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XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 1 AS ESCOLAS DA ADMINISTRAÇÃO E AS BASES HISTÓRICAS DA GESTÃO DA QUALIDADE Edson Pacheco Paladini Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas – UFSC – CP 476 88010 – 970 – Florianópolis - SC ABSTRACT This paper studies how the behaviorism and the organizational development (two of the most important schools of Management Science) have impact on the concept of Quality Management we have nowadays. We consider that an analysis of the classic schools of business administration shows that the roots of Quality Management are to be found in concepts, strategies, guidelines and postulates which characterize each of these movements of the history of business administration. This study provides better understanding of Quality Management itself through the analysis of the fundaments of policies, guidelines, techniques and tools used by it and, at the same time, it guarantees means for the correct application of important mechanisms in the Management process. Indeed, just as the outcomes of the use of incorrect concepts are harmful, so is the use of inadequate techniques to the different situations where there is an effort towards quality. Key words: Quality management, behaviorism, organizational development 1. INTRODUÇÃO A Teoria Comportamental da Administração teve origens idênticas à Teoria das Relações Humanas. Parte da reação à Teoria Clássica, mas tenta criar uma situação intermediária entre o formalismo e o informalismo. Cria-se, assim, a teoria da organização formal com o enfoque das relações humanas. Os aspectos mais relevantes desta escola, portanto, acabam sendo novos princípios de administração, novos conceitos de autoridade e nova noção de organização formal. Em geral, tem-se visto a Teoria Comportamental como um desdobramento da Teoria das Relações Humanas. Neste sentido, a Escola Behaviorista condena muitos conceitos da Escola das Relações Humanas, considerados como "concepções ingênuas e românticas", mas utiliza algumas de suas idéias básicas, embora dentro de uma abordagem que Lewin, seu principal autor, descreve como "analítica e experimental". Já o processo de desenvolvimento organizacional pode ser visto como uma proposta básica de uma corrente da administração centrada em autores importantes como Judson, Blau e Scott. A base conceitual desta proposta envolve um conceito particularmente importante para a Gestão da Qualidade: a noção de mudança. Este conceito, na verdade, não foi destacado apenas por esta abordagem, mas sempre foi considerado importante na administração. Ocorre, contudo, que foi na escola, que poderia ser chamada de "escola do desenvolvimento organizacional", que confere-se, a ela, um enfoque metodológico e sistemático tanto para conceituá-la quanto para colocá-la em prática. Pode-se observar, com alguma facilidade, que estas duas linhas de pensamento da Administração Clássica XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 2 tiveram considerável impacto no conceito de Gestão da Qualidade como nós entendemos hoje. 2. A ESCOLA COMPORTAMENTAL A Escola Comportamental parte de duas rejeições básicas: o homem não pode ser visto de forma simplista (por exemplo, movido apenas por motivos econômicos) nem de forma sentimentalista. E afirma que o homem se adapta a determinados ambientes, pautando seu comportamento por variáveis que componham uma situação específica. Numa visão mais metódica e racional, os behavioristas defendiam a idéia que o comportamento humanos rege-se por quatro referenciais: (1) as informações disponíveis sobre a situação atual e seu futuro imediato; (2) os dados relativos às opções disponíveis e (3) às decorrências que a seleção de cada opção podem determinar; por fim, (4) os critérios segundo os quais são definidas prioridades de ações a tomar considerando-se, especificamente, suas conseqüências. Esses quatro referenciais estruturam o contexto onde age o decisor e determinam o seu comportamento. Como se percebe, a Escola Comportamental enfatiza o processo de decisão. Considera este processo como o elemento básico do processo