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[0] PROGRAMA DE POS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE MESTRADO EM CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO DISCIPLINA: POLÍTICAS PÚBLICAS PROFESSOR: M.Sc MAXUEL B. ARAUJO EXTREMOZ/RN 2017 [1] iNTRODUÇÃO A Política Educacional pertence ao grupo de Políticas Públicas Sociais do país. Este instrumento de implementação dos movimentos e referenciais educacionais se faz presente através da Legislação Educacional. Para que possamos compreender melhor o significado dessa política, se faz necessário saber o que é Política Pública. Essa Política é de responsabilidade do Estado, com base em organismos políticos e entidades da sociedade civil, se estabelece um processo de tomada de decisões que derivam nas normatizações do país, ou seja, nossa Legislação. As Políticas Públicas envolvem todos os grupos de necessidades da sociedade civil, que são as Políticas Sociais, estas determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas em princípio, à redistribuição dos benefícios sociais (INEP, 2006, p. 165), dentre eles o direito a educação. Para que este direito seja garantido com qualidade e de forma universal é implementada a Política Educacional. No decorrer dos anos no Brasil a Política Educacional fora definida de formas diferentes, por ser um elemento de normatização do Estado e que envolve interesses políticos diversos, no entanto, a Política Educacional de um país deve ser guiada pelo povo, respeitando o direito de cada indivíduo e assegurando o bem comum. Compreende-se, que de fato o exercício de construir uma Política, não trata-se de um trabalho fácil de ser realizado, pois circunda uma nação, seus anseios, objetivos e valores, e estes elementos não podem ser esquecidos por aqueles que assim fazem nascer o molde da educação de um povo. A disciplina POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO tem como objetivo discutir o conceito de Estado, considerando os seguintes vieses: as concepções sobre a natureza do Estado Capitalista; a forma do Estado ou regime político; as relações entre Estado e Sociedade; o Estado neoliberal no contexto da globalização e o Estado brasileiro. Esse caminho se justifica quando precisamos compreender o papel do Estado na organização política, econômica e, particularmente, educacional da sociedade brasileira. Além disso, é preciso compreender o Estado como instância de articulação entre Sociedade e Mercado. Também é importante, ainda, destacar como o Estado brasileiro estabelece elementos de orientação para as políticas educacionais entre os diversos atores da sociedade e o reflexo de suas ações nessas políticas. Dessa maneira, o aluno poderá ter uma visão ampla da natureza do Estado Capitalista em suas diversas concepções e a distinção no debate político social-econômico na realidade brasileira. Bons Estudos APOSTILA INSPIRADA E BASEADA NA OBRA: VIEIRA, Emília Peixoto. Políticas públicas da educação. Módulo 5 – volume 6 – EAD. Ilhéus, BA: Editus, 2012. 123p. [2] 1. CONCEPÇÕES TEÓRICAS DO ESTADO O debate que ora propomos versará um pouco sobre a Teoria Liberal do Estado, pois é a partir da crítica a tal pensamento dominante que foi possível construir as proposições da tradição histórico-dialética. Assim, quando analisamos as formulações dos clássicos, como Thomas HOBBES e Milton FRIEDMAN, vemos que, de uma maneira geral, eles esclareceram que o Estado surgiu de uma necessidade natural do ser humano viver em sociedade. Dessa maneira, a sociedade seria a superação de um estágio anterior na evolução humana, ou seja, um período idealizado como Estado de Natureza. No Estado de Natureza, as diferenças naturais entre indivíduos levariam necessariamente à barbárie. Dessa forma, exige-se em favor de alguma forma de convívio social a alienação da soberania individual. Tal alienação seria a condição que igualaria as oportunidades individuais de direito à propriedade e à liberdade. O conjunto de diversas vontades individuais resultaria na constituição de um contrato social, cuja estabilidade requereria a presença de um ente externo, superior, que se autonomizaria acima da sociedade, como garantidor do pacto formalizado. Esse ser supremo seria o Estado. Tal concepção de Estado como algo externo, com autonomia absoluta e que atua acima da sociedade, tem vigorado durante muito tempo no discurso dominante. Em contraposição a essa ideia, têm sido grandes os esforços dos marxistas para destruir/denunciar esse pensamento de Estado e expressar que o Estado seria uma relação social, uma luta de classes; mas, também, uma relação de poder (de uma classe sobre outra). Para os marxistas, a constituição do Estado liberal capitalista vem resultar da divisão social do trabalho e da sociedade em classes. Assim, sua presença estaria condicionada pela existência de classes sociais, cuja origem e formas de manifestação estiveram determinadas historicamente (no tempo e no espaço). No entanto, de acordo com a Teoria Marxista do Estado, esboçada nos estudos de Mandel (1977): O Estado é um órgão especial que surge em certo momento da evolução histórica da humanidade e que está condenado a desaparecer no decurso da mesma evolução. Nasceu da divisão da sociedade em classes e desaparecerá no momento em que desaparecer esta divisão. Nasceu como instrumento nas mãos da classe dominante, com o fim de manter o domínio desta classe sobre a sociedade. E desaparecerá quando o domínio desta classe desaparecer (MENDEL, 1977, p. 14-15). O autor ainda explicita que existiram sociedades sem a noção de Estado. Portanto o Estado, em sua organização atual, constitui uma instituição social particular na qual uma série de funções, que antes eram exercidas pelo conjunto da sociedade, torna-se privilégio exclusivo de instituições particulares (MANDEL, 1977). Essa construção teórica de Marx tem enfrentado muitas divergências que se acumulam durante vários anos, principalmente, quando existem diferentes perspectivas de transformação do Estado capitalista, de superação de qualquer forma de Estado. No entanto, nos últimos tempos, o debate está centrado no papel e na função do Estado capitalista; ou seja, de um lado, na sua capacidade de exercer autonomia absoluta diante da sociedade e, portanto, a serviço de uma determinada classe; de outro, a existência de um Estado de autonomia relativa, cuja função se manifestaria de diversas dimensões: uma dimensão com a função reguladora das relações sociais a serviço da manutenção das relações capitalistas e, portanto, da exploração do trabalho para o capital. Ou seja, um Estado que também atua como protagonista e se impõe como regulador da vida econômica, política e social, formando uma unidade contraditória, mas hegemônica com o capital. Numa outra dimensão está o Estado como representação dentro da sociedade democrática, dividindo, assim, com os demais atores, sociedade civil e mercado, a dinâmica das relações sociais. [3] De tudo isso, de acordo com Vieira (2011), a presença do Estado, na organização e na mediação entre capital e sociedade, revela que a base de sustentação de acumulação do capital se dá através da intervenção estatal. É esse Estado que engendra o espaço político e mantém-se como tradicional controle dos centros de decisão. Ele se destaca como instrumento, por excelência, da dominação burguesa e, em determinadas circunstâncias, converte as decisões particularistas em algo relevante para toda a nação. Numa visão dialética da história, observamos que, embora a organização capitalista se apresente como prescindindo do Estado e de sua regulação, no campo da luta política e econômica, não é o que se verifica (VIEIRA, 2011). A ideologia dominante parecedesconsiderar toda ação do Estado, contudo exige dele uma mediação entre mercado e sociedade para consolidar suas ideias e seu poder. EM SUMA: Nesta seção, você aprendeu que: O Estado é uma forma particular da sociedade organizada, que nem sempre existiu e nem sempre existirá, surgiu e desaparecerá no decurso da História Humana. O Estado liberal capitalista apresenta-se como algo externo, com autonomia absoluta e que atua acima da sociedade. A constituição do Estado vem resultar da divisão social do trabalho e da sociedade em classes. A presença do Estado, na organização e na mediação entre capital e sociedade, revela que a base de sustentação de acumulação do capital se dá através da intervenção estatal. [4] 1.1 Relação Estado, Sociedade e Educação e os Princípios e Teóricos Clássicos Liberais Vimos que o Estado, na sociedade capitalista, exerce uma função de mediar as relações entre a sociedade e o mercado, para consolidar suas ideias e seu poder. E, para que se mantenham seus pensamentos, utiliza-se da ideologia dominante de uma determinada classe, para manter sob seu poder as demais classes. Neste texto, utilizaremos como referência constante o clássico artigo de Cunha (1980), o qual examinou o papel atribuído à educação para a construção de uma sociedade aberta, explicitando a presença do discurso liberal entre os teóricos liberais clássicos, na pedagogia da escola nova e no plano do Estado para a educação. O autor partiu da análise da revolução burguesa do século XVIII e da ideologia dominante liberal corporificada, mais precisamente, na França. O