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9 SÍNDROME METABÓLICA E OBESIDADE Obesidade, definida como excesso de gordura corporal, tem enorme importância na atualidade por sua elevada prevalência e associação com inúmeras enfermidades, sobretudo doenças cardiovasculares, diabete melito do tipo 2 e hipertensão arterial. Nas últimas décadas, a incidência da obesidade vem crescendo globalmente de modo preocupante. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2005, aproximadamente 1,6 bilhão de adultos maiores de 15 anos tinham sobrepeso e mais de 400 milhões eram obesos. Em 2015, estima-se que aproximadamente 2,3 bilhões de adultos terão sobrepeso e mais de 700 milhões serão obesos. A prevalência de obesidade no Brasil aumentou de 2,4%, na década de 1970, para 7,0% e 12,5%, para homens e mulheres, respectivamente, no final dos anos 1990. Por tudo isso, obesidade é considerada hoje um dos maiores problemas mundiais de saúde pública. 9.1 FATORES QUE REGULAM A INGESTÃO ALIMENTAR A ingestão alimentar e o balanço de energia dependem de inúmeros fatores: neuronais, endócrinos, adipocitários e intestinais. Sinais que partem de várias regiões do organismo chegam ao cérebro e atuam diretamente no hipotálamo, que possui grupos de neuropeptídeos envolvidos nos processos orexígenos ou anorexígenos. Os principais fatores e neuropeptídeos envolvidos no processo estão escritos adiante. peptídeo agouti (AgRP); os anorexígenos são o hormônio estimulador do -MSH) e o transcrito relacionado à cocaína e à anfetamina (CART). Sabe-se que estes receptores estão concentrados 114 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física no núcleo paraventricular, mas podem estar presentes também em outras regiões hipotalâmicas. leptina e a insulina. A leptina, produzida no tecido adiposo amarelo, atua nos receptores hipotalâmicos induzindo saciedade. Sua ação é mediada sobretudo por NPY e AgRP. Em alta concentração, ocorre resistência à leptina, limitando seu efeito anoréxico. concentração sérica é proporcional à adiposidade. A insulina pode também induzir saciedade no sistema nervoso central e aumentar o gasto energético. de induzir as secreções pancreática e biliar em resposta à presença de gorduras e proteínas, também inibe a ingestão alimentar. Outros inibidores da ingestão alimentar são o peptídeo YY (PYY), sintetizado na mucosa do íleo e do cólon, e a amilina, secretada com a insulina. PYY e amilina parecem agir centralmente, causando redução da ingestão alimentar. Obesos apresentam menor elevação pós-prandial dos níveis de PYY, especialmente em refeições noturnas, o que leva à maior ingestão calórica. hipotálamo, é o único peptídeo conhecido que estimula a ingestão alimentar. Sua concentração mantém-se alta nos períodos de jejum, caindo imediatamente após a alimentação. A grelina estimula também as secreções digestivas e a motilidade gástrica. Em indivíduos obesos, no entanto, a supressão pós-prandial de grelina é menor, o que pode levar ao maior aporte de alimentos e à manutenção da obesidade. ntar em curto prazo secretado no intestino distal, que parece agir diretamente nos centros hipotalâmicos para reduzir o apetite e os níveis séricos de grelina. A OXM atua principalmente em condições especiais, tais como após cirurgia bariátrica. Síndrome Metabólica e Obesidade 115 9.2 PRODUÇÃO DE ADIPOCINAS PELO TECIDO ADIPOSO Por muito tempo, considerou-se que o tecido adiposo amarelo tinha como única função armazenar energia. Atualmente, sabe-se que substâncias liberadas são importantes não só para o metabolismo de lipídeos e carboidratos, mas também modificam o comportamento alimentar e o processo de inflamação, trombose e pressão arterial. As moléculas sintetizadas no tecido adiposo, coletivamente chamadas adipocinas, incluem leptina, adiponectina, resistina, interleucina 6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF ) e proteína quimiotática para monócito (CCL2/ MCP-1). 9.2.1. Leptina: sintetizada pelos adipócitos, a leptina age regulando a composição corporal e o gasto energético. Na maioria dos casos, a obesidade transcorre sem deficiência de leptina, sendo até a hiperleptinemia o quadro mais comum. Níveis elevados de leptina em pessoas obesas pressupõem anormalidades no seu receptor. A leptina inibe a secreção de insulina no pâncreas e reduz o acúmulo de gordura (por inibir a lipogênese e estimular a lipólise) no tecido adiposo. Nos músculos esqueléticos, leva à maior oxidação lipidica, reduzindo a resistência à insulina causada pela lipotoxicidade. A leptina ainda estimula a produção de calor e o gasto de energia durante a atividade física. 9.2.2. Adiponectina: a adiponectina, uma proteína secretada exclusivamente por adipócitos, em contraste com a maioria das adipocinas, diminui com o aumento da adiposidade e é maior no tecido adiposo subcutâneo do que no visceral. Além disso, há forte correlação negativa entre níveis plasmáticos de adiponectina e infarto resistência à insulina e diabete melito 2, isto é, maior os níveis de adiponectina, menor o risco de desenvolver estas doenças. Os efeitos metabólicos da adiponectina resultam em aumento da sensibilidade à insulina, maior oxidação de ácidos graxos e redução na secreção de glicose pelo fígado; nos músculos, estimula a glicólise e acelera a oxidação de ácidos graxos. A adiponectina também é um fator antiaterogênico, pois inibe a adesão e a ativação de macrófagos ao endotélio vascular e a proliferação de células musculares lisas da parede vascular. A concentração de adiponectina no sangue também está inversamente associada ao risco de cânceres relacionados à obesidade (mama, próstata e endométrio). Assim, a adiponectina é o único hormônio produzido por adipócitos que possui propriedades anti- inflamatórias, antiaterogênicas e antidiabéticas. 