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Definição A lesão renal aguda é uma síndrome clínica definida como uma anomalia funcional ou estrutural do rim que se manifesta por um aumento da Creatinina sérica de 0,3 mg/dl ou superior em 48h, um aumento da Cr sérica de 1,5 ou superior em relação ao basal em 7 dias ou um volume urinário inferior a 0,5 ml/kg/h durante 6 horas. Perda abrupta da função renal em horas ou dias – 48h e até 7 dias. Complicações: Escórias, distúrbios hidroeletrolíticos, hipervolemia. Epidemiologia A maior parte dos episódios de LRA ocorre no hospital, com uma incidência de 20% nos pacientes hospitalizados e de até 50% em pacientes na UTI. A LRA é o principal motivo de consulta com um nefrologista em pacientes hospitalizados. Por outro lado, a incidência de LRA adquirida fora do ambiente hospitalar não é maior que 1%. Fator independente para mortalidade (50 -80%). Principais causas de lesão renal aguda nas grandes cidades latinas e em centros universitários são semelhantes àquelas encontradas nos países do primeiro mundo: sepse e lesão renal aguda pós-grandes cirurgias, transplantes de órgãos sólidos, contrastes radiológicos e drogas. Entretanto, os pacientes com lesão renal aguda são mais jovens e apresentam comorbidades e, ainda, encontram-se causas típicas de países em desenvolvimento, como doenças transmissíveis (dengue, malária, leptospirose) e por animais peçonhentos (picadas de cobras, aranhas, abelhas etc.). Verificou-se, também, em relação ao tratamento dialítico, predomínio da hemodiálise, porém ainda se utiliza diálise peritoneal e, menos frequentemente, hemodiálise contínua, esta restrita basicamente aos hospitais privados e universitários. No ambiente hospitalar, uremia pré-renal e necrose tubular aguda (NTA) perfazem a maioria dos casos de IRA, quase sempre no contexto de IRA superposta à doença renal crônica (DRC), denominada “lesão renal aguda em doença renal crônica”. Fatores de risco: DRC prévia, desidratação, idoso, DM e HAS. As diversas causas da LRA estão divididas em três categorias anatômicas: pré-renal, intrarrenal ou intrínseca, e pós-renal. Cada uma das três categorias representa um processo fisiopatológico único com parâmetros diagnósticos e prognósticos distintos. Azotemia Pré-renal A azotemia pré-renal, a causa mais comum de LRA, é um resultado da hipoperfusão renal. É responsável por cerca de 60% a 70% dos casos adquiridos na comunidade e 40% dos adquiridos no hospital. A hipoperfusão é vista em estados patológicos que reduzem o volume intravascular efetivo, como depleção de volume secundária a hemorragia, diurese excessiva, sepse, insuficiência cardíaca ou insuficiência hepática. Além disso, as medicações que atuam diretamente para reduzir a perfusão capilar glomerular, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), os bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRAs) e os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), também podem causar LRA pré-renal. O uso desses agentes em pacientes com hipoperfusão renal subjacente deve ser evitado. Lesão Renal Aguda Intrínseca A LRA intrarrenal é frequentemente o resultado de estados de hipoperfusão graves intratáveis ou não tratados que originam lesão celular e LRA isquêmica. As causas da LRA intrínseca são variadas e podem envolver qualquer porção da vasculatura renal, néfron ou interstício renal. Lesões sépticas ou isquêmicas são as principais causas. As toxinas renais, como os meios de contraste e os aminoglicosídeos, também podem danificar os túbulos tanto direta quanto indiretamente. Felizmente, a LRA não se desenvolve em todos os pacientes expostos a esses agentes; mas os pacientes idosos, com diabetes melito, hipotensos ou com redução do volume arterial efetivo (insuficiência cardíaca, queimaduras, cirrose, hipoalbuminemia) são os mais suscetíveis à lesão renal tóxica. De fato, a incidência de nefrotoxicidade dos aminoglicosídeos aumenta de 3% a 5% para 30% a 50% nesses pacientes de alto risco. Toxinas tubulares renais