Buscar

21 Insuficiência Renal Aguda

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Capítulo
21
Insuficiência Renal Aguda
Oscar F. P. dos Santos, Miguel C. Neto, Sergio A. Draibe, Mirian A. Boim e
Nestor Schor
ETIOLOGIA
FISIOPATOLOGIA
Fatores vasculares e hemodinâmicos
Lesão tubular
Curso clínico da IRA com ênfase à necrose tubular aguda
INCIDÊNCIA
ALTERAÇÕES HIDROELETROLÍTICAS E ENVOLVIMENTO
SISTÊMICO
Balanço de água
Balanço de sódio
Balanço de potássio
Balanço de cálcio e fósforo
MANIFESTAÇÕES EXTRA-RENAIS
INFECÇÕES
COMPLICAÇÕES GASTROINTESTINAIS
COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES
COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS
PATOLOGIA
DIAGNÓSTICO
Avaliação clínica inicial
Diagnóstico laboratorial
Diagnóstico por imagem
Biópsia renal
TRATAMENTO
Tratamento da IRA pré-renal
Tratamento da IRA renal
CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A CRRT
Acesso vascular
Força motriz do sangue
Dialisador
Anticoagulação
Solução de diálise
Solução de reposição
TERAPIAS CONTÍNUAS DE REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO
RENAL
Ultrafiltração lenta contínua (SCUF)
Hemofiltração arteriovenosa contínua
Hemodiafiltração arteriovenosa contínua
Hemodiafiltração venovenosa contínua
Escolha do método dialítico
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por
uma redução abrupta da função renal que se mantém por
períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins em
exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da
homeostase hidroeletrolítica do organismo. Apesar do
substancial avanço no entendimento dos mecanismos fisi-
opatológicos da IRA, bem como no tratamento dessa do-
ença, os índices de mortalidade ainda continuam excessi-
vamente elevados, em torno de 50%.
ETIOLOGIA
As causas de insuficiência renal aguda podem ser de
origem renal, pré-renal ou pós-renal. A IRA pré-renal é
rapidamente reversível se corrigida a causa e resulta prin-
cipalmente de uma redução na perfusão renal, causada por
uma série de eventos que culminam principalmente com
diminuição do volume circulante e, portanto, do fluxo san-
capítulo 21 389
güíneo renal, como por exemplo desidratação (vômito,
diarréia, febre), uso de diuréticos e insuficiência cardíaca.
A IRA renal, causada por fatores intrínsecos ao rim, é
classificada de acordo com o principal local afetado: túbu-
los, interstício, vasos ou glomérulo. A causa mais comum
de dano tubular é de origem isquêmica ou tóxica. Entre-
tanto, a necrose tubular isquêmica pode ter origem pré-
renal como conseqüência da redução do fluxo sangüíneo,
especialmente se houver comprometimento suficiente para
provocar a morte das células tubulares. Assim, o apareci-
mento de necrose cortical irreversível pode ocorrer na vi-
gência de isquemia grave, particularmente se o processo
fisiopatológico incluir coagulação microvascular, como por
exemplo nas complicações obstétricas, picadas de cobra e
na síndrome hemolítico-urêmica.
As nefrotoxinas representam depois da isquemia a causa
mais freqüente de IRA (v. Cap. 24). Os antibióticos
aminoglicosídicos, os contrastes radiológicos e os quimio-
terápicos, como por exemplo a cisplatina, estão entre as
drogas que podem causar dano tubular diretamente, em-
bora também tenham participação substancial nas altera-
ções da hemodinâmica glomerular. Por outro lado, drogas
imunossupressoras como ciclosporina e FK-506, inibido-
res da enzima de conversão da angiotensina e drogas an-
tiinflamatórias não-esteroidais podem causar IRA por in-
duzir preponderantemente modificações hemodinâmicas
(v. Cap. 24). A IRA devida a nefrite intersticial é mais fre-
qüentemente causada por reações alérgicas a drogas (v.
Cap. 24). As causas menos freqüentes incluem doenças
auto-imunes (lúpus eritematoso) e agentes infecciosos.
Apesar da predominância de um mecanismo fisiopatoló-
gico, a insuficiência renal aguda por drogas nefrotóxicas é
freqüentemente causada por associação de um ou mais
mecanismos, conforme sumarizado no Quadro 21.1. Mais
ainda, a associação de isquemia e nefrotoxinas é comumen-
te observada na prática médica como causa de IRA, espe-
cialmente em pacientes mais graves.
A IRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução do trato
urinário (v. Cap. 34). A obstrução das vias urinárias pode
ser conseqüência de hipertrofia prostática, câncer de prós-
tata ou cervical, distúrbios retroperitoneais ou bexiga neu-
rogênica (causa funcional). Outras causas de insuficiência
pós-renal incluem fatores intraluminais (cálculo renal bi-
lateral, necrose papilar, carcinoma de bexiga etc.) ou extra-
luminais (fibrose retroperitoneal, tumor colorretal etc.). A
obstrução intratubular também é causa de IRA e pode ser
conseqüência da precipitação de cristais como ácido úri-
co, oxalato de cálcio, aciclovir e sulfonamida, dentre ou-
tros. Vale salientar que a reversibilidade da IRA pós-renal
se relaciona ao tempo de duração da obstrução.
Pontos-chave:
• Insuficiência renal aguda (IRA) é uma
redução abrupta da função renal
• Índices de mortalidade elevados (~50%)
• A IRA pré-renal é reversível e resulta da
diminuição do volume circulante
• Isquemia seguida de toxinas são as causas
mais comuns de dano tubular
• A reversibilidade da IRA pós-renal se
relaciona ao tempo de duração da obstrução
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da IRA isquêmica ou tóxica envolve al-
terações estruturais e bioquímicas que resultam basicamente
em comprometimento vascular e/ou celular, levando a va-
soconstrição, alteração de função e/ou morte celular, des-
camação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vaza-
mento transtubular do filtrado glomerular e inflamação.
Quadro 21.1 Mecanismos fisiopatológicos de IRA associada a drogas
Mecanismo Predominante Droga
Redução da perfusão renal e alterações na Ciclosporina, inibidores de enzima conversora,
hemodinâmica renal antiinflamatórios não-esteroidais, contrastes
radiológicos, anfotericina B
Toxicidade tubular direta Antibióticos aminoglicosídeos, contrastes
radiológicos, cisplatina, ciclosporina, anfotericina B,
solventes orgânicos, metais pesados, pentamidina
Toxicidade tubular — rabdomiólise Cocaína, etanol, lovastatina
Obstrução intratubular — precipitação Aciclovir, sulfonamidas, etilenoglicol, quimioterápicos
Nefrite intersticial alérgica Penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, ciprofloxacina,
diuréticos tiazídicos, furosemida, cimetidina, alopurinol
Síndrome hemolítico-urêmica Ciclosporina, mitomicina, cocaína, quinina
390 Insuficiência Renal Aguda
Fatores Vasculares e Hemodinâmicos
A vasoconstrição intra-renal é causada por um desequilí-
brio entre os fatores vasoconstritores e vasodilatadores resul-
tantes da ação tanto sistêmica como local de agentes vasoati-
vos. Assim, ocorrem modificações importantes na hemodi-
nâmica glomerular e intra-renal, como conseqüência natural
desse desequilíbrio. Esse mecanismo fisiopatológico é parti-
cularmente importante na IRA por drogas nefrotóxicas. Di-
versas nefrotoxinas são capazes de modificar o ritmo de fil-
tração glomerular por induzir alterações em vários dos de-
terminantes da filtração glomerular, de maneira geral medi-
adas por hormônios, com ativação de hormônios vasocons-
tritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de
vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.). Esse
desequilíbrio resulta em vasoconstrição das arteríolas aferente
e eferente e contração da célula mesangial, levando à redu-
ção do coeficiente de ultrafiltração glomerular (Kf).
Conforme referido, as alterações hemodinâmicas são, na
maioria das vezes, mediadas por ação predominante de
hormônios vasoconstritores; entretanto, a via final comum
pela qual estes hormônios realizam suas ações envolve a
elevação do cálcio intracelular (Ca��) tanto em células da
vasculatura como em células mesangiais.
Nesse sentido, vários estudos experimentais mostram
que o cálcio é um dos mediadores mais importantes da va-
soconstrição intra-renal. O aumentodo cálcio livre no citos-
sol de células da musculatura lisa eleva o tônus vascular e
contribui para a vasoconstrição, a qual pode ser revertida
ou minimizada pela utilização de bloqueadores de canais de
cálcio. Antagonistas de cálcio reduzem, por exemplo, a ação
vasoconstritora da ciclosporina, minimizando seus efeitos
sobre a hemodinâmica glomerular, bem como previnem a va-
soconstrição associada aos contrastes radiológicos.
