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ACESSO A JUSTIÇA 2

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ACESSO À JUSTIÇA E DEVIDO PROCESSO LEGAL
José Nilton Nascimento Neves 
RESUMO
A prestação judicial deve ser analisada à luz da organização de toda a sociedade,
considerando todos os aspectos da produção e distribuição das riquezas, de tal forma
que esse processo não seja controlado somente por minorias, as quais a conduzirão
segundo seu próprio interesse. 
INTRODUÇÃO
O presente texto tem por finalidade compartilhar algumas ideias sobre o acesso à
justiça e o devido processo legal. Dividido, portanto, em dois tópicos principais. No
primeiro, narra-se a concepção de justiça mostrando-a como um aspecto mais
abrangente, a qual não se limita à simples noção de acesso ao Judiciário. É
apresentada uma breve consideração sobre a evolução do conceito, permeando por
alguns aspectos do constitucionalismo, bem como pela evolução da concepção de
Estado liberal ao social. O tópico se encerra com as principais influências que
obstaculizam o acesso à justiça juntamente com a noção de um novo enfoque à
questão do acesso, mostrando algumas possibilidades para o enfrentamento destes
obstáculos.
No outro tópico, apresentam-se algumas questões referentes ao devido processo legal
– que numa cosmovisão situa-se como um aspecto do acesso à justiça-, tais como a
sua origem e evolução, bem como os seus desdobramentos.
Não resta dúvida de que o escrito tem um caráter meramente introdutório e
superficial, uma vez considerada a complexidade e dimensão da problemática, de
modo a se tratar tão-somente de um estímulo à pesquisa das questões em comento.
DO ACESSO À JUSTIÇA
A questão do acesso à justiça não se limita à compreensão segundo a qual é possível
obter uma prestação jurisdicional por um órgão competente, a saber, o Judiciário, o
qual representa uma parcela do poder do Estado. O acesso à justiça sem sombra de
dúvida deve ser oferecido por aquele, contudo não é nele somente que se restringe a
possibilidade para a sua consolidação. Preconiza Bezerra que “o acesso à justiça não
se resume ao acesso ao Judiciário sendo este último um dos inúmeros direitos
humanos, inerente ao cidadão, fundados na dignidade da pessoa humana” (2001,
p.236).
Tratar a temática do acesso à justiça limitadamente à jurisdição consiste em limitar o
conceito de justiça, fundando-o no pressuposto de que será sempre necessária a
existência de um conflito de interesses para que ela seja efetivada. E se fosse dessa
forma, como dar condições de acesso à justiça aos que não procuram o Judiciário,
sobretudo, por não dispor das condições necessárias (condições econômicas,
conhecimento da tutela específica do direito lesado, etc.) para que o façam? Nota-se,
portanto, que a questão possui uma abrangência maior que supera a noção de
resolução de litígios por um Poder Judicante.
Garantir este direito fundamental às pessoas ultrapassa os limites da justiça dos casos
concretamente considerados. Torna-se necessário o estabelecimento de uma justiça de
mais amplo alcance, a social, a qual está “(...) ligada a uma visão comprometida com
o bem comum, com a observação e reconhecimento das desigualdades sociais, lutas
de classe, reconhecimento da legitimidade dos movimentos sociais (...)” (Ramiro,
2007, p. 05), etc. O acesso exige toda uma conjuntura global a ser criada, de forma
que todas as pessoas possam atuar como cidadãos conscientes dos seus direitos e
deveres dentro da sociedade, o que para alguns é considerado como acesso à justiça
material, compreendida “a partir de uma visão axiológica do termo Justiça, que
concebe o Acesso como o alcance a uma determinada ordem de valores e direitos
fundamentais” (Dietrich, apud Rodrigues, 2006, p. 6).
Para Boaventura de Sousa Santos, “somos herdeiros das promessas da modernidade
e, muito embora as promessas tenham sido auspiciosas e grandiloquentes (igualdade,
liberdade, fraternidade), temos acumulado um espólio de dívidas” (2011, p.13), uma
vez que todas elas – as promessas - não se efetivaram para todas as pessoas. Um dos
maiores legados da modernidade foi a submissão do mundo da vida – termo utilizado
pela Escola de Frankfurt e que o Direito, como um sistema que opera com valores, é
um dos seus exemplos - à racionalidade instrumental, mostrando que o preceito moral
kantiano segundo o qual considera toda pessoa humana como um fim em si mesmo e
não como um meio para a realização de vontades não direcionadas no sentido de
conduzirem ao bem – máxima à qual deve a centralidade da dignidade da pessoa
humana como paradigma interpretativo – não se realizou, tendo, portanto, como
reflexo, a impossibilidade de emancipação das pessoas – promessa maior dos ideais
iluministas. Como adverte Freitag, “(...) Kant tinha visto na razão o instrumento de
libertação do homem para que alcançasse através dela sua autonomia (...). Mas essa
convicção partilhada por todos os iluministas revelava-se ilusória” (2004, p. 34).