liberalismo, como foi conhecido, estabeleceu-se como um sistema de ideias elaboradas por pensadores ingleses e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia. Foi um sistema de crenças e convicções, ou seja, uma ideologia. Os principais valores da doutrina liberal eram: individualismo, liberdade, propriedade, igualdade e democracia. O princípio do concebe o indivíduo enquanto sujeito que deve ser individualismo respeitado por possuir aptidões e talentos próprios, atualizados ou em potencial. Os defensores desse pensamento acreditam que os diferentes indivíduos possuem atributos diversos e é de acordo com eles que atingem uma posição social vantajosa ou não. Cabe ao Estado a autoridade de administrar e de permitir que cada indivíduo desenvolva suas potencialidades. Com esse argumento, transfere ao indivíduo a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso social e exime a organização social. Em outros termos, a doutrina liberal admite a sociedade de classe e, além disso, fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade (CUNHA, 1980). A é outro princípio defendido pelos liberais, mas pleiteia-se, antes de tudo, a liberdade liberdade individual, dela decorrendo todas as outras: liberdade econômica, intelectual, religiosa e política. É condição necessária para a defesa da ação e das potencialidades individuais, enquanto não-liberdade é um desrespeito à personalidade de cada um. De acordo com Cunha, “quanto menos poder o Estado possui, menos será sua esfera de ação e maior será a liberdade que o indivíduo poderá desfrutar” (1980, p. 30). A é um princípio justificado pelo liberalismo como fruto do trabalho e do propriedade talento de cada um, e são reconhecidos como meios legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas. Para os liberais, qualquer indivíduo pobre, mas que trabalhe e tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas; assim, qualquer privilégio decorrente do nascimento não é tolerado. A defendida pelos liberais não significa igualdade de condições materiais. Nos igualdade argumentos, os homens não são tidos como iguais em talentos e capacidades; dessa maneira, também não podem ser iguais em riquezas. A igualdade social é nociva, pois provoca uma padronização, uma uniformização entre os indivíduos, o que seria um desrespeito à individualidade de cada um. A verdadeira posição liberal exige a “igualdade perante a lei”, igualdade de direitos entre os homens, igualdade civil (CUNHA, 1980). [5] A consiste no igual direito de todos de participarem do governo através de democracia representantes de sua própria escolha. A democracia consiste e exige o individualismo, a propriedade, a liberdade e a igualdade. A não realização de um desses princípios implica na impossibilidade de todos os outros. No entanto, a sua realização resultaria numa sociedade aberta, onde todos os homens teriam iguais oportunidades de ocupação das posições nela existentes (CUNHA, 1980). Como se pode perceber, a ideologia liberal apregoa e transfere para o indivíduo a responsabilidade de sua ascensão social e oculta as contradições da sociedade marcadamente excludente. Para perpetuar tais ideias, a ideologia, como destacamos anteriormente, tem papel fundamental na transmissão de valores e pensamentos. No caso em estudo, estamos nos referindo à ideologia advinda da Revolução Francesa (1789), cujas novas ideologias, trazidas da revolução social, visavam combater e dominar a velha ordem social estabelecida, a da aristocracia, e ascender a ideologia da nova classe social, a burguesa. Para a ascensão do capitalismo, foram anunciadas grandes lutas ideológicas, grandes combates ideológicos, grandes revoluções ideológicas. No entanto, numa linha crítica do marxismo, também foi necessário estabelecer o poder da burguesia (tanto como campo político como econômico) e dos donos das indústrias, a exploração dos meios de produção por um pequeno grupo, a propriedade privada e a acumulação capitalista. Tal revolução social exigiu, também, que grupos de indivíduos respeitáveis na sociedade emitam e reafirmem ideias que assegurem a nova ordem estabelecida. Cunha (1980) destacou alguns teóricos clássicos do liberalismo e seus pensamentos, para que possamos perceber a influência de suas ideias na sociedade moderna, do século XVIII. Jonh (1632 – 1704), inglês, foi um dos maiores expoentes do liberalismo. Seu LOCKE pensamento, de uma maneira geral, refletia na negação da doutrina das ideias inatas, ou seja, antes de seu pensamento tornar-se conhecido, pensava-se que a barreira suprema ao progresso intelectual e moral estava no fato de que as ideias são inatas. Jean-Jacques (1712 – 1778), em sua obra “Contrato Social”, analisa o processo de ROUSSEAU transformação da sociedade que deixa de ser regida segundo o direito natural e passa a se organizar segundo o direito positivo que é estabelecido formalmente por convenção contratual e se traduz nas Constituições escritas. No campo da educação, não pensou em educação para as massas, mas na educação de um indivíduo suficiente rico para custear um preceptor. François Marie Arout (1694 – 1778) foi um defensor da discriminação social. Para VOLTAIRE ele, a plebe é a fonte e o alimento de toda superstição e de todo fanatismo. Em seus discursos, destacava o temor pela instrução das massas, pois a via como perigosa à ordem social. Denis (1713 – 1784) pertencia ao mesmo grupo de Voltaire, contudo suas ideias DIDEROT divergiam do grupo. Para Diderot, era preciso incentivar os artesãos e os operários para a instrução escolar. Para ele, todos precisariam ler, escrever e contar, desde os ministros de Estado até o último dos camponeses. Em seus discursos e escritos, deixava explícita sua antipatia ao luxo e a recusa em acreditar que a pobreza e a felicidade sejam facilmente compatíveis. Jean Antoine Nicolas de , Marquês de Condorcet (1743 – 1794), foi discípulo de CARITAT Rousseau. Foi um dos primeiros liberais a discutir sobre um sistema público e gratuito de educação, com a finalidade de estabelecer a igualdade de oportunidades. Para Condorcet, o Estadodeve assegurar a cada cidadão o gozo dos seus direitos, intervindo na supressão das [6] desigualdades. Em seus discursos, apontava três desigualdades sociais: a desigualdade de riqueza, de profissão e a de instrução. Apesar de discípulo de Rousseau, suas ideias apresentavam diferenças. Para CONDORCET, a ciência da educação é um capítulo da política e deve ser assumida pelo Estado, portanto deve ser retirada das mãos dos particulares. Rousseau, por outro lado, pregava que a educação é um domínio à parte da economia e da política. Condorcet reforçava que o Estado tem de ter o controle do ensino, como também a obrigação de instruir, não a de educar, esta tarefa deixa a cargo das famílias e dos padres. O Estado deve apenas ensinar as ciências positivas. Além disso, discursava sobre a gratuidade e afirmava que esta não constitui sozinha um meio eficaz para a igualdade: ela só se completaria se houvesse um sistema de pensões e distribuição de uniformes. Além de Condorcet, Lepelletier e Horace Mann viam a educação como um direito a ser garantido pelo Estado a todos, sem distinção de fortuna e justamente para diminuí-la, em contrapartida aos teóricos liberais elitistas ou classistas, como Locke, Rosseau, Voltaire (CUNHA, 1980). Essas ideias liberais, de acordo com Cunha (1980), atravessaram o século XIX e influenciaram outros países, com novos seguidores. É o caso de John Dewey (1859 –1952), norte- americano, defensor da “pedagogia da escola nova”. Suas reflexões partiram da crítica a Platão, pois para este as pessoas se classificariam naturalmente em três castas e, então, a função da educação seria unicamente a de descobrir a qual delas pertence um dado indivíduo. Dewey contesta Platão, mas admite a dificuldade de a sociedade produzir, espontaneamente, a democracia, isto é, de promover a ascensão social. No entanto, ele apontou a tendência, esta sim espontânea, de a educação ser utilizada como um meio de diferenciar os indivíduos, de reproduzir as “iniquidades”. Nesse sentido, a educação vocacional pensada por Dewey não seria uma mera preparação para os ofícios ou para a progressão no sistema educacional, visando a uma ilustração distintiva, mas sim uma educação geral que desse condição ao indivíduo a passar de uma classe social para outra. As ideias de Dewey para o sistema educacional foram muito importantes, principalmente, para reafirmar a instrução não para a prática de ofícios. No Brasil, o pensamento de Dewey influenciou Anísio Teixeira, que o “utilizou para propor o papel social da escola: tornar-se aparelho de equalização de oportunidades econômicas e sociais de cada indivíduo” (p. 45). Para Anísio Teixeira, a escola seria a grande reguladora social, e tal regulação permitiria que um indivíduo nascido em uma classe pudesse passar para outra. Para Cunha (1980), essa foi a expressão mais completa e radical da corrente do pensamento liberal, que se orientou para a abertura das oportunidades sociais, na linha de Rosseau, Diderot, Condorcet e Lepelletier. Isto significa que, para os liberais, a educação tem papel de instrumento de correção das desigualdades produzidas pela ordem econômica. Anísio Teixeira trabalhou incessantemente no plano