116 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física 9.2.3. macrófagos residentes no tecido adiposo são a principal fonte de TNF . Triglicerídeos e ácidos graxos livres induzem sua produção no tecido adiposo, principalmente no tecido visceral. O TNF tem as seguintes ações: (1) diminui a síntese de adiponectina e aumenta a de citocinas pró-inflamatórias e o próprio TNF ; (2) atividade pró-aterogênica; (3) induz a expressão de receptores de remoção (scavengers), responsáveis pela captação de LDL oxidada por macrófagos e células musculares lisas na camada íntima de artérias (4) aumenta a resistência à insulina em adipócitos, por reduzir a expressão de proteínas da via de sinalização da insulina. Em conjunto, tais ações promovem resistência à insulina em tecidos periféricos, como fígado e músculos. 9.2.4. Interleucina 6: a IL-6 é uma citocina pró-inflamatória envolvida em múltiplos processos, incluindo inflamação, agressão tecidual e defesa do hospedeiro. Os níveis circulantes de IL-6 e sua produção pelo tecido adiposo estão diretamente correlacionados com obesidade, intolerância à glicose e resistência à insulina. Hipertrofia de adipócitos e estímulos inflamatórios aumentam a liberação de IL-6, que induz também a síntese hepática de proteínas inflamatórias. 9.2.5. Resistina: a resistina pertence à família das proteínas ricas em cisteína, as quais estão relacionadas com a resposta inflamatória. Em humanos, a expressão da resistina no tecido adiposo só é encontrada em indivíduos obesos. É possível que a resistina no tecido adiposo de indivíduos obesos possa contribuir para o processo inflamatório associado à obesidade. Seu papel na resistência à insulina em humanos, no entanto, ainda precisa ser estabelecido.9.2.6 Óxido nítrico sintase induzida: o óxido nítrico (NO) é um vasodilatador produzido pela enzima óxido nítrico sintase (NOS). Existem três formas de NOS: eNOS (endotelial, constitutiva), nNOS (neuronal) e iNOS (induzida, sobretudo em macrófagos). A iNOS pode ser produzida por macrófagos no tecido adiposo; reação inflamatória aumenta a síntese de iNOS nesses macrófagos, levando à produção excessiva de óxido nítrico. Níveis aumentados de iNOS estão presentes na obesidade, diabete melito tipo 2 e aterosclerose, como parte do processo inflamatório existente nessas doenças. Síndrome Metabólica e Obesidade 117 Quando há excesso de produção de NO concomitantemente ao aumento da liberação de radicais livres de oxgênio no mesmo ambiente, forma-se o peróxido nitrito (NOO), capaz de lesar membranas celulares. 9.2.7. Inibidor do ativador do plasminogênio 1 (PAI-1): PAI-1 é o principal inibidor da fibrinólise e, quando em excesso, causa hipercoagulabilidade, resultando em trombose e embolia; aumento da coagulação sanguínea, por sua vez, aumenta grandemente o risco de complicações cardiovasculares em obesos. Em indivíduos obesos, pré-adipócitos, principalmente no tecido adiposo visceral, constituem a principal fonte de PAI-1. 9.2.8. Fibrinogênio: aumento do fibrinogênio é reconhecido, hoje, como um fator de risco para aterosclerose, frequente em pacientes obesos. Os níveis séricos do fibrinogênio aumentam com o aumento da adiposidade e são mais altos nos indivíduos com obesidade grau III. Hipertensos e diabéticos, independentemente do índice de massa corporal, têm níveis mais elevados de fibrinogênio do que seus controles. 9.2.9. Proteína C Reativa (PCR): é um marcador inflamatório produzido no fígado em resposta à IL-6, associam-se a risco para diabete melito tipo 2 e infarto. Excesso de tecido adiposo está associado a aumento tanto de IL-6 como de PCR. A associação entre adiposidade e níveis aumentados de PCR também é encontrada em crianças obesas. Além das adipocinas citadas, o tecido adiposo, principalmente o visceral, é capaz de produzir cortisol e corticosterona. Síntese local desses hormônios pode influenciar a produção de outras adipocinas, aumentando a resistência à insulina. O tecido adiposo visceral produz também angiotensinogênio, o que explica, em parte, a hipertensão arterial comum em indivíduos obesos. 9.3 SÍNDROME METABÓLICA A síndrome metabólica (SM) é um transtorno complexo em que existem obesidade central, intolerância à glicose geralmente associada à resistência à insulina, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia com elevada concentração de triglicerídeos, baixos níveis de HDL, aumento na razão LDL pequena e densa e aumento do risco de aterosclerose e diabete melito tipo 2. 118 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física Nas duas últimas décadas, verificou-se aumento preocupante no número de pessoas com SM em todo o mundo, corroborando a epidemia global de obesidade e diabete melito. Ao lado disso e com incidência cada vez maior, a SM é considerada fator de risco tão importante quanto o tabagismo no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A prevalência da SM nos Estados Unidos aumenta de 6,7% em pessoas entre 20 e 29 anos para 43,5% naquelas entre 60 e 69 anos. No Brasil, a prevalência é de 35,5% em pessoas com doenças cardiovasculares e em 8,6% naquelas sem essas doenças. A existência de SM aumenta a mortalidade cardiovascular em seis vezes. A I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica definiu que a SM pode ser diagnosticada em indivíduos que apresentam, pelo menos, três dos cinco seguintes elementos: (1) glicemia de jejum aumentada; (2) obesidade abdominal; (3) trigliceridemia anormal; (4) hipertensão arterial e (5) HDL baixa (Tabela 9.1). Embora o peso corporal não seja, sozinho, um definidor diagnóstico da síndrome, a maioria das pessoas com SM é obesa ou tem sobrepeso. Predisposição genética, inatividade física, tabagismo, ganho ponderal progressivo e dieta rica em carboidratos refinados e gorduras saturadas e pobre em fibras alimentares contribuem para o desenvolvimento da SM. A prevenção primária da SM constitui um grande desafio no mundo contemporâneo e tem inegável repercussão na saúde das pessoas. 