Outra participação importante do cálcio na cascata fisi-
opatológica da IRA, envolvendo a hemodinâmica renal,
relaciona-se com a contração da célula mesangial. O au-
mento do Ca�� é geralmente iniciado pela interação de
hormônios vasoconstritores com seus receptores ou pela
ação direta de toxinas. Em recente estudo foi demonstra-
do que o agente imunossupressor FK-506 provoca aumento
na concentração de Ca�� em células mesangiais em cultu-
ra, desencadeando eventos cujo efeito biológico final é a
contração destas células, levando à redução do Kf, dimi-
nuição da área glomerular disponível para a filtração e,
portanto, ao declínio do ritmo de filtração glomerular.
Lesão Tubular
Uma das características mais marcantes da IRA isquê-
mica e nefrotóxica é o dano às células tubulares, com con-
seqüências devastadoras sobre o epitélio tubular, levando
à necrose tubular aguda. Assim, os eventos agressores
podem variar de intensidade, causando graus variáveis de
lesão celular, ou seja, modificações reversíveis das funções
fisiológicas da célula ou irreversíveis, podendo culminar
com a morte celular. A reversibilidade do dano celular
dependerá da intensidade, do tempo de duração e do tipo
de evento desencadeador.
Um dos eventos mais precoces resultante da isquemia
ou mesmo na vigência de uma nefrotoxina é a redução dos
níveis intracelulares de ATP e, portanto, das porções do
néfron que possuem alta taxa de reabsorção tubular com
gasto de energia, como o túbulo proximal e a alça ascen-
dente espessa de Henle, que são particularmente mais sus-
cetíveis à isquemia por apresentarem elevado consumo de
ATP. Os efeitos imediatos da depleção de ATP são: redu-
ção da atividade ATPase da membrana citoplasmática,
desequilíbrio nas concentrações intracelulares de eletróli-
tos como Na�, K� e Ca�� e edema celular. Esse desarranjo
desencadeia, por sua vez, uma série de eventos, incluindo
desestruturação do citoesqueleto, perda da polaridade ce-
lular, perda da interação célula-célula, produção das espé-
cies reativas de oxigênio (altamente tóxicas para a célula)
e alterações do pH intracelular, que podem culminar com
a morte da célula.
Um fator agravante na fisiopatologia da IRA, particu-
larmente nas situações de IRA isquêmica, é a dificuldade
em distinguir os danos causados pela isquemia per se da-
queles causados pela reperfusão. Isso ocorre porque os
efeitos da reoxigenação súbita podem produzir danos adi-
cionais à célula, por mecanismos que envolvem a forma-
ção de espécies reativas de oxigênio, aumento do influxo
de cálcio e reversão abrupta da acidose intratubular.
Por outro lado, apesar da gravidade dessa doença, a IRA
é na maioria das vezes um evento transitório e reversível
que causa graus variáveis de lesão celular, em especial ao
epitélio tubular renal, podendo, entretanto, tornar-se irre-
versível. Esse fenômeno é causado pela capacidade de re-
generação e diferenciação das células tubulares, restabe-
lecendo um epitélio íntegro e funcionante. Mesmo em si-
tuações mais graves, nas quais 90% das células epiteliais
do túbulo proximal são destruídas, os 10% das células re-
manescentes são capazes de entrar em processo de proli-
feração estimulado por hormônios e fatores de crescimen-
to, recompondo o epitélio tubular.
Pontos-chave:
• As alterações hemodinâmicas são na
maioria das vezes mediadas por ação de
hormônios vasoconstritores
• O cálcio é um dos mediadores mais
importantes da vasoconstrição renal
• Na lesão tubular, o túbulo proximal e a alça
ascendente espessa de Henle são mais
susceptíveis à isquemia por apresentarem
elevado consumo de ATP
capítulo 21 391
Curso Clínico da IRA com Ênfase à
Necrose Tubular Aguda
O curso clínico da IRA renal tem sido tradicionalmente
subdividido em quatro fases diferentes: inicial, de oligú-
ria, de poliúria e de recuperação funcional.
A fase inicial começa a partir do período de exposição
a drogas nefrotóxicas ou a um insulto isquêmico. Sua du-
ração é variável e depende do tempo de exposição ao
agente causador. Nas situações de isquemia, pode ser
muito curta, enquanto no caso de drogas nefrotóxicas a
fase inicial pode durar alguns dias. O volume urinário
pode estar normal ou diminuído, porém o rim começa a
perder a capacidade adequada de excreção de compos-
tos nitrogenados.
A fase oligúrica é também variável em grau e duração.
Uma vez que a produção de constituintes osmoticamente
ativos é ao redor de 600 mOsm ao dia e a capacidade má-
xima de concentração urinária é de 1.200 mOsm/litro, um
volume urinário inferior a 500 ml/dia é insuficiente para
excretar as quantidades necessárias de soluto. Portanto,
definimos oligúria como um volume urinário menor do
que 500 ml/dia. Nessa segunda fase da IRA, o sedimento
urinário pode conter hemácias, leucócitos e células epite-
liais isoladas ou em cilindros, havendo também pequena
perda protéica.
Normalmente, a razão da concentração urinária sobre
a concentração plasmática de uréia varia de 50 a 100:1. Na
IRA, pela diminuição da concentração urinária e progres-
siva elevação sérica de uréia, a razão diminui para 10:1 ou
menos, quanto maior e mais grave for a azotemia. Adicio-
nalmente, por lesão tubular, a concentração urinária de Na
é freqüentemente maior do que 20 mEq/L, sendo este va-
lor importante no diagnóstico diferencial de oligúria pré-
renal (v. Cap. 10). A maioria dos pacientes que se recupe-
ram desenvolve aumento do volume urinário após 10 a 14
dias do início da oligúria. Ocasionalmente, o volume uri-
nário não está diminuído na presença de IRA e de azote-
mia. Nessas situações, refere-se à IRA como não-oligúrica
e justifica-se a presença de volume urinário normal por
uma grande elevação na fração de filtração de água ape-
sar de pequena filtração glomerular, ou seja, apesar de uma
filtração glomerular reduzida, a reabsorção tubular de lí-
quido é pequena, ocorrendo um fluxo urinário não-oligú-
rico. Esse tipo de IRA é freqüentemente observado em as-
sociação com drogas nefrotóxicas, agentes anestésicos e
sepse.
A terceira fase, fase diurética, pode ser marcada por uma
rápida elevação do volume urinário. A magnitude da diu-
rese independe do estado de hidratação do paciente e re-
presenta habitualmente uma incapacidade dos túbulos
regenerados em reabsorver sal e água. A excreção uriná-
ria de compostos nitrogenados não acompanha inicialmen-
te o aumento da excreção urinária de sal e água. Como
conseqüência, a concentração plasmática de uréia e creati-
nina continua a aumentar. Portanto, nessa fase, os sinto-
mas urêmicos podem persistir e a indicação de diálise pode
tornar-se necessária apesar do aumento do volume uriná-
rio. Considera-se essa fase da IRA como crítica, com cerca
de 25% de mortes no período de elevação da diurese. Oca-
sionalmente, o volume urinário pode aumentar gradativa-
mente, cerca de 100 a 200 ml/dia. Esse padrão é visto em
pacientes com cuidadoso controle hidroeletrolítico e ade-
quada indicação de tratamento dialítico. Entretanto, se
após uma elevação inicial da diurese o volume urinário
atingir um estágio constante e inferior ao normal, a recu-
peração total da função renal é menos provável.
A última fase, a de recuperação funcional, ocorre após
vários dias de diurese normal, com redução gradual de
uréia e creatinina plasmática. Em cerca de 30% dos doen-
tes ocorre discreta depressão na filtração glomerular que
pode persistir, sendo que uma minoria deles exibe contí-
nua diminuiçãodo clearance de creatinina em níveis infe-
riores a 20 ml/min. Além das anormalidades na função
glomerular, defeitos tubulares podem persistir por meses
ou anos, sendo o mais freqüente deles uma permanente
deficiência na concentração urinária.
