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Capítulo 21 Insuficiência Renal Aguda Oscar F. P. dos Santos, Miguel C. Neto, Sergio A. Draibe, Mirian A. Boim e Nestor Schor ETIOLOGIA FISIOPATOLOGIA Fatores vasculares e hemodinâmicos Lesão tubular Curso clínico da IRA com ênfase à necrose tubular aguda INCIDÊNCIA ALTERAÇÕES HIDROELETROLÍTICAS E ENVOLVIMENTO SISTÊMICO Balanço de água Balanço de sódio Balanço de potássio Balanço de cálcio e fósforo MANIFESTAÇÕES EXTRA-RENAIS INFECÇÕES COMPLICAÇÕES GASTROINTESTINAIS COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS PATOLOGIA DIAGNÓSTICO Avaliação clínica inicial Diagnóstico laboratorial Diagnóstico por imagem Biópsia renal TRATAMENTO Tratamento da IRA pré-renal Tratamento da IRA renal CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A CRRT Acesso vascular Força motriz do sangue Dialisador Anticoagulação Solução de diálise Solução de reposição TERAPIAS CONTÍNUAS DE REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL Ultrafiltração lenta contínua (SCUF) Hemofiltração arteriovenosa contínua Hemodiafiltração arteriovenosa contínua Hemodiafiltração venovenosa contínua Escolha do método dialítico BIBLIOGRAFIA SELECIONADA ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por uma redução abrupta da função renal que se mantém por períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins em exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da homeostase hidroeletrolítica do organismo. Apesar do substancial avanço no entendimento dos mecanismos fisi- opatológicos da IRA, bem como no tratamento dessa do- ença, os índices de mortalidade ainda continuam excessi- vamente elevados, em torno de 50%. ETIOLOGIA As causas de insuficiência renal aguda podem ser de origem renal, pré-renal ou pós-renal. A IRA pré-renal é rapidamente reversível se corrigida a causa e resulta prin- cipalmente de uma redução na perfusão renal, causada por uma série de eventos que culminam principalmente com diminuição do volume circulante e, portanto, do fluxo san- capítulo 21 389 güíneo renal, como por exemplo desidratação (vômito, diarréia, febre), uso de diuréticos e insuficiência cardíaca. A IRA renal, causada por fatores intrínsecos ao rim, é classificada de acordo com o principal local afetado: túbu- los, interstício, vasos ou glomérulo. A causa mais comum de dano tubular é de origem isquêmica ou tóxica. Entre- tanto, a necrose tubular isquêmica pode ter origem pré- renal como conseqüência da redução do fluxo sangüíneo, especialmente se houver comprometimento suficiente para provocar a morte das células tubulares. Assim, o apareci- mento de necrose cortical irreversível pode ocorrer na vi- gência de isquemia grave, particularmente se o processo fisiopatológico incluir coagulação microvascular, como por exemplo nas complicações obstétricas, picadas de cobra e na síndrome hemolítico-urêmica. As nefrotoxinas representam depois da isquemia a causa mais freqüente de IRA (v. Cap. 24). Os antibióticos aminoglicosídicos, os contrastes radiológicos e os quimio- terápicos, como por exemplo a cisplatina, estão entre as drogas que podem causar dano tubular diretamente, em- bora também tenham participação substancial nas altera- ções da hemodinâmica glomerular. Por outro lado, drogas imunossupressoras como ciclosporina e FK-506, inibido- res da enzima de conversão da angiotensina e drogas an- tiinflamatórias não-esteroidais podem causar IRA por in- duzir preponderantemente modificações hemodinâmicas (v. Cap. 24). A IRA devida a nefrite intersticial é mais fre- qüentemente causada por reações alérgicas a drogas (v. Cap. 24). As causas menos freqüentes incluem doenças auto-imunes (lúpus eritematoso) e agentes infecciosos. Apesar da predominância de um mecanismo fisiopatoló- gico, a insuficiência renal aguda por drogas nefrotóxicas é freqüentemente causada por associação de um ou mais mecanismos, conforme sumarizado no Quadro 21.1. Mais ainda, a associação de isquemia e nefrotoxinas é comumen- te observada na prática médica como causa de IRA, espe- cialmente em pacientes mais graves. A IRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução do trato urinário (v. Cap. 34). A obstrução das vias urinárias pode ser conseqüência de hipertrofia prostática, câncer de prós- tata ou cervical, distúrbios retroperitoneais ou bexiga neu- rogênica (causa funcional). Outras causas de insuficiência pós-renal incluem fatores intraluminais (cálculo renal bi- lateral, necrose papilar, carcinoma de bexiga etc.) ou extra- luminais (fibrose retroperitoneal, tumor colorretal etc.). A obstrução intratubular também é causa de IRA e pode ser conseqüência da precipitação de cristais como ácido úri- co, oxalato de cálcio, aciclovir e sulfonamida, dentre ou- tros. Vale salientar que a reversibilidade da IRA pós-renal se relaciona ao tempo de duração da obstrução. Pontos-chave: • Insuficiência renal aguda (IRA) é uma redução abrupta da função renal • Índices de mortalidade elevados (~50%) • A IRA pré-renal é reversível e resulta da diminuição do volume circulante • Isquemia seguida de toxinas são as causas mais comuns de dano tubular • A reversibilidade da IRA pós-renal se relaciona ao tempo de duração da obstrução FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da IRA isquêmica ou tóxica envolve al- terações estruturais e bioquímicas que resultam basicamente em comprometimento vascular e/ou celular, levando a va- soconstrição, alteração de função e/ou morte celular, des- camação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vaza- mento transtubular do filtrado glomerular e inflamação. Quadro 21.1 Mecanismos fisiopatológicos de IRA associada a drogas Mecanismo Predominante Droga Redução da perfusão renal e alterações na Ciclosporina, inibidores de enzima conversora, hemodinâmica renal antiinflamatórios não-esteroidais, contrastes radiológicos, anfotericina B Toxicidade tubular direta Antibióticos aminoglicosídeos, contrastes radiológicos, cisplatina, ciclosporina, anfotericina B, solventes orgânicos, metais pesados, pentamidina Toxicidade tubular — rabdomiólise Cocaína, etanol, lovastatina Obstrução intratubular — precipitação Aciclovir, sulfonamidas, etilenoglicol, quimioterápicos Nefrite intersticial alérgica Penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, ciprofloxacina, diuréticos tiazídicos, furosemida, cimetidina, alopurinol Síndrome hemolítico-urêmica Ciclosporina, mitomicina, cocaína, quinina 390 Insuficiência Renal Aguda Fatores Vasculares e Hemodinâmicos A vasoconstrição intra-renal é causada por um desequilí- brio entre os fatores vasoconstritores e vasodilatadores resul- tantes da ação tanto sistêmica como local de agentes vasoati- vos. Assim, ocorrem modificações importantes na hemodi- nâmica glomerular e intra-renal, como conseqüência natural desse desequilíbrio. Esse mecanismo fisiopatológico é parti- cularmente importante na IRA por drogas nefrotóxicas. Di- versas nefrotoxinas são capazes de modificar o ritmo de fil- tração glomerular por induzir alterações em vários dos de- terminantes da filtração glomerular, de maneira geral medi- adas por hormônios, com ativação de hormônios vasocons- tritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.). Esse desequilíbrio resulta em vasoconstrição das arteríolas aferente e eferente e contração da célula mesangial, levando à redu- ção do coeficiente de ultrafiltração glomerular (Kf). Conforme referido, as alterações hemodinâmicas são, na maioria das vezes, mediadas por ação predominante de hormônios vasoconstritores; entretanto, a via final comum pela qual estes hormônios realizam suas