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verde patológico a vegetação nos diversos processos de degradação da cidade ensaio teórico/fau-unb - 1/2014 matheus maramaldo andrade silva orientadora: flaviana lira barreto “As florestas, os caniçais, os juncais densos e as ervas altas podem esconder o inimigo.” Sun Tzu Ninguém gosta de ervas daninhas. Elas são invasoras indomáveis que destroem com perfeição todo um trabalho refinado de topiaria. Que dirá de tua esquina, rua, casa... de tua rotina. Um jardineiro ou doce senhora falaria que, mesmo assim, melhor seria se todos os dentes de leão da terra germinassem nas pradarias das mansões e dos terrenos baldios, e com um sopro de vento espalhassem vida e plumagem pelo cotidiano. Bem sei como queria isto... mas somente as novas heras e formigas poderão responder... a vegetação nos diversos processos de degradação da cidade ensaio teórico/fau-unb, 1º/2014 matheus maramaldo andrade silva orientadora: flaviana barreto lira verde Maramaldo Andrade Silva, Matheus, 1991 Verde Patológico: A vegetação nos diversos processo de degradação da cidade/ Matheus Maramaldo Andrade Silva – 10/0017916/ Ensaio Teórico/FAU - UnB – Brasília, 1º semestre de 2014. 1. Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo Diagramação: Matheus Maramaldo Andrade Silva Arte da capa: Matheus Maramaldo Andrade Silva Ilustrações: Matheus Maramaldo Andrade Silva Revisão: Profa. Flaviana Barreto Lira (FAU-UnB) Orientação: Profa. Flaviana B. Lira (FAU-UnB) Coorientação e/ou Banca Examinadora: Profa. Giuliana de Brito Sousa (FAU-UnB) Profa. Juliana Saiter Garrocho (FAU-UnB) Impressão: Copiadora Planalto (CLN 407 BL B - loja 37, Brasília, DF, CEP: 70855-520) “As moitas e capões de mato onde viviam seres misteriosos tinham sido violados. ” Graciliano Ramos Agradecimentos A Deus por ter concedido saúde e espírito para encarar toda esta, e tantas outras, empreitadas. Aos meus pais, Maria Arlete e Eurisvaldo, por todo o carinho e apoio, durante os dias de trabalho e durante toda a jornada da vida. A Jéssica e sua família, pelo carinho e apoio incondicional nestes últimos anos. A minha orientadora, Dra. Flaviana Barreto Lira, pessoa exemplar que, mesmo não sendo da área de Paisagismo, nunca desperseverou, e sempre me ajudou com a metodologia, revisão e apoio. As minhas professoras de Paisagismo, as quais fui monitor e que compõem a banca avaliadora, Juliana Saiter e Giuliana de Brito Sousa, pelos textos, monitoria, suporte técnico e amizade. A todos que contribuíram, de forma direta ou não, com este trabalho, com apoio, amizade e crítica. sumário 1. apresentação pág. 11 2. introdução: quando as heras abrem o concreto pág. 15 3. a vegetação: xilema, floema... e raiz pág. 33 4. verde urbano: urbe gramada pág. 49 5. metodologia de análise: conversando com as mangueiras pág. 81 6. as diversas fitopatologias na cidade: oleandros, gameleiras e desgaste pág. 113 7. diagnóstico: sementes iguais, árvores diferentes pág. 239 9. considerações finais pág. 287 10. índice de imagens pág. 297 11. índice de mapas pág. 309 12. índice de tabelas pág. 313 13. bibliografia pág. 317 14. anexos pág. 337 15. glossário pág. 381 apresentação verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 13 Olá, Leitor, O que está prestes a ler aqui certamente não são minhas memórias ou algum ensaio balizado em fontes inesgotáveis, mas um enredo pouco jocoso de minha paixão travado por pesquisas árduas. Não que eu seja algum Dom Quixote, que enxerga mal os moinhos da vida, - suponho que tenha sido sua primeira impressão ao ler o título do texto – estou são, o bastante como poderão ver a seguir. Peço que também não me olhem achando que sou algum cidadão que odeia a flora, estou muito longe disto, senhores, e os colaboradores desta minha empreitada e minha orientadora poderão confirmar isso. As plantas são mais que uma obsessão machadiana para mim, são um motivo de investigação constante e prazeroso deleite. Mesmo parecendo torpe a denominação deste texto, verás que tenho certa razão. A cada capítulo e linha, verás o que as vinhas da ira podem fazer desde pequenas, mesmo se mostrando macias no primeiro contato. Este ensaio, desenvolvido no âmbito da disciplina obrigatória de Ensaio Teórico em Arquitetura e Urbanismo, 14 Matheus Maramaldo Andrade Silva nada nada mais é do que um manifesto ao bom senso da produção urbana, um pedido chato, mas necessário para o fomento da vegetação nas cidades, a vegetação que tanto amo. Plantar algo fora de casa é algo muito sério e que incorre a erros faraônicos, por vezes pela nossa própria inexperiência ou mediocridade. Quem nunca se orgulhou de plantar uma árvore? Eu mesmo já fiquei todo bobo ao plantar um pé de feijão, quem dirá uma frondosa espécie arbórea. Mas um dia o abacate que sairia daquele abacateiro não poderia machucar alguém ao cair? A vegetação pode ser uma caixinha de surpresas – inclusive uma caixinha de Pandora, não se esqueça disto. Faço aqui valer então minhas palavras, mesmo que em terceira pessoa, ócios do ofício, sabendo que esta é demasiada científica para se tratar de algo tão belo. Mas espero que a linguagem pouco vulgar do meio acadêmico não esconda a principal mensagem do texto: não plante nada somente pelo código de barras; confira as informações nutricionais, a credibilidade da marca, o fornecedor e vá até a validade. Matheus Maramaldo, 2014 introdução quando as heras abrem o concreto introdução 17 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade “... e emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada...” Lúcio Costa 18 Matheus Maramaldo Andrade Silva O verde1... como aferir e classificar isso? Seriam as árvores sombreando as áreas antes ensolaradas, os jardins enfeitados e bucólicos que estão em nossas casas ou o tilintar majestoso dos pássaros sobre as galhadas que é o verde? Quando se trata de vegetação logo associamos nossa visão à natureza e a um bucolismo sereno que muito se assemelha às falas do iluminismo francês. Fulgeri (2003) resume este pensamento nesta interpretação de Rousseau: [...] a civilização e a sociedade corrompem o homem, é necessário recorrer ao sentimento, voltar à natureza que é boa. Rousseau entende a natureza como sendo o estado primitivo, originário da humanidade, isto é, entende-a no sentido espiritual, como espontaneidade, liberdade contra todo vínculo antinatural e toda escravidão artificial. Segundo ele a sociedade impõe ao homem uma forma artificial de comportamento que o leva a ignorar as necessidades naturais e os deveres humanos, tornando-o vaidosoe orgulhoso. O homem primitivo entretanto, por viver de acordo com suas necessidades mais legítimas é mais feliz. Ele é auto suficiente e satisfaz suas necessidades sem grandes sacrifícios daí não sente grandes angústias, através do sentimento inato da piedade ele evita fazer o mal desnecessariamente aos demais. (FULGERI, 2003, p.6). 1 Os leitores vão ler bastante esta palavra. O verde será sinônimo aqui de vegetação, a menos que acompanhado de outros adjetivos que mudem completamente este sentido. 