9.3.1 Patogênese A hipótese patogenética mais aceita baseia-se, inicialmente, na lipotoxicidade causada pela maior quantidade de ácidos graxos livres (AGL) no sangue. O excesso de energia corporal faz com que os adipócitos (principalmente viscerais) aumentem de volume e comecem a liberar adipocinas. Como já comentado, TNF e MCP-1 induzem à migração de m -6, que bloqueiam a ação da insulina por inibirem a ativação do substrato do receptor de insulina (IRS). Sem a ação da insulina, a lipase sensível ao hormônio presente no tecido adiposo torna-se mais ativa e hidrolisa os trigicerídeos dos adipócitos, aumentando a liberação de AGL na circulação. A obesidade abdominal é a mais envolvida na lipotoxicidade porque os depósitos viscerais gordura são mais sensíveis à lipase sensível a hormônio do que os adipócitos do subcutâneo. Outro agravante é o fato de o tecido adiposo visceral, por sua localização, liberar grande quantidade de AGL diretamente no sistema porta. Síndrome Metabólica e Obesidade 119 Com a grande oferta de AGL ao fígado, estes são metabolizados preferencialmente, ficando a glicose em segundo plano. Tal efeito atua como estímulo para a glicogeniogênese. Como resultado, ocorre inibição do transporte de glicose e de outros efeitos mediados pela insulina. Assim, inicia-se a resistência hepática à insulina, contribuindo para a hiperglicemia e a hiperinsulinemia. A resistência à insulina nos músculos é induzida também pelo aumento de AGL no plasma. Por mecanismo semelhante ao que ocorre no fígado, a maior oferta de AGL prioriza os ácidos graxos como fonte de energia, diminuindo a oxidação de carboidratos e a captação de glicose pelas células musculares. A insulina inibe também a lipólise no tecido adiposo, por meio da inibição da lipase sensível a hormônio. Quando ocorre resistência à insulina, portanto, há aumento da lipólise e maior liberação de ácidos graxos livres, os quais potencializam a lipotoxicidade causada pelo excesso de ingestão de energia. O acúmulo de gordura na região abdominal e a hiperinsulinemia estão associados também a um perfil trombogênico e inflamatório. Concentrações aumentadas de fibrinogênio e de PAI-1 relacionam-se com o aumento da gordura visceral, aumentando o risco de trombose. A hipertensão arterial que acompanha a síndrome resulta da maior produção de angiotensinogênio no tecido adiposo expandido e da resistência à insulina. Como a insulina é um conhecido vasodilatador, a resistência a ela contribui para o quadro de hipertensão arterial induzido pela angiotensina. A síndrome metabólica pode ser tratada por correções no estilo de vida. Adequação do peso corporal, combate ao sedentarismo e adesão à alimentação adequada são medidas obrigatórias. Dieta equilibrada é uma das principais ações e deve contemplar a perda de peso e da gordura visceral, além da normalização da pressão arterial e da dislipidemia. Dietas ricas em fibras, pobres em gorduras saturadas e colesterol e com reduzida quantidade de açúcares simples são úteis pare esse objetivo. O controle da SM por medidas não farmacológicas pode reduzir em até 50% a incidência de diabete melito 2 em cinco anos. 9.4 OBESIDADE 9.4.1 Definição e etiologia Sobrepesoé definido como o aumento no índice de massa corporal (IMC) de 25 a 29,9 kg/m2; acima deste nível ocorrerá a obesidade. As 120 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física causas da obesidade são muitas. Pode ser devido a alterações que levam a um balanço positivo de energia, acumulada como triglicérides. As causas deste balanço energético são várias, como sedentarismo, alterações hormonais, aumento da ingestão calórica pelo puro prazer de se alimentar e associações genéticas. Independentemente da causa, a obesidade é tratada pelo mesmo conjunto de intervenções que podem ser as alterações comportamentais e de estilo de vida, atividade física, restrição alimentar e, menos frequentemente, drogas e cirurgia. 9.4.2 Avaliação Quando o profissional se depara com um paciente sobrepesado ou candidato à perda de peso, devem-se avaliar o índice de massa corporal (IMC), a circunferência da cintura e o risco geral do paciente. Deve-se considerar também a necessidade de dar ao paciente motivação para perder peso. IMC: este índice, também chamado de índice de Quetelet, descreve relação entre o peso e a altura e não a gordura corporal. Porém, é o índice que se correlaciona com a gordura total do paciente. Ele deve ser usado para monitorar as alterações de peso e o resultado da terapia. O IMC é rápido, prático e reprodutível. É calculado pela fórmula: IMC: peso (em kg) quadrado da altura (em m2) Em termos gerais, aceita-se que um adulto deveria ter IMC menor que 25 kg/m2 ou até 27, para aqueles acima de 60 anos. A classificação do peso, de acordo com o IMC, é mostrada na Tabela 9.1. Síndrome Metabólica e Obesidade 121 TABELA 9.1 Definição de síndrome metabólica segundo a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento. O diagnóstico ocorre quando três dos cinco fatores abaixo estão presentes no indivíduo COMPONENTES NÍVEIS Circunferência abdominal Homens >102cm Mulheres > 88cm Triglicerídeos Colesterol em HDL Homens <40mg/dL Mulheres < 50mg/dL Pressão arterial Glicemia de jejum Circunferência da cintura: a circunferência, ou perímetro, da cintura tem sido proposta como um bom indicador de risco, principalmente naqueles pacientes com peso normal ou sobrepesado. Um valor superior a 0,88 m para mulheres e 1,02 m para homens indica acúmulo de gordura visceral, que corresponde ao aumento do risco de doenças metabólicas, mesmo quando o peso está normal. A avaliação da relação cintura/quadril, mais utilizada anteriormente, não apresenta vantagens em relação à circunferência da cintura. Outras formas de avaliação também são bastante utilizadas, mas com menor correlação com a