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Presidente da República Fernando Henrique Cardoso Ministro da Educação Paulo Renato Souza Secretário Executivo Luciano Oliva Patrício Secretária de Educação Especial Marilene Ribeiro dos Santos Organização e Coordenação: . Francisca Roseneide Furtado do Monte . Ivana de Siqueira . José Rafael Miranda Grupo de Sistematização . Irmã Vieira de Santana e Anzoategui .Luiz Roberto Salles - Coordenador . Maria Alice Rosmaninho Perez - Coordenadora . Maria da Conceição Nogueira Silva . Paulo Roberto Barbosa Ramos . Waldir Macieira da Costa Filho Revisão Estatística e indicadores: . Reinaldo Estelles Apoio: . Ana Paula Xavier . Carla Maria Boueri Souto . Maria Luiza Lima Lopes Araújo Tiragem: 1500 exemplares Direito à educação : necessidades educacionais especiais : subsídios para atuação do Ministério Público Brasileiro / organização e coordenação : Francisca R. Furtado do Monte, Ivana de Siqueira, José Rafael Miranda.___ Brasília: MEC, SEESP, 2001-11-09 300 p. :il. 1. Educação Especial. 2. Política da Educação. 3. Dados Estatísticos. I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial CDU 376 Esta publicação foi editada para atender os objetivos do Encontro Nacional do Ministério da Educa- ção com o Ministério Público Brasileiro sobre o direito à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais SUMÁRIO PARTE I Introdução: carta do Ministro da Educação Paulo Renato Souza ............................................................................................................ 7 Apresentação Marilene Ribeiro dos Santos ...............................................................................................9 A Política Educacional no âmbito da Educação Especial ................................................11 Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica .................................27 Fontes de Recursos e Mecanismos de Financiamentos da Educação Especial............45 Evolução Estatística da Educação Especial....................................................................49 (O Ministério Público Brasileiro......................................................................................61 PARTE II Ordenamento Jurídico - Marcos Legais Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001 - Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.............................................................................................................67 Medida Provisória n° 2.216-37, de 31 de agosto de 2001 - Altera dispositivos da Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências ............................. 151 Decreto n 3.956, de 8 de outubro de 2001 - Promulga a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência .................................................................................................................. 152 Resolução n° 2, de 11 de setembro de 2001- Institui Diretrizes Nacional para a Educação Especial na Educação Básica........................................................................... 158 Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000 - Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências .................................................... 164 Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999 - Regulamenta a Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências .......................................................................................................... 169 Portaria n° 1.679, de 2 de dezembro de 1999 - Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições ....... 187 Portaria n° 319, de 26 de fevereiro de 1999 - Institui o Ministério da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Especial/SEESP e presidida pelo titular desta, a Comissão Brasileira do Braille, de caráter permanente .................................................. 189 Decreto n° 2.264, de 27 de junho de 1997 - Regulamenta a Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, no âmbito federal, e determina outras providências.................. 191 Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional............................................................................................................. 195 Lei n° 9.424, de 24 dezembro de 1996 - Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art.60, §7°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências....................................................................................................217 Aviso Circular n° 277/MEC/GM - Brasília, 08 de maio de 1996 ..................................224 Portaria n° 1.793, de dezembro de 1994 - O Ministro de Estado da Educação e do Desporto, no uso de suas atribuições, tendo em vista o disposto na Medida Provisória n° 765 de 16 de dezembro de 1994 e considerando: - a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de necessidades especiais; - a manifestação favorável da Comissão Especial instituída pelo Decreto de 08 de dezembro de 1994, resolve ........226 Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências .............................................................................. 