administrativo. Neste sentido, a Teoria Comportamental analisa o processo de tomada de decisão e os elementos básicos que o envolvem. Estes elementos são, em resumo, os seguintes: • A decisão é sempre um processo de seleção entre alternativas - na verdade, é um processo de eliminação que reduz as opções disponíveis a uma só. Observa-se que nem sempre esta seleção se guia por critérios racionais - às vezes, as decisões utilizam regras informais; outras vezes, são tomadas sem que se esteja analisando, conscientemente, as opções disponíveis. Seria uma decisão "inconsciente"; • O decisor pode eliminar certas alternativas porque as considera inviáveis, indesejáveis, inadequadas ou, enfim, por razões diversas. Às vezes, ele está levando em conta estes aspectos considerando a si próprio; em geral, porém, ele considera os recursos, as pessoas ou os ambientes que serão afetados por sua decisão; • As decisões podem ser tomadas de forma não intencional, em função de fatores não controlados pelo decisor. Podem, também, não apresentar consistência racional, mas são adotadas por razões de conveniência, análise subjetiva de alguns elementos, preferências, tendências históricas ou culturais, etc. • As decisões são sempre hierarquizadas. Existem decisões específicas, voltadas para ações e situações bem definidas e delimitadas, como existem decisões amplas, que afetam grandes áreas da organização. Em geral, decisões amplas desencadeiam decisões específicas que dependem daquelas. No fundo, trata-se da relação entre objetivos, isto é, à hierarquia dos objetivos corresponde a hierarquia das decisões. Neste contexto, a Escola Comportamental direciona o comportamento dos líderes, que passam a ser avaliados segundo as soluções que adotam para determinados problemas, ou seja, pelas decisões que tomam. Assim, considera-se aqui como fundamental, na ação do líder, sua capacidade de decidir. Vistas em seu aspecto mais amplo pela Teoria Comportamental, as organizações são definidas como resultado de um conjunto de decisões. Seu sucesso ou fracasso, sua fragilidade ou sua consistência, sua evolução ou sua redução, enfim, sua sobrevivência passa a depender destas decisões. A teoria, assim, considera que os processos administrativos constituem-se a partir de processos de tomada de decisão nos diversos níveis da organização. A Escola Comportamental enfatiza a necessidade de decisões organizadas, integradas e concatenadas em lugar de processos decisórios independentes. XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 3 São vários os níveis de envolvimento das decisões na organização. Elas incluem: • a definição da missão e de objetivos globais da organização; • a determinação das funções que desenvolverão as atividades para atingir tais objetivos; • o estabelecimento dos níveis de alcance das ações, isto é, a especificação dos níveis de autoridade para os integrantes da organização. Estas autoridades repassarão a seus subordinados a missão de tomarem decisões específicas em suas áreas, e o processo administrativo se desenvolve em toda a organização; • a atribuição de decisões técnicas a quem tiver competência de tomá-las; Associada à ênfase conferida à tomada da decisão, a Escola Comportamental salienta o processo de autoridade e disciplina. Os autores desta escola consideram fundamental o processo de submissão dos subordinados às determinações de seus superiores.Pode-se identificar algumas razões que levam um subordinado a aceitar ordens, o que determina um conjunto de relações de autoridade. Alguns exemplos: 1. A aceitação das ordens pode decorrer delas serem provenientes de pessoas a quem se deposita confiança por sua atuação em situações anteriores, por suas características pessoais e ou por razões subjetivas. 2. Aceitam-se ordens pela expectativa de prêmios, benefícios ou vantagens derivados de seu cumprimento. 3. Pode, igualmente, decorrer do receio de castigos ou da aplicação de penas, restrições ou quaisquer outras decorrências indesejáveis da falta de cumprimento da ordem dada. 4. O reconhecimento do mérito pessoal, profissional ou técnico também facilita a aceitação de ordens. 