INCIDÊNCIA
Em levantamento nos Estados Unidos, dentre as etiolo-
gias de IRA renal, 62% são decorrentes de necrose tubular
aguda conseqüente a causas isquêmicas (72%) e tóxicas
(28%). As demais situações de IRA são motivadas por glo-
merulonefrites agudas (22%), nefrites intersticiais agudas
(6%), necrose cortical (5%) e outras (5%). A principal apre-
sentação clínica da NTA é oligúrica (74%), enquanto a for-
ma não-oligúrica (26%) tem no uso de antibióticos o seu
principal responsável (41%). A taxa de mortalidade média
é significantemente mais alta (40%) na forma oligúrica do
que na não-oligúrica (11 %), sendo que o óbito é oito vezes
mais freqüente em pacientes com alguma complicação
extra-renal quando comparados com aqueles não-compli-
cados.
Pontos-chave:
• Na fase oligúrica da NTA a concentração
urinária diminui e a concentração urinária
de sódio aumenta
• IRA não-oligúrica ocorre freqüentemente
em associação a drogas nefrotóxicas,
agentes anestésicos e sepse
• 25% das mortes ocorrem no período de
elevação da diurese
• A taxa de mortalidade é mais alta na forma
oligúrica
392 Insuficiência Renal Aguda
ALTERAÇÕES
HIDROELETROLÍTICAS E
ENVOLVIMENTO SISTÊMICO
Balanço de Água
Normalmente, as perdas de água atingem 0,5 a 0,6 ml/
kg/h no indivíduo adulto (850 ml/dia). Considerando a
produção endógena de água decorrente da oxidação de
proteínas, gorduras e carboidratos como sendo de 450 ml/
dia, a ingestão de água no paciente oligúrico deve perma-
necer ao redor de 400 ml/dia, acrescida de volume igual à
diurese emitida. Para prevenir a hiponatremia dilucional
por excessiva oferta hídrica, o peso do paciente deve ser
mantido igual ou com perda de até 300 g/dia (v. Cap. 9).
Balanço de Sódio
Durante a fase oligúrica, um balanço positivo de sódio
pode levar a expansão de volume, hipertensão e insufici-
ência cardíaca (v. Cap. 10). Por outro lado, uma menor ofer-
ta de sódio, principalmente na fase poliúrica, pode provo-
car depleção de volume e hipotensão. Estes últimos podem
retardar a recuperação da função renal. Acredita-se que,
durante a fase oligúrica, a oferta de solução salina isotôni-
ca (300 ml/dia) associada a controle rigoroso de peso é
suficiente para equilibrar o balanço de sódio. Paralelamen-
te, na fase poliúrica, a monitorização hídrica e eletrolítica
é necessária para a adequada reposição desses elementos.
Balanço de Potássio
A hipercalemia é a principal causa metabólica que leva
o paciente com IRA ao óbito. Considerando que somente
2% do potássio corporal total se encontra fora da célula,
pequenas alterações no conteúdo extracelular de potássio
provocam profundos efeitos na excitabilidade neuromus-
cular. A elevação do K� sérico pode ocorrer na IRA por
aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano
tecidual, sangramento gastrointestinal, bem como por
movimentação do K� do intra- para o extracelular pelo
mecanismo-tampão de estados acidóticos (v. Cap. 12). A
mais temível complicação da hipercalemia é sua toxicida-
de cardíaca, manifestada por alterações eletrocardiográfi-
cas. Inicialmente, há surgimento de ondas T pontiagudas,
seguindo-se de alargamento do complexo QRS, alargamen-
to do intervalo PR e desaparecimento de onda P. Seguem-
se, então, arritmias ventriculares que, se não são pronta-
mente corrigidas, podem levar rapidamente ao óbito. Por
essa razão, é necessário rigoroso controle eletrocardiográ-
fico e de K� sérico no paciente com IRA.
Na presença de alterações eletrocardiográficas ou de
grave hipercalemia (K� � 6,5 mEq/L), algumas medidas
terapêuticas devem ser utilizadas. A administração endo-
venosa de gluconato de cálcio a 10% (10 a 30 ml) pode re-
verter prontamente as alterações verificadas, porém com
duração de poucos minutos. Se houver necessidade de efei-
to protetor mais prolongado, deve-se utilizar bicarbonato
de sódio, caso esteja ocorrendo concomitantemente um
estado acidótico. Adicionalmente, resinas trocadoras de K�
(Kayexalate ou Sorcal) e/ou solução polarizante contendo
200 a 500 ml de solução glicosada a 10% com uma unida-
de de insulina simples para cada 5 g de glicose podem ser
utilizadas. A solução polarizante aumenta a captação de
K� pela célula e reduz seu nível plasmático. Assim, exceto
as resinas trocadoras, Kayexalate (troca K� por Na�) ou
Sorcal (troca K� por Ca��), todas as demais medidas te-
rapêuticas resultam apenas no remanejamento do potássio
extracelular para o intracelular, sem contudo diminuir o K�.
A hemodiálise e a diálise peritoneal, isoladas ou em associ-
ação com as medidas acima referidas, são freqüentemente
necessárias para melhor controle eletrolítico e efetivamente
diminuir o conteúdo corporal total de K� (v. Cap. 12).
Pontos-chave:
• A hipercalemia é a principal causa
metabólica de óbito na IRA
• A mais temível complicação da
hipercalemia é a sua toxicidade cardíaca
• K� � 6,5 mEq/L — medidas terapêuticas:
Gluconato de cálcio a 10%
Bicarbonato de sódio
Resinas trocadoras de potássio
Hemodiálise e diálise peritoneal
Balanço de Cálcio e Fósforo
A hipocalcemia é o achado mais freqüente no desequilí-
brio do balanço de cálcio. Tetania, espasmos musculares e
acentuação dos efeitos cardiotóxicos da hipercalemia podem
estar presentes. Ocasionalmente, os níveis de Ca�� podem
estar normais ou elevados, ocorrendo este achado quando
a IRA está associada a rabdomiólise ou a injúrias complica-
das por calcificação metastática. Hiperfosfatemia também é
um freqüente achado em pacientes com IRA, em decorrên-
cia de diminuição da filtração glomerular (v. Cap. 13).
MANIFESTAÇÕES
EXTRA-RENAIS
As manifestações extra-renais da IRA são semelhantes
às observadas na insuficiência renal crônica. Contudo, deve
ser enfatizado que, pela rapidez com que ocorrem, são fre-
capítulo 21 393
qüentemente essas alterações que contribuem para a alta
taxa de mortalidade da IRA.
INFECÇÕES
As infecções continuam a ser as complicações mais fre-
qüentes no paciente com IRA, variando sua incidência
entre 45 e 80%. Apesar do seu reconhecimento e tratamen-
to, cerca de 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em conse-
qüência de processos infecciosos. As complicações infec-
ciosas são mais observadas em IRA pós-traumática ou pós-
cirúrgica, particularmente quando envolve cirurgia gastro-
intestinal. As infecções urinárias são de grande importân-
cia em pacientes com IRA, visto a dificuldade dos antibió-
ticos atingirem níveis teciduais ou urinários adequados,
com freqüente evolução para septicemia. A presença de
cateteres urinários, tanto de demora como intermitentes,
é fator fundamental para o desenvolvimento e manuten-
ção de infecção urinária, com seleção de agentes microbi-
anos mais resistentes e de maior risco de disseminação.
Infecções broncopulmonares são do mesmo modo uma
freqüente complicação da IRA, principalmente em pacien-
tes submetidos a diálise peritoneal. O diagnóstico pode
tornar-se difícil quando da presença de edema pulmonar
concomitante, porém outros sinais de hipervolemia devem
ser considerados antes de se afirmar que se trata exclusi-
vamente de congestão pulmonar.
COMPLICAÇÕES
GASTROINTESTINAIS
Sangramento gastrointestinal ocorre com freqüência de
10 a 40% e resulta em evolução fatal em 20 a 30% dos paci-
entes com IRA. Comumente, é observado em IRA pós-ci-
rúrgica ou pós-traumática e menos freqüentemente em IRA
por causa médica ou obstétrica.
Ulcerações gástricas ou duodenais são os achados mais
comuns. O tratamento clínico tem preferência, uma vez que
o prognóstico se torna reservado quando é necessário tra-
tamento cirúrgico. Obviamente, a presença de sangue no
trato gastrointestinalcontribui substancialmente para ele-
vação da concentração plasmática de uréia e potássio, ne-
cessitando de adequação do programa dialítico.
COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES
A mais freqüente complicação cardíaca é a presença de
pericardite fibrinosa (10%). Está geralmente associada com
atrito pericárdico e pode estar complicada pela presença
de derrame pericárdico. Caso o derrame leve a repercus-
sões hemodinâmicas (tamponamento), pronto tratamento,
incluindo pericardiocentese e pericardiotomia, deve ser
utilizado. Insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão
podem estar presentes e correlacionam-se com sobrecar-
ga de volume. Entretanto, acidose metabólica e distúrbi-
os eletrolíticos podem contribuir para o surgimento de
insuficiência cardíaca congestiva (ICC), bem como de ar-
ritmias.
COMPLICAÇÕES
NEUROLÓGICAS
O sistema nervoso, entre todos os sistemas orgânicos, é
o que menos tolera uma rápida redução da função renal.
Como conseqüência, a encefalopatia urêmica é a mais co-
mum manifestação da IRA. Observam-se contínuos sinais
de alterações sensoriais, motoras (asterixes, tremores, mi-
oclonias) e quadros convulsivos. Dentre os sinais de ence-
falopatia urêmica, alterações intelectuais e de memória são
os mais precoces. Posteriormente, surgem alterações mo-
toras e finalmente convulsões e coma, que representam os
eventos terminais graves e de risco clínico (v. Cap. 39).
Pontos-chave:
• As infecções continuam a ser as
complicações mais freqüentes no paciente
com IRA
• 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em
conseqüência de processos infecciosos
• Sangramento gastrointestinal ocorre com
freqüência de 10 a 40% e resulta em
evolução fatal em 20 a 30% dos pacientes
com IRA
• A mais freqüente complicação cardíaca é a
presença de pericardite fibrinosa (10%)
• Encefalopatia urêmica é a mais comum
manifestação da IRA
PATOLOGIA
Os rins na IRA tendem a ser maiores e mais pesados em
decorrência do edema intersticial e do aumento do conteú-
do de água. Os capilares glomerulares podem apresentar-
se levemente congestos no início do processo, porém ha-
bitualmente os glomérulos não mostram alterações estru-
turais. Ocasionalmente, depósitos de fibrina e plaquetas,
sugerindo trombose intraglomerular, podem ser visualiza-
dos no espaço capsular. Aumento no volume citoplasmá-
tico de células epiteliais e endoteliais tem sido descrito.
394 Insuficiência Renal Aguda
As lesões tubulares podem não ser facilmente observa-
das. De fato, variam com o tempo de isquemia. Inicialmen-
te, há perdas do núcleo e dissolução da borda em escova.
A seguir, ocorre aumento das células tubulares. Finalmen-
te, os túbulos tornam-se dilatados e revestidos por um
epitélio achatado, contendo células com citoplasma basó-
filo e núcleos hipercromáticos. As porções ascendente e
descendente da alça de Henle mostram áreas focais de
necrose com formação de cilindros intratubulares. O lúmen
do túbulo distal apresenta-se dilatado e com pigmentos,
particularmente se a IRA estiver associada com hemo ou
mioglobinúria.
Classicamente, dois padrões de dano tubular têm sido
descritos: tubulorrexe e lesão nefrotóxica. A tubulorrexe é
caracterizada por completa destruição da membrana basal
tubular e está associada com insulto isquêmico grave. Es-
sas lesões são de características focais, com néfrons perfei-
tos ao lado de néfrons acometidos e podem comprometer
todo o trajeto tubular. A regeneração da tubulorrexe pode
ocorrer ao acaso, com formação de pseudocistos, atrofia
tubular e até mesmo fibrose (cicatrizes). Entretanto, depen-
dendo da gravidade do insulto, é possível completa recu-
peração estrutural e funcional. Diferentemente, o padrão de
lesão nefrotóxica é associado com exposição direta de agen-
tes capazes de produzir dano renal. Considerando o gasto
energético de reabsorção e secreção, as células do túbulo
proximal são as mais afetadas por agentes nefrotóxicos.
Contudo, alguns agentes nefrotóxicos agridem preferenci-
almente diferentes porções do túbulo proximal. As alterações
tubulares variam desde simples aumento celular até franca
necrose, porém a membrana basal permanece intacta.
Em vista da grande variabilidade anatômica observada
na IRA, é difícil correlacionar lesões específicas com as al-
terações fisiológicas constatadas. Devemos lembrar que
não é achado infreqüente a presença de IRA com biópsia
renal normal, sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou
alteração funcional.
DIAGNÓSTICO
Avaliação Clínica Inicial
Avaliar, na história do paciente, a presença de doença
sistêmica crônica (diabetes, lúpus). Posteriormente, pesqui-
sar doença sistêmica aguda (glomerulonefrite aguda), além
de história de traumatismo recente como potenciais cau-
sas primárias de IRA. Adicionalmente, investigar antece-
dentes de uropatia obstrutiva (principalmente no homem
idoso), uso de drogas nefrotóxicas e com potencial efeito
de hipersensibilidade intersticial, bem como verificar a
possibilidade de intoxicação acidental ou intencional por
metais pesados, solventes orgânicos e outros.
A seguir, principalmente no paciente hospitalizado,
obter informações a respeito de depleção hídrica (diurese
excessiva, débito de sonda nasogástrica, drenos cirúrgicos,
diarréia) em pacientes com pouca ingestão de água volun-
tária ou que não tenham sido adequadamente hidratados.
Além disso, se o paciente foi submetido a cirurgia recente,
qual o anestésico utilizado e quais intercorrências clínicas
que se seguiram, como infecções, hipotensão, balanço hí-
drico negativo, etc. Ter conhecimento sobre o uso de anti-
bióticos (dose, número de dias utilizados) e se houve pro-
cedimento radiológico com utilização de meio de contras-
te no período que antecedeu o desenvolvimento da IRA.
Durante o exame físico, avaliar adequadamente o esta-
do de hidratação pelo peso corporal, turgor cutâneo, alte-
rações posturais de pulso e pressão arterial, membranas
mucosas e pressão intra-ocular. Entretanto, lembrar que há
situações clínicas (cirrose, síndrome nefrótica, ICC) em que
o volume extracelular está normal ou aumentado, porém
com diminuição do volume sangüíneo efetivo, acarretan-
do hipoperfusão renal e conseqüente IRA pré-renal. A se-
guir, avaliar a possibilidade de obstrução do trato uriná-
rio por meio de cuidadoso exame abdominal (globo vesi-
cal palpável, rins hidronefróticos), toque retal no homem
(avaliação prostática) e exame ginecológico bimanual na
mulher (presença de massas pélvicas). Quando da suspei-
ta de obstrução urinária baixa, proceder a uma cateteriza-
ção vesical simples e estéril para confirmação diagnóstica.
Observar a presença de febre e/ou erupções cutâneas
macropapulares ou petequiais que possam sugerir nefrite
intersticial aguda por hipersensibilidade a drogas. Por fim,
avaliar o estado mental e o padrão respiratório para veri-
ficar possíveis causas de intoxicação, bem como avaliar
qualquer outro sinal clínico que sugira a presença de do-
ença sistêmica como causa da IRA.
Diagnóstico Laboratorial
A primeira amostra de urina emitida ou cateterizada de
pacientes com IRA deve ser utilizada para avaliação de
índices urinários diagnósticos. Medidas de sódio, uréia,
creatinina e osmolaridade urinária, bem como amostra de
sangue para análise de sódio, uréia e creatinina, devem ser
coletadas. Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é fre-
qüentemente elevada (� 500 mOsm), enquanto na IRA
renal ou pós-renal tende a ser isosmótica ao plasma (� 350
mOsm). O Na� urinário costuma estar elevado (� 40 mEq/
L) na IRA renal pela lesão tubular, enquanto na IRA pré-
renal é baixo (� 20 mEq/L) em virtude da ávida retenção
de Na� e H2O pela hipoperfusão renal.
As relações U urinária/U plasmática e C urinária/C
plasmática estão freqüentemente elevadas na IRA pré-re-
nal (� 60 e � 40, respectivamente) decorrente da reabsor-
ção tubular de Na� e H2O e conseqüentemente aumentoda concentração urinária de uréia e creatinina. Inversamen-
te, essa relação está diminuída na IRA renal (� 30 e � 20,
respectivamente) pelo dano tubular. É importante ter em
mente que o uso de diuréticos pode invalidar a utilidade
capítulo 21 395
desses índices por até 24 horas. Valores intermediários
podem ser encontrados tanto na IRA pós-renal como na
transição de IRA pré-renal em renal.
A análise do sedimento urinário pode ser de auxílio no
diagnóstico da IRA. Cilindros hialinos ocorrem mais fre-
qüentemente na IRA pré-renal, enquanto cilindros granu-
losos e discreta leucocitúria e grande quantidade de célu-
las tubulares podem ser observados na IRA renal (sedimen-
to “sujo”).