comuns Aminoglicosídeos, Agentes de radiocontraste, Aciclovir, Cisplatina, Sulfonamidas, Metotrexato, Ciclosporina, Tacrolimo, Anfotericina B, Foscarnet, Pentamidina, Etilenoglicol, Tolueno, Cocaína e Inibidores de redutase HMG-CoA. A LRA secundária à lesão no interstício renal é chamada de nefrite intersticial aguda. Os medicamentos comumente associados à nefrite intersticial são as penicilinas, as cefalosporinas, as sulfonamidas e os AINEs. Infecções bacterianas e virais podem ser os agentes causadores. A nefrite intersticial também está associada a um processo autoimune sistêmico ou confinado aos rins, tal como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, crioglobulinemia e cirrose biliar primária. Medicamentos associados à nefrite intersticial aguda ANTIBIÓTICOS β-LACTÂMICOS: Penicilina Cefalosporinas Ampicilina Meticilina Nafcilina DIURÉTICOS: Furosemida Hidroclorotiazida Triantereno OUTROS ANTIBIÓTICOS: Sulfonamidas Vancomicina Rifampina Aciclovir Indinavir AINEs: Ibuprofeno Naproxeno Indometacina. Lesão Renal Aguda Pós-renal A LRA pós-renal pode ocorrer nos quadros de obstrução bilateral do fluxo urinário ou em um paciente com apenas um rim quando o único trato do fluxo urinário é obstruído. Mais comumente, esse tipo de obstrução de fluxo é observado em pacientes com hiperplasia prostática, câncer prostático ou do colo cervical, ou doenças retroperitoneais, incluindo a linfadenopatia. Uma obstrução funcional também pode ser observada nos pacientes com bexiga neurogênica. Além disso, a obstrução intraluminal pode ser vista em pacientes com cálculos renais bilaterais, necrose papilar, coágulos de sangue e carcinoma vesical, enquanto a obstrução extraluminal está associada à fibrose retroperitoneal, ao câncer de cólon e aos linfomas. Por fim, a cristalização intratubular de compostos como o ácido úrico, o oxalato de cálcio, o aciclovir, a sulfonamida e o metotrexato, bem como as cadeias leves do mieloma, pode causar obstrução tubular. Biopatologia As causas da LRA são diversas e podem surgir de inúmeros fenômenos patológicos que lesam os rins e reduzem a taxa de filtração glomerular (TFG). A diminuição da perfusão renal e uma TFG reduzida podem ocorrer com ou sem lesão celular; dano tóxico, isquêmico ou obstrutivo do néfron; inflamação ou edema do interstício tubular; e um processo de doença glomerular primária. Lesão Renal Aguda Pré-renal O evento de precipitação da LRA pré-renal é a hipoperfusão do rim, que pode ser causada pela redução no volume do fluido total ou intracelular ou por estados de estresse associados a volumes de fluido total ou intracelular normais, ou até mesmo aumentados, mas com diminuições no volume arterial efetivo, tais como na sepse, na insuficiência cardíaca e na cirrose avançada. Com base na resposta à hidratação, a azotemia pré-renal também é dividida funcionalmente em azotemia de resposta de volume e de não resposta. Por exemplo, na insuficiência cardíaca grave, o volume intravascular adicional pode não melhorar a perfusão renal, enquanto a redução da pós-carga pode melhorar a perfusão através do aumento do débito cardíaco. No início da LRA pré- renal, o parênquima renal permanece intacto e funcional. Durante essa fase inicial, a TFG permanece amplamente intacta, pois a hipoperfusão do rim inicia uma cascata neuro-hormonal que resulta na dilatação da arteríola aferente e na constrição da arteríola eferente, mantendo assim a pressão de perfusão glomerular. Uma vez que a azotemia pré-renal é, com frequência, facilmente reversível e apresenta baixas taxas de mortalidade, o diagnóstico precoce e a correção da fisiopatologia subjacente são de importância fundamental. Porém, sem uma intervenção médica terapêutica imediata,a azotemia pré-renal progride, a isquemia piora e a lesão resultante nas células epiteliais tubulares diminui ainda mais a TFG. Essa progressão da azotemia pré-renal concomitante à LRA isquêmica é um processo contínuo que depende da gravidade e da duração da agressão fisiológica. Lesão Renal