gordura corporal total ou difícil acesso à prática diária. Nestes métodos incluem-se: 1) pregas cutâneas: as medições de pregas cutâneas mais utilizadas são as da região triciptal, biciptal, suprailíaca e subescapular. A medida é feita para se estimar a gordura total do paciente. Porém, essa medida não considera a gordura visceral, que contribui com cerca de 50% da gordura total do organismo. A gordura visceral correlaciona-se fortemente com as morbidades da obesidade. Além disso, as pregas cutâneas não são reprodutíveis e pequenos erros na medição levam a grandes erros no cálculo total; 2) impedância bioelétrica tetrapolar (BIA): é a medição da impedância (resistência à passagem de corrente realizada 122 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física pela colocação de um par de eletrodos em uma das mãos e um dos pés do paciente. Transmite-se uma corrente elétrica alternada de 800 mA e de uma frequência de 50 MHz, e mede-se a queda de voltagem no eletrodo proximal. O corpo conduz a eletricidade através do tecido magro, pois a gordura não é condutora de eletricidade. Matematicamente, podem-se calcular a proporção e a quantidade de massa magra e gordurosa a partir do peso, da altura e da impedância corporal. Outras formas de medição (como a tomografia computadorizada, ultrassonografia, interactância infravermelha etc.) são usadas, principalmente no campo da pesquisa. 9.4.3 Classificação A obesidade pode ser classificada de várias formas. Pode ser genética ou comportamental, hiperplásica ou hipertrófica, de distribuição androide ou ginecoide. A classificação pela distribuição é muito citada, pois correlaciona-se com as morbidades da doença. O tipo androide, abdominal ou central é aquele tipo de distribuição comum em homens e mulheres pós-menopausa, nos quais o tecido adiposo predomina na metade superior do corpo, acima do umbigo e à frente e acima das vértebras L4-L5. Esta gordura pode predominar na região intra-abdominal, sendo pouco visível, ou no subcutâneo. Ambas as localizações estão implicadas com distúrbios metabólicos (diabetes mellitus, dislipidemias etc.). 9.4.4 Obesidade e risco de doenças O risco geral do paciente deve ser analisado. Alguns fatores de risco devem ser rápida e agressivamente combatidos pela possibilidade de morte, outros são menos letais e requerem também atenção, porém, menos imediata e agressiva (Figura 9.1). Síndrome Metabólica e Obesidade 123 FIGURA 9.1 Principais complicações da obesidade As doenças ou condições que denotam risco absoluto alto são doença coronariana estabelecida, apneia do sono e diabetes mellitus tipo 2. Osteoartrite, litíase biliar e anormalidades ginecológicas (amenorreia, menorragia) não ameaçam a vida. A presença de três ou mais dos fatores de risco listados abaixo conferem alto risco absoluto. São eles: 1) hipertensão arterial; 2) tabagismo; 3) colesterol em LDL alto; 124 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física 4) colesterol em HDL baixo; 5) tolerância à glicose diminuída; 6) história familiar de doença cardiovascular; 7) idade (homens acima de 45 e mulheres acima de 55 anos). 9.4.5 Tratamento A decisão de perder peso deve considerar se o paciente está pronto para as mudanças necessárias em sua vida. Nesta avaliação do paciente devem ser considerados os seguintes itens: as razões e as motivações para a perda de peso; tentativas prévias de perda de peso; suporte esperado da família e amigos; compreensão dos riscos e benefícios; atitudes em relação à atividade física; viabilidade de tempo; barreiras potenciais, incluindo as limitações financeiras para a adoção das mudanças necessárias. A terapia de perda de peso é recomendada para: 1) pacientes com IMC >30 e 2) pacientes com IMC entre 25 e 29,9 ou aumento da circunferência da cintura e dois ou mais fatores de risco. Indivíduos com menores riscos devem ser aconselhados a mudar seu estilo de vida e manter o peso mais baixo por maior tempo. O objetivo é perder 10% do peso corporal em 6 meses. A taxa de perda de peso deve ser de 0,5 a 1 kg por semana. Taxas maiores de perda de peso não resultarão em melhores resultados a longo prazo (mais de 1 ano) Terapia de prevenção de ganho de peso: em alguns pacientes que não conseguem reduzir o peso ou a gordura corporal, a prevenção de ganho de pesoestá indicada para não aumentar os riscos. A prevenção do ganho de peso também está recomendada naqueles sobrepesados (IMC entre 25 e 29,9) sem outros fatores de risco. O controle eficaz do peso envolve múltiplas técnicas e estratégias, incluindo a terapia dietética, a atividade física, a terapia comportamental e a cirurgia, assim como a combinação de muitas delas. Algumas estratégias, como a modificação da ingestão alimentar e a atividade física, podem também melhorar os fatores de risco e as comorbidades no obeso. Desde que a dieta recomendada seja uma dieta de baixa caloria, semelhante à dieta para dislipidemias, a ingestão Síndrome Metabólica e Obesidade 125 de colesterol e gordura saturada também será reduzida, melhorando os níveis de LDLc e HDLc no sangue. A atividade física é importante não só para a perda ou a manutenção do peso corporal como também para reduzir a hipertensão e aumentar HDLc. O manejamento da perda de peso necessita ser adaptado às características de cada paciente, respeitando-se seus hábitos, sua cultura e perspectivas. Os tratamentos apropriados para ser usado em diferentes níveis de IMC, levando em consideração as comorbidades e fatores de risco, são mostrados na Tabela 8.2. A) Tratamento dietético Na maioria dos obesos e sobrepesados, a dieta deverá ser ajustada para reduzir as calorias fornecidas. A terapia dietética inclui planos individualizados para criar um déficit de 500 a 1000 kcal/dia para atingir a meta de taxa de perda de peso de 0,5 a 1 kg por semana. A chave para manutenção de tais dietas é fazer uma redução