ações envolve a elevação do cálcio intracelular (Ca��) tanto em células da vasculatura como em células mesangiais. Nesse sentido, vários estudos experimentais mostram que o cálcio é um dos mediadores mais importantes da va- soconstrição intra-renal. O aumentodo cálcio livre no citos- sol de células da musculatura lisa eleva o tônus vascular e contribui para a vasoconstrição, a qual pode ser revertida ou minimizada pela utilização de bloqueadores de canais de cálcio. Antagonistas de cálcio reduzem, por exemplo, a ação vasoconstritora da ciclosporina, minimizando seus efeitos sobre a hemodinâmica glomerular, bem como previnem a va- soconstrição associada aos contrastes radiológicos. Outra participação importante do cálcio na cascata fisi- opatológica da IRA, envolvendo a hemodinâmica renal, relaciona-se com a contração da célula mesangial. O au- mento do Ca�� é geralmente iniciado pela interação de hormônios vasoconstritores com seus receptores ou pela ação direta de toxinas. Em recente estudo foi demonstra- do que o agente imunossupressor FK-506 provoca aumento na concentração de Ca�� em células mesangiais em cultu- ra, desencadeando eventos cujo efeito biológico final é a contração destas células, levando à redução do Kf, dimi- nuição da área glomerular disponível para a filtração e, portanto, ao declínio do ritmo de filtração glomerular. Lesão Tubular Uma das características mais marcantes da IRA isquê- mica e nefrotóxica é o dano às células tubulares, com con- seqüências devastadoras sobre o epitélio tubular, levando à necrose tubular aguda. Assim, os eventos agressores podem variar de intensidade, causando graus variáveis de lesão celular, ou seja, modificações reversíveis das funções fisiológicas da célula ou irreversíveis, podendo culminar com a morte celular. A reversibilidade do dano celular dependerá da intensidade, do tempo de duração e do tipo de evento desencadeador. Um dos eventos mais precoces resultante da isquemia ou mesmo na vigência de uma nefrotoxina é a redução dos níveis intracelulares de ATP e, portanto, das porções do néfron que possuem alta taxa de reabsorção tubular com gasto de energia, como o túbulo proximal e a alça ascen- dente espessa de Henle, que são particularmente mais sus- cetíveis à isquemia por apresentarem elevado consumo de ATP. Os efeitos imediatos da depleção de ATP são: redu- ção da atividade ATPase da membrana citoplasmática, desequilíbrio nas concentrações intracelulares de eletróli- tos como Na�, K� e Ca�� e edema celular. Esse desarranjo desencadeia, por sua vez, uma série de eventos, incluindo desestruturação do citoesqueleto, perda da polaridade ce- lular, perda da interação célula-célula, produção das espé- cies reativas de oxigênio (altamente tóxicas para a célula) e alterações do pH intracelular, que podem culminar com a morte da célula. Um fator agravante na fisiopatologia da IRA, particu- larmente nas situações de IRA isquêmica, é a dificuldade em distinguir os danos causados pela isquemia per se da- queles causados pela reperfusão. Isso ocorre porque os efeitos da reoxigenação súbita podem produzir danos adi- cionais à célula, por mecanismos que envolvem a forma- ção de espécies reativas de oxigênio, aumento do influxo de cálcio e reversão abrupta da acidose intratubular. Por outro lado, apesar da gravidade dessa doença, a IRA é na maioria das vezes um evento transitório e reversível que causa graus variáveis de lesão celular, em especial ao epitélio tubular renal, podendo, entretanto, tornar-se irre- versível. Esse fenômeno é causado pela capacidade de re- generação e diferenciação das células tubulares, restabe- lecendo um epitélio íntegro e funcionante. Mesmo em si- tuações mais graves, nas quais 90% das células epiteliais do túbulo proximal são destruídas, os 10% das células re- manescentes são capazes de entrar em processo de proli- feração estimulado por hormônios e fatores de crescimen- to, recompondo o epitélio tubular. Pontos-chave: • As alterações hemodinâmicas são na maioria das vezes mediadas por ação de hormônios vasoconstritores • O cálcio é um dos mediadores mais importantes da vasoconstrição renal • Na lesão tubular, o túbulo proximal e a alça ascendente espessa de Henle são mais susceptíveis à isquemia por apresentarem elevado consumo de ATP capítulo 21 391 Curso Clínico da IRA com Ênfase à Necrose Tubular Aguda O curso clínico da IRA renal tem sido tradicionalmente subdividido em quatro fases diferentes: inicial, de oligú- ria, de poliúria e de recuperação funcional. A fase inicial começa a partir do período de exposição a drogas nefrotóxicas ou a um insulto isquêmico. Sua du- ração é variável e depende do tempo de exposição ao agente causador. Nas situações de isquemia, pode ser muito curta, enquanto no caso de drogas nefrotóxicas a fase inicial pode durar alguns dias. O volume urinário pode estar normal ou diminuído, porém o rim começa a perder a capacidade adequada de excreção de compos- tos nitrogenados. A fase oligúrica é também variável em grau e duração. Uma vez que a produção de constituintes osmoticamente ativos é ao redor de 600 mOsm ao dia e a capacidade má- xima de concentração urinária é de 1.200 mOsm/litro, um volume urinário inferior a 500 ml/dia é insuficiente para excretar as quantidades necessárias de soluto. Portanto, definimos oligúria como um volume urinário menor do que 500 ml/dia. Nessa segunda fase da IRA, o sedimento urinário pode conter hemácias, leucócitos e células epite- liais isoladas ou em cilindros, havendo também pequena perda protéica. Normalmente, a razão da concentração urinária sobre a concentração plasmática de uréia varia de 50 a 100:1. Na IRA, pela diminuição da concentração urinária e progres- siva elevação sérica de uréia, a razão diminui para 10:1 ou menos, quanto maior e mais grave for a azotemia. Adicio- nalmente, por lesão tubular, a concentração urinária de Na é freqüentemente maior do que 20 mEq/L, sendo este va- lor importante no diagnóstico diferencial de oligúria pré- renal (v. Cap. 10). A maioria dos pacientes que se recupe- ram desenvolve aumento do volume urinário após 10 a 14 dias do início da oligúria. Ocasionalmente, o volume uri- nário não está diminuído na presença de IRA e de azote- mia. Nessas situações, refere-se à IRA como não-oligúrica e justifica-se a presença de volume urinário normal por uma grande elevação na fração de filtração de água ape- sar de pequena filtração glomerular, ou seja, apesar de uma filtração glomerular reduzida, a reabsorção tubular de lí- quido é pequena, ocorrendo um fluxo urinário não-oligú- rico. Esse tipo de IRA é freqüentemente observado em as- sociação com drogas nefrotóxicas, agentes anestésicos e sepse. A terceira fase, fase diurética, pode ser marcada por uma rápida elevação do volume urinário. A magnitude da diu- rese independe do estado de hidratação do paciente e re- presenta habitualmente uma incapacidade dos túbulos regenerados em reabsorver sal e água. A excreção uriná- ria de compostos nitrogenados não acompanha inicialmen- te o aumento da excreção urinária de sal e água. Como conseqüência, a concentração plasmática de uréia e creati- nina continua a aumentar. Portanto, nessa fase, os sinto- mas urêmicos podem persistir e a indicação de diálise pode tornar-se necessária apesar do aumento do volume uriná- rio. Considera-se essa fase da IRA como crítica, com cerca de 25% de mortes no período de elevação da diurese. Oca- sionalmente, o volume urinário pode aumentar gradativa- mente, cerca de 100 a 200 ml/dia. Esse padrão é visto em pacientes com cuidadoso controle hidroeletrolítico e ade- quada indicação