do Estado brasileiro para que as ideias liberais, mais precisamente as de Dewey, fossem admitidas nas escolas brasileiras. No entanto, segundo Cunha (1980), ele sofreu sérias distorções no plano da execução, quando a política educacional no Brasil, principalmente, a partir dos anos 50, utilizou a escola como instrumento de preparação para ocupações, totalmente inverso às ideias liberais, ao pensamento de Dewey e ao de Anísio Teixeira. [7] Cunha analisou vários textos oficiais que supostamente se basearam nos princípios liberais da sociedade aberta. Esses textos, de acordo com o autor, apresentaram distância entre o discurso democrático e a prática discriminatória, pois o discurso culpabilizava os indivíduos pelas condições adversas em que viviam e propunha o Estado como interessado na sociedade aberta, portanto um caráter ambíguo nos textos oficiais. Diante dessas contradições, Cunha (1980) afirmou que o papel atribuído à educação no Brasil pelas ideias liberais, pela escola nova e pelo plano de Estado mostrou ter uma função ideológica de dissimular os mecanismos de discriminação da própria educação e também da ordem econômica e política. Para completar sua tese, Cunha demonstrou a distância entre o discurso democrático e a prática discriminatória com dados da realidade educacional brasileira. Para ele, não existe igualdade de oportunidade e de qualidade da educação oferecida. A concretização da aptidão de cada indivíduo está ligada às condições materiais de vida e o que prevalece é o currículo oculto, a ideologia da carência, da competência, do mérito e do progresso. É importante destacar, antes de finalizar este texto, que o papel social da educação proposta pela ideologia liberal, analisada por Cunha, é que a escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum grupo privilegiado de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A educação deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e pleno. Nesse sentido, a função da escola é a realização individual para a construção do progresso geral. A escola liberal trata os alunos igualmente, procurando habilitá-los a participar da vida social na medida e proporção de seus valores intrínsecos. Nesta seção, você aprendeu que: O liberalismo é um sistema de ideias elaboradas por pensadores ingleses e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia. E foi, mais precisamente, no Séc. XVIII, na França, que esta doutrina se corporificou. Os principais valores da doutrina liberal são: individualismo, liberdade, propriedade, igualdade e democracia. O papel social da educação, no ideal liberal, é de que a escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum grupo privilegiado de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A educação deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e pleno. Principais teóricos clássicos do liberalismo: Jonh Locke (1632 – 1704); Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778); François Marie Arout Voltaire (1694 – 1778); Denis Diderot (1713 – 1784); Jean Antoine Nicolas de Cantat, Marquês de Condorcet (1743 – 1794); Pensadores e defensores da Escola Nova: nos Estados Unidos, John Dewey e Horace Mann; no Brasil, Anísio Teixeira. [8] 2. FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO Anteriormente vimos os princípios liberais e como eles influenciaram a organização da sociedade e da educação, principalmente, a partir do século XVIII. Agora, nesta aula, será necessário entender a função social da educação que remete sempre ao binômio: socialização mais instrução. 2.1 A função social da educação: dimensões históricas e dimensões educativas A discussão da função social da educação remete sempre ao binômio: socialização mais instrução. A socialização seria o ato de transformar o homem em um ser social, de imprimir identidades e valores. No entanto a socialização também tem seus reveses como a dessocialização, que seria a ausência de produção de significados para a ação social que se torna naturalizada, individualizando atributos que são sociais. A instrução vai se definindo ao longo da história da sociedade e da ciência, ou seja, a instrução é guiada por práticas educativas com intencionalidade de transmitir valores, conhecimentos. Na escola, significa saber sistematizado. Esse binômio socialização mais instrução tem apresentado diferentes concepções e projetos de educação ao longo da história da humanidade como: informação/instrução, integração/adaptação, formação geral/enciclopedista/humanista,funções supletivas da escola, criticidade, conhecimentos específicos, conteúdos acumulados, qualificação profissional. Todas essas concepções remetem à História. Esta, por sua vez, não é um fenômeno estanque, é um processo dinâmico e pode estar presente desordenadamente ou conscientemente nos pensamentos e nas práticas pedagógicas. As origens da educação se confundem com as da própria existência humana, agindo sobre a natureza, adaptando-se às necessidades humanas; e, nesse sentido, o ser humano aprende a ser homem. Esse movimento nos diferentes momentos históricos vão apresentar significados diferentes: nas comunidades primitivas, coletivas e coletoras; depois transformando os alimentos colhidos na natureza; depois se fixando na terra. Na Antiguidade grega e romana, ocorre a propriedade privada da terra e a divisão entre proprietários e não proprietários. Aos segundos, o trabalho (para eles, a educação coincidia inteiramente com o processo de trabalho, aprendia-se com a realidade, transformando-a pelo trabalho), aos primeiros, o ócio (vivem do trabalho alheio). A palavra escola em grego significa o lugar do ócio, das classes ociosas. Este fenômeno que caracteriza a sociedade antiga permanece na Idade Média, no modo de produção feudal, que também tem como modo de produção dominante a agricultura. Na Grécia e em Roma, os homens viviam na cidade mas viviam do campo. Na Idade Média, os homens viviam no campo e do campo. A formação escolar só supre a classe ociosa com escolas paroquiais, catedralíticas e monacais. Com o crescimento da atividade mercantil, com a origem das cidades, desloca-se o eixo do processo de produção do campo para a cidade, da agricultura para a indústria. Com isso são rompidas as relações dominantemente naturais que prevaleciam na Idade Média, onde as comunidades se constituíam segundo laços de sangue: a nobreza passava de pai para filho assim como a servidão. Essa transformação produtiva, aliada à incorporação da ciência ao processo produtivo, via indústria, irá implicar na exigência da escrita. [9] Em consequência, a forma escolar da educação deixa de ser uma forma secundária e subordinada, destinada somente aos que deviam ocupar o seu ócio com dignidade, e passa a ser a forma dominante e principal de educação. A dominância da indústria nas cidades tende a generalizar as funções intelectuais, as operações abstratas, e a via encontrada para viabilizar essa generalização das funções intelectuais na sociedade foi a escola: pública, universal e gratuita (o que garantiria sua obrigatoriedade). Nesse processo de transformação, a sociedade deixa de se organizar segundo direito natural e passa a se organizar segundo o direito positivo, que é estabelecido formalmente por convenção contratual e se traduz nas Constituições escritas. A escola se delineia, então, como o grande instrumento para redimir os homens da ignorância, da miséria moral, da opressão, da miséria política, para transformar súditos em cidadãos. Para Voltaire, Diderot etc, a fórmula da cultura seria expressa por um jogo de opostos: “ou luz do saber, nos parâmetros finitos de tempo e espaço, ou a escura ignorância religiosa, com suas promessas falazes sobre o Eterno, a imortalidade, o milagre” (ROMANO, 1987, p. 47). Porém isto, de fato, é um processo lento e contraditório e, portanto, esta dinâmica se reflete nas diferentes explicações para a função da escola e sua relação com a sociedade. Nesse processo de desenvolvimento da sociedade, duas dimensões vão continuamente ressignificando o ser humano, a dimensão histórica e a dimensão educativa. São as dimensões históricas que vão definindo o conceito de sociedade, de ser humano, de infância, de feminilidade, de masculinidade, de autoridade. E as dimensões educativas expressam a ação educativa marcada pela possibilidade dada aos sujeitos nas suas ações e vivências humanas. Esta dimensão reforça a condição humana de se relacionar com a cidade, com o tempo, com a natureza, com a sexualidade, com a cultura, acesso a recursos, com a saúde, educação. Nesse processo, a relação educativa é entre humanos, pessoas, gerações, sujeitos sócio- culturais e vale também para a cultura escolar. Nesse sentido, a questão a destacar é onde está a especificidade da ação educativa e escolar? Está em ser uma ação humana, entre humanos, entre pessoas, gerações. O professor é um adulto que se relaciona com crianças, adolescentes, jovens, que acumulou experiências, cultura, saberes, interpretações do mundo, da natureza, da cidade, do tempo, que está contido tudo dentro de uma determinada escola. É sempre uma relação de pessoas e, portanto, não é possível desumanizar os humanos que participam na relação pedagógica, na ação educativa. Todo universo de referência do professor é ele, enquanto sujeito