moderada da ingestão calórica para obter uma lenta mas progressiva perda de peso. Idealmente, a ingestão calórica deve ser reduzida apenas até o nível que é requerido para a manutenção do peso desejado. Se esta ingestão calórica é alcançada, a perda de peso ocorrerá gradualmente até chegar ao peso desejado. Na prática, podem ocorrer déficits calóricos maiores durante o período de perda de peso ativa, mas dietas de muito baixa caloria (abaixo de 800 kcal/dia) devem ser proibidas ou restritas a uma minoria de pacientes. A composição da dieta deve seguir aquela preconizada para doença cardiovascular que também reduzirá outros fatores de risco, como hipertensão arterial e hipercolesterolemia (Tabela 9.2) 126 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física TABELA 9.2 Composição de dietas de baixa caloria para a redução de peso NUTRIENTE INGESTÃO RECOMENDADA Calorias 1 Gordura totais 2 <30% das kcal/dia Saturada 3 7 a 10% das kcal/dia Monoinsaturada 15% das kcal/dia Poli-insaturada 10% das kcal/dia Colesterol 3 <300 mg/dia Proteína 4 10-20% das kcal/dia Carboidratos 5 55% ou mais das kcal/dia Cloreto de sódio 6 g de NaCl/dia (ou 2,4 g de sódio) Cálcio 1000 a 1500 mg/dia Fibra 30-40 g/dia Como regra geral, dietas contendo 1000 a 1200 kcal/dia são indicadas para a maioria das mulheres e dietas de 1200 a 1600 kcal/dia indicadas para homens e mulheres com mais de 85 kg ou com grande atividade física. Se o paciente não se adapta a dietas de 1600 kcal, mas não perde peso, devem-se tentar 1200 kcal/dia. Se, ao contrário, ele tem fome, deve-se aumentar de 100 a 200 kcal/dia para minimizar a fome. 1Esta redução levará a uma perda de peso de cerca de 0,5 a 1 kg/semana. Álcool fornece calorias desnecessárias que poderiam ser dadas com outros nutrientes. Além disso, a ingestão de álcool, por si só, tem sido associada com obesidade em muitos estudos. 2Alimentos que utilizem substitutos de gordura são uma boa estratégia para reduzir a ingestão lipídica, desde que não haja compensação calórica pelo aumento da ingestão de outros alimentos. 3Se o paciente já apresenta alterações no colesterol sérico, dietas com maiores restrições de gordura saturada (7% das kcal/dia) e colesterol (<200 mg/dia) devem ser implantadas. 4A fonte proteica deve ser de origem vegetal ou carnes magras. 5Carboidratos complexos de diferentes vegetais, grãos e frutas são boas fontes de vitaminas, minerais e fibras. Uma dieta rica em fibras solúveis, incluindo farelo de aveia, legumes e frutas é eficaz em reduzir o colesterol sérico. Uma dieta rica em fibras solúveis e insolúveis também ajuda a reduzir o peso porque promove saciedade e tem densidade calórica menor. A recomendação para tais efeitos seria de 20 a 30 g/dia, com um máximo de 35 g/dia. 6Durante a perda de peso deve-se observar a ingestão adequada de minerais e vitaminas. A manutenção da recomendação de cálcio é de especial importância em mulheres que podem estar em risco de osteoporose. Síndrome Metabólica e Obesidade 127 A Organização Mundial de Saúde sugeriu as seguintes fórmulas para o gasto energético basal diário (em kcal): Mulheres: 18 a 30 anos = (0,0621 x peso atual + 2,0357) x 4,18 31 a 60 anos = (0,0342 x peso atual + 3,5377) x 4,18 >60 anos = (0,0377 x peso atual + 2,7545) x 4,18 Homens: 18 a 30 anos = (0,063 x peso atual + 2,8957) x 4,18 31 a 60 anos = (0,0484 x peso atual + 3,6534) x 4,18 >60 anos = (0,0491 x peso atual + 2,4587) x 4,18 Dietas de muito baixas calorias não devem ser usadas rotineiramente porque requerem monitorização médica e suplementações. Embora possa fornecer uma rápida perda de peso inicial, inúmeros estudos não mostraram sua vantagem em relação às dietas de baixa caloria em produzir perda de peso após 1 ano. O sucesso das dietas de baixa caloria é bem maior quando se consideram as preferências alimentares do paciente. Especial atenção deve ser dada para oferecer todos os nutrientes necessários dentro das recomendações diárias. Algumas vezes, o uso de suplementos pode ser necessário. A reeducação nutricional não deve ser esquecida, com especial atenção aos seguintes tópicos: valor energético de diferentes alimentos; composição dos alimentos (gordura, proteínas e carboidratos, incluindo fibras); esclarecimento sobre os rótulos de alimentos para que se entenda o valor calórico por porção ou por 100g; lista de compra de alimentos, dando preferência àqueles menos calóricos; preparo dos alimentos, proibindo ingredientes muito calóricos; proibir o consumo frequente de alimentos ricos em calorias; ingestão adequada de água; limitar as porções das refeições; limitar o uso de álcool. Existem vários tipos de dieta, mas, grosso modo, podemos classificá-las em dietas hipocalóricas equilibradas, dietas hipolipídicas, dietas hipoglicídicas e dietas de moda. 128 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física As dietas hipocalóricas equilibradas são aquelas em que a proporção dos macronutrientes é mantida, mas a ingestão deles está diminuída. Isto quer dizer que o paciente se alimenta de acordo com a pirâmide alimentar, mas em quantidades bem menores (por exemplo, metade da porção de cada item). Estas dietas têm a vantagem de não induzir a alterações de nutrientes e serem facilmente executadas para pacientes com diferentes rotinas alimentares (isto é, que comem em casa, em self-services, viajam muito etc.). A grande desvantagem é o menor volume alimentar do indivíduo. As dietas hipolipídicas são aquelas que restringem a ingestão de calorias às custas da menor ingestão de gorduras, privilegiando os carboidratos complexos. Estas são as dietas mais bem difundidas, uma vez que as gorduras fornecem mais que o dobro das calorias deproteínas e carboidratos. Deve-se garantir a ingestão de, pelo menos, 3% de lípides em forma de óleos vegetais para assegurar o aporte de ácidos graxos essenciais. As dietas hipoglicídicas também