de tratamento dialítico. Entretanto, se após uma elevação inicial da diurese o volume urinário atingir um estágio constante e inferior ao normal, a recu- peração total da função renal é menos provável. A última fase, a de recuperação funcional, ocorre após vários dias de diurese normal, com redução gradual de uréia e creatinina plasmática. Em cerca de 30% dos doen- tes ocorre discreta depressão na filtração glomerular que pode persistir, sendo que uma minoria deles exibe contí- nua diminuiçãodo clearance de creatinina em níveis infe- riores a 20 ml/min. Além das anormalidades na função glomerular, defeitos tubulares podem persistir por meses ou anos, sendo o mais freqüente deles uma permanente deficiência na concentração urinária. INCIDÊNCIA Em levantamento nos Estados Unidos, dentre as etiolo- gias de IRA renal, 62% são decorrentes de necrose tubular aguda conseqüente a causas isquêmicas (72%) e tóxicas (28%). As demais situações de IRA são motivadas por glo- merulonefrites agudas (22%), nefrites intersticiais agudas (6%), necrose cortical (5%) e outras (5%). A principal apre- sentação clínica da NTA é oligúrica (74%), enquanto a for- ma não-oligúrica (26%) tem no uso de antibióticos o seu principal responsável (41%). A taxa de mortalidade média é significantemente mais alta (40%) na forma oligúrica do que na não-oligúrica (11 %), sendo que o óbito é oito vezes mais freqüente em pacientes com alguma complicação extra-renal quando comparados com aqueles não-compli- cados. Pontos-chave: • Na fase oligúrica da NTA a concentração urinária diminui e a concentração urinária de sódio aumenta • IRA não-oligúrica ocorre freqüentemente em associação a drogas nefrotóxicas, agentes anestésicos e sepse • 25% das mortes ocorrem no período de elevação da diurese • A taxa de mortalidade é mais alta na forma oligúrica 392 Insuficiência Renal Aguda ALTERAÇÕES HIDROELETROLÍTICAS E ENVOLVIMENTO SISTÊMICO Balanço de Água Normalmente, as perdas de água atingem 0,5 a 0,6 ml/ kg/h no indivíduo adulto (850 ml/dia). Considerando a produção endógena de água decorrente da oxidação de proteínas, gorduras e carboidratos como sendo de 450 ml/ dia, a ingestão de água no paciente oligúrico deve perma- necer ao redor de 400 ml/dia, acrescida de volume igual à diurese emitida. Para prevenir a hiponatremia dilucional por excessiva oferta hídrica, o peso do paciente deve ser mantido igual ou com perda de até 300 g/dia (v. Cap. 9). Balanço de Sódio Durante a fase oligúrica, um balanço positivo de sódio pode levar a expansão de volume, hipertensão e insufici- ência cardíaca (v. Cap. 10). Por outro lado, uma menor ofer- ta de sódio, principalmente na fase poliúrica, pode provo- car depleção de volume e hipotensão. Estes últimos podem retardar a recuperação da função renal. Acredita-se que, durante a fase oligúrica, a oferta de solução salina isotôni- ca (300 ml/dia) associada a controle rigoroso de peso é suficiente para equilibrar o balanço de sódio. Paralelamen- te, na fase poliúrica, a monitorização hídrica e eletrolítica é necessária para a adequada reposição desses elementos. Balanço de Potássio A hipercalemia é a principal causa metabólica que leva o paciente com IRA ao óbito. Considerando que somente 2% do potássio corporal total se encontra fora da célula, pequenas alterações no conteúdo extracelular de potássio provocam profundos efeitos na excitabilidade neuromus- cular. A elevação do K� sérico pode ocorrer na IRA por aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano tecidual, sangramento gastrointestinal, bem como por movimentação do K� do intra- para o extracelular pelo mecanismo-tampão de estados acidóticos (v. Cap. 12). A mais temível complicação da hipercalemia é sua toxicida- de cardíaca, manifestada por alterações eletrocardiográfi- cas. Inicialmente, há surgimento de ondas T pontiagudas, seguindo-se de alargamento do complexo QRS, alargamen- to do intervalo PR e desaparecimento de onda P. Seguem- se, então, arritmias ventriculares que, se não são pronta- mente corrigidas, podem levar rapidamente ao óbito. Por essa razão, é necessário rigoroso controle eletrocardiográ- fico e de K� sérico no paciente com IRA. Na presença de alterações eletrocardiográficas ou de grave hipercalemia (K� � 6,5 mEq/L), algumas medidas terapêuticas devem ser utilizadas. A administração endo- venosa de gluconato de cálcio a 10% (10 a 30 ml) pode re- verter prontamente as alterações verificadas, porém com duração de poucos minutos. Se houver necessidade de efei- to protetor mais prolongado, deve-se utilizar bicarbonato de sódio, caso esteja ocorrendo concomitantemente um estado acidótico. Adicionalmente, resinas trocadoras de K� (Kayexalate ou Sorcal) e/ou solução polarizante contendo 200 a 500 ml de solução glicosada a 10% com uma unida- de de insulina simples para cada 5 g de glicose podem ser utilizadas. A solução polarizante aumenta a captação de K� pela célula e reduz seu nível plasmático. Assim, exceto as resinas trocadoras, Kayexalate (troca K� por Na�) ou Sorcal (troca K� por Ca��), todas as demais medidas te- rapêuticas resultam apenas no remanejamento do potássio extracelular para o intracelular, sem contudo diminuir o K�. A hemodiálise e a diálise peritoneal, isoladas ou em associ- ação com as medidas acima referidas, são freqüentemente necessárias para melhor controle eletrolítico e efetivamente diminuir o conteúdo corporal total de K� (v. Cap. 12). Pontos-chave: • A hipercalemia é a principal causa metabólica de óbito na IRA • A mais temível complicação da hipercalemia é a sua toxicidade cardíaca • K� � 6,5 mEq/L — medidas terapêuticas: Gluconato de cálcio a 10% Bicarbonato de sódio Resinas trocadoras de potássio Hemodiálise e diálise peritoneal Balanço de Cálcio e Fósforo A hipocalcemia é o achado mais freqüente no desequilí- brio do balanço de cálcio. Tetania, espasmos musculares e acentuação dos efeitos cardiotóxicos da hipercalemia podem estar presentes. Ocasionalmente, os níveis de Ca�� podem estar normais ou elevados, ocorrendo este achado quando a IRA está associada a rabdomiólise ou a injúrias complica- das por calcificação metastática. Hiperfosfatemia também é um freqüente achado em pacientes com IRA, em decorrên- cia de diminuição da filtração glomerular (v. Cap. 13). MANIFESTAÇÕES EXTRA-RENAIS As manifestações extra-renais da IRA são semelhantes às observadas na insuficiência renal crônica. Contudo, deve ser enfatizado que, pela rapidez com que ocorrem, são fre- capítulo 21 393 qüentemente essas alterações que contribuem para a alta taxa de mortalidade da IRA. INFECÇÕES As infecções continuam a ser as complicações mais fre- qüentes no paciente com IRA, variando sua incidência entre 45 e 80%. Apesar do seu reconhecimento e tratamen- to, cerca de 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em conse- qüência de processos infecciosos. As complicações infec- ciosas são mais observadas em IRA pós-traumática ou pós- cirúrgica, particularmente quando envolve cirurgia gastro- intestinal. As infecções urinárias são de grande importân- cia em pacientes com IRA, visto a dificuldade dos antibió- ticos atingirem níveis teciduais ou urinários adequados, com freqüente evolução para septicemia. A presença de cateteres urinários, tanto de demora como intermitentes, é fator fundamental para o desenvolvimento e manuten- ção de infecção urinária, com seleção de agentes microbi- anos mais resistentes e de maior risco de disseminação. Infecções broncopulmonares são do mesmo modo uma freqüente complicação da IRA, principalmente em pacien- tes submetidos a diálise peritoneal. O diagnóstico pode