diretrizes traçadas pelo constituinte de 1988, acolhe, indiscutivelmente o Princípio do Melhor Interesse da Criança para a proteção integral à criança e ao adolescente, o que se depreende facilmente por meio da simples análise de alguns de seus dispositivos.
 
 O Princípio do Melhor Interesse da Criança varia de acordo com a etapa de desenvolvimento em que ela está. No caso específico do recém nascido,o melhor interesse da criança será ter alguém com quem possa ela estabelecer uma relação sistemática, contínua e personalizada, em que o afeto seja a sua característica marcante.
 Para a criança recém-nascida não basta apenas a presença física, pois se não há afetividade nesses seus primeiros anos de vida poderão ocorrer sérias perturbações em seu desenvolvimento. A simples presença de uma pessoa que satisfaça as necessidades materiais de uma criança não assegura o seu pleno desenvolvimento se esta não estiver atenta ao desejo da criança.
 É importante explicitar que o guardião deve saber diferenciar as necessidades do desejo da criança, bem como ter a capacidade de introduzir a lei paterna, isto é, inserir o terceiro na relação díade mãe e filho. Não deve também este utilizar-se da moral ou da religião como forma repressora no desenvolvimento afetivo e sexual da criança, eis que é imprescindível o respeito as diversas etapas de tal desenvolvimento.
 As relações familiares em termos psicanalíticos têm características estruturais. A ausência de familiares, ou seja, desses referenciais afetivos, constitui uma deficiência para o desenvolvimento do ser humano .
 No que se refere à família, à luz da psicanálise, esta não é um fato da natureza, mas um fato cultural, pois não se constitui apenas por um homem, uma mulher e filhos; é, antes de tudo, uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar simbólico. Tanto é assim que o indivíduo pode ocupar o lugar do pai, sem que seja necessariamente o pai biológico e, da mesma forma, o indivíduo pode ocupar o lugar da mãe sem ser a mãe biológica. 
 É importante que crianças de tenra idade sejam cuidadas pela pessoa que desempenhe o papel maternal. Constata-se, no entanto, que esta tarefa não é representada necessariamente pela mãe cabendo em algumas famílias ao pai. Esta dimensão simbólica da maternidade e paternidade será levada em consideração quando problematizarmos a questão da guarda nas decisões judiciais de separação e divórcio.
		
 O Direito de família vive um momento histórico, haja vista que o lugar do pai e do marido vem sendo fortemente questionado, o que produz imediatos reflexos no ordenamento jurídico.
 A passagem do homem, da natureza para a cultura, possibilitará a estruturação da família. A estrutura psíquica possibilita ao homem desenvolver-se como sujeito. Numa estrutura familiar é importante tudo que se refere a repetição de imagens e fantasias correspondentes a história de cada um dos membros constituintes da família, que juntos vão configurando a trama do imaginário vigente na família atual. Lacan afirma : 
"O desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto por que o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto é ser reconhecido pelo outro."
 Os papéis antes marcadamente definidos na sociedade conjugal entre o homem e a mulher foram aos poucos se diluindo, assumindo o homem maior participação na criação dos filhos, o que acarretou uma maior democratização nas relações pai-filho.
 O indivíduo percebe seu corpo como inteiro e unificado somente se pré-existe no discurso do Outro como tal, isto é, se a mãe percebe o seu filho em uma totalidade. A criança existe dentro do imaginário parental bem antes de sua concepção. As idéias que cada um dos pais projeta sobre a criança formam o que é chamado de bebê imaginário. Assim os bebês crescem dentro de uma predisposição que vem dos seus pais, que mostram os papéis a desempenhar dentro de uma visão fantasmática.
 O desejo de ter um filho nasce antes mesmo de sua própria concepção. Os pais já idealizam e almejam a criança como se esta já tivesse sido concebida. Esta idealização do bebê, sobretudo pela mãe, é importantíssima na relação mãe-bebê, pois haverá, antes mesmo de nascida a criança, o desejo da mãe em cuidar da criança, dando-lhe o afeto que se faz tão necessário. Não é toda mãe que, no período da gestação desenvolve esta importante relação imaginária com o bebê. Poderá acontecer da mãe ver o filho apenas como uma coisa que carrega em seu útero, não desenvolvendo, assim, qualquer tipo de afeto em relação a ele, vendo-o tão-somente como um “pedaço de carne” estranho ao seu corpo.