conhecidas como "low carb" (cetogênicas ou hiperproteicas). A dieta original e mais radical é a do Dr. Atkins, em que a ingestão de carboidratos não deve ultrapassar 30g por dia (geralmente, isso é menos de 10% da ingestão preconizada). Outros tipos de dietas com as características de "low carb" são: aquelas que contêm entre 20% a 30% das kcal como proteínas e 30% a 40% como lipideos (a maioria sendo o aumento específico de monoinsaturados). Estas dietas levam a um metabolismo diminuído das vias relacionadas com o anabolismo. Assim, ocorrerá lipólise para formação de ácidos graxos livres e corpos cetônicos que seriam os combustíveis disponíveis ao organismo. A neoglicogênese também ocorrerá na primeira semana, o que é responsável pela rápida perda de peso. A perda de peso ocorre também porque o aumento dos corpos cetônicos leva à sua maior excreção renal e com ela maior perda urinária de água. Outras causas da perda de peso com tais dietas são mostradas na Tabela 9.3. Síndrome Metabólica e Obesidade 129 TABELA 9.3 Efeitos de dietas ricas em proteínas/lipideos e pobre em carboidratos comparadas com de dietas restritas em lipídieos e calorias Efeitos do aumento da proteína/redução carboidratos Sacietogênica (reduz o apetite e induz maiores intervalos entre as refeições Efeito devido à perda de peso (independente da dieta) Resistência à insulina Embora as dietas hipocalóricas e hipolipídicas são as adotadas, aprovadas e recomendadas pela maioria das sociedades cientificas que trabalham com a obesidade, hoje existe uma grande discussão sobre as vantagens e as desvantagens das dietas "low carb" (LC). Evidências obtidas por meio de meta-análises das publicações comparando dietas hipolipídicas restritas em calorias com as dietas pobres em carboidratos (LC), mostram que dietas LC (também hiperproteicas e/ ou hiperlipidicas) seriam mais eficazes na indução de perda de peso em 6 meses e tão eficaz quanto as restritas em lipideos em 1 ano. Outros trabalhos, porém, mostram que a adesão à dieta é mais importante do que o tipo de dietas. Aqueles pacientes que conseguem manter a dieta por mais tempo são os que emagrecem mais, independentemente de sua composição. Assim, embora a maioria das análises mostre que as dietas LC a curto prazo são mais eficazes em induzir perda de peso, essa vantagem é perdida ao longo do tempo, pela maior taxa de desistência ao fazê-las. Nestas revisões, a importância de outras mudanças no estilo de vida, como aumento da atividade física programada e rotineira, não foram analisadas. B) Atividade física A atividade física deve ser parte integral da terapia de perda de peso e sua manutenção. Inicialmente, níveis moderados de atividade por 30 a 45 minutos, 3 a 5 dias por semana, devem ser encorajados. Um aumento na atividade é um importante componente na terapia, embora não leve a uma perda de peso maior que a terapia dietética sozinha. Porém, a atividade física é a melhor terapia para prevenir 130 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física reganho de peso. Além disso, a atividade física é benéfica em reduzir risco para doença cardiovascular e diabetes tipo 2, além do produzido pela perda de peso em si. Muitos têm vida sedentária com pouca habilidade ou interesse por se exercitar, o que torna difícil motivá-los a aumentar a atividade diária. Por estas razões, o regime de atividade física pode requerer supervisão por algum profissional treinado. Além disso, deve-se prevenir injúrias musculares, articulares ou outras. Pessoas extremamente obesas devem iniciar com atividades simples e ir aumentando a atividade gradativamente, conforme a capacidade cardiopulmonar do paciente. Um regime de caminhadas diárias parece ser uma atividade atrativa para muitos obesos, particularmente aqueles que não praticam esporte. O paciente pode iniciar com 10 minutos de caminhada, 3 dias por semana e progredir para caminhadas de 30 a 45 minutos, ao menos 3 dias semanais e depois aumentar para caminhadas diárias. Com esse regime, um gasto adicional de 100 a 200 kcal/dia pode ser esperado. Outra forma de aumentar a atividade é reduzir o tempo sedentário, isto é, assistir TV ou jogar vídeogames. As atividades rotineiras também aumentam a atividade física, como descer do transporte público uma parada antes de seu ponto; subir e descer escadas e não utilizar ou utilizar menos o elevador, fazer jardinagem, dançar e fazer atividades domésticas são outras formas de aumentar a atividade. Como o gasto energético é função da duração, da intensidade e da frequência do exercício, um mesmo dispêndio energético pode ser obtido fazendo-se longas sessões de atividades mais leves ou sessões mais curtas de atividades estressantes. C) Terapia comportamental A inclusão da terapia comportamental ajuda na aderência do paciente ao tratamento geral. Ela é útil como adjunto no planejamento alimentar e estímulo à atividade física. Estratégias específicas incluem o automonitoramento, o manejamento do estresse, o estímulo ao autocontrole, a resolução de problemas, a reestruturação cognitiva e o suporte social. Muitos obesos evitam comparecer a eventos sociais ou iniciar conversas com desconhecidos, por medo de serem rejeitados. Outros podem evitar exercitar-se ou comprar roupas novas por temerem ser ridicularizados ou criticados. Assim, podem apresentar altos níveis de ansiedade e depressão, que devem também ser abordados no tratamento. É importante fazê-los perceberem a si mesmos mais Síndrome Metabólica e Obesidade 131 positivamente, valorizando outras características pessoais além da aparência física. D) Farmacoterapia Os fármacos aprovados pelo órgão norte americano FDA, para o tratamento a longo prazo de obesidade, podem ser úteis para grupos específicos de obesos. Estas drogas devem ser usadas apenas no contexto de um programa que inclui dieta, atividade física e terapia comportamental. A