19 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Mesmo sendo um pensamento arcaico, que reluz mais ao que é próprio da alma humana que à vegetação em si, não se pode discordar de sua persistência conosco. A natureza, o natural e o verde são coisas que qualificamos como boas; a vida no campo é a tradução da paz, da serenidade e liberdade; pensa-se que podemos melhorar a qualidade de vida das pessoas, principalmente nas cidades, ao colocar em prática medidas que nos aproximam dessa natureza. Isto fica ainda mais claro quando saímos da filosofia e do senso comum e ouvimos especialistas que investigam a cidade, seja para propor modelos ou para mostrar valores do emprego da vegetação nas urbes. Todos os capítulos têm algum jardim, algum parque ou alguma árvore que possa agregar bons valores ao discurso. Veja esta entrevista do renomado paisagista Benedito Abbud quanto do lançamento de um dos seus livros: O verde é fundamental em todas as escalas: dentro de casa, numa varanda, em um parque, em pequenas ou grandes avenidas. O verde melhora a qualidade ambiental, a umidade relativa do ar, ameniza a poluição e as ilhas de calor, já que as plantas o absorvem. Além disso, há um efeito psicológico: a 20 Matheus Maramaldo Andrade Silva natureza é mais agradável de olhar do que o concreto. O verde estimula nossos sentidos com cores, flores, aromas, formas, sombras, texturas e gostos ... É sabido que uma bela vista sempre foi associada à qualidade de vida, sempre foi chique. Uma avenida de ipês amarelos dá outra impressão da cidade. (GEROLLA, 2006). A vegetação é tratada por ele como algo extremamente importante e infalível. No início da reportagem, o entrevistador ainda é mais enfático: Em tempos de insegurança social, o paisagista [...] diz ter a receita para combater a violência e incentivar o convívio pacífico entre as pessoas: usar mais o verde nos espaços públicos. (Id., ibid.). Mas o leitor pode estar se perguntando: “Mas esta entrevista pode ser sensacionalista, o entrevistador já começa dizendo que tal coisa é a solução, é uma conversa casual, etc.”; e pode ter realmente razão, por mais crédito que se dê ao arquiteto. Balizando na literatura científica (de paisagismo ou ecologia), vejamos se nos manuais essa fala se confirma. Waterman (2009) assim emprega o valor das plantas: As plantas nos dão conforto nas mais diversas formas, além de suas qualidades essenciais. As árvores nos proporcionam 21 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade sombra, barram os ventos fortes, limpam o ar poluído, amenizam as temperaturas e enquadram vistas. As plantas também podem ser usadas para proteger o solo da erosão, absorver o excesso de água que escoa durante as tempestades ou retirar contaminantes do solo poluído, entre tantos outros atributos positivos. (WATERMAN, 2009, p.75). Esse outro grupo de pesquisadores europeus já descreve assim os valores do verde: As árvores e as florestas são, por causa de mudanças sazonais e seu tamanho, forma e cor, os elementos mais importantes da natureza urbana. As suas vantagens e utilizações variam desde benefícios psicológicos e estéticos intangíveis à melhoria do clima urbano e mitigação da poluição do ar. Historicamente, os principais benefícios das árvores urbanas e florestas se relacionam com a saúde, estética e lazer - benefícios em cidades industrializadas. Além disso, áreas verdes têm fornecido as pessoas subsistência, fornecendo alimentos, forragem, combustível e madeira para construção. (KONIJNENDIJK et al, 2005, p. 81, tradução nossa). Percebe-se que não se mudou o discurso. Esta concepção de vegetação não é só compartilhada pelos paisagistas acima e pelos ecologistas, ela é fortemente vinculada ao planejamento urbano, 22 Matheus Maramaldo Andrade Silva extrapolando o conceito individual, de integrante de espaços, e conformando-se como o próprio espaço. Isto data já de muito tempo (pode-se considerar o período que se inicia o sedentarismo da humanidade, criando as primeiras polis), mas, como discurso, é mais efusiva a partir do pré-urbanismo (séculos XVIII e XIX), em que os modelos já procuravam o verde como agregadores de valor e de bem estar às ditas utopias: em New Harmony, por exemplo, de Robert Owen, os espaços verdes tinham o papel de inibir a visão e o cheiro das indústrias mecânicas e matadouros; nas propostas de falanstérios de Victor Considérant (discípulo de Charles Fourrier), mais do que barreiras, a vegetação já se mostrava como área verde necessária para o descanso e contemplação em meio à rotina; John Ruskin é direto, descrevendo que as casas-tipo da sua proposta deveriam ter árvores, grama e flores - em todas as casas do modelo (CHOAY, 1965). Essa evolução do papel da vegetação no desenho urbano viria a se confirmar ainda mais com o século XX: os tratados e as experiências se tornavam mais facilmente concretos e as vilas, cidades e metrópoles estavam mudando mais rapidamente, usando muitas vezes de intenções e 23 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade normas descritas nesses manuais em um processo quase que global. Le Corbusier, arquiteto urbanista, foi o maior expoente dessa nova ordem (Figura 01), que muito persiste até hoje em nosso desenvolvimento urbano. Nas novas vertentes e propostas, o solo pertencia ao movimento e ao verde, e não mais às casas e aos carros, como descreveria: O solo não é mais tocado em seu conjunto. O primeiro piso fica 3 metros acima do solo, deixando livre o espaço, sob a casa, entre pilotis. [...] Desta forma, as coisas estarão novamente na escala humana. A natureza foi novamente tomada em consideração. A cidade, em lugar de se tornar uma pedreira impiedosa, é um grande parque, onde o urbanista distribuirá as unidades de habitação de tamanho ideal, verdadeiras comunidades verticais. [...] Sol. Espaço. Vegetação. Os imóveis são colocados na cidade atrás do rendilhado de árvores. A natureza está inscrita no arrendamento. O pacto foi assinado com a natureza. (Id., 1976, p. 30 e 50). Seja conforme o pensamento rousseauniano e popular, do início do texto, ou advindo de pesquisas, teorias e vanguardas, essa é a conjuntura da vegetação aplicada ao projeto urbano que temos. Quase sempre se faz uma descrição amplamente positiva desta: plantar mudas e 24 Matheus Maramaldo Andrade Silva Figura 01 - Novo modelo de cidade, Le Corbusier (CORBUSIER, Le. 1976, p. 40 e 41) 25 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade elementos mais frondosos faz parte de toda a política de embelezamento e bem estar das casas e cidades. Os manuais nos ensinam o que se deve fazer para aproveitar ao máximo as qualidadesdas plantas nos nossos canteiros. Mas será mesmo que a vegetação é uma fonte inesgotável de prazer e lazer, que traz somente benefícios ao homem, como descrevem os ecologistas e tratados das mais variadas ordens? É delicado falar que as plantas podem ser inimigas das populações e das cidades, mas a realidade não é totalmente aprazível. Já parou para pensar que ao andar pela rua nem sempre a calçada é regular ou ao estar dirigindo quase não se percebe uma ou outra placa por estar encoberta por vegetação? Eis ai alguns dos percalços que não são cogitados pela literatura e pela população até esbarrar diretamente neles. Caso o texto ainda não esteja sendo claro, façamos algumas analogias. Há algumas centenas de anos, antes mesmo do nascimento de Jesus, um guerreiro chinês, que muito escrevia, redigiu mais um adentro ao seu livro de estratégias: 26 Matheus Maramaldo Andrade Silva “As florestas, os caniçais, os juncais densos e as ervas altas podem esconder o inimigo.” (TZU, 2008, p.77). Quando se para pra pensar nesta frase, é difícil imaginar o que ela tem a ver com nossos dias de hoje, mais, o que ela pode ter a ver com a cidade e o cotidiano urbano de agora. Não há florestas, os bambuzais estão restritos às poucas fazendas que querem se proteger do vento e as prefeituras tentam aparar ao máximo a grama próxima as pistas. Contudo, ao ter um olhar mais minucioso sob os percursos que diariamente são percorridos por todos nós, sejam calçadas, avenidas ou outros caminhos, nota-se que nem sempre o translado vegetado é agradável como se imagina, chegando por vezes a gerar a percepção de perigo. Atendo-se a esta explicação, leia novamente a frase de Tzu (2008): “As florestas, os caniçais, os juncais densos e as ervas altas podem esconder o inimigo.” (Id., 2008, p.77). A possibilidade de se transpor para os dias atuais essa afirmação, rebatendo-a para os espaços livres públicos das nossas cidades, é inquestionável. Um terreno baldio podia muito bem representar qualquer um destes habitats e, tendo 27 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade isto em mente, perceber-se-ia o risco que um mato alto pode trazer, escondendo desde escorpiões a punguistas. Jane Jacobs, dura crítica do Urbanismo Moderno, dá ainda outro exemplo de como o planejamento ruim do verde pode trazer malefícios a sociedade: No East Harlem de Nova York há um conjunto habitacional com um gramado retangular bem destacado que se tornou alvo da ira dos moradores. Um assistente social que está sempre no conjunto ficou abismada com o número de vezes que o gramado veio à baila, em geral gratuitamente, pelo que ela podia perceber, e com a intensidade com que os moradores o detestavam e exigiam que fosse retirado. Quando ela perguntava qual a causa disso, a resposta comum era: “Para que serve?”, ou “Quem foi que pediu o gramado?” Por fim, certo dia uma moradora mais bem articulada que os outros disse o seguinte: “Ninguém se interessou em saber o que queríamos quando construíram este lugar. Eles demoliram nossas casas e puseram nossos amigos em outro lugar. Perto daqui não há um único lugar para tomar café, ou comprar um jornal, ou pedir emprestado alguns trocados. Ninguém se importou com o que precisávamos. Mas os poderosos vem aqui, olham para este gramado e dizem: ‘Que maravilha! Agora os pobres tem tudo!’ (JACOBS, 2010, p.14) 28 Matheus Maramaldo Andrade Silva Figura 02 - Não pise à grama? Foto: autor 29 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade O gramado citado parecia ser pela descrição algo exemplarmente polido, mas qual a sua função em meio ao contexto em que se encontrava? Crendo nisto, vê-se que a vegetação, que está por toda a parte, singela ou mais ostensiva, nem sempre dispõe só de benefícios aos moradores de uma cidade. Quando não se há projeto ou cuidados de manutenção, o natural pode ficar fora de controle, ameaçando a saúde, a segurança e até a cadeia social de uma urbe. E isso é o que não está claro nos textos que tratam de vegetação e paisagismo, acadêmicos ou não. Está presente o que se deve fazer, mas não o que ou por que não se deve fazer, geralmente. O que se pretende, então, com este ensaio é avaliar em que medida esses maciços vegetais podem trazer malefícios ao cotidiano urbano. A discussão a ser construída buscará responder a esta questão por meio de revisão da literatura, aparentemente escassa até o momento, e da elaboração/reunião de conceitos e aspectos fitopatológicos nas cidades, que, posteriormente, serão organizados na forma de uma ferramenta de diagnóstico aplicável a áreas urbanas. Espera- se, com a ferramenta proposta, contribuir na tomada de 30 Matheus Maramaldo Andrade Silva decisão projetual para os novos planejamentos de áreas com verde2 (Figura 02). Para o enfrentamento desta problemática, o estudo se estruturará da seguinte forma: 1. Primeiramente, buscar-se-á elucidar o objeto de estudo (vegetação) e seu contexto nas cidades (vegetação urbana); 2. A partir desta conceituação, partir-se-á para compreensão e elaboração de um método, analisando e ponderando discursos de alguns estudiosos da análise urbana; 3. Essas pesquisas (de base metodológica), como outras fontes ligadas à botânica, jardinagem, geografia física, paisagismo e urbanismo, balizarão uma enumeração dos possíveis malefícios da vegetação nas cidades (espontânea ou por implantação antrópica), as fitopatologias3, e assim permitirá seu estudo em campo; 4. A partir da categorização das fitopatologias, será proposta uma ficha de diagnóstico a ser aplicada em áreas urbanas. O recorte físico-espacial para aplicação desta 2 Áreas verdes e espaços verdes são conceitos que serão mais explorados no capítulo ‘Verde Urbano: a urbe gramada’. 3 Fitopatologia: Aqui foi emprestado este termo da botânica, no qual se refere a doenças, deformações e outros problemas que ocorrem nas plantas, invertendo-o e o empregando como: plantas causando malefícios a cidade. 31 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade ferramenta de levantamento será uma superquadra do Plano Piloto de Brasília, a SQS 308; 5. Feito o estudo de campo, os resultados deverão ser diversos mapas e tabelas, os quais darão um razoável panorama de como são encontradas tais patologias e qual a situação da área escolhida em relação a elas; 6. Por fim, serão brevemente analisadas tais estatísticas, o procedimento metodológico proposto e sua aplicação, como o processo de estudo como um todo. O intuito é que este trabalho, sirva de base para o levantamento do desempenho da vegetal urbana, e, a partir dos seus resultados (estatísticos ou não), possa se fazer recomendações projetuais para as áreas avaliadas. Não é, de forma alguma, um manifesto contra o uso das plantas nas urbes, vejam bem, está justamente no caminho oposto. Para se ter uma cidade saudável, é necessário ter maciços de árvores, forrações e arbustos, mas em equilíbrio, pensando nas demandas e necessidade, nas aplicações e usos, de forma agregadora e sem prejuízos para malha.xilema, floema... e raiz a vegetação Matheus Maramaldo Andrade Silva 34 ” No momento em que senti vontade de exprimir-me dentro da ordem estética, só tinha à minha disposição um único material: a planta.” Arnaud Maurières verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 35 Poder-se-ia dizer aqui que vegetação é simplesmente um “conjunto de plantas que povoam uma área determinada”4, porém, mesmo o presente texto tendo o intuito de ser científico e o mais austero possível nesta posição, falar sobre plantas não é um processo cartesiano. Vejam, basta ler os próprios nomes científicos que nos são apresentados: Plumbago auriculata, Schefflera arborícola, Yucca gigantea, Callisia fragans... e tantos outros; estas denominações estão carregadas de emoções e impressões retidas nas íris, tez e brônquios dos mais diversos pesquisadores. Estes cientistas foram até as florestas mais fechadas e distantes coletá-las, mas, mesmo com todos os seus manuais e congressos, ainda assim nomeiam as flores por características subjetivas. A vegetação é epidêmica, tem diversas cores, formas e tamanhos, e encanta-nos, sendo impossível tratar como um algoritmo ou um pedaço genético que se repete durante as gerações. Hoje não a tratamos mais como mero exemplar do quintal ou como alimento do dia-a-dia. Essa é o centro, direto ou indireto, de quase todas as discussões: está nas pesquisas e 4 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo-SP: Editora Melhoramentos, 1998. Matheus Maramaldo Andrade Silva 36 colheitas da agricultura, chegando a nossas casas como material de construção, tendo em forma de florestas tropicais zelo para as futuras gerações ou servindo como pretexto para as mais diversas falas acerca de sustentabilidade. O entendimento do verde (mas também azul, vermelho, violeta...) é tão complexo que interage inclusive com nossas cidades. Nossas cidades? Sim, nossas cidades. Por vezes achamos que as urbes em que moramos são “selvas de pedra”, e não se pode tirar a razão, pois o que se enxerga é quase que exclusivamente prédios, cimento e carros. Porém, mesmo que imperceptível, devido a rotina urbana, o vegetal também está nela inserido, por menores ou maiores que sejam seus elementos. Podem as plantas estar menos presentes, se escondendo atrás de uma única árvore na rua ou podem estar exuberantes em grandes extensões ajardinadas, o que importa é que estão lá. Visto isso, este balanço tende agora a parecer mais sensato. É chegada, portanto, a hora de aprofundar seus elementos. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 37 O Reino Plantae para carpinteiros e jardineiros: Parece básico e elementar definir este campo: plantas são plantas, abobrinha é um vegetal, cenoura é um vegetal, mangueira é uma planta. Porém, mais do que saber seus nomes ou saber se é uma planta ou uma pedra, por exemplo, é necessário ter conhecimento das tipologias em que estão classificadas, em chaves mais diversas do que a simples diferenciação entre vegetais, animais e minerais. Equalizemos, portanto, o que vem a ser planta: Segundo Raven et al (1992): As plantas verdes incluem um amplo conjunto de organismos fotossintéticos que contém clorofilas a e b, são capazes de armazenar seus produtos fotossintéticos como amido dentro de uma membrana dupla de cloroplastos que o produz, e têm paredes celulares feitas de celulose (RAVEN, 1992, sem página, tradução nossa). Esta já é uma definição mais abrangente do que a lida no dicionário, auxiliando-nos a abrir mais nossa visão. Todos os seres que se encaixarem nesta descrição são plantas, o que irá incluir, para surpresa de muitos, várias algas e musgos. Munidos desta informação, classifiquemos: Matheus Maramaldo Andrade Silva 38 Primeiramente, mais do que se agruparem em florestas, restingas e matas, a vegetação obedece a uma ordem de hábito5 - para os paisagistas, estratos. Para Salviati (1993), divide-se a vegetação em (Figura 03): - Plantas arbóreas: Normalmente acima de 5 metros de altura, com caule autoportante, base única6 - árvores, palmeiras e coníferas7. - Plantas arbustivas: Normalmente abaixo de 5 metros de altura, com caule autoportante, base múltipla e resistência ao menos parcial. - Trepadeiras: Plantas sem caule autoportante que crescem sobre suporte. - Plantas herbáceas: Normalmente abaixo de 1 metro de altura, com caule não resistente e herbáceo – herbáceas, forrações e pisos vegetais. 