Aguda Intrarrenal A LRA intrínseca é classificada de acordo com o sítio histológico primário de lesão: túbulos, interstício, vasculatura ou glomérulos. A lesão celular dos túbulos renais, comumente chamada de necrose tubular aguda (NTA), ocorre com maior frequência quando há isquemia, embora os túbulos renais também possam ser danificados por toxinas renais específicas. A isquemia pode se originar de uma série de cenários clínicos diferentes, mas a patogênese subjacente comum é o fluxo sanguíneo renal reduzido com a progressão da azotemia pré-renal para a LRA isquêmica em quatro fases celulares e clínicas distintas: inicial, extensão, manutenção e recuperação. Cada uma dessas fases apresenta eventos celulares distintos e diminuições na TFG enquanto os rins respondem aos traumas e tentam manter e restabelecer seu funcionamento. A fase inicial, que marca a transição entre a lesão pré-renal e a lesão com disfunção celular tubular, é caracterizada por grave depleção celular de trifosfato de adenosina. Lesão celular epitelial dos túbulos renais, especialmente das células tubulares proximais, é uma característica proeminente dessa fase, mas lesão do endotélio e das células do músculo liso vascular também já foi documentada. Durante essa fase, os processos de sinalização intensos entre as células tubulares proximais e as células endoteliais adjacentes resultam em disfunção endotelial e em uma resposta endotelial inflamatória. Os leucócitos de todos os tipos desempenham um papel na inflamação e na lesão celular em curso. As células dendríticas, macrófagos, neutrófilos e linfócitos podem desempenhar um papel prejudicial ou protetor. Essa evolução poderá variar de acordo com o tipo celular e as alterações do fenótipo dos macrófagos de M1 para M2, que medeiam a conversão da forma pró-inflamatória para uma forma reparadora. Durante a fase de extensão, a congestão microvascular com inflamação e hipoxia continuada é mais pronunciada na junção corticomedular do rim, onde a reperfusão é limitada devido à disfunção endotelial nos níveis das vênulas capilares e pós-capilares, com a adesão de leucócitos e formação de agregados de hemácias (rouleaux). A TFG está em seu limiar mais baixo durante a fase de manutenção; mas as células continuam a reparar, migrar e proliferar enquanto o rim tenta restabelecer a integridade celular e tubular. Finalmente, durante a fase de recuperação, a TFG começa a melhorar, enquanto a diferenciação celular continua e o funcionamento normal das células e dos órgãos se recupera. As células tubulares proximais sofrem um processo de reparação celular e as células epiteliais completamente diferenciadas voltam a exprimir marcadores celulares de células estaminais e dividem-se para repopular o néfron. Essa última fase é muitas vezes anunciada pelo aumento da produção urinária. O segmento S3 do túbulo proximal está localizado na camada externa da região medular do néfron. Essa região é particularmente suscetível à contínua perfusão reduzida que se dá após o dano, e a hipoxia em andamento ou piorada resulta na manutenção da lesão celular. A lesão celular no túbulo proximal durante a fase inicial da isquemia renal é primeiramente manifestada pela formação de bolhas nas membranas apicais, com perda da borda em escova. As superfícies membranosas das células do túbulo proximal perdem sua polaridade e a integridade das junções de oclusão (tight junctions). Com a progressão da lesão, as células proximais, vivas ou necrosadas, desprendem-se e entram no lúmen tubular, onde acabam formando cilindros no túbulo distal. Os cilindros contribuem para a redução da TFG ao obstruir o fluxo urinário tubular, impedindo, assim, uma maior filtração naquele néfron. Além disso, a perda da barreira celular epitelial e das junções fi de oclusão entre as células permite o vazamento do filtrado glomerular de volta para o interstício, comprometendo ainda mais a TFG. Os agentes comuns que podem causar danos tóxicos às células tubulares são os antibióticos aminoglicosídeos, os