As situações de mazelas sociais na contemporaneidade ainda persistem e constituem
óbice à realização da justiça. As soluções apresentadas, quer pelo liberalismo ou
mesmo pelo socialismo, efetivamente, não se concretizaram, tendo sido, talvez,
fracassadas ou, de algum modo, enfraquecidas. A sociedade pode, então, conviver
com a realidade, aceitando o estado de ordem das coisas como imutáveis, ou
“submetê-la a uma crítica radical, transgredindo as fronteiras sociais, culturais,
políticas, epistemológicas e teóricas de forma a cumprir o potencial emancipatório da
modernidade” (Santos, 2011. p.14). Esta tem sido a proposta de enfrentamento das
condições de injustiças sociais, uma posição defendida para se repensar as
concepções do direito.
DO ASPECTO LIBERAL AO SOCIAL DO ESTADO
A busca pelo acesso à justiça social vem sendo realizada pelos grupos sociais ao
longo da História. Partindo, grosso modo, do constitucionalismo – aspecto do Direito
que mostra a evolução política e moral da sociedade -, numa tentativa de traçar um
paralelo deste evento com o acesso à justiça pelos povos, é possível delinear alguns
aspectos da evolução da garantia de alguns direitos.
A princípio, o constitucionalismo baseou-se num movimento através do qual se
estabelecia a forma de governo, a divisão de poderes e o rol de direitos e garantias
individuais; um conjunto de ideias “que exalta o princípio do governo limitado como
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade” (Canotilho, apud Cunha Júnior, 2010, p.36). 
Neste período, final do século XVII até a primeira Guerra Mundial, a concepção do
Estado era a de intervenção mínima – princípio da doutrina liberal influenciada pelas
ideias do economista Adam Smith – e de prestação negativa. As garantias eram
apenas do ponto de vista formal e o Estado mantinha-se passivamente relativamente
ao exercício desses direitos.
Com o fim da primeira Guerra, passa-se a adotar pelos Estados uma postura mais
ativa, de prestação positiva. Agora, ideias sociais e intervencionistas passam a
disputar espaço com o liberalismo. A noção que a sociedade possui uma série de
complexidades e não mais vista como uma aglomeração homogênea contribui para
dar um caráter social ao Estado, de modo que este passa a reconhecer, além dos
direitos e garantias individuais, direitos sociais.
O pós-segunda guerra marca um novo paradigma com uma tendência maior à
prestação do Estado na garantia de direitos sociais, individuais e interesses difusos.
Luis Roberto Barroso considera esta fase como um conjunto de transformações
ocorridas no Estado e no Direito Constitucional, podendo ser elencadas:
(i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja
consolidação se deu aolongo das décadas finais do século XX;
(ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos
fundamentais e a reaproximação entre Direito e Ética; e
(iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da
Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma
nova dogmática da interpretação constitucional. (Barroso, 2007, p.11)
DA EVOLUÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA
A ideia de Acesso à Justiça está vinculada paralelamente à passagem da concepção de
Estado Liberal para a de um Estado Social. O individualismo e o abstencionismo
daquele provocaram muitas injustiças, e os movimentos sociais tiveram a consciência
da necessidade de justiça social, dada a insuficiência das liberdades burguesas.
Conforme Lucas Verdú (1975, apud Afonso da Silva, 2005, p. 115)
“(...) o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal,
necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade,
integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito.
O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e
individualista, para transforma-se e em Estado material de Direito,
enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”.
A princípio, a concepção de acesso à justiça era limitada à ideia de um direito natural,
em que o Estado se mantinha passivamente, atuando apenas no sentido de que tal
direito não fosse lesado por outros. “A teoria era a de que, embora o acesso à justiça
pudesse ser ‘um direito natural’, os direitos naturais não necessitavam de uma ação
do Estado para sua proteção” (Cappelletti, 1988, p.9). A preocupação em assegurar o
gozo dos direitos sociais básicos era extremamente reduzida.