 Percebe-se, assim, não ser preciso aguardar o nascimento da criança para que a relação parental com o filho exista. Por exemplo, o início da gravidez coincide com a instauração de uma relação imaginária, na qual a criança não é representada pelo que ela efetivamente é, ou seja, um embrião em curso de desenvolvimento, mas sim por um corpo imaginado. Esta imagem é tão poderosa que nos primeiros tempos de vida da criança se superpõe a ela. A origem do indivíduo provém não apenas do lugar físico que ocupa no contexto familiar, mas principalmente do desejo de seus membros, possibilitando a este um lugar na constelação simbólica da família.
	Observa-se, deste modo, a importância do estudo da guarda não apenas sob o aspecto jurídico, mas também em termos psíquicos, eis que fundamental é o desejo inconsciente dos pais em ter a guarda da criança, estabelecendo-se, assim, relações inter-psíquicas com esta.
 A família hoje, em termos jurídicos, vem mais de encontro com o conhecimento psicanalítico, pois está mais voltada para a afetividade existente entre os seus membros. A família antes de tudo deve ser estruturante para os seus membros independentemente da situação jurídica da mesma.
 Neste mesmo sentido é o entendimento do jurista Gustavo Tepedino�, in verbis: “A disciplina jurídica da família e da filiação antes se voltava para a máxima proteção da paz doméstica, considerando-se a família como um bem em si mesmo, enaltecida como instituição essencial. Hoje, ao revés, não se pode ter dúvida quanto à funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, devendo a comunidade familiar ser preservada (apenas) como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana e, em particular, da criança e do adolescente.” 
 A aplicação da lei deve levar em consideração as particularidades emocionais de cada família para não prejudicar a criança. Quando a sentença é exarada burocraticamente, as relações de afetividade ficam desumanizadas. Muitas vezes os pais necessitam de um terceiro para ajudá-los a ventilar seus diversos afetos contraditórios frente à criança. 
 Verificamos, desta forma, que a família continua a existir, mas com novos contornos. Não podemos ignorar que a família não mais se limita a pais e filhos, porém, amplia-se gradativamente advindo transformações sem maiores traumas ou preconceitos. Hodiernamente a família poderá se constituir de pais, mães, biológicos ou não, padrastos, madrastas, irmãos, sem se falar nas consequências do casamento homossexual, já aceito na legislação de alguns países. Alguma forma de convivência harmônica será encontrada, uma vez que a realidade assim nos impõe. 
 
	Analisamos igualmente o papel do psicanalista nas dinâmicas familiares, constatando-se que este funciona como uma terceira pessoa, ajudando, assim, aos pais que pleiteiam a guarda de seus filhos, a ventilar livremente os seus sentimentos para com estes. A análise do lugar simbólico que a criança ocupa na constelação familiar quando os pais se separam pode ser realizada por este profissional. Em todas as separações conjugais é importante questionar os referenciais afetivos. Os pais, com a separação, revivem problemas arcaicos e infantis e acabam muitas vezes deixando de lado os filhos ou os usam como centro de todos os conflitos da trama familiar. Os filhos podem enfrentar conflitos emocionais, sentindo-se culpados pela separação dos pais ou até mesmo usados como “bode expiatório”. 
	A tradição jurídica da guarda ser concedida para a mãe é uma constante, mesmo quando o pai demonstra melhores condiçõesde saúde mental. Não obstante isto, verificamos uma grande mudança sobre este aspecto, haja vista que o papel do pai na criação e educação dos filhos firma-se gradativamente. Evidencia-se a importância de que nem sempre a mãe, seja qual for a sua identidade sexual, é a melhor pessoa para permanecer com a guarda de seus filhos. Neste sentido, louvavelmente, posicionou-se o recente projeto do Código Civil já aprovado, ao determinar a guarda ao cônjuge que melhor atender às necessidades da criança. 
 
Vale, a propósito, sobre isto citar a título de ilustração um caso periciado por nós, no qual bem retrata a problemática da disputa judicial do filho nos casos de guarda. Neste presente caso a disputa judicial desenrolou-se pela guarda do filho adolescente de idade 15 anos, tendo sido esta deferida provisoriamente ao pai há cerca de quatro anos, sendo que o adolescente não visita sua mãe há quase dois anos. Este caso revelou-se bastante interessante, pois a guarda foi deferida ao pai e o adolescente em questão não desejava mais contato com a sua mãe.� 
Nesta indigitada perícia verificou-se ser Ricardo um adolescente inteligente, comunicativo, emocionalmente desenvolvido; tendo expressado desejo de permanecer sob a guarda do pai, demonstrando-se inclusive bastante integrado na família paterna.
 
O adolescente Ricardo pretendia, assim, ter visitação livre com sua mãe, sem imposição de dias e horários.