contrastes radiológicos intravenosos e a cisplatina. Outros agentes, como os radiocontrastes, os AINEs e a ciclosporina, induzem vasoconstrição e redução da perfusão renal. A cocaína e os inibidores de redutase da coenzima A 3-hidróxi-3-metilglutaril (HMG- CoA) podem danificar os músculos esqueléticos e causar rabdomiólise, que resulta na liberação da mioglobina que é tóxica ao epitélio tubular. Finalmente, a precipitação de alguns compostos ou seus metabólitos pode causar obstrução intratubular; são agentes desta categoria o aciclovir, as sulfonamidas, o etilenoglicol (metabólito de oxalato cálcio, o metotrexato e as cadeias leves de mieloma múltiplo. A sepse é uma causa muito comum de LRA intrínseca. Embora as causas de LRA séptica sejam muitas vezes multifatoriais, a isquemia devido à perfusão microvascular deficiente é o fator principal. De modo interessante, as células tubulares proximais fazem parte do sistema imunitário inato detectando padrões moleculares associados a perigo e padrões de reconhecimento associados a agentes patógenos através dos receptores toll-like (TLRs). Os lipopolissacarídeos são um exemplo da absorção mediada pelos TLR-4 do túbulo proximal que resulta em sinalização subsequente através de citocinas e de estresse oxidativo. A histologia resultante nos humanos é um comprometimento disperso de células com apoptose e necrose celular mínima que não pode explicar completamente a gravidade da disfunção renal induzida pela sepse. As alterações da coagulação na microcirculação também desempenham um papel importante na disfunção renal e na isquemia em curso. Na LRA causada por lesão intersticial, é visto um infiltrado inflamatório misto composto por linfócitos T, monócitos e macrófagos. Essas lesões inflamatórias podem ter distribuição difusa. Os granulomas podem ser observados de modo ocasional, principalmente nas reações de hipersensibilidade a medicamentos. A nefrite intersticial aguda que persiste e se torna crônica é caracterizada pela fibrose intersticial e pela atrofia tubular, embora focos de células inflamatórias possam persistir. Esse processo pode levar a doenças renais crônicas, e até mesmo de estágio final, que requerem diálise crônica. As causas vasculares da LRA intrínseca podem incluir processos microvasculares e macrovasculares. As doenças microvasculares clássicas, como a púrpura trombótica trombocitopênica, a sepse, a síndrome hemolítico-urêmica e a síndrome HELLP (do inglês, hemolysis, elevated liver enzymes, and low platelet count — hemólise, elevação das enzimas hepáticas e baixa contagem de plaquetas; causam LRA devido à trombose capilar glomerular e à oclusão microvascular. A doença macrovascular, tal como a aterosclerose, pode causar LRA secundária à ateroembolização, especialmente durante ou após um procedimento vascular de intervenção ou invasivo em um paciente com doença aterosclerótica preexistente. Uma causa menos comum de LRA é a glomerulonefrite, que pode ser vista na nefrite do lúpus sistêmico, na granulomatose com poliangeíte, na poliarterite nodosa, na síndrome de Goodpasture, na púrpura de Henoch- Schönlein e na síndrome hemolítico-urêmica. A LRA que se origina nessas situações é denominada glomerulonefrite rapidamente progressiva e se deve a lesão glomerular ou vascular inflamatória direta. Lesão Renal Aguda Pós-renal A LRA pós-renal é causada pela obstrução do fluxo luminal do filtrado glomerular.Essa obstrução resulta em uma fisiopatologia relativamente complexa que se inicia com a transmissão da pressão para a cápsula de Bowman do glomérulo. Intuitivamente, se esperaria que essa pressão reduzisse a TFG. Porém, devido à dilatação da arteríola glomerular aferente, a TFG permanece praticamente inalterada. Infelizmente, tal compressão é apenas transitória, e a TFG começará a diminuir se a obstrução não for rapidamente revertida. Com a obstrução durando por mais de 12 a 24 horas, o fluxo sanguíneo renal e a pressão intratubular diminuem, e grandes áreas não perfundidas e subperfundidas do córtex