5. Em muitas situações, a obediência decorre da estrutura formal, que atribui autoridades específicas a determinadas pessoas. 6. A aceitação de uma ordem pode também decorrer do fato que uma pessoa está convencida de sua validade ou oportunidade, adequação à situação onde se insere; 7. A aceitação de uma ordem depende, evidentemente, da compreensão de quem a recebe. Por isto, torna-se imperioso que ela seja formulada de modo claro e acessível; 8. Esta aceitação tende a se consolidar em comportamento permanente se quem a recebe vê identidade de objetivos, métodos de atuação e benefícios de quem emitiu a ordem (que, em geral, representa a organização) com os seus objetivos, métodos e vantagens. Este processo define uma estrutura dentro da organização, onde se relacionam, mais do que chefes e subordinados, pessoas humanas. A Escola Comportamental, assim, sugere que este relacionamento está pautado em decisões tomadas em vários níveis de organização. E vai além: sugere que o funcionamento e, até mesmo, a sobrevivência da organização dependem destas decisões, cujo conjunto constitui o processo administrativo da instituição. 3. A ESCOLA COMPORTAMENTAL E SEUS REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE Os conceitos acima listados mostram que a Escola Comportamental gerou um impacto bem caracterizado na Gestão da Qualidade, em termos de confrontos e de identidades. Assim, em termos de confrontos entre ambas tem-se: • Nem sempre as relações entre chefes e subordinados são simples como muitos teóricos da Escola Comportamental pareciam querer afirmar. Os mecanismos de Gestão da Qualidade aceitam e convivem com estes postulados ao estruturar mecanismos que avaliam estas relações em bases mais amplas; • Muitos processos de aceitação de ordens descritos são rejeitados pela Gestão da Qualidade. Por exemplo: A aceitação pela expectativa de prêmios ou vantagens associada ao seu cumprimento. Se a Escola Comportamental considerasse este aspecto XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 4 como básico, identificar-se-ia com a Escola Clássica, que tanto combateu. Deste modo, os behavioristas preferem considerar esta como uma das possibilidades para esta aceitação. Igualmente equivocada é a obediência decorrente do medo de punições ou apenas da existência de uma estrutura formal (o medo não motiva; apenas sinaliza a falta de motivação). Mas há, também algumas identidades entre a Escola Comportamental e a Gestão da Qualidade. de fato, note-se que: : • A Escola Comportamental enfatizou o processo de decisão organizado, objetivo e racional. A Gestão da Qualidade confere grande importância ao processo e aos recursos metodológicos que o envolvem. • A gestão participativa da qualidade salienta a adesão dos recursos humanos aos objetivos da organização. Igual destaque a Teoria Comportamental conferiu a este processo. Neste sentido, há identidade entre ambos os modelos de gestão no que se refere à aceitação de uma ordem como decorrência da pessoa estar convencida de sua validade ou oportunidade, adequação à situação onde se insere; • Ao sugerir que a aceitação de uma ordem se consolida em comportamento permanente se quem a recebe vê identidade de objetivos, meios de ação e benefícios de quem a emitiu (que, em geral, representa a organização) com os seus próprios objetivos , métodos e vantagens, a Escola Comportamental usa o mesmo argumento que a Gestão da Qualidade emprega para embasar os procedimentos que visam tornar os objetivos de setores, áreas ou pessoas perfeitamente coerentes com os objetivos gerais da organização. Pode-se, ainda, analisar alguns reflexos desta escola nas estratégias e ferramentas da Gestão da Qualidade: • A ênfase no processo decisório que a Escola Comportamental estruturou gerou, em um primeiro momento, preocupação e zelo com esta questão no âmbito da Gestão da Qualidade. A seguir, influenciou no desenvolvimento de ferramentas voltadas especificamente para a arte e à ciência de tomar decisões. Entre estas ferramentas, pode- se citar o Diagrama de Programação da Decisão (Paladini, 1994), que vem a ser um modelo gráfico no qual são esquematizadas possíveis decorrências de decisões relativas à solução de um problema. O diagrama