pessoal, em relação com sujeitos pessoais e sociais da escola. No entanto, pode o professor ter uma visão negativa, assistencial, mas é uma visão de sujeito. Assim, a relação educativa na escola tem muito a ver com as formas concretas de viver dos dois sujeitos da ação educativa (professores e alunos); dependendo das possibilidades que cada momento histórico dá aos professores e aos seus alunos de pensar como sujeitos humanos, de serem humanos, de serem sujeitos culturais, de viverem suas matrizes culturais e repensá-las, de explorá-las. Mas daí nos deparamos com questionamentos, quais as condições históricas de produção de nossas matrizes? Quais são essas matrizes? [10] Na concepção de educação básica da modernidade, a ação é mediada pelo caráter institucionalizado da educação escolar. Na prática pedagógica, há instituições, práticas definidas e organizadas, uma determinada organização do trabalho tanto do aluno quanto do professor. Essa é a lógica que persiste através dos tempos e degrada a escola. O peso dessa materialidade, dessa lógica, coloca a construção de culturas escolares num campo estreito de grades, de asfixia do ser humano, que restringe a possibilidade humanista da educação. Para reverter tal lógica, torna-se necessário mexer nos tempos, nos espaços, nas rotinas, na carga horária; soltar as amarras para que o profissional entre numa relação educativa. É preciso ressaltar que, nessa organização do trabalho da escola, há uma tensão entre essa institucionalidade da escola e a tentativa do professor de construir uma prática educativa que pode afirmar a cultura humanista (de trabalhar a cidade, o corpo) ou a tecnicista (de ficar preso na sala, e nas carteiras). Há uma cultura de que a legitimidade do instituído (a organização do trabalho, dos tempos) é intocável. Para reconstruir a história da educação básica, dos profissionais da educação básica, das culturas que dominam os saberes, os valores, dos pensamentos que articulam práticas educativas tanto no pai, na mãe, no catequista, no educador social, no professor, homens e mulheres é preciso nos situar em patamares mais sedimentados, nas correntes mais subalternas, subterrâneas, nos aprendizados acumulados nos processos de formação humana. Assim, é preciso pensar mais detidamente na relação educativa na escola. O que o professor enfrenta todos os dias? Como o ser humano se processa? Como uma criança, um adolescente ou jovem inicia nas artes complexas e complicadas de se tornar humano? Essa é a tensão, a educação como processo de humanização, que se apresenta nos dias atuais como se tivesse pouco a inventar; que as práticas dentro da escola nada mais são do que rotineiras, e ai se perde de que o ser humano, ao longo da história, sempre foi capaz de reinventar, de rever projetos, de superação das desigualdades. Outra tensão: como ser sujeito de culturas, transmissor de culturas se não cultivamos Não exploramos as dimensões desumanizadoras da nossa própriacidade, de nossa cultura? socialização, de desenvolvimento do sujeito, de pensar na cidade em que vivem, de pensar na vida familiar. Isso significa dizer que, quanto mais condições de humanidade tiverem mais serão sujeitos da ação educativa. É certo, vale ressaltar, que a relação escola x sociedade não é tão linear. A cultura profissional também não vem da sociedade, pronta e acabada, para a escola, de forma mecânica. Essa relação sociedade/escola traz em si toda uma complexidade da própria escola e do ato educativo. E, assim, concordamos que não é fácil ser professor, todos os dias, sentindo-se em cada momento, ameaçado, ameaçado pela violência, ameaçado pelas brigas internas com os alunos, . É possível construir um ameaçados pela fome da criança por uma infância que de fato não existe projeto de educação básica com uma infância/adolescência destruída? Com extrema exclusão, com fome, preconceitos, com lixo, condições de vida subumana? [11] É possível ser profissional da educação e teorizar tudo isso sobre a infância, a juventude que não existe, que é negada? Sobre uma cidadania pela metade? Por que estas questões devem estar somente no departamento da sociologia? A cultura dos mestres é a cultura do que a nossa infância e juventude, nossa sociedade é hoje e não só do que planejamos para elas. Sabemos que nossas práticas são marcadas por especificidades decorrentes do jeito de ser de cada um de nós, uma vez que nossas características pessoais e nossas vivências profissionais são únicas e intransferíveis. É como nos diz Antonio Nóvoa: Não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores, ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da relação humana. [...] Ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser (NÓVOA, 1992, p. 7-9). Diante disso é preciso questionar sempre o percurso que nos permite ser o professor que somos hoje e que seremos daqui alguns anos. De que maneira nossa atuação educacional é influenciada pelas nossas características pessoais e pelo caminhar profissional que vimos trilhando? É por aí que podemos perceber a importância que nossa atuação pode ter para os demais professores da escola e para os nossos alunos, bem como identificarmos as contribuições que esse coletivo tem na constituição de nossa identidade. É fundamental os professores terem consciência dessa via de mão dupla, compreenderem os processos vividos e se apropriarem dos saberes que foram desenvolvendo ao longo da vida, procurando ampliar suas bases teóricas e conceituais. É nesse percurso que se constroem as identidades. Conforme Nóvoa: A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneira de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. A construção de identidades passa sempre por um processo complexo graças ao qual cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional. É um processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças (NÓVOA, 1992, p. 16). Além disso, é preciso darmos conta de que a escola também já não é vista como garantia de promoção social para os mais desfavorecidos, o que contribui para a diminuição do seu respaldo social. E, por força de interpretações simplistas, os professores acabam sendo considerados como responsáveis pelos fracassos dos sistemas escolares, perdendo prestígio e reconhecimento. Diante de um quadro tão complexo, responder quem somos e o que queremos constitui um desafio, pois exige repensar o papel da escola e sua relação com o conhecimento e com a sociedade. [12] Nesse enfrentamento trazemos, dentre as muitas leituras a respeito do papel da escola, a formulada por Selma Garrido Pimenta. Diz ela que: O papel da escola é garantir o acesso ao conhecimento de qualidade por parte de todas as crianças e jovens a fim de que se situem no mundo, um mundo que é rico em avanços civilizatórios. Em decorrência, apresenta imensos problemas de desigualdade social, econômica e cultural. De valores. De finalidades. A tarefa da escola é inserir as crianças e os jovens, tanto no avanço como na problemática do mundo de hoje, através da reflexão, do conhecimento, da análise, da compreensão, da contextualização, do desenvolvimento de habilidades e de atitudes. A identidade da escola nesse processo é garantir que as crianças e os jovens sejam capazes de pensar e gestar soluções para que se apropriem da riqueza da civilização e dos problemas que essa mesma civilização produziu. É nessa contradição que se define a identidade da escola hoje (1998, p.50). Grande parte dessas atribuições pressupõe uma clara compreensão do papel do conhecimento no mundo contemporâneo e de como nossa sociedade lida com ele. Assim, conhecimento não se reduz à informação. Este é um primeiro estágio daquele. Conhecer implica em um segundo estágio, o de trabalhar com as informações, classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. O terceiro estágio tem a ver com a inteligência, a consciência ou sabedoria. Inteligência tem a ver com a arte de vincular conhecimento de maneira útil e pertinente, isto é, de produzir novas formas de progresso e desenvolvimento. Consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas formas de existência, de humanização. E é nessa trama que se pode entender as relações entre conhecimento e poder. (PIMENTA, 1998). “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta que há ninguém que explique e ninguém que não entenda” (Romanceiro da Inconfidência - Cecília Meireles) Nesta seção, você aprendeu que: A função social da educação remete sempre ao binômio: socialização mais instrução. As origens da educação se confundem com as da própria existência humana. A transformação produtiva, aliada à incorporação da ciência ao processo produtivo, via indústria, irá implicar na exigência da escrita. Com o processo de desenvolvimento da sociedade, a forma escolar da educação deixa de ser uma forma secundária e subordinada, destinada somente aos que deviam ocupar o seu ócio com dignidade, e passa a ser a forma dominante e principal de educação. As dimensões históricas e educativas vão ressignificando continuamente o ser humano. A ação educativa é uma especificidade humana, entre humanos, entre pessoas, gerações. A relação educativa na escola tem muito a ver com as formas concretas de viver dos dois sujeitos da ação educativa (professores e alunos). As práticas educativas desempenhadas pelos professores são marcadas por especificidades decorrentes do jeito de ser de cada um de nós, uma vez que nossas características pessoais e nossas vivências profissionais são únicas e intransferíveis. A educação na contemporaneidade traz nova função social para a escola e para o professor e, portanto, exige repensar o papel da escola e sua relação com o conhecimento e com a sociedade. [13] 3. POLÍTICA EDUCACIONAL E POLÍTICAS SOCIAIS Até agora você aprendeu sobre os conceitos e concepções de Estado, assim como sua natureza, forma ou regime de relacionar com a sociedade e a educação. Também compreendeu, na segunda aula, como os princípios liberais influenciaram a organização da sociedade, a educação, principalmente, a partir do século XVIII. E, naaula três, a função social da educação. Agora, nesta aula, será necessário entender como o Estado, por meio da política, planeja políticas sociais, dentre elas, a política educacional. 