renal resultam na redução da TFG. Manifestações clínicas A LRA, mesmo quando avançada, é com frequência diagnosticada primeiramente pela observação de anormalidades nos exames laboratoriais de um paciente, e não pela apresentação de sinais e sintomas específicos. As manifestações clínicas associadas à LRA são frequentemente protraídas, ocorrem tardiamente e não costumam ser aparentes até que a disfunção renal tenha se tornado grave. Os achados clínicos da LRA também dependem do estágio no qual a doença é diagnosticada. Os pacientes com LRA podem relatar sintomas como anorexia, fadiga, náusea, vômito e prurido, assim como diminuição do volume urinário ou coloração enegrecida da urina. Além disso, se o paciente apresentar sobrecarga de volume, podem ser observadas falta de fôlego e dispneia ao exercício. Um exame físico meticuloso, com especial ênfase na determinação do estado volêmico e do volume arterial efetivo, é essencial. Se uma sobrecarga de volume estiver presente, podem ser encontrados edema periférico, crepitações pulmonares e distensão das veias jugulares. Achados tais como asterixe, mioclonias ou atrito pericárdico podem ser vistos na LRA grave. Diagnóstico Uma abordagem sistemática que considera cada uma das três principais categorias da patogênese da LRA garantirá a precisão do diagnóstico e o plano terapêutico apropriado a ser instituído. Uma estratégia diagnóstica adequada é, primeiramente, excluir as causas pré-renais e pós-renais, e então, se necessário, começar a avaliação das possíveis causas intrínsecas. A análise laboratorial de amostras de sangue e urina de pacientes com LRA revela o nível de disfunção, e frequentemente sugere uma causa, podendo também sinalizar a rapidez na qual um tratamento específico precisa ser instituído. Todos os pacientes com achados clínicos de LRA devem ser avaliados com medições séricas de eletrólitos, creatinina, cálcio e fósforo; um nível de nitrogênio ureico sanguíneo; e hemograma completo com diferencial. Além disso, as determinações das concentrações urinárias de sódio, potássio, cloreto e Cr, para o cálculo da excreção fracionada de sódio (EFNa), são importantes. A fórmula para o cálculo da FENa é: O valor numérico da EFNa pode ser útil na determinação da causa potencial da LRA. Em alguns casos, é melhor usar a EFCl porque a concentração urinária de sódio pode estar aumentada durante a alcalose sistêmica, quando um alto nível urinário de bicarbonato força uma perda do sódio. A microscopia e o exame de fitas reagentes da urina devem ser realizados com uma amostra fresca, já que importantes elementos celulares que podem indicar as causas potenciais da doença se degradam com o passar do tempo. Por fim, uma ultrassonografia renal para determinar a presença ou ausência de obstrução da saída da urina deve ser incluída na avaliação inicial. A medição de níveis séricos e urinários de biomarcadores estruturais, tais como a molécula 1 de lesão renal (KIM-1), e de marcadores inflamatórios, como a lipocalina associada à gelatinase de neutrófilos (NGAL) e interleucina-18, pode ajudar no diagnóstico de LRA, embora os dados ainda não sejam conclusivos. Azotemia Pré-renal A azotemia pré-renal, a causa mais comum de disfunção renal, pode, com frequência, ser determinada através do histórico do paciente. São características típicas comumente observadas no histórico do paciente com azotemia pré-renal o vômito, a diarreia e a baixa ingestão oral. A insuficiência cardíaca pode sugerir uma possível causa pré-renal de perfusão renal reduzida a partir da diurese abundante ou com a própria exacerbação da insuficiência cardíaca. Outras medicações que podem atenuar a perfusão renal, como os AINEs, os IECAs e os BRAs, podem causar azotemia pré-renal. Entre os achados físicos, estão a taquicardia, a hipotensão sistêmica e/ou ortostática e a secura das membranas mucosas. As análises laboratoriais em pacientes com azotemia pré-renal revelam níveis séricos aumentados de ureia e Cr. A EFNa costuma ser inferior a 1%. Porém, nos