tende a detectar situações não previstas, o que permite evitar sua ocorrência ou, se ela for inevitável, determinar quais ações devem ser acionadas para neutralizá-la. Com esta ferramenta, pode-se identificar problemas que poderiam decorrer de uma dada decisão, e, assim, definir como evitar sua ocorrência. O diagrama parte de uma situação básica e, a partir dela, expande-se sua análise em diversas direções. Este desmembramento é feito com a finalidade de eliminar a ocorrência de elementos não previstos ou minimizar sua ação sobre os demais elementos do processo. • Ao definir as relações entre subordinados e chefes, a Escola Comportamental firmou as bases para técnicas motivacionais específicas, que seriam propostas anos mais tarde. • As idéias da escola, segundo as quais a aceitação das ordens depende delas serem emitidas por pessoas em quem se confia, têm direcionado algumas técnicas de gestão no sentido de que componha o perfil do gerente elementos relacionados à sua atuação na empresa, ou seja, em situações similares ocorridas anteriormente. Por isso, muitos autores consideram que faça parte do perfil ideal de um gerente da qualidade seu histórico na empresa. Daí recomendar-se que ele seja um profissional que já atua na mesma. • As características pessoais dos gerentes têm sido consideradas principalmente no que envolve ser relacionamento humano dentro da empresa. A Escola Comportamental agrega mais um elemento a este perfil. Como a aceitação da autoridade depende do fato XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 5 de os subordinados terem reconhecimento do mérito profissional ou da competência técnica, a qualificação do gerente em noções básicas, estratégias e ferramentas ligadas à produção e avaliação da qualidade, tem sido considerada fundamental à sua atuação. • Está caracterizada, na abordagem comportamental, a estratégia, muito usada na Gestão da Qualidade, de apenas implantar determinadas mudanças depois que as pessoas, por elas envolvidas, compreenderam as vantagens que elas trazem, incluindo os benefícios para elas próprias. A estratégia, assim, enfatiza resultados que deverão ser alcançados e torna-se claro, para todos, os benefícios que trarão. Este mecanismo permite criar aliados na busca dos objetivos que as decisões tomadas trarão. Como se observa, portanto, a Gestão da Qualidade, tal e qual conhecemos hoje, trem raízes comportamentais bem caracterizadas. 4. O DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E A GESTÃO DA QUALIDADE Se há algumas décadas os autores do desenvolvimento organizacional salientavam que estavam vivendo em uma época de mudanças, o que não se pode dizer dos dias de hoje? De fato, ocorrem alteraçõesrápidas, intensas e, com freqüência, profundas, na área tecnológica, na estrutura social, no quadro econômico e, enfim, no ambiente em que se insere a organização e o mercado a que ele busca atender. E é, talvez, este aspecto que a Gestão da Qualidade mais enfatiza: as alterações baseadas nas necessidades, preferências, conveniências, exigências, enfim, nos requisitos necessários ao pleno atendimento de clientes, consumidores e usuários. É evidente que estas mudanças têm reflexos importantes na organização, principalmente se forem direcionadas para a qualidade, o que significa dizer, que se centra o foco de atuação da empresa na sociedade a atender. Os clientes mudam porque são pessoas humanas, seres naturalmente dinâmicos. Por analogia, mudam também as necessidades, carências, potencialidades e, enfim, as características gerais dos funcionários da organização. A Gestão da Qualidade, desse modo, ao mesmo tempo em que vê os recursos humanos da organização como o elemento mais importante para atender a um mercado em processo permanente de mudança, vê também mudanças neles, enquanto pessoas, em termos de motivação, expectativas, objetivos, interesses, e assim por diante. E, note-se, todas estas características são fundamentais para o desenvolvimento de suas atividades. É possível que a base para todas estas mudanças esteja inserida no contexto cultural onde se insere a empresa, com todos os seus recursos, e os grupos sociais a que ela pretende