5 Hábito, no campo da botânica, trata do porte e sustentação da planta. 6 Há várias palmeiras com caule múltiplo. 7 Coníferas: Pinheiros, araucárias, cedros. Não estão incluídas gimnospermas menores, como as cicas. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 39 Há outras que não se encaixam nas descrições, flutuando nas classificações, como bananeiras e sagus. Mais do que estilos, que variam com culturas, há jardins e jardins8 para grupos de vegetação. As plantas se enquadram em xerófitas (Figura 04) (que aguentam bem longos períodos de estiagem), ombrófilas (que preferem regimes mais constantes de chuva) (Figura 05), heliófilas e umbrófilas (que respondem melhor à maior ou menor luminosidade, respectivamente), aquáticas, epífitas, brejeiras e que se adaptam tanto ao regime de chuvas quanto a seca. Vejam que estas se encaixam nos quesitos de água, sol e solo. Já para Gonçalves e Lorenzi (2011), botânicos, a vegetação pode ser dividida em diversos graus, os quais se pode encaixar também o hábito. O primeiro deles é o evolutivo, dividindo as plantas em algas, briófitas, pteridófitas, gimnospermas e angiospermas9 (Figura 06). 8 Como se verá mais à frente no texto, escolher por um tipo de planta ou jardim tem várias consequências. Jardins áridos, por exemplo, são uma ótima forma de economizar água e manutenção, mas incorrem em diversos prejuízos sociológicos e físicos se mal planejado. 9 Resumo geral da classificação botânica. Estes conjuntos são fortemente divididos e complexos, sendo até equivocado chama-los assim, mas, pela noção popular, deve- se por aqui esta classificação. Matheus Maramaldo Andrade Silva 40 Figura 03 - Os estratos da vegetação. Desenho: autor. p a lm e ira s c o n ífe ra s tre p a d e ira s a típ ic a s (b a n a n e ira s, a g a v e s, c a c to s, c ic a s...) h e rb á c e a s e fo rra ç õ e s verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 41 á rv o re s a rb u sto s Matheus Maramaldo Andrade Silva 42 Figura 04 – Piteira do Caribe (Agave vivípara L.), exemplo de planta xerófita e heliófila. Foto: autor.verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 43 Figura 05 – Orelha de Elefante Gigante (Alocasia macrorrhizos (L.) G.Don), planta ombrófila e umbrófila. Foto: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 44 Isto definirá presença de flores, ciclo de reprodução, tamanho, necessidade de água, informações imprescindíveis para um planejamento paisagístico. O segundo é a lenhosidade e ramificação, ou seja, a resistência e composição do caule junto a sua divisão junto da base. Plantas sem lenho são consideradas ervas, as que não se auto sustentam são lianas, as que possuem lenhosidade e são ramificadas na base são arbustos e as lenhosas e de caule único são árvores. Dadas estas formas de crescimento, há, claro, exceções, mistos dessas composições, caso de palmeiras e subarbustos10. Outra variação, que será importante, como veremos mais à frente, é quanto à forma de sobrevivência das plantas. Elas podem ser autótrofas (produzem seu próprio alimento), hemiparasitas (praticam fotossíntese, mas suga água da planta parasitada), parasitas (não praticam fotossíntese e dependem de todos os nutrientes da planta parasitada) e saprófitas (dependem de matéria orgânica do solo ou de cima do seu suporte, fazendo pouca ou nenhuma fotossíntese – não invadem os canais das plantas próximas). 10 Subarbustos são plantas mais baixas, com até 1 metro de altura, com base lenhosa e restante herbáceo. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 45 Há ainda outros graus de divisão, segundo os botânicos, do Reino Plantae, mas que aqui não são convenientes. A vegetação então, visto isso, pode se constituir em uma árvore bem alta, com mais de cem metros de altura, ou um arbusto de cinquenta centímetros; ter plantas de folhas largas e abundantes por todo o caule ou desprovidas disto; habitar o deserto ou estar somente em cima de uma árvore específica da Amazônia; ser aquela despercebida área verde – totalmente adaptável e com características das mais diversas possíveis. Matheus Maramaldo Andrade Silva 46 Figura 06 – Cladograma das Plantas (dados: RAVEN, 1992). Desenho: autor. Algas Ancestrais (Provavelmente Clorófitas) Pteridófitas** (Licófitas, Equisetos, Psilotos, Samambaias e Samambaiaçus) Briófitas* (Musgos, Hepáticas e Antóceros) V a sc u la ri za ç ã o A m b ie n te T e rr e st re verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 47 Gimnospermas (Pinheiros, Ciprestes e Cicas) S e m e n te s *Forma didática de condensar as divisões Bryophyta, Marchantiophyta e Anthocerotophyta. ** Forma didática de condensar as divisões Lycophyta e Monilophyta. Angiospermas (Todas as plantas floríferas) a urbe gramada verde urbano Matheus Maramaldo Andrade Silva 50 “Prosseguindo, através do Palácio de Cristal, nossa caminhada em direção ao bulevar exterior da cidade, atravessaremos a Quinta Avenida, arborizada, como todas as ruas da cidade, ao longo da qual – olhando em direção ao Palácio de Cristal – encontramos um cinturão de casas bem construídas e levantadas em terreno próprio e espaçoso.” Ebenezer Howard verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 51 Descrito um conceito mais amplo – paisagístico, geográfico e botânico (p. 34 à 40) - do que viriam ser as plantas, cabe agora fazer a seguinte pergunta: onde estará este verde que tanto conceituamos em nossas cidades? A vegetação é um elemento compositivo quase que obrigatório dos espaços livres ao longo do tempo e está distribuída de forma variada nas polis do mundo. Diz-se caótica, por que mesmo planejada e bem plantada, esta não se restringe ao projeto antrópico e se espalha, como no meio natural, por todas as áreas, sem restrição de solo e de uso. Mesmo não sabendo como as plantas se organizam e se organizarão nos territórios de São Paulo, Madri ou Xangai, ainda assim podemos categorizar as ambiências que elas atingem, percorrem e se encontram: de modo análogo aos elementos construídos, elas podem estar inseridas em espaços livres privados, semi-privados ou públicos urbanos. É importante diferenciar onde o verde está nas cidades, por que isto implicará em usos completamente distintos, e, consequentemente, percepções variadas. Ciente disto, antes de passarmos propriamente para suas especificidades, o que viria a ser um espaço livre? Matheus Maramaldo Andrade Silva 52 No âmbito das urbes, segundo a Professora Magnoli (2006, p. 202) “o espaço livre é [...] todo espaço (e luz) nas áreas urbanas e em seu entorno, não-coberto por edifícios” (Figura 07). Outra definição, que tem um esforço de esmiuçar mais este conceito, é a das Professoras Carneiro e Mesquita (2000), que o descrevem como: Áreas parcialmente edificadas com nula ou mínima proporção de elementos construídos e/ou de vegetação [...] ou com a presença efetiva de vegetação [...] com funções primordiais de circulação, recreação, composição paisagística e de equilíbrio ambiental, além de tornarem viável a distribuição e execução dos serviços públicos, em geral. São ainda denominados espaços livres, áreas incluídas na malha urbana ocupadas por maciços arbóreos cultivados, representados pelos quintais residenciais, como também pelas atuais áreas de condomínio fechado; áreas remanescentes de ecossistemas primitivos – matas, manguezais, lagoas, restingas, etc – além de praias fluviais e marítimas. (CARNEIRO e MESQUITA, 2000, p.2). Caso haja vegetação, o enfoque desta pesquisa, esses ainda podem ser classificados como áreas verdes ou espaços verdes. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 53 Estes conceitos são complexos, pois há bastante divergências do ponto de vista das definições (BENINI, MARTIN, 2010, p.66), principalmente na escala de abrangência (calçadas arborizadas são ou não áreas verdes, por exemplo?). Dentre os vários autores que refletem sobre esses dois termos, aqui serão reportados os conceitos dados pelos pesquisadores Macedo e Lima et. al. O primeiro define espaços verdes como: Toda área urbana ou porção do território ocupada por qualquer tipo de vegetação e que tenham um valor social. Neles estão contidos bosques, campos, matas, jardins, alguns tipos de praças e parques, etc, enquanto que terrenos devolutos e quetais não são necessariamente incluídos neste rol. (MACEDO, 1995, p. 16). E áreas verdes como: [...] aos mesmos elementos referenciados anteriormente e ainda [...] toda e qualquer área onde por um motivo qualquer exista .vegetação. (MACEDO, 1995, p. 16 e 17) No caso de Lima et. al. (1994) áreas verdes se encaixam mais na definiçãode espaços verdes de Macedo: Matheus Maramaldo Andrade Silva 54 Figura 07 – Espaços livres, Áreas Verdes. Desenho: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 55 Matheus Maramaldo Andrade Silva 56 Onde há o predomínio de vegetação arbórea; engloba as praças, os jardins públicos e os parques urbanos. Os canteiros centrais e trevos de vias públicas, que têm apenas funções estética e ecológica, devem, também, conceituar-se como Área Verde. Entretanto, as árvores que acompanham o leito das vias públicas, não devem ser consideradas como tal. (LIMA et. al., 1994, p.10). Conhecendo estas definições, já é possível esboçar exemplos práticos de onde encontramos o verde em nossas cidades. O primeiro tipo de espaço livre que podemos encontrar vegetação em nossas polis é o privado (Figura 08). Segundo a Professora Leitão (2002, p.18 à 20), seria “o qual, por definição, acolhe poucos [...] de acessibilidade restrita a determinados grupos claramente definidos.” São áreas verdes11 normalmente associados a jardins residenciais, comerciais e institucionais fechados, formando lagos, hortas, maciços, paredes verdes e gramados. Apesar de estarem inseridos dentro da cidade e poderem conter todos os tipos de plantas, tais locais não permitem a qualquer usuário o usufruto. A vegetação que aí se encontra, portanto, influi menos no aporte do conjunto urbanístico, embora 11 Adotaremos principalmente a definição de Macedo (1995). verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 57 Figura 08 – Espaço livre privado. Desenho: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 58 contribua com uma porcentagem da drenagem e, caso haja transparência, com paisagens diferenciadas aos não convidados. Já o espaço livre semi-privado12 é um pouco mais democrático. Esta expressão - espaço livre semi-privado - pode ao mesmo tempo assumir a significação de espaço coletivo privado, em que “proporciona um determinado tipo de encontro e convivência, mas ainda entre pessoas de uma determinada camada social” (LEITÃO, 2002, p.18 à 20), (Figura 09.1), como também ser um vestígio ou sobressalência do espaço privado (Figura 09.2). Na primeira significação (Tipo 1) (Figura 09.1), tem-se assim incluídos, por exemplo, shoppings centers, hospitais, museus e instituições abertas, supermercados e feiras, ambientes nos quais a vegetação projetada em forma de jardins, gramados, hortas, lagos e paredes verdes estará acessível a todos, embora não sejam áreas definitivamente públicas, nem estejam abertas todo o tempo – determinados grupos sociais se sentirão inibidos ao entrarem em alguns desses locais, à princípio. 12 Ou potencialmente coletivo, segundo Lima et. al. (1994). verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 59 Figura 09.1 – Espaço livre semi-privado – Tipo 1. Desenho: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 60 Figura 09.2 – Espaço livre semi-privado – Tipo 2. Desenho: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 61 Há ainda que se destacar que os jardins dos espaços livres privados podem interferir mais do que com a simples mudança na paisagem, dialogando também com o plano público. Este é outro tipo de espaço livre semi-privado (Tipo 2) (Figura 09.2). Essa significação pode englobar, dentre outros casos, áreas muradas com cercas-vivas (pois espinheiros e paredes arbustivas mudam drasticamente a forma de andar em uma calçada) ou locais com árvores de copa ou raízes extensas, que ultrapassam o limite do lote. Apesar de estarem em uma delimitação privada, a esfera de interferência dessa vegetação ocorrerá de forma decisiva no cotidiano extra particular, sendo assim um híbrido de espaço privado que impacta diretamente no espaço público. Seguindo a ordem, a última categoria de espaço livre urbano, no qual estará presente a vegetação, é, para efeito deste estudo, a mais importante, pois agregará a maior parte das ambiências que aqui serão levantadas: são públicos. Os espaços livres públicos são onde a vegetação mais intervêm no cotidiano da urbe. Isto se explica pelo fato deles serem de “uso comum, acessível a todos, em que estão registrados os fatos urbanos que constituem a cidade.” (LEITÃO, 2002, p.18 à 20) (Figura 10). Matheus Maramaldo Andrade Silva 62 Figura 10 – Os espaços livres públicos. Desenho: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 63 Constituem estes tipos de espaços livres: os passeios, os estacionamentos, as ruas e avenidas, as ciclovias, as orlas, os lagos e lagoas, as praças, os parques, os becos, os largos, os pátios, os gramados e os jardins coletivos13, sendo todos passíveis de ter vegetação. Tendo elementos vegetais, estes ambientes ainda poderão ser classificados como áreas verdes de domínio público (similar aos espaços verdes, segundo Macedo (1995)) ou áreas com verde de domínio público (similar ao verde residual e ao verde viário, segundo Lima et. al. (1994) – apropriando espaços sem função social ou acompanhando ruas e avenidas, por exemplo, em que a vegetação é secundária). As áreas verdes de domínio público são todas aquelas áreas com predominância de elementos arbóreos ou espaços [...] que desempenhem função ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de vegetação e espaços livres de impermeabilização” (CONAMA, 2006, p. 150 e 151). 13 Estes espaços podem ser ainda divididos em: espaços de circulação, recreativos e de equilíbrio ambiental, segundo as autoras, mas isto aqui implicaria em aumentar a abrangência para áreas diferenciadas, como campi universitários, cemitérios, jardins botânicos. Matheus Maramaldo Andrade Silva 64 Englobam: ▫ Parques: Pode-se dizer que parque “é uma área verde com função ecológica, estética e de lazer, no entanto, com uma extensão maior que as praças e jardins públicos.” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2014). Estes espaços são normalmente compostos por todo tipo de vegetação e possuem microparcelas semelhantes a praças e jardins devido a sua extensão (Figura 11). Podem também ser hortos, jardins botânicos e reservas florestais, tomando-se o cuidado de analisar se são macroparcelas independentes da urbe.Figura 11 – Parque da Cidade, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 65 ▫ Praças14: São espaços públicos os quais são desempenhados diversos usos. Essas áreas são facilmente mutáveis e possuem representatividade alterada tanto pelas edificações próximas quanto pelo simbolismo próprio (Figura 12). Por definição é “logradouro público constituído de área arredondada, quadrada etc. com arborização e ajardinamento [...], cortada de vias e alamedas para circulação de pedestres.” (SILVA, 2008, p. 203). Figura 12 – Praça Dom Pedro II, São Luís, Maranhão, Brasil. Foto: autor. 