3.1 O Estado e a Política Pública de Educação Como o Estado implementa sua política pública educacional e demais, principalmente, para área social, na concepção que o Estado, como o conhecemos hoje, é o resultado da divisão social do trabalho e da sociedade em classes. Partindo ainda das ideias da autora Eloísa M. HÖFLING (2001)1, a qual discute a concepção de Estado e de política social que sustentam as ações e programas de intervenção do governo, em uma determinada sociedade, em determinado período histórico. Além disso, fatores de diferentes natureza e determinação são importantes para a avaliação das políticas implementadas por um governo, especialmente quando se focalizam as políticas sociais (usualmente entendidas como as de educação, saúde, previdência, habitação, saneamento etc.) “os fatores envolvidos para a aferição de seu ‘sucesso’ ou ‘fracasso’ são complexos, variados, e exigem grande esforço de análise” (2001, p. 31). Assim, comecemos por esclarecer a diferença que a autora faz entre Estado e Governo. Para Höfling (2001): Estado como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente - que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período (2001, p. 32). Como podemos perceber, o Governo é constituído de projetos de determinados grupos, que, em nome do Estado, encaminha sua orientação política. Nesse sentido, as políticas públicas de um determinado governo devem ser entendidas como “Estado em ação”, ou seja, “o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade” (HÖFLING, 2001, p. 32). Assim, políticas públicas são consideradas pela autora como responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção e, dessa maneira, não podem ser reduzidas à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas. E devem ser propostas a partir da tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada e, portanto, não podem ser reduzidas a políticas estatais. 1 HÖFLING, Eloísa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos CEDES, ano XXI, n. 55, novembro/2001. p. 30-41 [14] Entre as políticas públicas, encontramos as políticas sociais, que se referem segundo Höfling (2001), [...] a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais (HÖFLING, 2001, p. 34). Isto significa que, para manter o equilíbrio em sociedade e continuar a manter o poder de uma determinada classe, o Estado se vê pressionado a emitir políticas sociais frente às reivindicações e demandas dos trabalhadores e dos setores não beneficiados pelo desenvolvimento capitalista. Com essas medidas, além de produzir condições materiais à maioria da população expropriada dos meios de produção, visa assegurar a forma de organização de uma determinada sociedade, no caso a capitalista. Dentre as políticas sociais, Höfling (2001) inclui a educação e esclarece ser uma política pública de corte social, de responsabilidade do Estado – mas não pensada somente por seus organismos. Para a autora, “a educação também assume ‘feições’ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado” (p. 34). Isto porque a implementação da política pública para uma determinada sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo. A política educacional, por exemplo, para ser posta em ação, depende do grau de relação existente entre Estado e sociedade. Isto quer dizer que numa sociedade marcada pela exclusão, extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, o desempenho da ação da política educacional depende, indiscutivelmente, das “formas de organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento e reivindicação de demandas” (p. 40). Tais reivindicações são essenciais na conquista de novos e mais amplos direitos sociais. Nesse sentido, de acordo com Höfling (2001), para a eficiência e eficácia de uma política pública para a educação, faz-se necessário ampliar a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução. E, que, uma vez a administração pública admitida sob uma análise crítica de Estado: “considere sua função atender a sociedade como um todo, não privilegiando os interesses dos grupos detentores do poder econômico” (p. 40). Sob essa vertente, deve ainda estabelecer programas universalizantes, que incluam todas as conquistas sociais pelos grupos e setores desfavorecidos, visando à reversão do desequilíbrio social. Nestes termos, o sucesso ou o fracasso de perspectivas para uma política educacional concentra-se, como destaca Höfling (2001), na “relação direta com os pressupostos e parâmetros adotados pelos órgãos públicos e organismos da sociedade civil com relação ao que se concebe por Estado, Governo e Educação Pública” (p. 41). Aprofundando estas argumentações, significa dizer que pensar políticas públicas sociais, dentre elas a educação, numa perspectiva universalizante, é conceber outra maneira de pensar o Estado e sua relação com a sociedade. [15] Você Sabia(?): Política – Apesar da multiplicidade de facetas a que se aplica a palavra “política”, uma delas goza de indiscutível unanimidade: a referência ao poder político, à esfera da política institucional. No entanto, pensar a política, atualmente, já não significa limitar-se ao estudo do Estado ou dos partidos ou de instituições públicas, como ainda acontecia no século passado, mas repensar as necessidades do passado que levaram a constituir estas instituições. Os movimentos sociais e a política de base passariam a adquirir importância decisiva, como agentes políticos, tão necessários, como o próprio governo ou os partidos. O que interessa mesmo é resguardar a atividade política, sem preconceitos quanto a como, quando e onde ela se apresente (MAAR, Wolfang Leo. O que é Política. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1991). Nesta seção, você aprendeu que: O Estado é um conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente - que possibilitam a ação do governo. Governo, como o conjunto de programas e projetos (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) proposto para a sociedade como um todo como políticas públicas. Configura-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período. As políticas sociais são ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas,em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais, visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. Política Pública Educacional – capacidade de ampliar a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução para promover os direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania. [16] 4. EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA Aqui precisamos assistir primeiramente o filme “A mão invisível do Estado ” (disponível 2 em https://www.youtube.com/watch?v=HLxmXjLd1V4) e a partir deste filme didático sobre a economia brasileira, vamos perceber como a política econômica nacional e internacional influencia as ações do Estado, para implementar política pública de educação. O objetivo é compreender como o Estado, mais precisamente, o Governo, influenciado pela política econômica nacional e internacional, toma decisões, escolhas, caminhos para promover políticas sociais (usualmente entendidas com as de educação, saúde, previdência, habitação, saneamento etc). O filme “A mão invisível do Estado”, além de nos ajudar a entender sobre o funcionamento da economia brasileira, é um filme que mostra a relação entre economia nacional e internacional: juros, dívidas, exportação, inflação. O que estas questões econômicas têm a ver com a política educacional brasileira? Como destacado por Höfling (2001), antes mesmo de compreendermos e avaliarmos as políticas públicas sociais implementadas por um governo, é fundamental a compreensão da concepção de Estado e de política social que sustentam tais ações e programas de intervenção. Para entendermos, será necessário, também, retomar as aulas anteriores. Veja os tipos de confronto para “Análise de conjuntura”: Tipos de confronto para pensar: Porque são importantes essas reflexões? Estado e Sociedade – pressões para obter democracia de acesso e justiça social. Estado e Partidos Políticos – autonomia dos partidos; liberdade de expressar diferentes ideologias. Estado e Igreja – imposição da Igreja na influência das políticas de Estado. Estado e empresários – ação dos empresários sobre o Estado; amplia seus espaços no governo; Estado e militares – deixam a direção política, mas pedem silêncio sobre sua atuação no regime autoritário. Estado e movimentos populares - “amplia” esforços para ação dos movimentos; novas relações de conflito e de pressão se estabelecem entre Estado e sociedade civil. A necessidade da tomada de consciência para entender, informar e conhecer a realidade é importante; As diferentes forças sociais que atuam na luta política nos permitem ver o quanto estamos ou somos influenciados pela informação e ideologia dominante. 