atender. E esta é uma variável quase sempre de difícil controle. Mas pode ser também que estas mudanças dependam de fatores que, ainda que fora do controle da empresa, podem ser por ela considerada de forma positiva. Em uma época de crise econômica, por exemplo, em que mudam os hábitos de compra das pessoas por perda de poder aquisitivo, lançar produtos bons e baratos significa adotar uma estratégia adequada à mudança ocorrida no ambiente social. O ponto de partida para um projeto de desenvolvimento organizacional está centrado nos mecanismos que levam as organizações a aceitar a mudança, e até mais do que isso, valorizá-la - como no caso, por exemplo, das estratégias gerenciais que buscam tirar partido dela. A Gestão da Qualidade encara a mudança como um aspecto fundamental nas relações da empresa com o mercado. Já a abordagem do desenvolvimento organizacional enfatiza as alterações em nível da estrutura e funcionamento das organizações - de certa forma, um enfoque mais restrito e limitado, já que a mudança no meio ambiente sempre produz impactos na estrutura e funcionamento das empresas que estão atentas a esta alteração. XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 6 Arnold Judson, um dos nomes mais importantes desta escola, define mudança como "qualquer alteração, iniciada pela administração, na situação ou no ambiente de trabalho de um indivíduo" (Judson, 1969). A partir dessa definição, Judson identifica os tipos de mudança que considera mais comuns, considerando-os como orientados para seis objetivos a longo prazo. Na verdade, Judson procura identificar fontes que possam criar a necessidade de mudanças dentro das organizações. Estes objetivos são os seguintes: melhorar o produto, melhorar o processo de vendas e prestação de serviços, aumentar a rentabilidade, melhorar a imagem junto ao mercado como um todo, melhorar as relações humanas dentro da organização e melhorar a capacidade organizacional de resposta a situações futuras. Neste contexto, Judson propõe os seguintes tipos de mudanças (Judson, 1969): 1. Mudanças nos processos produtivos: métodos de trabalho; alocação e organização das áreas de trabalho; materiais usados; operações produtivas (áreas físicas de produção e procedimentos de produção de bens e serviços); equipamentos e dispositivos complementares ou de apoio a eles; políticas e procedimentos de segurança e de manutenção e diretrizes e normas de operação. 2. Mudanças nos produtos: especificação dos produtos, processos, materiais e equipamentos e padrões. 3. Mudanças na organização: estrutura da organização e atribuição de responsabilidades; níveis de supervisão; delegação de poderes; estrutura, organização e gestão dos grupos de trabalho e alocação do pessoal em atividades específicas. 4. Mudanças no ambiente de trabalho: condições de trabalho; sistemas de incentivos; padrões de desempenho; diretrizes e métodos de ação. Os autores da escola do desenvolvimento organizacional chamam a atenção para outro aspecto fundamental para a Gestão da Qualidade. Este aspecto é o seguinte: existem mudanças importantes que não derivam de ações ou decisões da administração. Tratam-se de mudanças naturalmente geradas no âmbito da empresa, o que é perfeitamente compreensível - afinal, os recursos da organização integram um ambiente que está, ele próprio, em permanente mudança. Em particular, muitos autores chamam a atenção para os conflitos que a introdução de mudanças geram nas organizações. Blau e Scott consideram que é inevitável que tais conflitos ocorram (Blau e Scott, 1970). A Gestão da Qualidade, que atua numa área sensível a mudanças, sempre esteve atenta para estes aspectos que têm suas raízes fincadas em escolas tradicionais da administração. 