A presença de hemácias dismórficas e/ou cilindros he-
máticos sugere a existência de uma glomerulonefrite agu-
da, podendo ser acompanhada de proteinúria moderada
ou elevada. Entretanto, proteinúria leve (traços) pode ser
compatível com IRA pré-renal ou mesmo renal. Fitas rea-
gentes urinárias positivas para sangue, sem presença con-
comitante de hematúria no sedimento, podem sugerir ra-
bdomiólise com mioglobinúria, sendo esse diagnóstico
fortalecido pela presença de CPK e aldolase elevadas no
soro. Adicionalmente, diante da suspeita de nefrite inters-
ticial aguda, a presença de eosinofilia no sangue periféri-
co em associação com sedimento urinário contendo hema-
túria e leucocitúria (com intenso predomínio de eosinófi-
los) pode sugerir fortemente esse diagnóstico.
Diagnóstico por Imagem
O mais simples procedimento é a ultra-sonografia (v.
Cap. 18-I). A ultra-sonografia, além de nos fornecer o ta-
manho renal, nos dá informações a respeito de obstruções
nas vias urinárias, presença ou não de cálculos, bem como
avaliação do parênquima renal. Portanto, é possível dife-
renciar IRA de IRC e, adicionalmente, pela diferenciação
da relação parênquima sinusal e tamanho cortical, sugerir
IRC com rins de tamanho normal (diabetes, mieloma).
Alternativamente, o uso da cintilografia renal pode auxi-
liar na avaliação da perfusão renal (v. Cap. 20).
Em casos de forte suspeita ou confirmação de obstru-
ção urinária, estão indicados estudos urológicos, como a
cistoscopia e a pielografia ascendente. Além de fins diag-
nósticos (obstrução por cálculos ou tumores ou coágulos)
são úteis na colocação de cateteres ureterais para a desobs-
trução e como avaliação pré-operatória para posteriores
desvios do fluxo urinário.
Biópsia Renal
A biópsia renal precoce (um a cinco dias) está indicada
quando há suspeita de ser a IRA decorrente de uma doen-
ça sistêmica (por exemplo: vasculite), de uma glomerulo-
nefrite aguda (por exemplo: lúpus), de uma nefrite inters-
ticial aguda quando houver suspeita de necrose cortical
bilateral, ou na ausência de diagnóstico clínico provável.
A biópsia nos fornecerá bases para justificar uma terapêu-
tica mais agressiva (corticóides, agentes citotóxicos, plas-
maférese), bem como nos trará uma indicação prognósti-
ca pela avaliação histológica de componentes inflamatóri-
os e fibróticos. Nos casos habituais de NTA, aguardam-se
de quatro a cinco semanas para a recuperação da IRA an-
tes de se proceder à biópsia (v. Cap. 16). Se a deficiência
de função renal se estender por esse período, indica-se
então a biópsia renal para determinar se um diagnóstico
menos favorável, necrose cortical por exemplo, não é a
causa da persistência da IRA.
Pontos-chave:
• Lembrar que não é achado infreqüente a
presença de IRA com biópsia renal normal,
sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou
alteração funcional
• Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é
freqüentemente elevada (� 500 mOsm),
enquanto na IRA renal ou pós-renal tende a
ser isosmótica ao plasma (� 350 mOsm)
• O Na� urinário costuma estar elevado (� 40
mEq/L) na IRA renal pela lesão tubular,
enquanto na IRA pré-renal é baixo (� 20
mEq/L) em virtude da ávida retenção de
Na� e H2O pela hipoperfusão renal
• As relações uréia urinária/uréia plasmática
e creatinina urinária/creatinina plasmática
estão freqüentemente elevadas na IRA pré-
renal (� 60 e � 40, respectivamente)
decorrente da reabsorção tubular de Na� e
H2O e conseqüentemente aumento da
concentração urinária de uréia e creatinina.
Essa relação está diminuída na IRA renal
(� 30 e � 20, respectivamente) pelo dano
tubular
• Eosinofilia no sangue periférico em
associação com sedimento urinário
contendo hematúria e leucocitúria (com
intenso predomínio de eosinófilos) pode
sugerir nefrite intersticial aguda
TRATAMENTO
Tratamento da IRA Pré-Renal
Quando a IRA decorrer de deficiência no volume extra-
celular, a reposição hídrica deve ser feita de modo a resta-
belecer a quantidade de líquido perdida, associando-se
com adequada correção eletrolítica (v. Cap. 10). Metade da
deficiência hídrica estimada deve ser reposta nas primei-
ras 24 horas e, usualmente, o volume urinário aumenta em
396 Insuficiência Renal Aguda
4 horas. Todavia, em pacientes idosos ou com doença re-
nal prévia, a oligúria pode persistir por mais tempo. Nas
situações em que a IRA pré-renal é decorrente da diminui-
ção do volume sangüíneo efetivo, a terapêutica orienta-se
pela fisiopatologia da doença desencadeante, como referi-
do a seguir:
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) — uso de ino-
trópicos positivos. Quando necessário, associar o uso de
drogas vasodilatadoras (hidralazina, prazosina, captopril)
para diminuir a pós-carga; freqüentemente, o uso combi-
nado restaura a diurese por melhor perfusão renal. Entre-
tanto, em alguns pacientes pode haver persistência de al-
gum grau de azotemia pré-renal, o qual deve ser encarado
pelo médico como um problema participante do quadro
clínico e perfeitamente controlável.
Síndrome nefrótica — a terapêutica mais racional é ori-
entada para a correção da doença de base, seja pelo uso de
corticóides, seja de drogas citotóxicas. Entretanto, em de-
terminados estados patológicos primários que se manifes-
tam por síndrome nefrótica (glomerulonefrite membrano-
sa, diabetes), o tratamento pode restringir-se somente ao
controle de hidratação e uso criterioso de diuréticos.
Cirrose — evitar desequilíbrios hemodinâmicos é fun-
damental para se impedir a evolução do paciente cirrótico
para síndrome hepatorrenal. Quando já estabelecida, o
prognóstico torna-se reservado com evolução para óbito
em mais de 90% dos casos. Em situações de oligúria, cui-
dadosa expansão salina e uso de espironolactona, isolada-
mente ou em associação com furosemida, melhoram a diu-
rese em até 80% dos doentes.
Freqüentemente, a observação do paciente com azote-
mia pré-renal é feita apenas com o exame clínico. Entretan-
to, monitorização invasiva pode ser necessária quando
vigorosa terapia hídrica é indispensável ou quando se des-
conhece a tolerância do paciente a grandes reposições de
volume. Nessas situações, indica-se a utilização de cateter
venoso central para a medida de pressão venosa de átrio
direito (PVC), ou mesmo de um cateter de Swan-Ganz
(pressão do capilar pulmonar) para melhor avaliação he-
modinâmica.
Tratamento da IRA Renal
Não há benefícios na utilização de diuréticos na IRA.
Uma vez caracterizada, rigoroso controle hidroeletrolítico
deve ser mantido. A reposição de volume deve ser restrin-
gida a 400 ml/dia acrescido do débito urinário. O balanço
de sódio deve ser controlado por meio de uma dieta pobre
em Na (1 g/dia) nos pacientes que não estão sendo sub-
metidos a diálise, porém, com maior liberdade (até 3 g/dia)
quando já em programa dialítico. Adicionalmente, corri-
gir eventual acidose quando o pH plasmático estiver me-
nor do que 7,25 ou o HCO3 inferior a 12 mEq/L (v. Cap.
11). Manutenção em valores normais do nível plasmático
de K� é feita por meio das medidas terapêuticas anterior-
mente discutidas. Lembrar de ajustar todas as drogas que
tenham alteração de seu metabolismo pela presença de
alteraçãona função renal.
O principal responsável pela liberação orgânica de re-
síduos de nitrogênio é o metabolismo de proteínas, resul-
tando em elevação da carga de uréia, de ácidos metabóli-
cos (sulfatos, fosfatos, ácidos orgânicos) e de potássio. Ini-
cialmente, devemos considerar que 100 g/dia de carboi-
dratos são suficientes para diminuir o catabolismo protéi-
co. Além disso, o suprimento adicional de calorias na for-
ma de gorduras e de quantidades adequadas de proteína
previne um balanço nitrogenado negativo. Quando o su-
primento correto de carboidratos é fornecido em associa-
ção com proteínas que contenham aminoácidos de alto
valor biológico (essenciais), ocorre balanço positivo de ni-
trogênio, com a vantagem de a uréia e outros compostos
nitrogenados serem utilizados para a síntese de aminoáci-
dos não-essenciais. Ocorre então concomitante melhora
dos sintomas clínicos e diminuição na concentração plas-
mática de uréia. Portanto, uma dieta com 1.800 a 2.500
kcal/dia e 0,5 g/kg/dia de proteína de alto valor biológi-
co é aconselhável para pacientes com IRA que estejam com
boa aceitação oral. Nas situações em que for necessária a
utilização de nutrição parenteral, glicose hipertônica e
aminoácidos essenciais devem ser administrados. Diferen-
temente, alguns autores sugerem que a quantidade de pro-
teínas fornecidas deve ser mantida normal (1 g/kg/dia) e
a diálise realizada quando necessário. Haveria menor ris-
co de desnutrição e menor incidência de processos infec-
ciosos.