tornar-se difícil quando da presença de edema pulmonar concomitante, porém outros sinais de hipervolemia devem ser considerados antes de se afirmar que se trata exclusi- vamente de congestão pulmonar. COMPLICAÇÕES GASTROINTESTINAIS Sangramento gastrointestinal ocorre com freqüência de 10 a 40% e resulta em evolução fatal em 20 a 30% dos paci- entes com IRA. Comumente, é observado em IRA pós-ci- rúrgica ou pós-traumática e menos freqüentemente em IRA por causa médica ou obstétrica. Ulcerações gástricas ou duodenais são os achados mais comuns. O tratamento clínico tem preferência, uma vez que o prognóstico se torna reservado quando é necessário tra- tamento cirúrgico. Obviamente, a presença de sangue no trato gastrointestinalcontribui substancialmente para ele- vação da concentração plasmática de uréia e potássio, ne- cessitando de adequação do programa dialítico. COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES A mais freqüente complicação cardíaca é a presença de pericardite fibrinosa (10%). Está geralmente associada com atrito pericárdico e pode estar complicada pela presença de derrame pericárdico. Caso o derrame leve a repercus- sões hemodinâmicas (tamponamento), pronto tratamento, incluindo pericardiocentese e pericardiotomia, deve ser utilizado. Insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão podem estar presentes e correlacionam-se com sobrecar- ga de volume. Entretanto, acidose metabólica e distúrbi- os eletrolíticos podem contribuir para o surgimento de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), bem como de ar- ritmias. COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS O sistema nervoso, entre todos os sistemas orgânicos, é o que menos tolera uma rápida redução da função renal. Como conseqüência, a encefalopatia urêmica é a mais co- mum manifestação da IRA. Observam-se contínuos sinais de alterações sensoriais, motoras (asterixes, tremores, mi- oclonias) e quadros convulsivos. Dentre os sinais de ence- falopatia urêmica, alterações intelectuais e de memória são os mais precoces. Posteriormente, surgem alterações mo- toras e finalmente convulsões e coma, que representam os eventos terminais graves e de risco clínico (v. Cap. 39). Pontos-chave: • As infecções continuam a ser as complicações mais freqüentes no paciente com IRA • 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em conseqüência de processos infecciosos • Sangramento gastrointestinal ocorre com freqüência de 10 a 40% e resulta em evolução fatal em 20 a 30% dos pacientes com IRA • A mais freqüente complicação cardíaca é a presença de pericardite fibrinosa (10%) • Encefalopatia urêmica é a mais comum manifestação da IRA PATOLOGIA Os rins na IRA tendem a ser maiores e mais pesados em decorrência do edema intersticial e do aumento do conteú- do de água. Os capilares glomerulares podem apresentar- se levemente congestos no início do processo, porém ha- bitualmente os glomérulos não mostram alterações estru- turais. Ocasionalmente, depósitos de fibrina e plaquetas, sugerindo trombose intraglomerular, podem ser visualiza- dos no espaço capsular. Aumento no volume citoplasmá- tico de células epiteliais e endoteliais tem sido descrito. 394 Insuficiência Renal Aguda As lesões tubulares podem não ser facilmente observa- das. De fato, variam com o tempo de isquemia. Inicialmen- te, há perdas do núcleo e dissolução da borda em escova. A seguir, ocorre aumento das células tubulares. Finalmen- te, os túbulos tornam-se dilatados e revestidos por um epitélio achatado, contendo células com citoplasma basó- filo e núcleos hipercromáticos. As porções ascendente e descendente da alça de Henle mostram áreas focais de necrose com formação de cilindros intratubulares. O lúmen do túbulo distal apresenta-se dilatado e com pigmentos, particularmente se a IRA estiver associada com hemo ou mioglobinúria. Classicamente, dois padrões de dano tubular têm sido descritos: tubulorrexe e lesão nefrotóxica. A tubulorrexe é caracterizada por completa destruição da membrana basal tubular e está associada com insulto isquêmico grave. Es- sas lesões são de características focais, com néfrons perfei- tos ao lado de néfrons acometidos e podem comprometer todo o trajeto tubular. A regeneração da tubulorrexe pode ocorrer ao acaso, com formação de pseudocistos, atrofia tubular e até mesmo fibrose (cicatrizes). Entretanto, depen- dendo da gravidade do insulto, é possível completa recu- peração estrutural e funcional. Diferentemente, o padrão de lesão nefrotóxica é associado com exposição direta de agen- tes capazes de produzir dano renal. Considerando o gasto energético de reabsorção e secreção, as células do túbulo proximal são as mais afetadas por agentes nefrotóxicos. Contudo, alguns agentes nefrotóxicos agridem preferenci- almente diferentes porções do túbulo proximal. As alterações tubulares variam desde simples aumento celular até franca necrose, porém a membrana basal permanece intacta. Em vista da grande variabilidade anatômica observada na IRA, é difícil correlacionar lesões específicas com as al- terações fisiológicas constatadas. Devemos lembrar que não é achado infreqüente a presença de IRA com biópsia renal normal, sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou alteração funcional. DIAGNÓSTICO Avaliação Clínica Inicial Avaliar, na história do paciente, a presença de doença sistêmica crônica (diabetes, lúpus). Posteriormente, pesqui- sar doença sistêmica aguda (glomerulonefrite aguda), além de história de traumatismo recente como potenciais cau- sas primárias de IRA. Adicionalmente, investigar antece- dentes de uropatia obstrutiva (principalmente no homem idoso), uso de drogas nefrotóxicas e com potencial efeito de hipersensibilidade intersticial, bem como verificar a possibilidade de intoxicação acidental ou intencional por metais pesados, solventes orgânicos e outros. A seguir, principalmente no paciente hospitalizado, obter informações a respeito de depleção hídrica (diurese excessiva, débito de sonda nasogástrica, drenos cirúrgicos, diarréia) em pacientes com pouca ingestão de água volun- tária ou que não tenham sido adequadamente hidratados. Além disso, se o paciente foi submetido a cirurgia recente, qual o anestésico utilizado e quais intercorrências clínicas que se seguiram, como infecções, hipotensão, balanço hí- drico negativo, etc. Ter conhecimento sobre o uso de anti- bióticos (dose, número de dias utilizados) e se houve pro- cedimento radiológico com utilização de meio de contras- te no período que antecedeu o desenvolvimento da IRA. Durante o exame físico, avaliar adequadamente o esta- do de hidratação pelo peso corporal, turgor cutâneo, alte- rações posturais de pulso e pressão arterial, membranas mucosas e pressão intra-ocular. Entretanto, lembrar que há situações clínicas (cirrose, síndrome nefrótica, ICC) em que o volume extracelular está normal ou aumentado, porém com diminuição do volume sangüíneo efetivo, acarretan- do hipoperfusão renal e conseqüente IRA pré-renal. A se- guir, avaliar a possibilidade de obstrução do trato uriná- rio por meio de cuidadoso exame abdominal (globo vesi- cal palpável, rins hidronefróticos), toque retal no homem (avaliação prostática) e exame ginecológico bimanual na mulher (presença de massas pélvicas). Quando da suspei- ta de obstrução urinária baixa, proceder a uma cateteriza- ção vesical simples e estéril para confirmação diagnóstica. Observar a presença de febre e/ou erupções cutâneas macropapulares ou petequiais que possam sugerir nefrite intersticial aguda por hipersensibilidade a drogas. Por fim, avaliar o estado mental e o padrão respiratório para veri- ficar possíveis causas de intoxicação, bem como avaliar qualquer outro sinal clínico que sugira a presença de do- ença sistêmica como causa da IRA. Diagnóstico Laboratorial A primeira amostra de urina emitida ou cateterizada de pacientes com IRA deve ser utilizada para avaliação de índices urinários diagnósticos. Medidas de sódio, uréia, creatinina e osmolaridade urinária, bem como amostra de sangue para análise de sódio, uréia e creatinina, devem ser coletadas. Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é fre- qüentemente elevada (� 500 mOsm), enquanto na IRA renal ou pós-renal tende a ser isosmótica ao plasma (� 350 mOsm). O Na� urinário costuma estar elevado (� 40 mEq/ L) na IRA renal pela lesão tubular, enquanto na IRA pré- renal é baixo (� 20 mEq/L) em virtude da ávida retenção de Na� e H2O pela hipoperfusão renal. As relações U urinária/U plasmática e C urinária/C plasmática estão freqüentemente elevadas na IRA pré-re- nal (� 60 e � 40, respectivamente) decorrente da reabsor- ção tubular de Na� e H2O e conseqüentemente aumentoda concentração urinária de uréia e creatinina. Inversamen- te, essa relação está diminuída na IRA renal (� 30 e � 20, respectivamente) pelo dano tubular. É importante ter em mente que o uso de diuréticos pode invalidar a utilidade capítulo 21 395 desses índices por até 24 horas. Valores intermediários podem ser encontrados tanto na IRA pós-renal como na transição de IRA pré-renal em renal. A análise do sedimento urinário pode ser de auxílio no diagnóstico da IRA. Cilindros hialinos ocorrem mais fre- qüentemente na IRA pré-renal, enquanto cilindros granu- losos e discreta leucocitúria e grande quantidade de célu- las tubulares podem ser observados na IRA renal (sedimen- to “sujo”). A presença de hemácias dismórficas e/ou cilindros he- máticos sugere a existência de uma glomerulonefrite agu- da, podendo ser acompanhada de proteinúria moderada ou elevada. Entretanto, proteinúria leve (traços) pode ser compatível com IRA pré-renal ou mesmo renal. Fitas rea- gentes urinárias positivas para sangue, sem presença con- comitante de hematúria no sedimento, podem sugerir ra- bdomiólise com mioglobinúria, sendo esse diagnóstico fortalecido pela presença de CPK e aldolase elevadas no soro. Adicionalmente, diante da suspeita de nefrite inters- ticial aguda, a presença de eosinofilia no sangue periféri- co em associação com sedimento urinário contendo hema- túria e leucocitúria (com intenso predomínio de eosinófi- los) pode sugerir fortemente esse diagnóstico. Diagnóstico por Imagem O mais simples procedimento é a ultra-sonografia (v. Cap. 18-I). A ultra-sonografia, além de nos fornecer o ta- manho renal, nos dá informações a respeito de obstruções nas vias urinárias, presença ou não de cálculos, bem como avaliação do parênquima renal. Portanto, é possível dife- renciar IRA de IRC e, adicionalmente, pela diferenciação da relação parênquima sinusal e tamanho cortical, sugerir IRC com rins de tamanho normal (diabetes, mieloma). Alternativamente, o uso da cintilografia renal pode auxi- liar na avaliação da perfusão renal (v. Cap. 20). Em casos de forte suspeita ou confirmação de obstru- ção urinária, estão indicados estudos urológicos, como a cistoscopia e a pielografia ascendente. Além de fins diag- nósticos (obstrução por cálculos ou tumores ou coágulos) são úteis na colocação de cateteres ureterais para a desobs- trução e como avaliação pré-operatória para posteriores desvios do fluxo urinário. Biópsia Renal A biópsia renal precoce (um a cinco dias) está indicada quando há suspeita de ser a IRA decorrente de uma doen- ça sistêmica (por exemplo: vasculite), de uma glomerulo- nefrite aguda (por exemplo: lúpus), de uma nefrite inters- ticial aguda quando houver suspeita de necrose cortical bilateral, ou na ausência de diagnóstico clínico provável. A biópsia nos fornecerá bases para justificar uma terapêu- tica mais agressiva (corticóides, agentes citotóxicos, plas- maférese), bem como nos trará uma indicação prognósti- ca pela avaliação histológica de componentes inflamatóri- os e fibróticos. Nos casos habituais de NTA, aguardam-se de quatro a cinco semanas para a recuperação da IRA an- tes de se proceder à biópsia (v. Cap. 16). Se a deficiência de função renal se estender por esse período, indica-se então a biópsia renal para determinar se um diagnóstico menos favorável, necrose cortical por exemplo, não é a causa da persistência da IRA. Pontos-chave: • Lembrar que não é achado infreqüente a presença de IRA com biópsia renal normal, sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou alteração funcional • Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é freqüentemente elevada (� 500 mOsm), enquanto na IRA renal ou pós-renal tende a ser isosmótica ao plasma (� 350 mOsm) • O Na� urinário costuma estar elevado (� 40 mEq/L) na IRA renal pela lesão tubular, enquanto na IRA pré-renal é baixo (� 20 mEq/L) em virtude da ávida retenção de Na� e H2O pela hipoperfusão renal • As relações uréia urinária/uréia plasmática e creatinina urinária/creatinina plasmática estão freqüentemente elevadas na IRA pré- renal (� 60 e � 40, respectivamente) decorrente da reabsorção tubular de Na� e H2O e conseqüentemente aumento da concentração urinária de uréia e creatinina. Essa relação está diminuída na IRA renal (� 30 e � 20, respectivamente) pelo dano tubular • Eosinofilia no sangue periférico em associação com sedimento urinário contendo hematúria e leucocitúria (com intenso predomínio de eosinófilos) pode sugerir nefrite intersticial aguda TRATAMENTO Tratamento da IRA Pré-Renal Quando a IRA decorrer de deficiência no volume extra- celular, a reposição hídrica deve ser feita de modo a resta- belecer a quantidade de líquido perdida, associando-se com adequada correção eletrolítica (v. Cap. 10). Metade da deficiência hídrica estimada deve ser reposta nas primei- ras 24 horas e, usualmente, o volume urinário aumenta em 396 Insuficiência Renal Aguda 4 horas. Todavia, em pacientes idosos ou com doença re- nal prévia, a oligúria pode persistir por mais tempo. Nas situações em que a IRA pré-renal é decorrente da diminui- ção do volume sangüíneo efetivo, a terapêutica orienta-se pela fisiopatologia da doença desencadeante, como referi- do a seguir: Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) — uso de ino- trópicos positivos. Quando necessário, associar o uso de drogas vasodilatadoras (hidralazina, prazosina, captopril) para diminuir a pós-carga; freqüentemente, o uso combi- nado restaura a diurese por melhor perfusão renal. Entre- tanto, em alguns pacientes pode haver persistência de al- gum grau de azotemia pré-renal, o qual deve ser encarado pelo médico como um problema participante do quadro clínico e perfeitamente controlável. Síndrome nefrótica — a terapêutica mais racional é ori- entada para a correção da doença de base, seja pelo uso de corticóides, seja de drogas citotóxicas. Entretanto, em de- terminados estados patológicos primários que se manifes- tam por síndrome nefrótica (glomerulonefrite membrano- sa, diabetes), o tratamento pode restringir-se somente ao controle de hidratação e uso criterioso de diuréticos. Cirrose — evitar desequilíbrios hemodinâmicos é fun- damental para se impedir a evolução do paciente cirrótico para síndrome hepatorrenal. Quando já estabelecida, o prognóstico torna-se reservado com evolução para óbito em mais de 90% dos casos. Em situações de oligúria, cui- dadosa expansão salina e uso de espironolactona, isolada- mente ou em associação com furosemida, melhoram a diu- rese em até 80% dos