2 A expressão Mão invisível foi um termo introduzido por Adam Smith, em 1776, “A Riqueza das nações”. Ele defendia a não intervenção do Estado em questões econômicas, pois qualquer intervenção traria certamente ineficiências. O mecanismo de mercado funciona assim como uma “mão invisível” que conduz os agentes econômicos para uma situação ótima do ponto de vista da eficiência. (Adam Smith nasceu em 1723, em Kirkcaldy, na Escócia e faleceu em 17 de julho de 1790). [17] O nosso papel enquanto educador(a), cidadão(ã) é constantemente nos perguntar: Qual a concepção de mundo/sociedade eu tenho? Qual a concepção de ser humano eu tenho? O que eu quero para meu País, meu Estado, meu município? O que eu posso fazer para modificar a realidade que está próxima ao meu cotidiano? Nesta seção, você aprendeu que: A política econômica nacional e internacional influencia as ações do Estado, para implementar política pública de educação. O Estado, mais precisamente, o Governo, influenciado pela política econômica nacional e internacional, toma decisões, escolhas, caminhos para promover políticas sociais (usualmente entendidas com as de educação, saúde, previdência, habitação, saneamento etc). O filme “A mão invisível do Estado”, além de nos ajudar a entender sobre o funcionamento da economia brasileira, é um filme que mostra a relação entre economia nacional e internacional: juros, dívidas, exportação, inflação. A “Análise de Conjuntura” nos ajuda a compreender as diferentes forças sociais que atuam na luta política e, nos permite ver o quanto estamos ou somos influenciados pela informação e ideologia dominante. 5. ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 5.1 O Estado liberal e neoliberal Nas seções anteriores, vimos como os téoricos clássicos do liberalismo concebem o Estado, o Governo e as políticas públicas sociais. Verificamos também que depois do século XVIII, com a Revolução Francesa, o Estado Moderno se caracterizou por um Estado representativo, mas autoritário. Aqui, nesta seção, vamos avançar na história e analisar as mudanças em relação à concepção de Estado e de sua intervenção, principalmente, a partir da Segunda Guerra Mundial. Com os países devastados por conta da Guerra, coube aos Estados Nacionais assumirem o papel de intervenção e regulação na esfera econômica e, também, a reprodução da força de trabalho. A ampliação da ação estatal nas chamadas políticas públicas via instalação de fundos públicos, tornou-o centralizador, mantendo-se certa rigidez na esfera da produção, na regulação do trabalho, e que se sustentava através da promoção da garantia dos direitos públicos. Esse modo de regulação do Estado foi conhecido na Europa como o Estado de Bem-Estar-Social ou o Welfare State, que tem como característica marcante seu poder intervencionista de organizar e implementar políticas sociais, alterar o livre movimento e os resultados adversos do mercado e a proveniência dos serviços em forma de garantir o acesso aos direitos dos cidadãos. Na América do Norte, foi conhecido como o New Deal. Esse modelo intervencionista de Estado sofreu críticas, principalmente de Milton Friedman e Friedrich Hayek. A concepção de Estado que esses dois teóricos defendem se inscreve na – e retoma a – tradição do liberalismo clássico, dos séculos XVIII e XIX. A concepção neoliberal de sociedade e de Estado, como ficou conhecida, tinha o propósito de combater o Keynesianismo (defesa do Estado regulador), o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de [18] capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. Suas ideias encontraram dificuldades iniciais para impor essa nova ordem vigente, uma vez que o capitalismo avançado apresentava uma longa fase sem precedentes. A padronização das mercadorias e dos serviços foram resultados da anterior necessidade de crescimento das grandes empresas no mercado internacional, que contavam com a administração centralizada, rígida e burocrática. __ Marcou o crescimento rápido da História, durante as décadas de 50 e 60. No entanto, tão logo este crescimento foi logrado em certa escala, essa mesma estrutura produtiva tornou-se por demais custosa, provocando uma decisiva queda nas taxas de lucro das grandes empresas atuantes no mercado mundial. De acordo com Anderson (1995), com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, todo mundo capitalista caiu em uma longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação. Tudo mudou, e as ideias liberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, segundo Hayek Apud Anderson, estavam no poder excessivo e nefasto dos sindicatos; e, de uma maneira geral, do movimento operário, que havia corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressõesreivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária, para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais (ANDERSON, 1995). A solução para esse problema, segundo Hayek Apud Anderson, era manter um Estado forte na capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. Para Höfling (2001), as teses neoliberais, absorvendo o movimento e as transformações da história do capitalismo, retomam as teses clássicas do liberalismo e se resumem na conhecida expressão “menos Estado e mais mercado” em sua concepção de Estado e de Governo. Além disso, vale lembrar que a crise do petróleo, na década de 1970, foi um catalisador da crise no modo de acumulação do capital, pois colocou em discussão a validade do modelo de intervenção estatal, arrastada por 30 anos. Esse modelo de Estado que até então permitiu o crescimento econômico e o controle das crises de superprodução passou a ser impotente frente às novas demandas do mercado globalizado, provocando a estagflação3. Nesse sentido, o Estado se viu obrigado a mudar para abrir possibilidades à nova fase do mercado. Essa postura foi adotada para que o mercado pudesse atuar livremente como o principal articulador da sociedade. A organização e a estrutura social deveriam ser modificadas para acompanhar as novas demandas e exigências do mercado. Há uma necessidade de flexibilizar as relações de trabalho e as relações de produção. O período fordista4 de produção de massa e consumo de massa deveria ser substituído por uma nova estrutura flexível para atender as novas exigências de um mundo globalizado (reengenharia e toyotismo5). 3 Estagflação - Situação em que há simultaneamente estagnação econômica, com baixo crescimento ou decréscimo do Produto nacional e do emprego, e inflação. 4 Fordismo – Modelo de organização de trabalho, com forte influência em todo século XX. Caracterizou-se pela subordinação do ser humano ao capital, por meio de realização de atividade parcelar e fragmentada, decomposta de tarefas simples, repetitivas e desprovidas de sentido. A vigência do fordista foi marcada pelo controle social da produção, que realizava a expropriação intensificada do trabalhador, diminuindo-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho (VIEIRA, 2011). 5 Toyotismo ou modelo japonês – Mudanças no processo de trabalho a partir dos anos 80, com o aprofundamento dos processos de alteração da economia e das sociedades, consequentemente, na forma de organizar o trabalho. Nesse contexto, emergiu a era da acumulação flexível, uma tentativa do capital recuperar seu ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de dominação sobre a sociedade, abalado principalmente pela confrontação e conflitualidade do trabalho. Diversas ações foram produzidas pelo capital para a mudança do próprio processo produtivo, como por exemplo, constituição das formas de acumulação flexível, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico (VIEIRA, 2011). [19] As políticas do pleno emprego e da organização do mundo do trabalho e da organização sindical forte deveriam ceder espaços para novas possibilidades de organização do mundo do trabalho. Segundo Anderson (1995), isso provocou a perda gradativa do papel do Estado Nacional que, ao ser desregulamentado, precisou ceder para o mercado. Este deveria assumir a função de articulador da sociedade, até então pertencente ao Estado. Toda essa mudança no papel do Estado repercutiu nos países capitalistas avançados e, em seguida, nos países subdesenvolvidos, principalmente, o Brasil. Ainda, segundo Anderson (1995), a partir dos anos 1980, novas regras foram impostas para os Estados Nação para a nova fase neoliberal. Dentre elas, destaca o autor: Desregulamentação financeira - criou condições para o investimento especulativo e não produtivo. O resultado foi uma explosão dos mercados de câmbios internacionais, cujas transações, puramente monetárias, acabaram de diminuir o comércio mundial de mercadorias reais; Operações puramente parasitárias – os chamados capital fictício; Contenção dos gastos públicos, principalmente, para