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1 “Samba do Crioulo Doido” A mistura de verbos de regências diferentes pode lembrar o samba atravessado na avenida Josué Machado Com o “Samba do Crioulo Doido”, Sérgio Porto (1923-1968) promoveu cruzamentos históricos tão estranhos quanto [os cruzamentos] de certas regências verbais. O encontro de Tiradentes com a princesa Leopoldina, por exemplo, tem tanta lógica quanto o uso dos verbos “gostar” e “divertir(-se)” com o mesmo complemento. Só que no samba, tem graça, mas não na salada verbal. Explica-se: ao expressar seu desinteresse por grandes vultos da história, um acadêmico justificou-se em artigo de jornal: É justamente do homem comum que gosto e me divirto. [...] Ele atribuiu o mesmo complemento (“homem”) a verbos de regência diferente. Como é conservador e, normalmente, escreve de acordo com a variante culta da língua, pode-se supor que se distraiu e embarcou na mistura dos verbos. Sim, porque a norma culta, balizadora da linguagem de cursos e de concursos oficiais, recomenda certo respeito à regência tradicional. Sendo assim: “gosta- se DO homem comum” e “diverte-se COM O homem comum”. [...] É caso semelhante a fórmula muito frequente com os verbos “entrar” e “sair”, registrada, mais de uma vez, em frases como: Entrou e saiu do Congresso como sombra. Essa frase poderia ser mais palatável para quem se preocupa com a variante oficial da língua desta forma: Entrou no Congresso como sombra e saiu da mesma forma. 2 [...] Outro registro discutível, frequente no jornalismo esportivo, [é o seguinte]: Viu e gostou do jogo. Como se “vê o” jogo e se “gosta ou não dele”, melhor seria simplificar: “Gostou do jogo”, por ser claro que quem gosta ou desgosta do jogo é porque o viu. [...] De volta ao acadêmico que gosta do homem comum, se ele estivesse preocupado com a regência bem-comportada, e não com a tendência popular à síntese resultante da mistura de regências, teria escrito, em versão que parece um tanto rebuscada, mas, fora isso, livre de outras críticas, o seguinte: É justamente DO homem comum que gosto e COM QUE (QUEM) me divirto. Ou, em frase menos retorcida, sem parecer tão rebuscado: Gosto (justamente) do homem comum e me divirto com ele. Na mesma toada e em outro jornal, um analista político escreveu: Quem é que se anima a ir ou a ficar em um país em retrocesso? Ele se esqueceu de que se “vai A” um país e “fica-se EM” um país. Então, escreveria [adequadamente] da seguinte forma: Quem é que se anima a ir A um país em retrocesso ou a ficar Nele? [...] Fonte REVISTA Língua Portuguesa. Blog Josué Machado. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/blog-Josue/samba-do-crioulo-doido-338832-1.asp>. Acesso em: 21 jul. 2015.
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