doentes. Freqüentemente, a observação do paciente com azote- mia pré-renal é feita apenas com o exame clínico. Entretan- to, monitorização invasiva pode ser necessária quando vigorosa terapia hídrica é indispensável ou quando se des- conhece a tolerância do paciente a grandes reposições de volume. Nessas situações, indica-se a utilização de cateter venoso central para a medida de pressão venosa de átrio direito (PVC), ou mesmo de um cateter de Swan-Ganz (pressão do capilar pulmonar) para melhor avaliação he- modinâmica. Tratamento da IRA Renal Não há benefícios na utilização de diuréticos na IRA. Uma vez caracterizada, rigoroso controle hidroeletrolítico deve ser mantido. A reposição de volume deve ser restrin- gida a 400 ml/dia acrescido do débito urinário. O balanço de sódio deve ser controlado por meio de uma dieta pobre em Na (1 g/dia) nos pacientes que não estão sendo sub- metidos a diálise, porém, com maior liberdade (até 3 g/dia) quando já em programa dialítico. Adicionalmente, corri- gir eventual acidose quando o pH plasmático estiver me- nor do que 7,25 ou o HCO3 inferior a 12 mEq/L (v. Cap. 11). Manutenção em valores normais do nível plasmático de K� é feita por meio das medidas terapêuticas anterior- mente discutidas. Lembrar de ajustar todas as drogas que tenham alteração de seu metabolismo pela presença de alteraçãona função renal. O principal responsável pela liberação orgânica de re- síduos de nitrogênio é o metabolismo de proteínas, resul- tando em elevação da carga de uréia, de ácidos metabóli- cos (sulfatos, fosfatos, ácidos orgânicos) e de potássio. Ini- cialmente, devemos considerar que 100 g/dia de carboi- dratos são suficientes para diminuir o catabolismo protéi- co. Além disso, o suprimento adicional de calorias na for- ma de gorduras e de quantidades adequadas de proteína previne um balanço nitrogenado negativo. Quando o su- primento correto de carboidratos é fornecido em associa- ção com proteínas que contenham aminoácidos de alto valor biológico (essenciais), ocorre balanço positivo de ni- trogênio, com a vantagem de a uréia e outros compostos nitrogenados serem utilizados para a síntese de aminoáci- dos não-essenciais. Ocorre então concomitante melhora dos sintomas clínicos e diminuição na concentração plas- mática de uréia. Portanto, uma dieta com 1.800 a 2.500 kcal/dia e 0,5 g/kg/dia de proteína de alto valor biológi- co é aconselhável para pacientes com IRA que estejam com boa aceitação oral. Nas situações em que for necessária a utilização de nutrição parenteral, glicose hipertônica e aminoácidos essenciais devem ser administrados. Diferen- temente, alguns autores sugerem que a quantidade de pro- teínas fornecidas deve ser mantida normal (1 g/kg/dia) e a diálise realizada quando necessário. Haveria menor ris- co de desnutrição e menor incidência de processos infec- ciosos. Diálise precoce e freqüente deve ser utilizada para man- ter uréia abaixo de 180 mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/ dl. Esses níveis previnem os sintomas clínicos da uremia, melhoram o estado nutricional do paciente e podem, indis- cutivelmente, diminuir o risco de sangramento e infecções. Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdo- miólise, traumatismo, queimadura, septicemia, pós-opera- tório de cirurgias extensas) têm elevada produção de uréia e usualmente necessitam de hemodiálise quando se apre- sentam com IRA. A hemodiálise também está indicada em quadros de IRA por intoxicação exógena por metanol e etilenoglicol, visto seu efeito em remover toxinas rapida- mente. A hemodiálise deve ser mantida por 4 ou mais ho- ras e diariamente se for necessário. O maior perigo é o san- gramento e, portanto, em pacientes de alto risco, doses reduzidas de heparina ou heparinização regional devem ser utilizadas. As complicações hidroeletrolíticas são seme- lhantes às da diálise peritoneal, porém ocorrem mais agu- damente e, assim, necessitam de pronto tratamento. Nos últimos anos, procedimentos dialíticos ditos “espe- ciais e contínuos” têm ganho grande espaço como instru- mentos terapêuticos para reposição da função renal na IRA. Os procedimentos de hemofiltração e hemodiafiltração são utilizados freqüentemente para a reposição de função re- capítulo 21 397 nal e clareamento de substâncias tóxicas em pacientes cri- ticamente enfermos (v. também Cap. 50). Diferentes opções técnicas de tratamento são utilizadas dependendo das con- dições dos pacientes, porém quase sempre as diferentes modalidades são utilizadas de maneira contínua. Assim, é bastante comum o uso do termo terapia contínua de re- posição renal (CRRT). A hemodiafiltração intermitente é também utilizada para pacientes com insuficiência renal crônica em alguns centros especializados na Europa. Pontos-chave: • Não há benefícios na utilização de diuréticos na IRA • Diálise precoce e freqüente deve ser utilizada para manter uréia abaixo de 180 mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/dl • Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdomiólise, traumatismo, queimadura, septicemia, pós-operatório de cirurgias extensas) têm elevada produção de uréia e usualmente necessitam de hemodiálise quando se apresentam com IRA • Os procedimentos de hemofiltração e hemodiafiltração são utilizados freqüentemente para a reposição de função renal e clareamento de substâncias tóxicas em pacientes criticamente enfermos CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A CRRT Acesso Vascular A necessidade de um acesso vascular para HD ou he- mofiltração em pacientes com IRA é habitualmente tem- porária. Os métodos para estabelecer esse acesso envolvem a punção percutânea de um grande vaso sangüíneo (jugu- lar interna, subclávia ou femoral). Atualmente, os catete- res venosos de duplo lúmen são os mais populares, porém são calibrosos e apresentam risco de trombose ou esteno- se tardia da veia subclávia. Outra via de acesso que podemos utilizar é a introdu- ção de cateteres mais calibrosos, por punção percutânea, na artéria e veia femorais. As vantagens desse método são o alto fluxo sangüíneo e a baixa incidência de coagulação e infecção local. Entretanto, este tipo de acesso exige o con- finamento do paciente ao leito. Além disso, existe o risco de hematoma local ou retroperitoneal, além de isquemia distal se os vasos apresentarem estenose. Os shunts arteriovenosos (shunt de Quinton-Scribner, shunt AV) representam outra alternativa. Nesta técnica, implanta-se cirurgicamente um par de cânulas conectan- do uma artéria a uma veia das extremidades (antebraço ou perna), formando uma fístula externa. Apesar do baixo risco de sangramento e maior liberdade no manuseio do paciente, existe a necessidade do implante cirúrgico e os riscos de coagulação e de infecção. Além disso, o fluxo sangüíneo é relativamente baixo, podendo resultar em is- quemia da extremidade em questão. Nos anos 80, alguns autores introduziram variantes dos cateteres de duplo lúmen. Os cateteres de duplo lúmen de longa permanência (PermcathTM e outros) são de silástico inseridos cirurgicamente, sendo que um túnel subcutâneo é construído para a sua via de saída. O cateter é firmemente fixado no túnel devido à presença de um cuff. Tais catete- res são mais flexíveis e biocompatíveis, implicando menor risco de trombose venosa. Além disso, a presença do túnel subcutâneo na via de saída e de um cuff no cateter reduz a taxa de infecções no local e, conseqüentemente, de bacte- remia. Outra variante introduzida mais recentemente é o cate- ter de Tesio. Na verdade, este cateter é constituído por dois cateteres separados, ou seja, com os lumens arterial