o setor social; Restauração da taxa “natural” de desemprego – criação de exército de reserva de trabalho para desmobilizar os sindicatos; Reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos – redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Dessa forma uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas que se encontravam em estagflação. No campo da política social, segundo Höfling (2001), para os neoliberais: [...] as ações do Estado na tentativa de regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da acumulação capitalista são consideradas um dos maiores entraves a este mesmo desenvolvimento e responsáveis, em grande medida, pela crise que atravessa a sociedade. A intervenção do Estado constituiria uma ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilíbrio (2001, p. 37). No entanto, analisa Anderson (1995), o peso do Estado de bem-estar não diminuiu muito, apesar de todas as medidas para conter os gastos sociais. E explica o motivo de sua análise. Embora o crescimento da proporção do Produto Nacional Bruto consumida pelo Estado tenha sido desacelerada, a proporção absoluta não caiu, aumentou de mais ou menos 46% para 48% do Produto Nacional Bruto - PNB médio dos países da Organização Europeia para o Comércio e Desenvolvimento - OCDE, durante os anos 1980. Duas explicações para isso: o aumento dos gastos sociais com o desemprego, que custam bilhões ao Estado e o aumento demográfico dos aposentados na população, que levou o Estado a gastar outros bilhões em pensões (ANDERSON, 1995). Na América Latina, segundo Anderson (1995), o Chile, do governo de Pinochet, foi o primeiro país a adotar as ideias neoliberais, uma década antes dos feitos de Thatcher, na Inglaterra. As ideias teóricas norte-americanas de Friedman influenciaram o país mais do que a do austríaco Hayek. Sempre seguindo as mesmas orientações neoliberais: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos, abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós- guerra (1995). [20] Nesta seção, você aprendeu que: O Estado de Bem-Estar-Social ou o Welfare State tem como característica marcante o poder intervencionista de organizar e implementar políticas sociais. Na América do Norte, foi conhecido como o New Deal. A concepção neoliberal de sociedade e de Estado resume-se na conhecida expressão “menos Estado e mais mercado”. As ideias neoliberais ganham terreno com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973. As regras do neoliberalismo são: desregulamentação financeira; operações puramente parasitárias; contenção dos gastos públicos; restauração da taxa “natural” de desemprego; reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos. 6. PROPOSTAS NEOLIBERAIS PARA O BRASIL 6.1 Propostas neoliberais para a educação No Brasil, o Estado de Bem-Estar foi mais conhecido para alguns autores como Gentili (1995), Bruno (1999), Oliveira (2000) como o Estado de mal-estar. Isso porque não experimentamos um Estado forte, no sentido de prover uma política social, incluindo a educacional, capaz de, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento econômico e social. Na história do Brasil, sempre o aspecto econômicoesteve em primeiro lugar em relação ao social. Dessa forma, a relação do Estado com a sociedade não apresentou essas características do Estado de Bem-Estar-Social. A partir dos anos 1970, a situação no Brasil se agravou por conta da crise de acumulação do capital. Essa situação levou as primeiras ações de desregulamentação do Estado e o país vivenciou a presença de sérios problemas de ordem econômica, política e educacional. Os anos 1980 foram considerados os primeiros tempos de reforma do Estado brasileiro frente aos novos processos: globalização da economia, a introdução da microeletrônica e o neoliberalismo. A globalização marcou a aproximação de diferentes polos mundiais, principalmente dos grandes conglomerados econômicos. Tal processo possibilitou forte influência dos mercados no mundo dos negócios e, principalmente, do Estado. Segundo Bruno (1999), as empresas deixaram de ser internacionais para se transformarem em transnacionais. Isso significou que elas transcenderam o Estado de origem. A empresa deixou de pertencer ao seu país de origem para se estabelecer no país de atuação. Por consequência, o Estado Nação se subordinou aos ditames desses conglomerados. O Estado iniciou um processo característico de Estado-mínimo e Estado-máximo, como analisa Gentilli (1995): Estado mínimo, no que diz respeito aos recursos financeiros, principalmente, para as políticas sociais e, Estado máximo, em seu controle nas políticas sociais como, por exemplo, no Brasil, a avaliação (Enem, Saeb, Provão), o planejamento educacional. Além disso, a introdução da microeletrônica e da robótica, como parte da reestruturação produtiva, exigiu uma mão de obra qualificada. No entanto, nos novos marcos do neoliberalismo, coube aos países desenvolvidos fornecer a tal mão de obra. Aos países subdesenvolvidos, dentre eles, o Brasil, coube a tarefa de formar um contingente de reserva para o mercado, sem muitas qualificações. As ações empreendidas pelo Estado brasileiro tiveram forte influência do Banco Mundial. Para este Banco, a prioridade de escolarização era a educação básica, que no Brasil foi traduzida como o ensino fundamental. [21] Tais ideias reforçaram a separação entre os países do Centro, como os Estados Unidos e alguns Europeus, dos países de periferia, no caso o Brasil. Essa relação de dependência centro- periferia, para o desenvolvimento tecnológico, estabeleceu prioridades e exclusividade de alguns países e de algumas empresas em garantir acesso ao conhecimento da tecnologia. Aos demais países periféricos, restaram-lhes educação básica, como a defendida pelo Banco Mundial, e um acesso restrito da grande massa da população ou quase nenhum à nova tecnologia. No campo educacional, a corrente neoliberal não defendia a responsabilidade do Estado em relação ao oferecimento de educação pública a todo cidadão, em termos universalizantes. Para seguir estes postulados, o setor educacional teve um novo papel a desempenhar frente às novas demandas do mercado globalizado. A educação deveria assumir novas competências e preparar os indivíduos para a flexibilidade e para a empregabilidade, novas buscas de trabalho e o próprio empreendedorismo, sujeitos capazes de adaptarem-se rapidamente às exigências do mercado e serem capazes de gerir seus próprios negócios. O indivíduo deve aprender a aprender, aprender a ser, aprender a fazer. Desse modo, a educação brasileira necessitaria de reformas para acompanhar esse novo modelo. legais e estruturais Para colocar em prática tais postulados, o Brasil precisou reformular toda a sua política econômica e financeira, assumindo os ditames da cartilha neoliberal. Para o sistema educacional, promoveu mudanças na legislação vigente, entre elas, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em 1996, e de diversas leis e decretos; a reforma do ensino médio e profissional voltados para o mercado de trabalho e investimentos massivos no ensino fundamental. Tudo isso acompanhado do discurso da preocupação com a educação para o desenvolvimento econômico. O Estado brasileiro deu início, a partir de 1989, a uma política desregulatória e de ajustes fiscais, apoiado pelos empréstimos dos organismos internacionais Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional - FMI. Nas análises de Gentili (1995), Bruno (1999), Oliveira (2000), as reformas implementadas para a educação, a partir dos anos 1990, eram relacionadas a um mercado em competição desigual, à exclusão, ao aumento da miséria e à exploração de uma mão de obra pouco qualificada. Os autores esclareceram que os recursos destinados à educação eram insuficientes para a formação de indivíduos para acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Além disso, criticaram a falta de uma política de formação de professores adequada para desempenhar seus papéis e desvalorização de uma política salarial para o magistério. As ações do Estado brasileiro, em relação às reformas educacionais, segundo esses autores, confirmaram o distanciamento do papel do Estado frente às políticas sociais, transferindo para a sociedade responsabilidades de gerir, dentre as políticas sociais, a educação. O reflexo de tais ações foram políticas compensatórias que visaram fragilizar os movimentos e tornar cada vez mais inócua a intervenção dos sindicatos (hoje praticamente burocratizados). De acordo com Gentilli (1995), programas como Bolsa Escola e auxílio gás foram algumas das políticas compensatórias para acalmar a massa de famintos para aceitar a condição em que estavam. Foi a política do inevitável, da não alternativa, do discurso do fim da história e da propagação do mercado como o deus das relações sociais. Foi à mão invisível do Estado, segundo o autor, mais do que nunca presente para defender o interesse de uma minoria no poder. Um Estado que, no caso brasileiro, sempre esteve a serviço do particular e que, nos dias atuais, mais do que nunca se comporta como privado. [22] A educação, mais uma vez, se destacou como uma mercadoria a ser oferecida a quem possa por ela pagar. Estendendo a lógica do mercado para a política social, os teóricos do neoliberalismo, segundo Höfling (2001), assinalam que “[...] em escolarização, pais e filhos são os consumidores, e o mestre e o administrador da escola, os produtores. A centralização na escolaridade trouxe unidades maiores, redução da capacidade dos consumidores de escolher e aumento do poder dos produtores” (p. 38). Nestes termos, os neoliberais postularam para a política Educacional ações do Estado descentralizadas, articuladas com a iniciativa privada, a fim de preservar a possibilidade de cada um se colocar, de acordo com seus próprios méritos e possibilidades, em seu lugar adequado na estrutura social. ATIVIDADE Assistir o filme: “Pro dia nascer feliz” – filme de João Jardim, Brasil, 2006. 