decisão de introduzir drogas no tratamento de obesidade deve levar em consideração todos os riscos potenciais e benefícios e apenas ser iniciado após as opções anteriores terem sido insatisfatórias. Se as alterações no estilo de vida não promovem perda de peso após 6 meses de tratamento, drogas devem ser consideradas. As drogas estão limitadas para aqueles pacientes com IMC >30 ou naqueles com IMC >27 com risco ou presença de comorbidades. Entretanto, nem todos respondem igualmente à mesma droga. Se o paciente não perdeu 2 kg em 4 semanas, pouco provavelmente ele se beneficiará com o uso dessa mesma droga por mais tempo. E) Cirurgia Esta é uma opção apenas para obesos com persistência por vários anos de excesso de peso. Devido aos distúrbios nutricionais que este tratamento imprime, as características da cirurgia bariátrica serão mostradas com maior detalhe no próximo item. 9.5 CIRURGIA BARIÁTRICA A cirurgia para o tratamento da obesidade está indicada naqueles pacientes com obesidade grau III (IMC>40) ou IMC>35 e sérias comorbidades. Outras indicações cirúrgicas são: presença de morbidade que resulta ou é agravada pela obesidade, como apneia do sono, dificuldade de locomoção, diabetes, hipertensão arterial e dislipidemia; 132 EDITORA UFLA/FAEPE -Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física fracasso nos métodos conservadores de emagrecimento bem conduzidos; ausência de causas endócrinas de obesidade; avaliação favorável das condições psiquiátricas de suportar as transformações radicais de comportamento impostas pela operação. A cirurgia é desaconselhada em condições como: pneumopatias graves, como enfizema avançado ou embolias pulmonares repetidas; insuficiência renal; lesão acentuada do miocárdio; cirrose hepática; distúrbios psiquiátricos ou dependência de drogas, incluindo álcool. Quando bem indicada, a cirurgia ainda carrega consigo riscos que, muitas vezes, podem levar à morte no pós-cirúrgico, como tromboembolismo, pneumonias e outros distúrbios pulmonares e cardiovasculares. Os procedimentos cirúrgicos são divididos em três grupos: técnicas restritivas, mistas (restritivas e disabsortivas) e puramente disabsortivas (Tabela 9.4). Síndrome Metabólica e Obesidade 133 TABELA 9.4 Tipos de cirurgia bariátrica Os procedimentos puramente restritivos, como gastroplastia e bandagem gástrica, têm como objetivo apenas a redução da ingestão alimentar pela restrição do volume gástrico; este passa de 700 mL, em um indivíduo normal, para 50 mL, no submetido ao procedimento. Embora a perda de peso seja modesta (20%-40% do excesso de peso), as alterações nutricionais no pós-operatório são infrequentes e de pouca gravidade. O procedimento misto é representado pelo bypass gástrico em Y de Roux (RYGB), em que o jejuno distal é seccionado, sendo sua extremidade distal anastomosada à bolsa gástrica (ramo de Roux ou alimentar); o lado proximal da secção, chamado ramo biliopancreático, é formado pelo duodeno e jejuno proximal. Com isso, os alimentos ingeridos passam pelo ramo alimentar, mas sem ter contato com as enzimas para sua digestão. Por outro lado, o ramo biliopancreático 134 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física recebe as secreções necessárias para a digestão e contém grande parte da superfície absortiva. O ramo biliopancreático, que possui grande área absortiva e recebe as secreções digestivas, é anastomosado 50-100 cm acima da válvula íleo-cecal, criando o ramo comum onde, finalmente, os alimentos e as enzimas digestivas entram em contato. Com esse procedimento, a capacidade gástrica fica reduzida como na gastroplastia; além disso, ele permite menor digestão e absorção dos alimentos, causando perda satisfatória do excesso de peso (60-75%). Os procedimentos disabsortivos usam técnicas semelhantes às utilizadas no procedimento misto, mas o ramo comum é bem menor. Um exemplo é o bypass biliopancreático, que consiste de uma pequena restrição gástrica associada a um longo ramo biliopancreático, deixando o ramo comum com apenas 50-75 cm. Como consequência, a digestão e a absorção dos alimentos são bastante reduzidas, podendo haver perda do excesso de peso de até 75%-80%. Um procedimento de tal magnitude acarreta grandes mudanças na digestão e na absorção dos alimentos, sendo esperadas inúmeras alterações nutricionais. A magnitude da perda de peso depende do procedimento realizado. O sucesso do tratamento é definido como a perda de, no mínimo, 50% do excesso de peso ou excesso de IMC sustentado por, pelo menos, cinco anos. Assim, em um indivíduo com IMC pré-cirúrgico de 40 kg/m2 (ou seja, com excesso de 15 kg/m2, considerando o ideal de 25 kg/m2), o sucesso ocorre quando seu IMC chega a 32,5 kg/m2. As vantagens da cirurgia em relação à melhora morbimortalidade supera, na maioria dos casos, os riscos operatórios e faz com que esta seja uma opção terapêutica para o grupo específico de obesos extremos. Dentre estas melhoras, estão principalmente a reversão do diabetes tipo 2, hipertensão arterial que ocorre mesmo antes da perda de peso tida como satisfatória (Figura 9.2). Síndrome Metabólica e Obesidade 135 FIGURA 9.2 Efeitos da cirurgia bariátrica nas complicações da obesidade - Hipertensão: curada em 87,2% dos -Apnéia do sono curada em - Diabetes Mielitus Ɵpo II: curada em 83,7% os - Dislipidemia (�« CT, LDL-C e TG): Síndrome Gota curada em 72%. -Estase venosa curada em 95%. -Artrose e doenças da articulação -Incontinência Urinária curada em 44%. -Refluxo Gastroesofágico curada em 72%. -Esteatohepatite não alccólica -Asma curada em 69%. -Depressão reduzida em -Enxaqueca reduzida em QQUUAALLIIDDAADDEE DDEE VVIIDDAA MELHORAEM 95% DOS PACIENTES 136 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física 9.5.1 Deficiências nutricionais Devido às características dessas cirurgias, deficiências de proteínas, minerais e vitaminas são comuns