Diálise precoce e freqüente deve ser utilizada para man-
ter uréia abaixo de 180 mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/
dl. Esses níveis previnem os sintomas clínicos da uremia,
melhoram o estado nutricional do paciente e podem, indis-
cutivelmente, diminuir o risco de sangramento e infecções.
Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdo-
miólise, traumatismo, queimadura, septicemia, pós-opera-
tório de cirurgias extensas) têm elevada produção de uréia
e usualmente necessitam de hemodiálise quando se apre-
sentam com IRA. A hemodiálise também está indicada em
quadros de IRA por intoxicação exógena por metanol e
etilenoglicol, visto seu efeito em remover toxinas rapida-
mente. A hemodiálise deve ser mantida por 4 ou mais ho-
ras e diariamente se for necessário. O maior perigo é o san-
gramento e, portanto, em pacientes de alto risco, doses
reduzidas de heparina ou heparinização regional devem
ser utilizadas. As complicações hidroeletrolíticas são seme-
lhantes às da diálise peritoneal, porém ocorrem mais agu-
damente e, assim, necessitam de pronto tratamento.
Nos últimos anos, procedimentos dialíticos ditos “espe-
ciais e contínuos” têm ganho grande espaço como instru-
mentos terapêuticos para reposição da função renal na IRA.
Os procedimentos de hemofiltração e hemodiafiltração são
utilizados freqüentemente para a reposição de função re-
capítulo 21 397
nal e clareamento de substâncias tóxicas em pacientes cri-
ticamente enfermos (v. também Cap. 50). Diferentes opções
técnicas de tratamento são utilizadas dependendo das con-
dições dos pacientes, porém quase sempre as diferentes
modalidades são utilizadas de maneira contínua. Assim,
é bastante comum o uso do termo terapia contínua de re-
posição renal (CRRT). A hemodiafiltração intermitente é
também utilizada para pacientes com insuficiência renal
crônica em alguns centros especializados na Europa.
Pontos-chave:
• Não há benefícios na utilização de
diuréticos na IRA
• Diálise precoce e freqüente deve ser
utilizada para manter uréia abaixo de 180
mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/dl
• Pacientes com significativa destruição
tecidual (rabdomiólise, traumatismo,
queimadura, septicemia, pós-operatório de
cirurgias extensas) têm elevada produção
de uréia e usualmente necessitam de
hemodiálise quando se apresentam com
IRA
• Os procedimentos de hemofiltração e
hemodiafiltração são utilizados
freqüentemente para a reposição de função
renal e clareamento de substâncias tóxicas
em pacientes criticamente enfermos
CONDIÇÕES BÁSICAS
PARA A CRRT
Acesso Vascular
A necessidade de um acesso vascular para HD ou he-
mofiltração em pacientes com IRA é habitualmente tem-
porária. Os métodos para estabelecer esse acesso envolvem
a punção percutânea de um grande vaso sangüíneo (jugu-
lar interna, subclávia ou femoral). Atualmente, os catete-
res venosos de duplo lúmen são os mais populares, porém
são calibrosos e apresentam risco de trombose ou esteno-
se tardia da veia subclávia.
Outra via de acesso que podemos utilizar é a introdu-
ção de cateteres mais calibrosos, por punção percutânea,
na artéria e veia femorais. As vantagens desse método são
o alto fluxo sangüíneo e a baixa incidência de coagulação
e infecção local. Entretanto, este tipo de acesso exige o con-
finamento do paciente ao leito. Além disso, existe o risco
de hematoma local ou retroperitoneal, além de isquemia
distal se os vasos apresentarem estenose.
Os shunts arteriovenosos (shunt de Quinton-Scribner,
shunt AV) representam outra alternativa. Nesta técnica,
implanta-se cirurgicamente um par de cânulas conectan-
do uma artéria a uma veia das extremidades (antebraço ou
perna), formando uma fístula externa. Apesar do baixo
risco de sangramento e maior liberdade no manuseio do
paciente, existe a necessidade do implante cirúrgico e os
riscos de coagulação e de infecção. Além disso, o fluxo
sangüíneo é relativamente baixo, podendo resultar em is-
quemia da extremidade em questão.
Nos anos 80, alguns autores introduziram variantes dos
cateteres de duplo lúmen. Os cateteres de duplo lúmen de
longa permanência (PermcathTM e outros) são de silástico
inseridos cirurgicamente, sendo que um túnel subcutâneo
é construído para a sua via de saída. O cateter é firmemente
fixado no túnel devido à presença de um cuff. Tais catete-
res são mais flexíveis e biocompatíveis, implicando menor
risco de trombose venosa. Além disso, a presença do túnel
subcutâneo na via de saída e de um cuff no cateter reduz a
taxa de infecções no local e, conseqüentemente, de bacte-
remia.
Outra variante introduzida mais recentemente é o cate-
ter de Tesio. Na verdade, este cateter é constituído por dois
cateteres separados, ou seja, com os lumens arterial e ve-
noso do circuito separados, porém com a extremidade ex-
terna dos cateteres juntando-se em uma só peça. Durante
a implantação cirúrgica, o cateter venoso é implantado al-
guns centímetros mais profundamente para evitar recircu-
lação. Devido ao grande calibre (10 Fr), estes cateteres per-
mitem alto fluxo de sangue.
Força Motriz do Sangue
Ao optarmos por acessos vasculares arteriovenosos (pun-
ção percutânea de artéria e veia femoral ou shunt AV), o gra-
diente de pressão do lado arterial para o lado venoso do cir-
cuito pode funcionar como força motriz para o sangue pas-
sar por um sistema de baixa resistência (hemofiltração). Quan-
do utilizamos somente cateteres venosos, não há gradiente
de pressão e se faz necessária uma bomba para impulsio-
nar o sangue. As máquinas de HD e de hemofiltração veno-
venosa são providas de bombas de rolete para tal propósi-
to. Também se podem utilizar bombas de rolete avulsas para
realização de ultrafiltração lenta contínua (SCUF).
Dialisador
Os filtros de HD podem ter duas formas básicas de ar-
quitetura: filtro capilar e filtro de placas paralelas. Os fil-
tros capilares são mais utilizados do que os de placas pa-
ralelas. Os filtros de placas paralelas estão associados a uma
maior taxa de coagulação do sistema e geralmente a caixa
que os aloja é opaca, não permitindo a visualização dos
coágulos.
398 Insuficiência Renal Aguda
As membranas que equipam os dialisadores podem ser
classificadas em três tipos: celulose, celulose modificada e
sintética. A celulose é obtida por meio do processamento
do algodão e, até recentemente, o tipo de membrana mais
comumente encontradonos dialisadores era o cuprofane.
Essa membrana tem alta permeabilidade para pequenas
moléculas, PM � 200 dáltons e baixa para moléculas mai-
ores. As membranas sintéticas incluem a poliacrilonitrila
(PAN), a polissulfona, a poliamida, o policarbonato e o
polimetilmetacrilato. Essas membranas são mais permeá-
veis a moléculas médias e grandes do que o cuprofane.
Esses filtros, por apresentarem alta capacidade de UF e
serem altamente permeáveis aos solutos urêmicos, permi-
tem a utilização do transporte por convecção, mimetizan-
do a filtração glomerular (v. também Cap. 50).