 Ao ser entrevistado o pai de Ricardo, este demonstrou preocupação ao bem estar de seu filho em termos materiais e afetivos; respeitando-o em suas decisões. Ricardo em entrevista conjunta realizada com seu pai demonstrou-se muito descontraído na presença do pai, trocando reciprocamente gestos de carícia.
 A mãe de Ricardo, Jussara, por sua vez, é uma pessoa que apresenta um bom nível intelectual, verificando-se, todavia, ser pessoa bastante temperamental e explosiva, o que acarreta insegurança emocional para seu filho. 
 Constatamos que Jussara tenta resolver e comprovar tudo que fala mediante provas e documentos, como se toda questão fosse meramente técnica e processual, deixando de lado e/ou em segundo plano os aspectos emocionais que envolvem toda a problemática. Revelando também certa dissociação de pensamento. 
O adolescente Ricardo expressou seu desejo no sentido de que não mais houvesse esta longa disputa judicial em relação a ele. Percebemos que Ricardo se ressente desta longa disputa judicial e que isto possivelmente lhe trouxe repercussões maléficas, tendo o mesmo dito o seguinte: “neste processo eu sou apenas um detalhe”. 
Constatamos a veracidade da narrativa de Ricardo quando entrevistamos sua mãe, a qual em longa entrevista mencionou grande parte do tempo única e exclusivamente a sua disputa com seu ex-companheiro Eduardo, revelando resistência e dificuldades em falar de seu próprio filho. 
 Concluímos nesta perícia que Ricardo vivencia sua mãe geralmente através do processo, sentindo-se como se fosse um objeto. O genitor que pleiteia a guarda somente para si reflete problemáticas arcaicas, na medida que a criança passa a ser instrumento de soluções de conflitos ou de satisfação de necessidades doentias muitas vezes de um único genitor.
 Opinamos, assim, neste caso no sentido de Ricardo continuar sob a guarda do pai Eduardo, na qual já se encontra há três anos, pois Ricardo lá vive muito bem estruturado e interromper isto poderia lhe causar danos psíquicos. No entanto, verificamos ser muito importante incentivar Ricardo manter contato com sua mãe através de visitações livres, sem imposições de dias e horários. Por fim, sugerimos que Jussara, mãe de Ricardo, fizesse uma orientação psicológica no intuito de saber aproximar-se melhor de seu filho Ricardo e, deste modo, estabelecer maiores vínculos afetivos com este. 
Levamos igualmente em consideração nesta presente perícia o parágrafo 2o, do art. 28 da Lei 8.069/90, o qual determina: “Sempre que possível a criança e o adolescente deveria ser previamente ouvido e sua opinião devidamente considerada.” 
Quanto a visitação livre indicada neste caso vale, por oportuno, afirmar o abalisado entendimento da psicanalista Françoise Dolto�:
 “Quando a lei decide algo que prejudica a criança isto é ainda mais terrível para ela, por acontecer através da lei. Uma vez que a sentença é proferida por um juiz, os dias em que ela vê o pai e a mãe passam a ser fixos, e isto é extremamente prejudicial, porque as afinidades, o desejo de se ver entre pais e filhos não pode obedecer a dias fixados desta maneira. Quando eles moram longe um dos outros, em cidades diferentes, a criança compreende muito bem essa medida; mas, quando moram na mesma cidade, as relações de afetividade ficam desumanizadas ao serem regidas pelos dias de semana, e não pelas afinidades entre uns e outros. Considero que todas as regulamentações são ruins para o que há de vivo e afetivo entre pais e filhos..”
 O psicanalista não deve permanecer numa posição somente de diagnosticar ou confeccionar laudos, nem tampouco em estabelecer ou criar verdades absolutas. A psicanálise por vezes despe-se de qualquer dimensão libertadora, quando utilizada apenas como meros braços do Estado, isto é, como simples instrumento de confirmação de ideologia do poder. 
 Devemos pensar sobre o lugar do psicanalista no Poder Judiciário. Muitas vezes o lugar a que somos solicitados a ocupar é lugar de um saber de uma verdade, para que a justiça seja feita. É importante termos consciência do nosso limite de que não temos o saber de uma verdade única e absoluta. O nosso lugar é de escutar a posição do sujeito diante de sua história. Denotamos, deste modo, a importância da criação de uma equipe multidisciplinar efetiva nas Varas de Família, e não somente a participação eventual de peritos nos processos que envolvem a guarda.
 A identidade sexual dos pais interfere nas decisões judiciais de guarda, o que por sua vez acarretam implicações psíquicas e jurídicas nas relações de filiação.