14 Para efeito de pesquisa, estenderemos o termo para largos e rossios também. Matheus Maramaldo Andrade Silva 66 Nestas, desempenham-se as funções de estar, lazer, esportes, descanso, contemplação, ecológica, festiva, educativa, meramente estética e psicológica (LEITÃO, 2002). A vegetação, assim como nos parques é variada, podendo ser de todos os tipos de estratos dependendo do projeto. ▫ Orlas: Mais do que uma margem ou transição entre oceanos, rios, lagos, lagoas e o continente, orlas urbanas são áreas nas quais há intervenção antrópica e que possuem as funções de lazer, esportes, descanso, contemplação e ecológica (Figura 13). Figura 13 – Praias Olho d’água, Caolho e Calhau, São Luís, Maranhão, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 67 Normalmente, há palmeiras, árvores e forrações ciliares nesses espaços e esses elementos vegetais estão associados diretamente com a proteção das praias e bordas – segurando aterros, fomentando a drenagem e protegendo as cidades da areia e marés excessivas – ou desempenhando funções secundárias de embelezamento e/ou sombra. ▫ Jardins Coletivos: Áreas ajardinadas públicas com pouco índice de impermeabilização não associadas a espaços definidos ou vias (Figura 14). Desempenham normalmente funções estéticas, de contemplação ou educativas e alimentícias – caso de hortas – e possuem diversos estratos de vegetação (BENINI, MARTIN, 2010). ▫ Gramados públicos: São áreas públicas projetadas compostas somente por gramíneas pisoteáveis e ervas daninhas – raras árvores ou arbustos (Figura 15). Estes espaços são de uso igual ao de áreas totalmente pavimentadas, pois se pode andar por toda sua extensão, Matheus Maramaldo Andrade Silva 68 desempenhando mais as funções de estar, lazer, esportes, descanso e festiva. Figura 14 – Horta na Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. Figura 15 – EQN 106/107, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 69 ▫ Áreas arborizadas informais e cinturões: Locais públicos, projetados ou não, que não são propriamente parques, terrenos baldios ou vagos, e nos quais se pode encontrar árvores, arbustos e forrações (Figura 16). Tem importância estética e, dependendo da abertura, podem ser usados como gramados públicos com sombra ou como áreas de lazer e esporte. Figura 16 – SQN 304, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 70 Os outros espaços livres públicos não listados, em que existe vegetação, são as áreas com verde de domínio público. Como descrito na página 52, são os verdes viários, os verdes residuais da cidades. Abarcam normalmente locais com uma maior taxa de impermeabilização, água ou vazios urbanos. Preponderam espaços fortemente pavimentados com pontuais inserções de árvores, arbustos e forrações e que servem principalmente como meios de circulação ou que não estão abarcadas na Lei de Parcelamento de Solo nº 6.766, 19.12.1979): ▫ Rios, Córregos, Lagos e Lagoas: Estes espaços são cursos ou retenções d’água naturais ou escavados pelo homem (Figura 17). Cada vez mais presentes nas cidades devido à expansão urbana, estes locais desempenham funções de abastecimento d’água ou alimentício, ecológica, estética ou higrotérmica. No caso, a vegetação presente nesses espaços é aquática ou são árvores e forrações ciliares. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 71 ▫ Vazios Urbanos: Segundo Benini e Martin (2010, p. 66, adaptado), são locais que “compreendem as coberturas baixas ou medianas. Os lotes vazios, característicos principalmente em áreas urbanas de consolidação recente, caracterizam este grupo.” (Figura 18). São os terrenos baldios, os lotes demarcados para edificações e ainda não ocupados. Por desleixo ou por falta Figura 17 – Lagoa da Jansen, São Luís, Maranhão, Brasil. Foto: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 72 de proprietário, é comum a presença de plantas resistentes/daninhas, de pequeno a médio porte (arbustos, herbáceas, forrações e gramíneas). Além dos cursos d’água e terrenos não construídos, a estrutura viária, em quase todas as escalas (do automóvel, do ciclista ou do pedestre), é por vezes composta por espaços verdes. São exemplos comuns, em que encontramos elementos vegetais os seguintes locais: Figura 18 – Setor N, QNN 12, Ceilândia, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 73 ▫ Vias expressas, ruas e avenidas: Apesar das diferenças de hierarquia e as sinonímias, estes espaços aqui serão definidos como espaços pavimentados15 os quais suportam as circulações de veículos. A vegetação, quando encontrada nesses espaços, pode estar ladeando as faixas de rolamentos ou ser central, em canteiros. Normalmente constituem o verde das ruas, avenidas e vias expressas árvores ou gramíneas, que as sombreiam, embelezam, identificam ou somente dividem e protegem os espaços. (Figura 19). Tecnicamente, calçadas, passeios, ciclovias e estacionamentos podem estar inseridos nas caixas das ruas, avenidas e vias expressas, mas, por possuírem uma estrutura diferente das faixas de rolamento, serão referenciados em tópicos próprios. ▫ Calçadas e Passeios: Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (1997), são “parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito 15 Normalmente pavimentados, mas podem incorrer, como em várias cidades do interior do Brasil, em ser vias de terra ou areia. Matheus Maramaldo Andrade Silva 74 de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.” Os elementos verdes associados a estes locais fortemente pavimentados buscam, em princípio, auxiliar e proteger os pedestres que a usam (Figura 20). Nos espaços reservadosà vegetação – gaiolas, poços, recortes e faixas – estão comumente presentes gramíneas e árvores. Figura 19 – Av. Hélio Prates, Ceilândia, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 75 ▫ Canteiros: Considera-se canteiro as áreas floridas ou cobertas de forrações normalmente associadas a pistas de rolamento (Figura 21). Com o intuito simbólico, de orientação ou de organização do sistema de circulação veicular (podendo contribuir com a estética da via), estão comumente em faixas Figura 20 – Calçada, São José do Ribamar, Maranhão, Brasil. Foto: autor. Matheus Maramaldo Andrade Silva 76 de serviço para colocação de mobiliário urbano ou arborização de vias expressas e rotatórias. ▫ Estacionamentos: São as áreas, em que se deixam veículos provisoriamente16. Estes ambientes são bastante pavimentados e quando apresentam vegetação, elas estão ligadas à proteção, ao sombreamento dos veículos ou paralelamente a pisos mais permeáveis, como o pisograma. São, portanto, árvores ou arbustos de maior porte que dividem as vagas e a circulação, ou forrações mais resistentes ao tráfico (como algumas gramas) junto ao pavimento (Figura 22). 16 Adaptação da definição do dicionário. MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo-SP: Editora Melhoramentos, 1998. Figura 21 – Rotatória das SQN’s 103 e 104 e EQN 303/304, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 77 Figura 22 – SQN 304, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foto: autor. ▫ Ciclovias: Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (1997, adaptado), as ciclovias (Figura 23) são “pistas próprias destinadas à circulação de ciclos, separadas fisicamente do tráfego comum.” Como as calçadas e ruas, são elementos urbanos fortemente pavimentados que podem ter canteiros no centro ou lateralmente. Estes espaços verdes preferencialmente contem árvores ou gramíneas. Matheus Maramaldo Andrade Silva 78 Terminada esta explicação, são basicamente esses espaços livres públicos, semi-privados e privados (Tabela 1), em que a vegetação pode se enquadrar nas cidades. O objetivo mesmo era trazer a miscelância de espaços que as plantas podem estar ocupando na urbe, preparando o leitor, munido já do conceito e do sítio, para o que virá no próximo capítulo: as consequências do mal uso da vegetação nos nossos centros urbanos. Figura 23 – Via N2, Ceilândia, Distrito Federal, Brasil. Foto: Thamires Chácara. verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade 79 Tabela 01 – Composição dos espaços livres nas cidades privado semi-privado 1 semi-privado 2 Público Dentro dos lotes privados e sem interferência com o meio externo Em pátios de shoppings e feiras, jardins de edifícios empresariais, onde a circulação é quase pública Dentro dos lotes privados, mas com interferência com o meio externo Em parques, praças permeáveis, orlas (como calçadões), jardins coletivos, gramados públicos, áreas arborizadas (áreas verdes) Em calçadas e passeios, leitos d’ água, vazios urbanos, canteiros, estacionamentos, vias expressas, ruas, avenidas, ciclovias (áreas com verde) Fonte: Autor conversando com as mangueiras metodologia de análise 82 Matheus Maramaldo Andrade Silva “Só não há primavera no meu recinto/ Enfermidades, beijos decompostos/ como heras de igrejas que se pegaram/ nas janelas negras da minha vida,/ só o amor não basta, nem o selvagem e extenso perfume da primavera.” Pablo Neruda 83 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Sabendo o quanto de vegetação as cidades possuem, não mais podemos achar que todo o canto destinado ao verde está realmente bom pelo simples fato de tê-lo. Generalidades normalmente incorrem em erros, assim como paradigmas são verdades absolutas até que se quebrem suas espinhas dorsais. As fitopatologias17 que aqui serão comentadas estão ai para provar esta tese. Elas não têm distinção de raça, classe social ou tipo edificante, avançam conforme a própria razão. Assim, apesar de definidos os problemas causados, são infinitas as possibilidades de degeneração nas cidades, ao mesmo tempo que existem formas mais adequadas para cada situação. São combinações variadas que se conectam, desconectam, fazem simbiose. Partindo desse princípio, qual ferramenta metodológica se prestaria a analisar os impactos negativos do mal planejamento como da espontaneidade da vegetação na urbe? É esta questão que o presente capítulo espera responder. Sabendo da escassa literatura específica (confirmada por pesquisadores como Lúcia e Juan Mascaró (2010)) sobre o tema deste estudo, considerando uma pesquisa focada 17 Vide Nota de Rodapé 3, página 30. 