e ve- noso do circuito separados, porém com a extremidade ex- terna dos cateteres juntando-se em uma só peça. Durante a implantação cirúrgica, o cateter venoso é implantado al- guns centímetros mais profundamente para evitar recircu- lação. Devido ao grande calibre (10 Fr), estes cateteres per- mitem alto fluxo de sangue. Força Motriz do Sangue Ao optarmos por acessos vasculares arteriovenosos (pun- ção percutânea de artéria e veia femoral ou shunt AV), o gra- diente de pressão do lado arterial para o lado venoso do cir- cuito pode funcionar como força motriz para o sangue pas- sar por um sistema de baixa resistência (hemofiltração). Quan- do utilizamos somente cateteres venosos, não há gradiente de pressão e se faz necessária uma bomba para impulsio- nar o sangue. As máquinas de HD e de hemofiltração veno- venosa são providas de bombas de rolete para tal propósi- to. Também se podem utilizar bombas de rolete avulsas para realização de ultrafiltração lenta contínua (SCUF). Dialisador Os filtros de HD podem ter duas formas básicas de ar- quitetura: filtro capilar e filtro de placas paralelas. Os fil- tros capilares são mais utilizados do que os de placas pa- ralelas. Os filtros de placas paralelas estão associados a uma maior taxa de coagulação do sistema e geralmente a caixa que os aloja é opaca, não permitindo a visualização dos coágulos. 398 Insuficiência Renal Aguda As membranas que equipam os dialisadores podem ser classificadas em três tipos: celulose, celulose modificada e sintética. A celulose é obtida por meio do processamento do algodão e, até recentemente, o tipo de membrana mais comumente encontradonos dialisadores era o cuprofane. Essa membrana tem alta permeabilidade para pequenas moléculas, PM � 200 dáltons e baixa para moléculas mai- ores. As membranas sintéticas incluem a poliacrilonitrila (PAN), a polissulfona, a poliamida, o policarbonato e o polimetilmetacrilato. Essas membranas são mais permeá- veis a moléculas médias e grandes do que o cuprofane. Esses filtros, por apresentarem alta capacidade de UF e serem altamente permeáveis aos solutos urêmicos, permi- tem a utilização do transporte por convecção, mimetizan- do a filtração glomerular (v. também Cap. 50). Anticoagulação Decorrente da natureza artificial de um sistema de CRRT, existe ativação de complemento, cininas, cascata da coagulação e agregação plaquetária com formação de trom- bos em seu interior. A coagulação do sangue no filtro dia- lisador leva à diminuição progressiva da área de superfí- cie de filtração. Assim, é necessário obter-se anticoagula- ção eficaz do sangue durante a passagem pelo filtro, po- rém, sem anticoagular excessivamente o paciente. A anti- coagulação mais freqüentemente empregada é a heparini- zação. O sistema passa inicialmente por uma pré-lavagem com soro heparinizado (5.000 UI de heparina para um li- tro de soro fisiológico) e infusão de heparina em bolo ou por infusão contínua para manter o tempo de tromboplas- tina parcial ativado (TTPa) ou o tempo de coagulação ati- vado (TCa) uma e meia a duas vezes superior ao valor normal. Geralmente, isto requer uma dose em torno de 1.000 UI/hora, devendo-se proceder à monitorização do TTPa durante o tratamento. Nos procedimentos dialíticos prolongados ou contínuos, recomenda-se a heparinização contínua. A anticoagulação com heparina pode ser feita regionalmente, infundindo-se sulfato de protamina no fi- nal do circuito venoso (l ml para cada 1.000 UI de hepari- na). Tecnicamente, a heparinização regional é complicada e mais cara, por exigir a utilização de duas bombas de in- fusão e a monitorização freqüente (3 a 4 vezes por dia) do TTPa do sistema de CRRT e do paciente. O citrato trissódico é uma das alternativas à heparini- zação. Seu princípio de ação é a quelação do cálcio iônico, que é co-fator importante para a ação de várias enzimas da cascata de coagulação. Nesse tipo de anticoagulação, infun- de-se o citrato trissódico (2 mol/l,5 litro de soro fisiológi- co para 4 horas de HD) na via arterial da CRRT, fazendo- se a reposição do cálcio na linha venosa, com cloreto de cálcio a 5% (120 ml em 4 horas). É importante a monitori- zação freqüente dos níveis de cálcio iônico. Apesar de se mostrar um excelente anticoagulante, seu uso torna-se li- mitado pelos motivos justificados para a heparinização regional, adicionando-se a necessidade de monitorização do cálcio iônico, os riscos de hipo- ou hipercalcemia e al- calose metabólica (pela conversão do citrato em bicarbo- nato no fígado). Além da heparina e do citrato, outro anti- coagulante promissor é a prostaciclina. Por enquanto, os inconvenientes para essa substância são o risco de hipoten- são arterial e o alto custo do tratamento. Também é possí- vel realizar procedimentos dialíticos com CRRT sem o uso de anticoagulantes. Neste caso, utilizam-se freqüentes la- vagens do circuito da CRRT com solução salina a 0,9% (100 ml a cada 30 minutos) (v. Cap. 50). Solução de Diálise Durante a HD, uma solução é infundida no comparti- mento externo do filtro dialisador, entrando em contato com a membrana dialítica. Com a finalidade de manter o equilíbrio eletrolítico e ácido-básico no organismo, a solu- ção de diálise deve conter quantidades adequadas de íons como sódio, potássio, cálcio etc. Assim, certos íons apre- sentam concentração baixa na solução dialisadora com a finalidade de promover sua remoção do plasma (potássio), enquanto outros apresentam concentração equilibrada (só- dio). Devido à perda de grandes quantidades de bicarbo- nato e à acidose da insuficiência renal, é necessária a sua reposição. A reposição é feita mediante tampão usado no banho de diálise, que pode ser o acetato de sódio ou o pró- prio bicarbonato. O acetato tem como vantagem o poder de inibir o crescimento bacteriano na solução dialisadora, o que vem reduzir a quantidade de fragmentos bacteria- nos que podem ser absorvidos pelo sangue durante a HD (com conseqüente ativação de produção de citocinas). En- tretanto, os eventos metabólicos ligados à conversão do acetato em bicarbonato no fígado produzem um efeito vasodilatador com risco de hipotensão arterial durante a HD. As soluções com bicarbonato de sódio estão relacio- nadas a uma menor ocorrência de episódios hipotensivos. Como inconveniente, favorecem a precipitação, formando sais de cálcio, promovendo uma reposição inadequada desse íon e também ocasionando problemas na manuten- ção do equipamento. Essas dificuldades são contornáveis com a utilização de máquinas de proporção. Solução de Reposição As soluções de reposição são utilizadas somente nas modalidades onde o objetivo é o transporte de solutos por convecção, ou seja, hemofiltração arteriovenosa contínua (CAVH) e hemodiafiltração arteriovenosa contínua (CAVHD). Como os objetivos de controle eletrolítico são os mesmos que os da HD intermitente, a solução tem com- posição semelhante. Entretanto, ao contrário das soluções de reposição, a solução de diálise na HD intermitente não necessita ser estéril. Assim, faz-se necessária a aquisição de capítulo 21 399 uma solução adequada, ou a composição de uma solução no hospital, a partir da solução de Ringer. Alternativamen- te, pode-se utilizar solução de diálise peritoneal, que apre- senta composição adequada, com exceção da elevada quan- tidade de glicose. No Quadro 21.2 pode-se observar a com- posição das diferentes soluções. A prescrição desta ou da- quela solução dependerá da disponibilidade e da necessi- dade de cada paciente. TERAPIAS CONTÍNUAS DE REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL Os métodos hemodialíticos podem ser divididos