O estudo jurídico não se preocupava com as questões materiais sobre a realidade do
acesso à justiça, uma vez que garantida a possibilidade de se exigir a prestação pelo
Estado já era entendida como suficiente, independentemente da consideração de que
esta garantia não estava ao alcance de todos. O estudo jurídico “(...) se manteve
indiferente às realidades do sistema jurídico (...). O estudo era tipicamente formalista,
dogmático e indiferente aos problemas reais do foro cível.” (Cappelletti, 1988, p. 10).
O acesso à justiça estava garantido pela simples ideia da possibilidade das partes em
propor e contestar uma determinada ação.
A partir da incorporação das ideias sociais pelo Estado, como reflexo da
complexidade da sociedade e de que esta não constitui tão somente um aglomerado
homogêneo – presença da ideia de sociedade conflitual e de classes -, a visão
individualista e formal das garantias passam por uma transformação de modo a
instaurar uma perspectiva coletiva dos direitos, com o Estado tendo participação
maior nesse processo de efetivação e ampliação, não apenas formal, mas também
material, dos direitos sociais tais como os direitos ao trabalho, à saúde e à educação. 
Nesse sentido, “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito
fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno
e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”
(Cappelletti, 1988, p. 12). Fica, então, estabelecido que o sentido do acesso à justiça
ultrapassa a noção segundo a qual é compreendida como a garantia de obter uma
prestação jurisdicional, uma vez situada como uma garantia fundamental à vida em
sociedade, devendo, portanto, abranger a segurança do exercício de um espectro
maior de direitos e garantias.
DOS OBSTÁCULOS AO ACESSO EFETIVO À JUSTIÇA
Entre os principais obstáculos ao acesso à justiça, na perspectiva da resolução de um
litígio, estão as custas judiciais. A ausência ou a insuficiência de recursos das partes
para enfrentar as despesas processuais, não raro, figuram como entraves à efetividade
da justiça. “A resolução formal de litígios, particularmente nos tribunais, é muito
dispendiosa na maior parte das sociedades modernas” (Cappelletti, 1988, p.15). 
Ainda, como mostra Rodrigues (1994, apud Dietrich, 2006, p. 12) para enfatizar o
obstáculo como talvez o mais grave acesso à justiça, “as despesas que envolvem uma
demanda contemplam, no mínimo, o pagamento de custas judiciais
e honorários advocatícios, além dos gastos relativos a eventuais perícias”.
Além do grande dispêndio perante os tribunais, encontram-se as partes, conquanto o
sistema jurídico-processual estabeleça a igualdade formal, em situação de
desigualdade material, situação na qual já se verifica um obstáculo, colocando o
menos favorecido economicamente, por exemplo, numa situação de desvantagem no
âmbito processual. A desigualdade material se verifica em função das diferenças
sócio-culturais e econômicas entre as partes. Sobretudo, neste último aspecto a
situação de desvantagem mostra-se ainda mais perceptível. “Pessoas ou organizações
que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens
óbvias ao propor ou defender demandas” (Cappelletti, 1988, p. 21). Além de
possuírem recursos com os quais possam litigar, podem, ainda, suportar a delonga do
processo.
As barreiras impostas, por exemplo, pelas condições econômicas e de informação das
pessoas geram uma situação de grande desvantagem, sobretudo no sentido de terem
conhecimento dos direitos juridicamente exigíveis. “Essa barreira fundamental é
especialmente séria para os despossuídos, mas não afeta apenas os pobres. Ela diz
respeito a toda a população em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos”
(Idem, p. 22).
A ausência ou insuficiência de conhecimento é relacionada a outro aspecto relevante
que atua como obstáculo ao acesso efetivo da justiça. Este elemento refere-se à “(...)
disposição psicológica das pessoas para recorrer a processos judiciais. Mesmo
aqueles que sabem como encontrar aconselhamento jurídico qualificado podem não
buscá-lo” (Idem, p. 23). Em estudo sobre a percepção social da justiça no Brasil
produzidas no âmbito do projeto Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS),
do Ipea, mostra que os cidadãos apresentam um juízo negativo da justiça, de modo
que esta avaliação indica um aspecto da pouca procura pelos processos judiciais. O
referente estudo mostra que
(...) os entrevistados da pesquisa apresentam uma avaliação geral
bastante crítica da justiça. Diante de pergunta que solicitava a atribuição
de nota zero a dez à justiça, a média das respostas totalizava 4,55,
estando, portanto, abaixo do ponto médio da escala adotada na pesquisa
(Sá e Silva, 2010, p. 3).