84 Matheus Maramaldo Andrade Silva somente nos processos maléficos da incorreta implantação de elementos vegetais na cidade, adotou-se como recurso metodológico a analogia com textos e ferramentas advindos de análises urbanas, das tipologias edificantes e dos espaços livres. Foram, portanto, lidas algumas formas de apreensão dos espaços urbanos, dos seguintes autores: Jane Jacobs (2010), Philippe Panerai (2006), Maria Elaine Kohlsdorf (1996). Mais próxima da problemática desta pesquisa, foram lidos os artigos do Grupo de Pesquisa QUAPÁ/FAU-USP (2009) e do NORIE/UFRGS (2003). O primeiro, desenvolvido pelos pesquisadores Ana Cecília de Arruda Campos, Denis Cossia, Silvio Soares Macedo, Maria Helena Preto, Fábio Robba, parte para análise de espaços livres usando do caso de São Paulo, em uma construção também metodológica, algo que já esboçaram em diversas outras pesquisas. Já o segundo, desenvolvido por Beatriz Fedrizzi, Sérgio Luiz V. Tomasini e Luciano Moro Cardoso, propõe critérios de análise do desempenho quantitativo e qualitativo da vegetação frente a vivência escolar das crianças (no caso, quando tem acesso ao pátio). 85 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Como estes estudos não seriam suficientes para abarcar todas as conjunturas da temática, voltou-se também para uma literatura mais cartesiana, gráfica, que apresenta alternativas de graficação passíveis de serem adotadas neste estudo. As seguintes fontes também foram consultadas: a construção de mapas de dano, nos quais são levantadas as patologias dos edifícios desenvolvida pelo Centro de Estudos Avançados da ConservaçãoIntegrada (CECI, 2009), alguns Planos de Arborização (PDAU Goiânia, 2009), os quais são claros estudos de campo; livros, artigos, revistas ou matérias mais específicas de elementos vegetais, que darão maior enfoque em cada subtópico das fitopatologias. Assim, neste ponto da pesquisa, após todo o preâmbulo que conceitua o que é vegetação e onde podemos encontra-la nas cidades, inicia-se a sistematização de procedimentos que visam dar uma resposta possível à problemática já posta: Quando e de que forma a vegetação está associada aos diversos tipos de degradação da urbe? Para responder a esta questão, este capítulo está estruturado da seguinte forma: Primeiramente, tendo em vista a pouca abordagem específica sobre o desempenho patológico físico, ambiental sanitário e psicossocial da vegetação no contexto urbano, 86 Matheus Maramaldo Andrade Silva recorreremos à análise de caminhos propostos por alguns autores para o levantamento e a compreensão da forma da cidade. Em seguida, serão identificados os critérios adotados para a análise do desempenho da vegetação, segundo os autores anteriormente descritos, nos pátios das escolas e nos espaços livres. Notadas as visões desses autores, será moldado o caminho próprio desta pesquisa, amálgama das referências e do reconhecimento preliminar do problema em campo. Assim, a partir do cotejamento e confronto das fontes teóricas com as informações colhidas em campo, será proposto um arcabouço com face teórica e metodológica para o levantamento e a avaliação do desempenho da vegetação na urbe. Levantamento em uma superquadra de Brasília (SQS 308), com a intenção de perceber as patologias recorrentes, bem como definir quais as formas mais precisas para graficá- las; 87 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Frente ao exposto, os tópicos a seguir visam construir e explicitar esses procedimentos acima descritos, culminando com a proposição de um caminho analítico próprio. A Análise das Cidades: Jane Jacobs, Philippe Panerai e Maria Elaine Kohlsdorf, a partir de um olhar urbano, e o QUAPA/FAU-USP e o NORIE/UFRGS, em temáticas mais próximas a deste ensaio, mostraram estudos que analisam os fenômenos, as cidades, os espaços livres ou o desempenho da vegetação em escolas, com princípios similares aos que poderão ser adotados nesta pesquisa. A primeira pesquisadora, que relacionamos a apreensão do todo, é a jornalista Jane Jacobs (2010). No seu mais celebrado livro, Morte e vida das Grandes Cidades (Americanas), Jacobs traça uma análise pessoal e de campo. Refutando quase todos os preceitos urbanísticos advindos do Modernismo e também do planejamento urbano dado àquele momento, Jacobs vai delineando várias e várias comparações e exemplos do que considera bom e o que 88 Matheus Maramaldo Andrade Silva considera ruim nas cidades, com um olhar peculiar da vivência, segurança e diversidade dos ambientes urbanos (Figura 24). Mesmo parecendo uma conversa franca entre duas pessoas, a autora e o leitor, na realidade se estabelece uma profunda pesquisa que está dividida em quatro partes: a natureza peculiar das cidades, condições para a diversidade urbana, forças de decadência e de recuperação e táticas diferentes. Começa-se esboçando dois elementos públicos presentes (ou que deveriam estar) no espaço da cidade: a calçada e os parques. Nota-se que apesar de introdutório ao repertório urbano de que se está falando, Jacobs já está fazendo sua crítica a como não se deve deixar a participação popular de fora do planejamento, como áreas verdes não necessariamente trazem bem estar ao bairro, como conjuntos habitacionais não necessariamente produzem ou induzem a um estilo melhor ou mais confortável de vida do que em casas próximas e cortiços. A crítica ao modelo contemporâneo a ela está corrente em todo o texto, por mais que os títulos dos capítulos não ensejem algo do tipo, sempre está sendo feita uma 89 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade comparação entre o ruim (péssimo) e o bom, buscando-se também demonstrar como o planejador moderno está alienado das reais necessidades da população. E assim vai se encampando, no avanço do livro, formas e elementos que contribuem para a pulsação das cidades: diversidade de comércio, tipologias variadas de edifícios, estratos sociais diversificados, densidade populacional. A análise de Jacobs, portanto, é pautada pelo juízo dado aos casos e a comparação. E por que esta visão é importante para o estudo presente? O trabalho de Jacobs é valoroso por ter sido feito basicamente fora dos laboratórios e centros de pesquisa. É um exercício de campo, de observação, questionamento, de casos e estatísticas reais e de menos prognósticos. Jacobs foi a cada rua, parque e centro habitacional que menciona, o que de fato reforça bastante o seu discurso, descreditando o uso exclusivo do lápis para o projeto. Não podemos esquecer também que a forma como a jornalista abordou a cidade, por meio de confrontos entre circunstâncias, demonstra o quão forte ou o quão desqualificado é cada lado da avaliação, justificando a problemática da pesquisa. 90 Matheus Maramaldo Andrade Silva Figura 24 – O monótono, o deserto de Jacobs. Desenho: autor. 