Anticoagulação
Decorrente da natureza artificial de um sistema de
CRRT, existe ativação de complemento, cininas, cascata da
coagulação e agregação plaquetária com formação de trom-
bos em seu interior. A coagulação do sangue no filtro dia-
lisador leva à diminuição progressiva da área de superfí-
cie de filtração. Assim, é necessário obter-se anticoagula-
ção eficaz do sangue durante a passagem pelo filtro, po-
rém, sem anticoagular excessivamente o paciente. A anti-
coagulação mais freqüentemente empregada é a heparini-
zação. O sistema passa inicialmente por uma pré-lavagem
com soro heparinizado (5.000 UI de heparina para um li-
tro de soro fisiológico) e infusão de heparina em bolo ou
por infusão contínua para manter o tempo de tromboplas-
tina parcial ativado (TTPa) ou o tempo de coagulação ati-
vado (TCa) uma e meia a duas vezes superior ao valor
normal. Geralmente, isto requer uma dose em torno de
1.000 UI/hora, devendo-se proceder à monitorização do
TTPa durante o tratamento. Nos procedimentos dialíticos
prolongados ou contínuos, recomenda-se a heparinização
contínua. A anticoagulação com heparina pode ser feita
regionalmente, infundindo-se sulfato de protamina no fi-
nal do circuito venoso (l ml para cada 1.000 UI de hepari-
na). Tecnicamente, a heparinização regional é complicada
e mais cara, por exigir a utilização de duas bombas de in-
fusão e a monitorização freqüente (3 a 4 vezes por dia) do
TTPa do sistema de CRRT e do paciente.
O citrato trissódico é uma das alternativas à heparini-
zação. Seu princípio de ação é a quelação do cálcio iônico,
que é co-fator importante para a ação de várias enzimas da
cascata de coagulação. Nesse tipo de anticoagulação, infun-
de-se o citrato trissódico (2 mol/l,5 litro de soro fisiológi-
co para 4 horas de HD) na via arterial da CRRT, fazendo-
se a reposição do cálcio na linha venosa, com cloreto de
cálcio a 5% (120 ml em 4 horas). É importante a monitori-
zação freqüente dos níveis de cálcio iônico. Apesar de se
mostrar um excelente anticoagulante, seu uso torna-se li-
mitado pelos motivos justificados para a heparinização
regional, adicionando-se a necessidade de monitorização
do cálcio iônico, os riscos de hipo- ou hipercalcemia e al-
calose metabólica (pela conversão do citrato em bicarbo-
nato no fígado). Além da heparina e do citrato, outro anti-
coagulante promissor é a prostaciclina. Por enquanto, os
inconvenientes para essa substância são o risco de hipoten-
são arterial e o alto custo do tratamento. Também é possí-
vel realizar procedimentos dialíticos com CRRT sem o uso
de anticoagulantes. Neste caso, utilizam-se freqüentes la-
vagens do circuito da CRRT com solução salina a 0,9% (100
ml a cada 30 minutos) (v. Cap. 50).
Solução de Diálise
Durante a HD, uma solução é infundida no comparti-
mento externo do filtro dialisador, entrando em contato
com a membrana dialítica. Com a finalidade de manter o
equilíbrio eletrolítico e ácido-básico no organismo, a solu-
ção de diálise deve conter quantidades adequadas de íons
como sódio, potássio, cálcio etc. Assim, certos íons apre-
sentam concentração baixa na solução dialisadora com a
finalidade de promover sua remoção do plasma (potássio),
enquanto outros apresentam concentração equilibrada (só-
dio). Devido à perda de grandes quantidades de bicarbo-
nato e à acidose da insuficiência renal, é necessária a sua
reposição. A reposição é feita mediante tampão usado no
banho de diálise, que pode ser o acetato de sódio ou o pró-
prio bicarbonato. O acetato tem como vantagem o poder
de inibir o crescimento bacteriano na solução dialisadora,
o que vem reduzir a quantidade de fragmentos bacteria-
nos que podem ser absorvidos pelo sangue durante a HD
(com conseqüente ativação de produção de citocinas). En-
tretanto, os eventos metabólicos ligados à conversão do
acetato em bicarbonato no fígado produzem um efeito
vasodilatador com risco de hipotensão arterial durante a
HD. As soluções com bicarbonato de sódio estão relacio-
nadas a uma menor ocorrência de episódios hipotensivos.
Como inconveniente, favorecem a precipitação, formando
sais de cálcio, promovendo uma reposição inadequada
desse íon e também ocasionando problemas na manuten-
ção do equipamento. Essas dificuldades são contornáveis
com a utilização de máquinas de proporção.
Solução de Reposição
As soluções de reposição são utilizadas somente nas
modalidades onde o objetivo é o transporte de solutos por
convecção, ou seja, hemofiltração arteriovenosa contínua
(CAVH) e hemodiafiltração arteriovenosa contínua
(CAVHD). Como os objetivos de controle eletrolítico são
os mesmos que os da HD intermitente, a solução tem com-
posição semelhante. Entretanto, ao contrário das soluções
de reposição, a solução de diálise na HD intermitente não
necessita ser estéril. Assim, faz-se necessária a aquisição de
capítulo 21 399
uma solução adequada, ou a composição de uma solução
no hospital, a partir da solução de Ringer. Alternativamen-
te, pode-se utilizar solução de diálise peritoneal, que apre-
senta composição adequada, com exceção da elevada quan-
tidade de glicose. No Quadro 21.2 pode-se observar a com-
posição das diferentes soluções. A prescrição desta ou da-
quela solução dependerá da disponibilidade e da necessi-
dade de cada paciente.
TERAPIAS CONTÍNUAS DE
REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL
Os métodos hemodialíticos podem ser divididos em HD
intermitente, onde geralmente são utilizados filtros de menor
permeabilidade, e nas terapias contínuas de reposição renal
ou CRRT, onde são utilizados filtros da altíssima permeabili-
dade (hemofiltros). A grande variedade de técnicas de CRRT
desenvolvidas levou a uma confusão de nomenclatura.
Ultrafiltração Lenta Contínua (SCUF)
Na SCUF, o gradiente de PTM determina o transporte de
água. O propósito desta terapia é tão-somente o controle
volêmico, assim, não há reposição do volume ultrafiltrado
e o clearance de solutos é mínimo. O acesso vascular pode
ser arteriovenoso ou venovenoso. Podem-se também usar
filtros de diferentes permeabilidades. Apesar de não se uti-
lizar solução dialisadora, pode ser mais seguro realizar-se o
procedimento com uma máquina de HD com monitores
acoplados (detector de bolhas, monitores de pressão do sis-
tema etc.) do que com uma bomba de roletes isolada.
Hemofiltração Arteriovenosa Contínua
A CAVH sem bombas foi descrita em 1977 por Kramer
et al., embora o conceito de diafiltração já houvesse sido
introduzido 10 anos antes. Nesse procedimento, além do
uso do filtro de alta permeabilidade (hemofiltro), utiliza-
se o gradiente de pressão arteriovenoso do paciente para
impulsionar o sangue na CRRT. Como a CAVH é um pro-
cesso contínuo de remoção de líquido e substâncias urê-
micas por convecção, há necessidade de retirada e reposi-
ção de grandes volumes de líquido. Essa técnica é útil para
manter o paciente “seco”, preservando a estabilidade he-
modinâmica. Por outro lado, o clearance médio de uréia na
CAVH é em torno de 10 ml/min, sendo freqüentemente
insuficiente para o controle adequado do nível de uréia em
pacientes graves hipercatabólicos (v. também Cap. 50).
Nesta modalidade, um hemofiltro de baixa resistência
é interposto entre as vias arterial e venosa (volume total
de sangue próximo a 75 ml) sem necessidade de bomba de
sangue. Como banho dediálise, infundimos solução dia-
lisadora por gravidade e em fluxo contrário ao do sangue.
O líquido efluente é drenado para um coletor de fluidos
(coletor de urina em sistema fechado, por exemplo), sen-
do a aferição horária. O volume infundido é subtraído do
medido na unidade de tempo e anotado como UF. O cole-
tor quando abaixo do nível do capilar gera uma pressão
negativa, no compartimento externo do hemofiltro, pro-
porcional à altura da coluna de ultrafiltrado. A combina-
ção dessa pressão negativa com a pressão positiva exerci-
da pelo sangue determina a PTM e conseqüentemente a
velocidade de UF. O fluxo sangüíneo, por sua vez, é de-
terminado pela pressão arterial média, resistência impos-
ta pelo conjunto de vias, capilar e viscosidade sangüínea.
A reposição de fluidos pode ser feita na linha arterial,
antes do filtro (CAVH pré-dilucional) ou na linha venosa,
após o filtro (CAVH pós-dilucional). A pré-dilucional pode
reduzir o fluxo efetivo de sangue e conseqüentemente o clear-
ance. Por outro lado, a pré-dilucional está associada a ta-
xas consideravelmente menores de coagulação do sistema.