5. O DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E SEUS REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE Pode-se, inicialmente, identificar alguns confrontos entre o desenvolvimento organizacional e a Gestão da Qualidade. • A definição de Judson para mudança reflete uma posição desta escola, segundo a qual a mudança está centrada nas pessoas. A Gestão da Qualidade tende a adotar uma posição mais ampla, considerando as mudanças nos recursos da organização como um todo (e neles inclui, evidentemente, os recursos humanos da organização). • O modelo de Judson parece útil e prático, mas esconde algumas armadilhas para a Gestão da Qualidade. De fato, note-se que o conceito de mudança por ele proposto não considera que a mudança só pode ser entendida se for analisada no contexto do comportamento organizacional. Neste sentido, alguns autores (Motta, por exemplo) afirmam que a mudança apresenta características semelhantes em qualquer organização - industrial ou de serviços; pública ou privada. Fica, assim, caracterizada a existência de elementos comuns à mudança em qualquer organização. Esta abrangência permite que XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 7 se defina um modelo global de gestão e estratégias igualmente gerais que envolvem, priorizam ou estruturam as mudanças. • Há um elemento limitante na abordagem do desenvolvimento organizacional. Os autores desta escola tendem a encarar mudanças na organização como um conjunto qualquer de mudanças. Parece, porém, que este tipo de mudança envolve outras alterações que porventura vierem a ser feitas. Motta chama a atenção para o fato de que mudanças no ambiente de trabalho, nos produtos ou nos métodos de operação são também mudanças na organização. E conclui, de forma interessante do ponto de vista da estrutura administrativa das organizações: "Tal modo de ver a organização e os problemas organizacionais leva a crer que os autores desta escola não se libertaram completamente dos conceitos da Escola Clássica da Administração, embora tudo leve a situá-los na Escola de Relações Humanas" (Motta, 1989). Pode-se, igualmente, listar algumas identidades entre ambas as correntes conceituais: • A Gestão da Qualidade considera que determinar o que querem clientes e consumidores é fundamental para a sobrevivência da empresa. Igual postura foi adotada pela abordagem do desenvolvimento organizacional. Textualmente: "Seria ingênuo imaginar que, em uma época de mudança e de valorização dessas mudanças,as microestruturas que compõem a sociedade não precisassem mudar. A mudança nessas estruturas é, ao mesmo tempo, condição para sua sobrevivência e condição para o desenvolvimento econômico, social e político. Nesse aspecto se percebe, claramente, o caráter bilateral das transações contínuas da organização com seu ambiente" (Motta, 1989). • As quatro causas de mudança apontadas por Judson são adequadas à Gestão da Qualidade. Pode-se mesmo afirmar que são razões que, tipicamente, justificam alterações cuja meta é a qualidade. Em termos de reflexos nas estratégias e ferramentas da Gestão da Qualidade tem-se: • A abordagem do desenvolvimento organizacional destaca a idéia de mudança e ressalta o aspecto dinâmico do mercado. Este enfoque teve reflexo considerável na definição da qualidade enquanto adequação ao uso, que partiu, dentre outros aspectos, de considerar como equívoco identificar qualidade com perfeição. De fato, a abordagem do desenvolvimento organizacional considera que a estabilidade deve ser vista como suspeita, e tem-se procurado estruturar diversos tipos de estabilidade que atentam à necessidade de mudança (Motta, 1989). Esta abordagem, assim, introduz o conceito de equilíbrio dinâmico, que corresponde, exatamente, ao processo permanente de acompanhamento e análise do mercado que a Gestão da Qualidade prioriza. Note-se o impacto da mudança na conceituação da qualidade, através da ênfase que confere ao esforço de não confundi-la com perfeição. Com efeito, se a qualidade for sinônimo de perfeição, a mesma passa a representar um conceito absoluto, definitivo, permanente. Isto é - imutável e estático. Há duas conseqüências imediatas desta postura: (1) é evidente que não se pode atingir tal situação e (2) pode-se afirmar que, uma vez alcançada, a qualidade nunca mais se altera. Isto significa ignorar a característica essencialmente dinâmica do mercado. Neste caso, a Gestão da Qualidade se defronta com duas situações: (1) a qualidade nunca será atingida - por isso, são inviáveis, ineficazes e inúteis quaisquer esforços que visem produzi-la e (2) a qualidade é "eterna" - por