 Os guardiões, tanto heterossexuais quanto homossexuais, podem apresentar vínculos perversos com a criança que comprometam o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
 Percebe-se um maior desenvolvimento da passividade no caráter da criança nos casos de guarda alternada, onde verificam-se mais comumente conflitos entre os diferentes princípios educacionais exercidos pelos pais sobre o filho (“filho joguete”), eis que ocorre uma ruptura no continuum afetivo, espacial e social. Situação diversa ocorre nos casos de guarda compartilhada onde o desejo de visitar os filhos não obedece a critérios rígidos de dias fixos. 
 Constatou-se neste trabalho a importância de se esclarecer a criança ou adolescente sobre a identidade sexual dos pais. O silêncio feito sobre a sexualidade, muitas vezes sob o pretexto de se estar protegendo a criança, é prejudicial a esta e poderá implicar prejuízos para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. 
 Verificamos nesta pesquisa que, nos primeiros anos de vida da criança, independe a identidade sexual de quem cuida para o desenvolvimento desta, sendo unicamente indispensável estar a criança com quem mais próximo afetivamente estiver com ela e exercer os indispensáveis cuidados maternos ao bebê – fase intitulada pelos especialistas como “maternagem”.
 A determinação da guarda jurídica para ambos os genitores reveste-se de importância prática, pois enseja maior comprometimento e participação destes em relação ao exercício do poder familiar, em comparação com a guarda tradicional (guarda jurídica de apenas um dos genitores).
 Verificamos também certa evolução legislativa na determinação da guarda, mediante a elaboração de leis neutras quanto ao sexo do guardião e uma crescente interferência do Poder Judiciário no plano de criação dos filhos, bemcomo a impossibilidade da guarda compartilhada nos casos de abuso sexual, violência física ou quando pais brigam constantemente e são incapazes de formularem acordos.
 Constata-se igualmente uma maior participação do pai na guarda e a importância do papel maternalizante nesta, verificando-se que a ausência do pai não está necessariamente relacionada com a sua presença física.
 
 Cumpre salientar, ainda, uma importante vertente que não deve ser subestimada nos processos judiciais de guarda, qual seja: a interferência do juiz na decisão judicial determinadora da guarda na identidade sexual da criança, orientada por interferências subjetivas deste. Verificou-se uma certa predisposição do juiz em negar o pedido de guarda formulado pela mãe nos casos em que a mesma é prostituta, sendo certo que o que realmente importa nesta situação é perquirir se a mãe prostituta pratica ou não atos libidinosos na frente da criança, bem como se contribui para o pleno desenvolvimento da personalidade desta.
Deve-se, deste modo, assegurar sempre que possível o dever de visita ao genitor descontínuo, tendo-se preferencialmente mais vezes possíveis de visita deste ao filho, haja vista que, a falta deste dever poderá acarretar à criança profundo abalo em suas relações psíquicas.
A criança tem o direito de ser informada do processo de separação dos pais, bem como da respectiva razão desta. O diálogo claro e preciso poderá proporcionar uma maior triangularização da relação pai-mãe-filho.
 Verifica-se igualmente que a brusca ruptura da relação afetiva poderá ocasionar efeito mutilante e inesperado na vida da criança – grande sofrimento, ausência imprevista, sem qualquer preparação e participação da criança na separação do casal.
 É importante para a manutenção do vínculo afetivo entre pai e filho, mãe e filho não apenas a relação vivida e de procriação, mas a da palavra que significa a lei, esta entendida no seu sentido simbólico.
 O juiz tem o dever de receber e explicar as crianças o ocorrido na separação e expor as suas razões para determinar a guarda em favor de determinado cônjuge. Diferentes deliberações judiciais tem efeitos psíquicos sob a criança e seus respectivos genitores. A subjetividade do juiz interfere nas suas decisões e a escuta do desejo da criança é imprescindível para a decisão de sua guarda.
	Os filhos de famílias separadas que mantém contato contínuo com o outro genitor, que não está com a guarda, desempenham-se melhor em termos subjetivos e cognitivos do que aqueles que não usufruem deste contato ou comunicação.
� Profª doutora Faculdade de Direito da UERJ Doutora em Psicologia pela FGV e Psicanalista pela SPRJ(Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro) 
� Mestre em Direito da Cidade pela UERJ e Professor de Direito Civil e pesquisador com Bolsa FAPERJ
� TEPEDINO, Gustavo. A disciplina jurídica da filiação. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira in i Direitos de Família e do Menor: inovações e tendências. Ed. Del Rey, 1993, 3ª ed. pp. 225-242 
� Para a não identificação das pessoas envolvidas nesta caso mudamos os nomes destas.
� DOLTO, Françoise. No Jogo do Desejo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro. Ed. Zahar, 1984. 273 p.
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