no período pós-operatório. As deficiências mais comuns são a de ferro, folato, vitamina B12, cálcio e proteínas. Por serem mais prevalentes, essas devem ser especialmente pesquisadas nas avaliações periódicas. As principais abordagens estão descritas adiante. Nos primeiros meses após a cirurgia, o consumo calórico é baixo, sendo cerca de 300 a 1000 kcal/dia. Assim, as necessidades proteicas (0,8 g/kg de peso corporal ou 15% das kcal ingeridas) nem sempre são alcançadas. Um mínimo de 60 g de proteínas/dia (cerca de 240 kcal) deve ser garantido aos pacientes. Naqueles com intolerância às carnes vermelhas ou à lactose, a deficiência proteica é mais frequente. As principais causas de perda de massa magra no pós-operatório são baixa ingestão alimentar, balanço nitrogenado negativo (característico após um procedimento cirúrgico), volume gástrico reduzido, capacidade individual de adaptação à absorção intestinal e hábitos alimentares errôneos ou orientações nutricionais equivocadas. Ferro: a deficiência de ferro após a cirurgia, muito frequente, sobretudo nos pacientes que ingerem carnes vermelhas apenas esporadicamente. A redução na acidez gástrica (esta necessária para reduzir o Fe+3 em Fe+2) diminui a absorção do ferro não-heme. A menor superfície absortiva do duodeno e jejuno proximal, áreas preferenciais da absorção do ferro não-heme, também contribui para a deficiência. Ingestão de ferro concomitantemente com vitamina C torna a absorção dele mais eficiente quando comparada à ingestão de ferro sozinho. Cálcio: reabsorção óssea e osteoporose podem ocorrer em qualquer situação que leve à má-absorção intestinal, incluindo RYGB ou bypass biliopancreático. A prevalência da deficiência de cálcio pode ser subestimada, já que sua concentração sérica não é um bom índice do estado orgânico desse mineral. Por essa razão, a suplementação de cálcio deve ser profilática para evitar o desenvolvimento de alterações ósseas. Após essas cirurgias, deficiência de cálcio se deve à menor absorção da vitamina D e menor ingestão e absorção do cálcio pela exclusão do duodeno. Deficiência de cálcio estimula a liberação do PTH que, por sua vez, aumenta a liberação de 1,25-(OH)2D, aumentando a reabsorção de cálcio dos ossos, processo esse que culmina em osteoporose. Síndrome Metabólica e Obesidade137 Zinco: o intestino delgado é importante no metabolismo e homeostase do zinco, que é absorvido no duodeno. Situações que transcorrem com diarreia e má-absorção (como nos procedimentos disabsortivos) aumentam o risco de deficiência de zinco. Magnésio: embora o magnésio seja absorvido ao longo de todo o tubo digestivo, a maior parte é absorvida no jejuno. Pacientes com deficiência marginal previamente à cirurgia podem manifestar a deficiência quando se instalam situações adversas. Em pacientes operados, a deficiência ocorre principalmente pela baixa ingestão alimentar. O quadro típico é de tremor, espasmos musculares, anorexia, vômitos e mudanças no comportamento e na personalidade. Tiamina: a deficiência da vitamina ocorre pela baixa ingestão e é agravada por vômitos. A deficiência apresenta-se sob a forma de manifestações neurológicas, como neuropatia periférica e encefalopatia de Wernicke. Vitamina B12 e ácido fólico: a deficiência de cobalamina é descrita em cerca de 50% dos pacientes após o primeiro ano de bypass gástrico. A razão disso é que a cirurgia reduz a acidez e a pepsina gástricas (importantes na quebra da ligação da cobalamina com as proteínas alimentares), impede a liberação completa da vitamina de seus ligantes e diminui a produção do fator intrínseco. O folato é absorvido preferencialmente no terço inicial do intestino delgado. Deficiência de folato é menos prevalente do que a da vitamina B12 e resulta da redução na ingestão alimentar. A disponibilidade de folato está relacionada não só à sua própria disponibilidade, como também à da vitamina B12 e piridoxina, que influenciam seu metabolismo. Assim, o equilíbrio na ingestão dessas três vitaminas é importante para evitar a deficiência e a anemia associada. Vitaminas lipossolúveis antioxidantes: devido à baixa ingestão de gorduras imposta pela cirurgia e/ou má-absorção, a deficiência dessas vitaminas é mais frequente no bypass biliopancreático. 9.6 PASSOS PARA O TRATAMENTO PRIMÁRIO DA OBESIDADE 1) Medir peso e altura para a obtenção do IMC e correlacioná-los com os graus de obesidade. 138 EDITORA UFLA/FAEPE - Dietoterapia e Nutrição na Atividade Física 2) Medir circunferência da cintura e correlacioná-la com o risco de doença sistêmica. 3) Avaliar comorbidades para medir a gravidade da doença. 4) Observar se o paciente merece tratamento. 5) No caso de tratamento, se o paciente está pronto e motivado para perder peso. O esclarecimento deve incluir os seguintes itens: 1) razões e motivações para a perda de peso, 2) tentativas anteriores de perder peso, 3) suporte esperado da família e amigos, 4) entendimento dos riscos e benefícios, 5) estímulo à atividade física, 6) viabilidade de tempo e 7) barreiras potenciais para a adoção de mudanças pelo paciente. 6) Escolher a dieta a ser adotada segundo as preferências alimentares com déficit de cerca de 500 a 100 kcal/dia. 7) Discutir um programa de atividade física com o paciente, enfatizando a importância desta para a manutenção da perda de peso e redução dos riscos. 8) Rever os alimentos semanais e a atividade física diária, utilizando registros. Esta técnica é parte integrante da terapia comportamental e ajuda o paciente a conhecer e a compreender sua rotina alimentar e de atividade. 9) Dar ao paciente cópias dos guias de atividade física, alimentar e comportamental. 10) Registrar todas as informações do paciente para que possa checar sua evolução na próxima visita. Os retornos do paciente com a equipe devem ocorrer a cada 2 ou 4 semanas.
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