Ainda como barreira ao acesso à justiça, situa-se nesse plano, a questão das pequenas
causas, as quais podem tornar a demanda inviável, de tal forma que “(...) os custos
podem exceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer, podem
consumir o conteúdo do pedido a ponto de tornar a demanda uma futilidade”
(Cappelletti, 1988, p. 19).
Da mesma forma que as pequenas causas, o tempo é um fator de relevância. Atua no
sentido de aumentar “(...) os custos para as partes e pressiona os economicamente
fracos a abandonar suas causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores
àqueles a que teriam direito” (Idem, p. 20). A delonga na resolução do litígio pode até
constituir uma pena em si mesmo, sobretudo para a parte a quem pertence o direito e
tem a necessidade do usufruto daquilo que lhe pertence.
A complexidade dos procedimentos judiciais, o formalismo, os ambientes que
intimidam são elementos aos quais se atribui o caráter inibidor para a busca pelo
acesso à justiça. A postura dos agentes envolvidos, tais como juízes, promotores,
advogados, defensores, auxiliares, etc.,têm influência muito grande na mobilização
das pessoas a investirem numa demanda judicial. As instituições jurídicas, num
regime democrático, devem servir à sociedade observando-se as suas manifestações
pluralísticas, de tal maneira a não se afastar do povo. Uma observação muito
importante é feita pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari no sentido de que os juízes por
muitas das vezes não se preocupam com as realidades sociais nas quais estão
inseridos. Em relação aos juízes, o “(...) processo de distanciamento do comum do
povo é bem evidente. Ele está presente na linguagem rebuscada e no tratamento
cerimonial, falsamente respeitoso, previsto na própria legislação e que tem o efeito
real de criar mais termos do que respeito” (Dallari, 2002, p. 148). Essa situação tende
a ter maiores efeitos nas populações com menos recursos, de modo que se tornam
excluídas no âmbito do acesso à justiça.
Na imensa maioria das vezes, os advogados, também, são vistos contrariamente à
finalidade a que se destina: construir uma ordem democrática efetiva ou pelo menos
lutar para que a realidade se aproxime deste ideal. Não raro, são considerados como
aqueles capazes somente de manipular a ordem legal para manutenção de injustiças.
Outro fator apontado para a dificuldade no acesso à justiça diz respeito aos interesses
que ultrapassam o âmbito individual, tais como os interesses pertencentes a uma
coletividade. Estes se tornam mais difíceis de tornarem efetivos, uma vez que o
ordenamento jurídico enfatiza a noção de resolução de conflitos de maneira
individual e a sociedade não se encontra educada para agir coletivamente. Cappelletti
e Garth apontam para o fato que nestes direitos “(...) ou ninguém tem direito a
corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar
essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma correção” (1988, p. 26).
Ainda sob esse mesmo prisma, consideram que as partes interessadas “(...), mesmo
quando lhes seja possível organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer de
necessária informação ou simplesmente ser incapazes de combinar uma estratégia
comum” (Idem, p, 27).
Conquanto já se tenha evoluído no sentido das garantias dos direitos coletivos, como,
por exemplo, a ação popular – writ destinado a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural por qualquer cidadão -, o sistema
processual ainda se encontra fundado na ideia de tratamento individual dos conflitos.
Para Brandão “(...) identifica-se o Processo Civil como principal instrumento do
tradicional instituto de tutelas de direitos, este concebido como típico instrumento de
defesa dos direitos individuais” (2001, apud Dietrich, 2006, p. 16).
DO NOVO ENFOQUE DE ACESSO À JUSTIÇA
Cappelletti e Garth (1988), eminentes, sobretudo o primeiro, pesquisadores da
questão, sustentam que a solução prática para o acesso à justiça deve envolver três
pontos: a) a garantia de acesso aos serviços jurídicos da população hipossuficiente; b)
a tutela dos interesses difusos e coletivos, e c) a exploração de possibilidades novas
na resolução de litígios por meio de uma justiça menos formal, simplificação da lei,
julgadores mais ativos do que formais, etc.
No primeiro caso, argumentam que a assistência judiciária deve ser estabelecida
como um direito para todas as pessoas, sobretudo àquelas que não a podem custear.