Hemodiafiltração Arteriovenosa Contínua
Esta modalidade é muito semelhante à CAVH, porém
uma solução de diálise é infundida de maneira contínua
Quadro 21.2 Composição das diferentes soluções de reposição utilizadas em CRRT
Solução Fluido Fluido
de de Diálise de
Ringer-lactato Peritoneal Hemodiafiltração
Glicose (mg/dl) — 1.360 100
Sódio (mEq/L) 130 132 140
Potássio (mEq/L) 4,0 — 2,0
Cloreto (mEq/L) 109 96 117
Cálcio (mEq/L) 2,7 3,5 3,5
Magnésio (mEq/L) — 0,5 1,5
Lactato (mEq/L) 28 40 30
400 Insuficiência Renal Aguda
no compartimento externo do filtro. Isto adiciona o trans-
porte convectivo ao transporte difusional. Assim, esta
modalidade é habitualmente prescrita quando se necessi-
ta de clearances maiores para se atingir o controle metabó-
lico do paciente.
Hemodiafiltração Venovenosa Contínua
Existem situações em que a CAVHD é impraticável,
quer pela ausência de pressão de perfusão arterial, quer
pela dificuldade em se obter um acesso arteriovenoso ade-
quado. Para esses casos, uma variante da CAVHD utilizan-
do um cateter venoso de duplo lúmen posicionado na veia
central e um aparelho equipado com bomba de sangue,
monitor de pressão venosa e detector de bolhas de ar tem
sido usada. Essa técnica é chamada de CVVHD. A intro-
dução de uma máquina moderna operando de forma inin-
terrupta tem a vantagem de garantir fluxo constante usan-
do um fácil acesso venoso. Por outro lado, a complexida-
de do funcionamento com os potenciais riscos de aciden-
tes (embolia gasosa) pode causar uma certa apreensão na
equipe de enfermagem.
Escolha do Método Dialítico
Ao escolher o método dialítico devemos considerar os
aspectos relativos à eficiência do método, capacidade de
UF, vias de acesso para a diálise e necessidade de anticoa-
gulação. No Quadro 21.3, podemos observar a eficiência
estimada pelo clearance da uréia (PM � 60) de diferentes
tipos de diálise. Podemos notar que HD, CAVHD e
CVVHD produzem maior depuração de uréia.
Assim, a HD e a CAVHD ou CVVHD são os métodos
de escolha para pacientes hipercatabólicos, com elevados
níveis de uréia. Por outro lado, quando se faz necessário
retirar moléculas maiores, como mediadores imunológicos
na SIRS, ou na intoxicação por drogas, a HF e provavelmen-
te a CAVHD se aplicam melhor. É freqüente em alguns
centros que não dispõem de CAVHD o uso concomitante
de HF e HD. Neste caso, a HF garante a retirada do volu-
me e a HD intermitente, o controle dos níveis de uréia.
Vários fatores relacionados ao acesso da diálise podem
interferir com a escolha do método. Obviamente, pacien-
tes com doenças abdominais não-esclarecidas, ou com
“peritônio aberto”, ou ainda com cirurgia abdominal re-
cente, não devem ser submetidos à diálise peritoneal. Por
outro lado, em pacientes com diátese hemorrágica ou que
apresentem contra-indicação para heparinização, a DP
pode ser o método de escolha. Existem outras situações
especiais, como nos pacientes com insuficiência hepática
aguda ou crônica, nos quais, apesar de não se ter demons-
trado maior sobrevida com a DP, é reconhecida a maior
estabilidade do sódio plasmático (melhor controle da hi-
ponatremia) e da glicemia (melhor controle da hipoglice-
mia) com esse tratamento. Além disso, em situações clíni-
cas que envolvem o risco de hipoglicemia (intoxicação por
hipoglicemiantes orais), a DP também pode ser indicada.
Outra possível indicação especial é no aquecimento inter-
no lento do paciente com hipotermia grave.
Devemos ressaltar que os procedimentos contínuos de
HD estão sendo usados com freqüência cada vez maior
na UTI. Por outro lado, o maior clearance de drogas im-
plica reajuste mais freqüente de dose, principalmente de
antibióticos (notadamente a vancomicina e os aminogli-
cosídeos).
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
BELLOMO, R.; RONCO, C.; MEHTA, R.L. Nomenclature for continuous
renal replacement therapies. Am J Kidney Dis, 28(suppl 3):2-7, 1996.
BONVENTRE, J.V. Acute renal failure. In: Essential Atlas of Nephrology.
R.W. Schrier. Lippincott Williams & Wilkins Ed. 2001, pp 39-85.
BOTELLA, J.; GHEZZI, P.; SANZ-MORENO, C. Multicentric study on
paired filtration dialysis as a short, highly efficient dialisis technique.
Nephrol Dial Transplant, 6:715-721, 1991.
DRUML, W.; MITCH, W.E. Metabolism in acute renal failure. Sem Dial,
9:484-490, 1996.
FISH, E.M.; MOLITORIS, B.A. Alterations in epithelial polarity and the
pathogenesis of disease states. N Engl J Med, 330:1580, 1994.
HENDERSEN, L.W. Hemofiltration: From the origin to the new wave.
Am J Kidney Dis, 28 (suppl 3):100-104. 1996.
JAKOB, S.M.; FREY, F.J.; UHLINGER, D.E. Does continuous renal
replacement therapy favorably influence the outcome of patients?
Nephrol Dial Transplant, 11:1250-1235, 1996.
KEIRDORF, H.; SIERTH, H.G. Continuous treatment modalities in acu-
te renal failure. Nephrol Dial Transplant, 10:2001-2008, 1995.
KRUCZYNSKI, K.; IRVINE-BIRD, K.; TOFFELMIRE, E.B.; MORTON,
A.R. A comparison of continuous arteriovenous hemofiltration and
intermittent hemodialysis in acute renal failure patients in the inten-
sive care unit. Am Soc Artif Intern Organs J, 39:778-781, 1993.
Quadro 21.3 Clearance de uréia obtido com diferentes métodos dialíticos
DP HD HDI CAVH CAVHD CVVHD
Prescrição
2 litros/h 3 � 4h/semana 7 � 4h/semana 0,5 litro/h 1 litro/h 2 litros/h
ml/min 16,7 14,3 33,3 6,9 14,2 32
litros/dia 24 21 48 10 211 48
litros/semana 168 144 336 70 144 336
capítulo 21 401
KWON, T.H.; FROKIAER, J.; HAN, J.S.; KNEPPER, M.A.; NIELSEN, S.
Decreased abundance of major Na(�) transporters in kidneys of rats
with ischemia-induced acute renal failure. Am J Renal Physiol,
278(6):F925-39, 2000.
LIAÑO, F.; PASCUAL, J. Epidemiology of acute renal failure: a prospec-
tive, multicenter, community-based study. Madrid Acute Renal Fai-
lure Study Group. Kidney Int, 50(3):811-818, 1996.
LIAÑO, F.; PASCUAL, J. Outcomes in acute renal failure. Semin Nephrol
18(5):541-550, 1998.
MEHTA, R.L. Therapeutic alternatives to renal replacement therapy for
critically ill patients in acute renal failure. Sem Nephrol, 14:64-82, 1994.
RABB, H.; WANG, Z.; POSTLER, G.; SOLEIMANI, M. Possible molecu-
lar basis for changes in potassium handling in acute renal failure. Am
J Kidney Dis, 35(5):871-877, 2000.
RABB, H.; BONVENTRE, J.V. Experimental approaches to acute tubular
necrosis. In: BRADY, H.; WILCOX, C. (eds.) Therapy in Nephrology and
Hypertension: Comparison to Brenner and Rector’s The Kidney. Philadel-
phia, PA Saunders, 1998, pp 72-80.
RACUSEN, L.C. Pathology of acute renal failure: Structure/functions
correlations. Adv Renal Replacement Ther, 4 (suppl 2):3-16, 1997.
SCHOR, N.; BOIM, M.A.; PAVÃO DOS SANTOS, O.F. In: Insuficiência
Renal Aguda: Fisiopatologia, Clínica e Tratamento. SarvierEditora de
Livros Médicos, São Paulo, 1997.
SCHOR, N. Acute renal failure and sepsis syndrome. Kidney Int, 61:764-
776, 2002.
THADHANI, R.; PASCUAL, M.; BONVENTRE, J.V. Acute renal failure.
N Engl J Med, 334(22):1448-1460, 1996.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
www.kidneyatlas.org
www.niddk.nih.gov
www.hdcn.com
www.kidney.org
www.embbs.com
www.emedicine.com
www.nlm.nih.com
www.hosppract.com

Continue navegando