91 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade O segundo pesquisador mencionado na lista é Panerai (2006). O autor, como em O Urbanismo, de Françoise Choay, procura uma extensa lista de personagens para encaminhar sua lógica. Tal holisticidade promove uma confiança maior em seu método de avaliação. Panerai, em Análise Urbana, traça primeiramente uma evolução da forma edificante e do crescimento das cidades para daí começar a mostrar as leituras possíveis da malha urbana. Como os tentáculos das cidades se estendem e como percebemos as complexas urbes? Com emprego da interpretação de Kevin Lynch, são descobertas algumas das formas de apreensão da malha urbana: pontos nodais, marcos, barreiras, percursos e setores. São pontos mais visuais, que servem bastante para esta pesquisa, no entanto, se limitando por se estreitar a um só sentido, o dos olhos, faltando englobar o olfato, o paladar, o tato e a audição, apreensões necessárias para se apreender a realidade típica dos bairros e também as características da vegetação na urbe. Mais adiante são citados outros autores como Saveiro Muratori, Gianfranco Caniggia, Marcel Poëte, Gaston Bardet, 92 Matheus Maramaldo Andrade Silva Patrick Geddes e Raymond Unwin em um denso escrito de como as cidades se comportam quanto ao seu crescimento: radiais, tentaculares, envolvendo limites físicos ou estagnando por barreiras regulatórias; de forma espontânea ou dirigida. Visto isso, exploram-se os termos característicos do tecido urbano, um pequeno dicionário comentado que define e exemplifica vias, lotes e a malha em si, como averigua certos valores dimensionais. Contudo, o que é primordial do livro e do autor para os encaminhamentos deste estudo é a sua proposta de método de avaliação. Panerai faz uma definição de tipo, dá exemplos de tipificação (tipologias), como catálogos de moradias e quarteirões e parte para um método de análise tipológica, organizandonas seguintes etapas: Definição de Abrangência: Muitas tentativas de estabelecer tipologias resultam infrutíferas por que não se toma o cuidado de se definir claramente, de antemão, o que irá ser estudado. Evidentemente, a definição da abrangência está vinculada as questões que se pretende responder. Escolha de níveis: 93 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Como a tipologia começa por uma classificação, é preferível classificar os objetos que pertencem a um mesmo nível de leitura do tecido urbano18. Delimitação da Zona de Estudo: Ela depende da problemática colocada e dos meios disponíveis (tempo, recursos humanos), mas é necessário decidir se será feita uma análise exaustiva, em que todos os objetos serão considerados em detalhe, ou uma análise representativa (como uma sondagem), em que são escolhidas amostras e, após a determinação dos tipos, verifica- se quão contemplada foi toda a zona. Classificação prévia: [...] o caso em que todas as operações são explicadas. Começaremos por um inventário. É uma fase de observação minuciosa do objeto, em que procuramos descrevê-los para deixar claras as propriedades que os distinguem e estabelecer critérios. [...] A partir das respostas a esses diferentes critérios, podemos fazer uma primeira classificação, isto é, agrupar em uma mesma família os objetos que ofereçam a mesma resposta a uma série de critérios. [...] [...] as famílias ainda não são tipos, essa classificação ainda não é uma tipologia: ela constitui apenas um primeiro agrupamento que irá permitir elaborar os tipos. Elaboração dos tipos: 18 Nível de leitura do tecido urbano se torna nível leitura das patologias no tecido urbano neste estudo. 94 Matheus Maramaldo Andrade Silva O tipo se constrói. Essa construção por abstração racional pode ser feita em duas etapas. Primeiramente, para cada família estudada, explicitamos as propriedades dos objetos que a compõem. Em seguida reunimos as propriedades em comum dos objetos de uma família para definir o tipo; o conjunto das propriedades não compartilhadas mostra as variações possíveis em relação ao tipo. Tipologias: Esses tipos isolados não são de grande interesse e só adquirem sentido quando inseridos em um sistema global. A tal sistema – o conjunto dos tipos e de suas relações – denominamos tipologia. [...] A tipologia conduz a uma compreensão da arquitetura inserida em um tecido. (PANERAI, 2006, 127 à 137). Apesar de não ser aplicado stricto sensu à vegetação, é um método para uma gama de fatores, nos quais estava encaixada também a cidade. Sua contribuição a esta pesquisa é especialmente de natureza metodológica, pois é uma forma de estruturar as etapas de levantamento e a análise para a identificação: Definição de abrangência – vegetação urbana; Escolha de níveis – espaços livres privados, semi- privados e públicos; 95 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Delimitação da zona de estudo – Quadra do Plano Piloto (SQS 308); Classificação prévia – fitopatologias; Elaboração de tipos - fitopatologias; Tipologias - aplicabilidade. Se Panerai define uma linha tipológica genérica para o estudo das cidades, Maria Elaine Kohlsdorf (1996)19 direciona a um caminho, identificando fatores ou dimensões prévias que, como em uma tabela, deverão ser objeto de avaliação na urbe. O seu estudo se esboça por meio da forma como codificamos o espaço urbano. Esta se dá por respostas estéticas (de acordo com grupos sociais), psicossociais ou por 19 Maria Elaine Kohlsdorf é precursora neste tipo de estudo das dimensões e em suas definições aqui no Brasil. Apesar do livro ser de sua autoria, a pesquisa em si teve a contribuição de outros pesquisadores, que ainda estão em um processo de evolução/complementação do estudo de Kohlsdorf. São eles Benamy Turkienicz, Márcio Villas Boas, Gunter Kohlsdorf e Frederico de Holanda (todos estudiosos que pertencem ou pertenciam ao grupo de pesquisa Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização – DIMPU). Este último ainda agrega três outras dimensões ao estudo: estética, simbólica e afetiva, conforme se verifica em HOLANDA, Frederico de. 10 mandamentos de Arquitetura. Brasília-DF: Editora FRBH, 2013. 96 Matheus Maramaldo Andrade Silva entendimento de informações explícitas ou implícitas que são reconhecidas em determinado local (Figura 25). No andamento do texto, são demonstradas várias maneiras de abordagem da cidade por parte do observador, em dadas hierarquias de percepções e sensações, conforme se anda pelo espaço. Estas se derivam de elementos próprios da construção do ambiente, são efeitos como alargamento, estreitamento, direcionamento, impedimento, etc. A contribuição principal desse estudo é como são agrupadas estas sensações em forma de dimensões/aspectos. Tais aspectos que Kohlsdorf emprega (agregando os demais de Frederico de Holanda) são: Topoceptivo: [...] estudo de atributos da arquitetura captáveis essencialmente pelo sentido da visão, para responder as questões: o lugar tem forte identidade, é facilmente memorável? o lugar tem estímulos visuais em quantidade, qualidade e ordenação capazes de favorecer a boa orientação através dele, i. é, deduzo facilmente onde estou e que direção devo tomar para chegar a meu destino? Funcional: [...] concernem respostas da arquitetura a exigências práticas da vida cotidiana em termos de tipo e quantidade de 97 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade espaços para as atividades do corpo e da mente, e a relação dos espaços entre si – de complementaridade, proximidade, distância etc. Bioclimático: [...] concernem relações entre praticamente todos os atributos dos elementos arquitetônicos listados antes – sítio natural, cheios, vazios etc. – e a satisfação das expectativas do nosso corpo quanto a temperatura, umidade, qualidade, aromas e movimentos do ar, luminosidade diurna ou noturna, som ou ruídos. São examinadas as características do clima local (temperatura, umidade e qualidade do ar; velocidade e direção dos ventos; intensidade e direção da radiação solar; regime de chuvas) e como a arquitetura reproduz condições favoráveis ou apazigua – ou agrava – as desfavoráveis, pois a arquitetura é um “modificador climático”. Sociológico: Arquitetura como sistema de barreiras e permeabilidades ao movimento, de transparências e opacidades à visão, de cheios e vazios, impregnados de práticas sociais. Lugares são ordenados em sistemas de contiguidades, continuidades, proximidades, separações, hierarquias, circunscrições. Afetivo: Relativos aos afetos – sensações, estados psicológicos, estados d’alma, emoções – provocados em nós pelos atributos do lugar captáveis por nossos sentidos 98 Matheus Maramaldo Andrade Silva Figura 25 – Edifícios, relevo, traçado, perspectiva da cidade. Desenho: autor. 99 verde patológico a vegetação no processo de degradação da cidade Estético: Elementos arquitetônicos cujas partes e todo tenham características de claridade, harmonia, unidade, unidade na variedade,