pacientes que estão recebendo diuréticos como a furosemida, a EFNa pode ser maior que 1% mesmo que o paciente tenha azotemia pré-renal devido à natriurese induzida por diuréticos. Nessas situações clínicas, a excreção fracional de ureia pode ser utilizada e é calculada de maneira similar: Uma EFureia menor que 35% sugere LRA pré-renal. Outras causas de uma EFNa maior que 1% incluem a presença de um soluto não reabsorvível, como o bicarbonato, a glicose ou o manitol. A doença renal crônica, a NTA e a nefropatia obstrutiva tardia estão também associadas a uma EFNa maior que 1%. Portanto, nesses estados patológicos, a EFNa não pode fornecer informações diagnósticas confiáveis com relação à LRA, a menos que a EFNa seja menor que 1%. Além disso, o uso da efureia ainda não foi validado nessas entidades clínicas. Outro parâmetro laboratorial para auxiliar o diagnóstico da LRA pré-renal é a relação entre as concentrações séricas de ureia e Cr. Em um paciente com azotemia pré-renal, esta relação costuma ser maior que 20:1. Lesão Renal Aguda Intrarrenal Um histórico de hipotensão ou de exposição a nefrotoxinas ou a medicamentos é um achado comum nos pacientes com LRA intrarrenal. A nefrotoxina pode ser uma toxina tubular específica que causa NTA ou um medicamento que causa uma reação alérgica, como na nefrite intersticial aguda. O exame físico pode revelar sinais e sintomas de sobrecarga de volume. É importante recordar que a NTA resulta muitas vezes de um estado pré-renal grave persistente e o estado pré-renal deve ser primeiramente corrigido para prevenir a perpetuação ou o agravamento da NTA. Uma erupção cutânea pode acompanhar a nefrite intersticial aguda. O embolismo por colesterol em pacientes com doença aterosclerótica grave pode se manifestar classicamente como dedos cianóticos e LRA; este achado é frequentemente visto após cirurgia vascular invasiva ou estudo intervencional. Os exames laboratoriais mostrarão altas concentrações séricas de Cr e ureia na LRA intrarrenal. NTA e nefrite intersticial aguda estão com frequência associadas a uma EFNa maior que 1, enquanto esta é normalmente menor que 1 na LRA precoce induzida por radiocontraste na sepse, na glomerulonefrite e nos transtornos vasculares. A eosinofilia periférica e os eosinófilos urinários podem estar presentes na nefrite intersticial aguda, embora esta última não seja sensível nem específica para este tipo de LRA. A presença de eosinófilos na urina também está associada à doença microembólica de colesterol. Lesão Renal Aguda Pós-renal Um histórico de hiperplasia prostática, câncer prostático, linfoma, câncer cervical ou doença retroperitoneal pode ser encontrado com frequência em pacientes com LRA pós-renal. A LRA pós- renal deve sempre fazer parte do diagnóstico diferencial dos pacientes com oligúria grave (volume de urina <450 mL/dia) ou anúria (volume de urina <100 mL/dia). Porém, muitos pacientes com LRA pós-renal não são oligúricos nem anúricos. Além de uma elevação nos níveis séricos de Cr e ureia, os resultados dos exames laboratoriais são benignos. A cateterização vesicalpode ser diagnóstica ou terapêutica na LRA pós-renal, aquando da presença de obstrução dita infravesical. Entretanto, a ultrassonografia renal é o exame diagnóstico de escolha, embora possa ser falsamente negativo no início da LRA pós-renal. Tratamento Os pilares do tratamento da LRA são seu rápido reconhecimento e as correções de causas reversíveis, como a hipoperfusão, a evitação de qualquer lesão renal posterior, e a correção e manutenção de um equilíbrio eletrolítico e do volume interno. O tratamento preventivo ou as intervenções médicas realizadas durante as fases de iniciação e extensão da LRA fornecem as maiores probabilidades de minimizar o tamanho do trauma e acelerar a recuperação renal as intervenções realizadas durante a fase de manutenção da LRA não são comprovadamente benéficas. Se a LRA pré-renal não for reconhecida logo ou se o paciente for abordado tardiamente no processo, a LRA pode evoluir e levar