em HD intermitente, onde geralmente são utilizados filtros de menor permeabilidade, e nas terapias contínuas de reposição renal ou CRRT, onde são utilizados filtros da altíssima permeabili- dade (hemofiltros). A grande variedade de técnicas de CRRT desenvolvidas levou a uma confusão de nomenclatura. Ultrafiltração Lenta Contínua (SCUF) Na SCUF, o gradiente de PTM determina o transporte de água. O propósito desta terapia é tão-somente o controle volêmico, assim, não há reposição do volume ultrafiltrado e o clearance de solutos é mínimo. O acesso vascular pode ser arteriovenoso ou venovenoso. Podem-se também usar filtros de diferentes permeabilidades. Apesar de não se uti- lizar solução dialisadora, pode ser mais seguro realizar-se o procedimento com uma máquina de HD com monitores acoplados (detector de bolhas, monitores de pressão do sis- tema etc.) do que com uma bomba de roletes isolada. Hemofiltração Arteriovenosa Contínua A CAVH sem bombas foi descrita em 1977 por Kramer et al., embora o conceito de diafiltração já houvesse sido introduzido 10 anos antes. Nesse procedimento, além do uso do filtro de alta permeabilidade (hemofiltro), utiliza- se o gradiente de pressão arteriovenoso do paciente para impulsionar o sangue na CRRT. Como a CAVH é um pro- cesso contínuo de remoção de líquido e substâncias urê- micas por convecção, há necessidade de retirada e reposi- ção de grandes volumes de líquido. Essa técnica é útil para manter o paciente “seco”, preservando a estabilidade he- modinâmica. Por outro lado, o clearance médio de uréia na CAVH é em torno de 10 ml/min, sendo freqüentemente insuficiente para o controle adequado do nível de uréia em pacientes graves hipercatabólicos (v. também Cap. 50). Nesta modalidade, um hemofiltro de baixa resistência é interposto entre as vias arterial e venosa (volume total de sangue próximo a 75 ml) sem necessidade de bomba de sangue. Como banho dediálise, infundimos solução dia- lisadora por gravidade e em fluxo contrário ao do sangue. O líquido efluente é drenado para um coletor de fluidos (coletor de urina em sistema fechado, por exemplo), sen- do a aferição horária. O volume infundido é subtraído do medido na unidade de tempo e anotado como UF. O cole- tor quando abaixo do nível do capilar gera uma pressão negativa, no compartimento externo do hemofiltro, pro- porcional à altura da coluna de ultrafiltrado. A combina- ção dessa pressão negativa com a pressão positiva exerci- da pelo sangue determina a PTM e conseqüentemente a velocidade de UF. O fluxo sangüíneo, por sua vez, é de- terminado pela pressão arterial média, resistência impos- ta pelo conjunto de vias, capilar e viscosidade sangüínea. A reposição de fluidos pode ser feita na linha arterial, antes do filtro (CAVH pré-dilucional) ou na linha venosa, após o filtro (CAVH pós-dilucional). A pré-dilucional pode reduzir o fluxo efetivo de sangue e conseqüentemente o clear- ance. Por outro lado, a pré-dilucional está associada a ta- xas consideravelmente menores de coagulação do sistema. Hemodiafiltração Arteriovenosa Contínua Esta modalidade é muito semelhante à CAVH, porém uma solução de diálise é infundida de maneira contínua Quadro 21.2 Composição das diferentes soluções de reposição utilizadas em CRRT Solução Fluido Fluido de de Diálise de Ringer-lactato Peritoneal Hemodiafiltração Glicose (mg/dl) — 1.360 100 Sódio (mEq/L) 130 132 140 Potássio (mEq/L) 4,0 — 2,0 Cloreto (mEq/L) 109 96 117 Cálcio (mEq/L) 2,7 3,5 3,5 Magnésio (mEq/L) — 0,5 1,5 Lactato (mEq/L) 28 40 30 400 Insuficiência Renal Aguda no compartimento externo do filtro. Isto adiciona o trans- porte convectivo ao transporte difusional. Assim, esta modalidade é habitualmente prescrita quando se necessi- ta de clearances maiores para se atingir o controle metabó- lico do paciente. Hemodiafiltração Venovenosa Contínua Existem situações em que a CAVHD é impraticável, quer pela ausência de pressão de perfusão arterial, quer pela dificuldade em se obter um acesso arteriovenoso ade- quado. Para esses casos, uma variante da CAVHD utilizan- do um cateter venoso de duplo lúmen posicionado na veia central e um aparelho equipado com bomba de sangue, monitor de pressão venosa e detector de bolhas de ar tem sido usada. Essa técnica é chamada de CVVHD. A intro- dução de uma máquina moderna operando de forma inin- terrupta tem a vantagem de garantir fluxo constante usan- do um fácil acesso venoso. Por outro lado, a complexida- de do funcionamento com os potenciais riscos de aciden- tes (embolia gasosa) pode causar uma certa apreensão na equipe de enfermagem. Escolha do Método Dialítico Ao escolher o método dialítico devemos considerar os aspectos relativos à eficiência do método, capacidade de UF, vias de acesso para a diálise e necessidade de anticoa- gulação. No Quadro 21.3, podemos observar a eficiência estimada pelo clearance da uréia (PM � 60) de diferentes tipos de diálise. Podemos notar que HD, CAVHD e CVVHD produzem maior depuração de uréia. Assim, a HD e a CAVHD ou CVVHD são os métodos de escolha para pacientes hipercatabólicos, com elevados níveis de uréia. Por outro lado, quando se faz necessário retirar moléculas maiores, como mediadores imunológicos na SIRS, ou na intoxicação por drogas, a HF e provavelmen- te a CAVHD se aplicam melhor. É freqüente em alguns centros que não dispõem de CAVHD o uso concomitante de HF e HD. Neste caso, a HF garante a retirada do volu- me e a HD intermitente, o controle dos níveis de uréia. Vários fatores relacionados ao acesso da diálise podem interferir com a escolha do método. Obviamente, pacien- tes com doenças abdominais não-esclarecidas, ou com “peritônio aberto”, ou ainda com cirurgia abdominal re- cente, não devem ser submetidos à diálise peritoneal. Por outro lado, em pacientes com diátese hemorrágica ou que apresentem contra-indicação para heparinização, a DP pode ser o método de escolha. Existem outras situações especiais, como nos pacientes com insuficiência hepática aguda ou crônica, nos quais, apesar de não se ter demons- trado maior sobrevida com a DP, é reconhecida a maior estabilidade do sódio plasmático (melhor controle da hi- ponatremia) e da glicemia (melhor controle da hipoglice- mia) com esse tratamento. Além disso, em situações clíni- cas que envolvem o risco de hipoglicemia (intoxicação por hipoglicemiantes orais), a DP também pode ser indicada. Outra possível indicação especial é no aquecimento inter- no lento do paciente com hipotermia grave. Devemos ressaltar que os procedimentos contínuos de HD estão sendo usados com freqüência cada vez maior na UTI. Por outro lado, o maior clearance de drogas im- plica reajuste mais freqüente de dose, principalmente de antibióticos (notadamente a vancomicina e os aminogli- cosídeos). BIBLIOGRAFIA SELECIONADA BELLOMO, R.; RONCO, C.; MEHTA, R.L. Nomenclature for continuous renal replacement therapies. Am J Kidney Dis, 28(suppl 3):2-7, 1996. BONVENTRE, J.V. Acute renal failure. In: Essential Atlas of Nephrology. R.W. Schrier. Lippincott Williams & Wilkins Ed. 2001, pp 39-85. BOTELLA, J.; GHEZZI, P.; SANZ-MORENO, C. Multicentric study on paired filtration dialysis as a short, highly efficient dialisis technique. Nephrol Dial Transplant, 6:715-721, 1991. DRUML, W.; MITCH, W.E. Metabolism in acute renal failure. Sem Dial, 9:484-490, 1996. FISH, E.M.; MOLITORIS, B.A. Alterations in epithelial polarity and the pathogenesis of disease states. N Engl J Med, 330:1580, 1994. HENDERSEN, L.W. Hemofiltration: From the origin to the new wave. Am J Kidney Dis, 28 (suppl 3):100-104. 1996. 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