No segundo, atentam para o fato de que é preciso melhorar o acesso à justiça
enfrentando o problema da representação do interesses difusos. Da mesma forma,
deve ser mudada a concepção tradicional do processo civil visto apenas como assento
entre duas partes, não enquadrando direitos que pertencem à coletividade. A visão
individualista do devido processo judicial deve ceder lugar a uma concepção social,
coletiva, para assegurar a realização dos “direitos públicos” relativos a interesses
difusos.
A opinião de Câmara é de que
“(...) o Brasil, nesse campo, exerce notória posição de liderança em
nível mundial, sendo o país que, sem sombra de dúvida, conta com o
maior número de instrumentos aptos a proteger tais interesses, como
ação popular, a ação civil pública, a ação civil coletiva e o mandado de
segurança coletivo”. (2005, p.36)
O último, e que se refere, precisamente, à ideia de um novo enfoque no acesso à
justiça, trata-se de uma visão mais ampla a respeito do acesso. “Ela centra sua
atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos
utilizados para processar e mesmo para prevenir disputas nas sociedades modernas”
(Cappelletti, 1988, p.68).
Esse enfoque, como ainda assinalam,
 (...) encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas,
incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura
dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas ou
paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defensores,
modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou
facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais
de solução de litígios. (Idem, p. 71)
Em suma, são mecanismos tendentes a modificar algumas características do processo
civil, como, por exemplo, a noção individualista de resolução de litígios, bem como o
estudo crítico e reforma do aparelho judicial.
O próprio Código de Processo Civil (CPC) deixa em evidência o caráter
individualista do processo. Como observa Câmara,
(...) pela estrutura tradicional do Direito Processual europeu continental
(do qual somos herdeiros da maior parte institutos e da estrutura básica)
só se permite que alguém vá a juízo na defesa de seus próprios
interesses (veja-se, a propósito parte do disposto no art. 6º do Código de
Processo Civil: (Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito
alheio). (2005, p.36)
Aduz-se, ainda, para necessidade da reforma dos procedimentos judiciais através de
procedimentos mais simples e julgadores mais informais, utilização do juízo arbitral,
a conciliação e os incentivos econômicos para a solução de litígios fora dos tribunais.
No caso do CPC, o princípio da instrumentalidade (arts. 154 e 244), segundo o qual
os atos processuais solenes são considerados válidos ainda que praticados por forma
diversa da prescrita em lei, desde que alcancem sua finalidade essencial, por
exemplo, apresenta-se como um aspecto deste novo enfoque.
Do acesso à justiça numa perspectiva específica
O acesso à justiça segundo a concepção de se ter disponível um conjunto de órgãos e
de instâncias que fazem a aplicação das normas jurídicas está garantido pela
Constituição Federal, nos termos do artigo 5º, XXXV: A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. É o princípio da ubiquidade
da Justiça, “(...) princípio fundamental dentro do Estado de Direito, pois não deixa ao
abandono da Justiça nenhuma pessoa e nenhum direito” (Herkenhoff, 2009, p. 240).
Esta é a visão costumeira de acesso à justiça, vista somente numa perspectiva
processual, e que, como afirma Gorom, “(...) tem privilegiado, historicamente, o pólo
metodológico do processo e o ângulo exclusivo do direito de ação” (2011, p. 259).
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Conforme Câmara, o princípio do devido processo legal tem origem na Magna Carta
inglesa: “Nenhum homem livre será detido ou aprisionado dos seus bens ou dos seus
direitos legais ou exilado ou de qualquer modo prejudicado. Não procederemos nem
mandaremos proceder contra ele, a não ser pelo julgamento regular dos seus pares ou
de acordo com as leis do país”.
Segundo Canotilho, a fórmula “deharmonia com as leis do país” não era clara.
Eduardo III, em 1354, em sua leitura da Carta utilizou a expressão “(...) não no
enunciado linguístico ‘de hamonia com a lei do país’, mas uma fórmula
semanticamente mais rica mas também mais indefinida: ‘processo devido em direito”
(2003, p.493).
No seu conceito, Canotilho diz que “(...) processo devido em direito significa a
obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de
alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade” (Idem, p.493).