a um grande aumento da morbidade e da mortalidade. A azotemia pré-renal em seus estágios iniciais muitas vezes pode ser rapidamente corrigida pela normalização agressiva de volume arterial efetivo, embora maior cuidado deva ser tomado durante a ressuscitação volêmica em pacientes com um histórico de insuficiência cardíaca, cirrose e sepse. As principais abordagens são a administração de volume (p. ex., solução salina normal) para atingir euvolemia, melhorar o débito cardíaco pela redução da sobrecarga ou normalizar a resistência vascular sistêmica. A LRA pós-renal secundária à hiperplasia prostática pode muitas vezes ser corrigida pela colocação de um cateter vesical. Porém, a obstrução da saída da urina por um processo neoplásico geralmente requer uma consulta urológica para considerar a colocação de um stent ureteral (cateter duplo jota) ou de um tubo percutâneo de nefrostomia. A LRA intrarrenal pode ser mais complexa e de difícil tratamento. A LRA causada pela glomerulonefrite ou vasculite, com frequência, necessitará de tratamento imunossupressor. Para a suspeita de nefrite intersticial aguda, a medicação ofensiva deve ser determinada e descontinuada; um tratamento rápido de 2 semanas com glicocorticoides, começando com 1 mg/kg de prednisona (até 60 mg) por 3 dias, é geralmente recomendado, apesar da ausência de dados de ensaios clínicos randomizados. As medidas gerais de suporte incluem evitar a administração de qualquer nefrotoxina e a atenção ao balanço de fluido do paciente pelo monitoramento de seu peso corpóreo e da ingestão e excreção diárias. Além disso, a concentração sérica de eletrólitos, Cr e ureia deve ser monitorada ao menos a cada dia, principalmente se a função renal do paciente parecer tênue. Os pacientes com LRA devem também receber uma dieta com baixos teores de potássio e sódio, que pode ser liberada quando a função renal melhorar. Um ligante de fosfato (p. ex., acetato de cálcio [1.334 mg], carbonato de lântano [500 mg], sevelamer [300 a 1.000 mg], ou hidróxido de alumínio [300 a 600 mg] em cada refeição; também é geralmente útil no controle do nível de fósforo séricopor minimizar a absorção de fosfato dietético. Alguns pacientes irão necessitar de hemodiálise urgente devido à acentuada acidose metabólica não responsiva às infusões de bicarbonato de sódio; às anormalidades de eletrólitos, tais como uma hipercalemia que não responde ao tratamento médico; ao edema pulmonar não responsivo à terapia diurética; e aos sintomas urêmicos de encefalopatia, convulsões e pericardite. Para a LRA, o início precoce da diálise (nível de Cr de 7,5 mg/dL) não é melhor que o início da diálise-padrão com valores de Cr de aproximadamente 10 mg/dL. Além disso, a terapia de suporte renal dialítica não é melhor que a terapia dialítica-padrão, e a hemodiálise intermitente e a terapia de reposição renal contínua podem levar a resultados clínicos semelhantes aos da insuficiência renal aguda. Contudo, é importante verificar se a diálise prescrita é efetuada e se as medidas padronizadas são alcançadas. Alguns pacientes — especialmente os com um estado catabólico aumentado, com traumatismos e sob corticoterapia — podem precisar de diálise mais do que três vezes por semana para alcançar um tratamento adequado. Nem a furosemida nem a dopamina em baixa dose melhoram o prognóstico, mesmo que a dopamina em baixa dose possa temporariamente melhorar as medidas da fisiologia renal. Prevenção Dado o grande aumento da morbidade e da mortalidade associado à LRA, principalmente nos pacientes gravemente doentes, medidas potenciais para prevenir seu aparecimento são essenciais. O primeiro passo na prevenção, entretanto, é estar consciente dos pacientes que estão em alto risco de LRA devido a doença renal prévia ou a comorbidades tais como doença renal crônica, diabetes, hipertensão, síndrome nefrótica, insuficiência cardíaca, idade, e doença vascular periférica. De todos os fatores de risco para adquirir LRA, a presença de uma doença renal crônica preexistente é o