isso, a tendência à acomodação é inevitável - se já se atingiu a qualidade e ela não muda, por que se esforçar para melhorá-la? Em ambos os caso, nota-se situações que inviabilizam o próprio processo de gestão. • Esta abordagem influenciou os processos de Gestão da Qualidade no desenvolvimento de conceitos e estratégias relativas a conflitos ante à implantação das mudanças, o que possibilitou desenvolver métodos e estratégias para serem aplicados quando se observa, nas organizações, comportamentos, atitudes ou ações que se configuram em resistência XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ENEGEP 2002 ABEPRO 8 à mudança. De fato, caberá à Gestão da Qualidade minimizar crises em nível administrativo, técnico ou operacional decorrentes da resistência às mudanças que a qualidade exige. E note-se: normalmente a implantação de um Programa da Qualidade provoca mudanças em procedimentos, funções, tarefas, comportamentos, responsabilidades, etc. Será, então, de fundamental importância superar a resistência a estas mudanças, sob pena de colocar em risco o próprio sucesso do Programa (Paladini, 1995). Dois processos básicos foram aqui desenvolvidos: um em relação à introdução das mudanças em si e outro em relação ao envolvimento dos recursos da organização no processo. No primeiro caso, a proposta é introduzir as mudanças lenta e gradativamente. A estratégia é provocar pequenas modificações nos métodos de trabalho - de forma nem tão lenta que passe despercebida nem tão rápida que pareça um impacto. "A velocidade deve ser adequada à capacidade que o processo tenha de passar a ser desenvolvido dentro da nova sistemática" (Paladini, 1995). Quanto ao envolvimento dos recursos, sugere-se que a gestão do processo deixe claro que as mudanças virão, elas são irreversíveis. Ainda que haja respeito à capacidade das pessoas em se acomodarem à nova situação ou se adaptarem a ela, deverá ficar bem claro que as mudanças serão implantadas. 6. CONCLUSÕES O presente trabalho evidencia que a Gestão da Qualidade formulou seu modelo básico considerando o próprio desenvolvimento das escolas clássicas da administração. Nelas ela aprendeu o que fazer e como fazer; o que evitar; o que atribuir relevância e o que desconsiderar. Este arcabouço histórico foi, sem dúvida, fundamental para a Gestão da Qualidade. Diferentes estudos tem mostrado que, em alguns casos, a Gestão da Qualidade apenas redirecionou muitas das estratégias que as escolas da administração formularam. Esta reformulação envolve vários elementos, como as relações com o mercado, tendo por base o conceito de mudança abordado no processo de desenvolvimento organizacional. Já em outros casos, a Gestão da Qualidade buscou nas posições de confronto um referencial para suas próprias estratégias. Esta análise permite integrar linhas de pensamento que aprecem díspares. Como se percebe hoje, contudo, esta integração é fundamental para a qualidade. Concluir que as bases da Gestão da Qualidade residem na Ciência da Administração, em seus vários estágios de desenvolvimento, é um elemento vital para sua própria consolidação. Este trabalho procurou mostrar, assim, considerando duas escolas notáveis da história da administração neste século, que as raízes da Gestão da Qualidade encontram-se em conceitos, estratégias, diretrizes e postulados que caracterizaram cada um destes movimentos. Com este procedimento, pode-se obter melhor compreensão do processo de Gestão da Qualidade pela análise dos fundamentos de políticas, diretrizes, técnicas e ferramentas que usualmente são por ela utilizadas. E pode-se, também, garantir a correta aplicação de mecanismos importantes no processo de gestão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Blau, P. M. & Scott, R. W. Organizações Formais. São Paulo, Editora Atlas, 1970. Judson, A. Relações Humanas e Mudanças Organizacionais. São Paulo, Editora Atlas, 1969. Motta, F. C. P. Teoria Geral da Administração. São Paulo, Pioneira, 1989. Paladini, E. Qualidade Total na Prática. São Paulo, Editora Atlas, 1994. Paladini, E. Gestão da Qualidade no Processo. São Paulo, Editora Atlas, 1995.
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