Contudo, ainda indaga este mesmo autor sobre como qualificar um processo como
justo e quais são os critérios materiais orientadores do caráter “devido” ou “indevido”
de um processo. As respostas levam à ideia de duas concepções de “processo
devido”: a material e a processual. A primeira, “(...) limita-se a dizer que uma pessoa
‘privada’ dos seus direitos fundamentais da vida, liberdade e propriedade tem direito
a exigir que essa privação seja feita segundo um processo especificado na lei”. A
segunda,
(...) pretende justificar a ideia de um processo justo, pois uma pessoa
tem direito não apenas a um processo legal mas sobretudo a um
processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o
sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares. (Canotilho,
2003, p. 494)
O devido processo deixou de ser uma garantia apenas de dimensão processual para
abranger também a dimensão substantiva, em que se preza por um procedimento
justo em si como forma de proteção dos direitos fundamentais. Como observa
Portanova, o devido processo “(...) não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros
lindes de uma mera fórmula. O princípio é produto da história, da razão, do fluxo das
decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que
professamos” (2001, p. 147), de modo que não permanece estático e deve sempre
estar em harmonia com a pretensão de se atingir uma ordem jurídica justa, não se
tratando apenas de um mero procedimento.
Está assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5º, LIV: Ninguém será privado
da liberdade ou seus bens sem o devido processo legal.
Para Didier Jr., “Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à
vida, ao patrimônio e à liberdade” (2008, p. 30).
Theodoro Júnior considera que o princípio do devido processo legal “(...) pressupõe
não apenas a aplicação adequada do direito positivo, já que lhe toca, antes de tudo,
realizar a vontade soberana das regras e dos princípios constitucionais” (2008, p. 25).
Por fim, parafraseando Rui Barbosa, Rangel, para enfatizar a importância do devido
processo, ainda comenta: “(...) não há pena sem processo nem processo senão pela
Justiça” (2010, p. 04).
CONCLUSÃO
Examinadas as rápidas ideias discutidas, é possível apresentar alguns pontos
fundamentais.
A questão do acesso à justiça não se limita à possibilidade de obter uma prestação
judicial. Trata-se de uma questão de maior abrangência, o que significa dizer que
deve ser analisada à luz da organização de toda a sociedade, considerando todos os
aspectos da produção e distribuição das riquezas, de tal forma que esse processo não
seja controlado somente por minorias, as quais o conduzirão segundo seu próprio
interesse.
Não envolve somente a postura ativa do Judiciário, mas sim do Poder Público, em
suas três faces, bem como através da participação popular, da sociedade civil
organizada, etc., de tal modo a garantir, efetivamente, a participação consciente e
plena dos sujeitos na direção dos rumos que tomará toda a sociedade.
Numa perspectiva específica, no âmbito do acesso ao Judiciário, merece atenção a
questão dos obstáculos, os quais deverão ser objeto de estudo para que possam ser
eliminados. O grau de informação das pessoas é um elemento de fundamental
importância nesse contexto. O povo, sobretudo os menos abastados economicamente,
deve perceber o Judiciário como um elemento do Estado que está à sua disposição,
como uma representação das conquistas históricas das garantias fundamentais.
Embora esta não seja a única questão a ser considerada – o problema envolve todo o
projeto de sociedade que seus dirigentes irão elaborar para a gestão do Estado-, o
acesso à justiça, também, está intimamente ligado à seriedade com que serão tratadas
as questões jurídicas pelos advogados, os quais deverão assumir uma postura
transformadora perante os diversos conflitos sociais. A cultura de poder que gravita
em torno das profissões jurídicas, não raro, tem contribuído para a constituição de
sujeitos em advogados cada vez mais afastados daquilo que em seu próprio sentido
etimológico – ad vocatus, aquele que foi chamado, e que deve interceder a favor de
alguém – vem a significar a profissão, movidos por desejos de natureza estritamente
individualistas e não numa postura de servir ao outro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. In: LUCAS
VERDÚ, Pablo. La lucha por el estado de derecho. Bologna: Publicaciones del
Real Colegio de España, 1975. p. 94.
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalição do Direito.
(O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica Sobre a
Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9,
março/abril/maio, 2007. Disponível na Internet: <
http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em 08 de fevereiro de 2012.
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no
plano da realização direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed.
Coimbra: Almedina, 2003.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13ª ed. Rio de
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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen
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	ACESSO À JUSTIÇA E DEVIDO PROCESSO LEGALINTRODUÇÃO
	DO ACESSO À JUSTIÇA
	DO ASPECTO LIBERAL AO SOCIAL DO ESTADO
	DA EVOLUÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA
	DOS OBSTÁCULOS AO ACESSO EFETIVO À JUSTIÇA
	DO NOVO ENFOQUE DE ACESSO À JUSTIÇA
	DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
	CONCLUSÃO
	REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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