mais preditivo. Dados recentes documentam um círculo vicioso envolvendo a LRA e a DRC. As medidas adequadas de monitoramento hospitalar incluem evitar medicamentos nefróticos (p. ex., AINEs e aminoglicosídeos); minimizar os procedimentos diagnósticos que requerem material de radiocontraste, especialmente em pacientes pré-renais; e o monitoramento cuidadoso da produção urinária com determinação diária de eletrólitos séricos e níveis de Cr após qualquer procedimento sabidamente indutor de LRA. Além disso, a educação do paciente acerca das nefrotoxinas comuns que não necessitam de prescrição, como os AINEs, pode diminuir o risco de LRA em pacientes ambulatoriais. Antes de uma exposição potencialmente nefrotóxica, uma consulta com um nefrologista é recomendada para este grupo de alto risco, para aconselhamento sobre se uma medicação ou intervenção específica pode reduzir o risco de LRA, ou se uma medicação ou procedimento alternativo, tal como uma ressonância magnética em vez da tomografia computadorizada com agentes de radiocontraste intravenosos, é preferível. Todas as nefrotoxinas potenciais, tais como AINEs, devem ser interrompidas antes de um procedimento potencialmente nefrotóxico e evitados após este. O estado volêmico e hemodinâmico do paciente deve ser maximizado antes e depois do evento. Em pacientes mais suscetíveis, uma intervenção protetora renal é muitas vezes instituída antes da exposição ao agente. As intervenções que podem ser úteis para prevenir a LRA associada a agentes de radiocontraste intravenosos incluem hidratação com cloreto de sódio intravenoso e um curto curso de rosuvastatina (40 mg na admissão, depois 20 mg/dia ou 10 mg/dia durante 2 dias antes e 3 dias após o procedimento). A N-acetilcisteína não é mais recomendada para este propósito. Prognóstico Normalmente, a LRA secundária a causas renais, se diagnosticada e tratada precocemente, tem o melhor prognóstico de recuperação renal. Os pacientes com LRA pré-renal normalmente retornam a seus níveis basais de função renal e apresentam taxa de mortalidade inferior a 10%. Da mesma forma, os pacientes com LRA pós-renal também apresentam bom prognóstico de recuperação renal, se a obstrução que impede a saída da urina for prontamente diagnosticada e tratada de maneira efetiva. Por outro lado, os pacientes com LRA intrarrenal têm prognóstico renal menos predizível; a taxa de mortalidade nesse grupo de indivíduos varia entre 30% e 80%, dependendo da gravidade da lesão. As maiores taxas de mortalidade são observadas nos pacientes idosos com LRA adquirida no hospital e admitidos às UTIs. Além disso, a mortalidade dos pacientes com LRA pode ser crescente, e elevações aparentemente pequenas na Cr sérica podem resultar em aumento progressivo da taxa de mortalidade.Até um aumento na Cr sérica de somente 0,3 mg/dL resulta em um aumento significativo do risco de mortalidade. O curso clínico após a recuperação da NTA é a subsequente regeneração tubular com recuperação da função renal. Porém, esse desfecho é menos assegurado nos pacientes com doença renal preexistente. Além disso, dada a frequente natureza sistêmica de suas doenças, os pacientes com LRA de etiologia glomerulonefrítica, NTA e vasculítica podem não recuperar sua função renal basal. Os pacientes que apresentam um quadro mais grave de LRA e que necessitam de hemodiálise podem não recuperar sua função renal. Os pacientes que apresentam um episódio grave de LRA e que necessitam de hemodiálise podem não recuperar sua função renal e podem precisar de hemodiálise por tempo indefinido, principalmente se possuem um histórico de doença renal crônica preexistente. A LRA acelera a progressão da doença renal crônica ao estágio final e é com frequência o fator principal que causa tal progressão. É também importante que o nefrologista dê assistência à maioria dos pacientes com LRA adquirida no hospital e os acompanhe no que diz respeito a qualquer progressão, hipertensão ou outras alterações.
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