88min. E, depois, socialize suas reflexões com os colegas e seu professor. Você deve atentar para o contraste retratado sobre a realidade das escolas públicas brasileiras, as ações educativas entre alunos e professores e o reflexo das políticas educacionais encaminhadas pelo governo brasileiro às escolas. Nesta seção, você aprendeu que: O Brasil sofreu influências do ideário neoliberal. Estado-mínimo refere-se aos recursos financeiros destinados às políticas sociais e, Estado-máximo, a seu controle nas políticas sociais como, por exemplo; a avaliação (Enem, Saeb, Provão) e o planejamento educacional. O Brasil reformulou toda a sua política econômica e financeira, assumindo os ditames da cartilha neoliberal. Para o sistema educacional, promoveu mudanças na legislação vigente, como a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em 1996, e de diversas leis e decretos; a reforma do ensino médio e profissional voltados parao mercado de trabalho e investimentos massivos no ensino fundamental. O Brasil promoveu políticas desregulatórias e de ajustes fiscais e teve apoio dos organismos internacionais: Banco Mundial e o FMI. O Estado brasileiro, em suas ações, implementou programas como o Bolsa Escola e o auxílio gás, conhecidos como políticas compensatórias. Quem sabe mais, luta melhor! Berthold Brecht [23] 7. A EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS Nesta seção, vamos fazer uma leitura crítica da legislação educacional para compreender a dinâmica e as contradições sociais, bem como a correlação de forças no momento histórico em que foi formulada a legislação. Tal leitura permitirá realizar uma reflexão sobre a realidade da educação brasileira e entender a estrutura e o funcionamento da educação básica, principalmente, a partir da redemocratização no Brasil, em 1985. No entanto é importante destacar que a legislação é a expressão de usos e costumes da sociedade que a produziu, num determinado momento histórico. Portanto, a lei reflete a prática cristalizada em formulações; a ordenação da prática social para controlá-la, regulá-la, regulamentar as relações entre os seres humanos e destes com a natureza. Assim como as diferentes concepções de ensino, a legislação é calcada na prática histórica. Contudo não é mero reflexo da prática social; é orientadora desta prática, indica utopia, projeto, procura conformar a prática à realidade desejável. IMPORTANTE! é primeiro compreender essa relação entre o real x o devir. Quanto mais presa à Ler a lei realidade mais incapaz de atender às novas necessidades humanas advindas das transformações sociais. Porém, se exageradamente utópica, a lei não sai do papel. é também nela enxergar a dinâmica e as contradições sociais. Se a legislação refere-se à Ler a lei prática social, às concepções da vida social e do Estado, ela portanto não é neutra. Apesar de sua capa de neutralidade, expressa a correlação de forças no momento histórico em que foi formulada, entre as diversas razões/interesses nela presentes: do Estado, da Igreja, da população em geral. 7.1 A educação nas constituições brasileiras Não se pode dizer que a democratização da educação no Brasil é um velho problema. Nem mesmo que o ensino público sempre esteve na agenda das preocupações populares. Ao contrário, essas são questões relativamente recentes no cenário político-social brasileiro. A noção do Estado como provedor da educação para todos chegou ao Brasil com atraso de mais de um século, trazido sobretudo pelo movimento da escola nova, cujo ponto culminante deu-se na década de 1930, com o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, elaborado por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros. Motivados em torno da luta pela laicidade do ensino, pela institucionalização e expansão da escola pública, pela igualdade dos sexos no direito à escolarização e pela obrigatoriedade do Estado em assumir a oferta universal e gratuita de ensino, esses educadores tiveram na Associação Brasileira de Educação e nas Conferências Nacionais de Educação seu campo de organização. [24] Analisando os instrumentos legais reguladores da educação que incorporaram gradativamente o direito de acesso ao ensino público, destacam-se: a Constituição de 1946 que fixou a obrigatoriedade do ensino primário de quatro anos e a sua gratuidade nos estabelecimentos oficiais; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, de 1961, a qual esclareceu que essa obrigatoriedade deveria se dar a partir dos sete anos de idade; a Emenda Constitucional de 1969, que estabeleceu que o ensino primário fosse obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, sendo gratuito nos estabelecimentos oficiais; a Lei nº 5.692/71, que reformulou a LDB de 1961, e entendeu ser o ensino primário, referido na Constituição, correspondente ao ensino de primeiro grau, dobrando, portanto, o tempo de obrigatoriedade e de gratuidade de estudos de quatro para oito anos. É com esse quadro legal, de garantia de direito à escolarização pública, que o país chegou à Constituição de 1988. Esta Constituição foi a que mais detalhou e dedicou um capítulo à educação, concebendo-a como direito de todos e dever do Estado e da família. O dever do Estado com a educação foi explicitado pela garantia, dentre outras, de ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria e pela progressiva extensão de obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, nunca tornado obrigatório e gratuito nas legislações nacional anteriores. Além disso, consignou a Carta Magna que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo e que a irregularidade na sua oferta pelo Poder Público importa responsabilidade da autoridade competente. Também reafirmou um percentual de recursos financeiros para a educação, nunca menos que 25% para os Estados e Municípios e Distrito Federal e 18% para o Governo Federal. Essas conquistas legais, apesar de positivas, refletem o grau de atraso da democratização da educação no país, pela demora em incorporar a educação pública e gratuita como direito de todos e dever do Estado. Os cerca de sessenta anos de luta concreta, pelo direito à educação pública, aliados a uma circunstância de desmobilização política da sociedade, permitiram que tivessem chegado aos dias de hoje empunhando bandeiras sociais superadas em países mais avançados, como a universalização de matrículas, a ampliação da rede física escolar, distribuição de material e merenda, entre outras. Apesar do avanço no número de matrículas no ensino fundamental no Brasil, o Estado ainda não foi capaz de oferecer um ensino de qualidade. Apesar das lutas em torno da educação pública incluírem a reivindicação da qualidade do ensino, os desastrosos resultados de aproveitamento escolar têm sido recorrentes nas estatísticas educacionais. O insucesso da escola pública brasileira, na tarefa de ofertar ensino de qualidade para todos, ampliou o espectro do significado da democratização da educação, incluindo, em sua pauta de discussão, a necessidade de alterar a estrutura de poder no interior das escolas e dos sistemas de ensino pela incorporação de mecanismos de democratização da gestão escolar. O processo de redemocratização vivido pela sociedade brasileira, a partir dos anos 1980, favoreceu a implantação de experiências de gestão democrática da educação. Essas experiências, vividas pelo país, propiciaram uma tendência descentralizadora na área da educação. O processo de redemocratização gradual e controlado que o país experimentou na passagem do regime militar para o regime civil, entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, e o processo de organização política no campo educacional, marcado pela luta sindical e pela atividade de reformulação de políticas educacionais do Estado, contribuíram para a implantação desses ambientes propícios à descentralização e à democratização da gestão escolar. [25] Além disso, com a redemocratização da sociedade em 1985, depois de um longo período de ditadura, o cenário de lutas favoreceu aos movimentos organizados da sociedade civil, a imposição de algumas questões debatidas historicamente como: o ensino público, gratuito e de qualidade; a universalidade do ensino escolar (igualdade de condições de acesso e permanência na escola); a pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e à tolerância; a vinculação entre a educação, o trabalho e as práticas sociais; o princípio de democratização do poder, gestão democrática do ensino público. O que permeava no debate era a garantia de uma legislação que desse conta de reorientar, dar novos significados à