227 Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989 - Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências ............................................................... 271 Constituição da República Federativa do Brasil (promulgada em 05/10/88) ............. 277 Resolução n° 02, de 24 de fevereiro de 1981 do Conselho Federal de Educação ............ 293 Resolução n° 09, de 24 de novembro de 1978 do Conselho Federal de Educação - Resolve, Excepcionalmente, poderá ser admitida a matrícula com dispensa da prova de conclusão do curso de 2o grau ou equivalente quando se trata de aluno superdotado que, em data anterior à da inscrição no concurso vestibular, tenha obtido declaração de excepcionalidade positiva, mediante decisão do Conselho Federal de Educação ..................................................................................................................... 294 INTRODUÇÃO DIREITO À EDUCAÇÃO: UM ESFORÇO CONJUNTO PAULO RENATO SOUZA Ministro da Educação O século XX caracterizou-se pela formulação de instrumentos legais que garantissem os direitos fundamentais da pessoa humana, em vários aspectos e níveis, abrindo as portas da transformação sócio-jurídica na área dos direitos humanos. Na área da Educação e, especificamente, das pessoas com necessidades educacionais especiais, a legislação existente representou, sem dúvida, um avanço importantíssimo, em- bora a realidade esteja ainda muito aquém dos anseios da sociedade que almeja uma vida mais digna e justa para estas crianças, jovens e adultos. O fundamental,porém, é dar efetividade prática a esse conjunto de leis, por meio do desenvolvimento dos diversos agentes: político-jurídicos e sociais na garantia do direito à todos de uma educação com qualidade. Nesse sentido, a busca de uma parceria com o Ministério Público, sem dúvida, cons- titui extraordinária importância para a efetivação dos mecanismos legais, de modo a concre- tizar o direito à educação, a partir de uma perspectiva de cooperação do poder Executivo com os "Guardiões da Constituição e das leis". Esta publicação tem por finalidade contribuir para os trabalhos que se iniciam a partir do I Encontro do Ministério da Educação com o Ministério Público, na área da educação dos alunos com necessidades educacionais especiais, de modo a instrumentalizar os agentes do Ministério Público na defesa e promoção do direito à educação destas pessoas. Na oportunidade, da publicação deste documento, ainda numa primeira versão a ser aprimorada futuramente, quero agradecer a todos que, motivados pela justiça social, contri- buíram para a produção e organização dos textos aqui contidos. Quero também, registrar a minha confiança de que este trabalho, que já se iniciou, representa um avanço significativo para construção dos alicerces de uma sociedade que res- peita a diversidade humana. APRESENTAÇÃO MARILENE RIBEIRO DOS SANTOS Secretária de Educação Especial Esta publicação, intitulada NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: SUBSÍDIOS PARA A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO, apresenta um conjunto de textos que tratam da Política Educacional no âmbito da Educação Especial, os Dados Estatísticos do atendimento e a cobertura da Educação Especial no país, das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica, das Fontes de Recursos e Mecanismos de Financiamento da Educação Especial, a atuação do Ministério Público e do Ordenamento Jurídico - Marcos Legais. Este documento que não tem a pretensão de ser uma versão definitiva do tema, foi resultado de discussões realizadas entre o grupo de Estudos "Parquet" e de técnicos da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação - MEC, com objetivo de subsidiar a atuação do Ministério Público -MP, especialmente, nas áreas de defesa da cidadania, da juventude e das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais ligadas a deficiências e a outros fatores associados à aprendizagem. E importante, registrar que o grupo de Estudos "Parquet" surgiu da necessidade de discutir-se a implementação dos direitos das pessoas portadoras de deficiência e dos idosos no âmbito do Ministério Público Brasileiro. O primeiro encontro ocorreu na cidade de São Luís/M A (1999), de onde resultou a redação da "Carta de São Luís", cujo texto foi aprovado pelo Egrégio Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça. Atualmente o Grupo de Estudos "Parquet" conta com a colaboração de profissionais, estudiosos e pesquisadores das áreas jurídica, educacional, saúde, arquitetura e urbanismo, serviço e assistência social. O Grupo de Estudos "Parquet" tem por objetivo fomentar a discussão, análise, pesquisa e concretização de atitudes que busquem eliminar as formas de exclusão social. Assim, diante de inúmeras questões que o Ministério Público vem se deparando em relação as demandas oriundas da sociedade que reivindica o direito à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais, o grupo "Parquet", procurou este Ministério, buscando ações conjuntas que pudessem instrumentalizar a atuação dos agentes do Ministério Público em relação a essas questões. Com este documento pretende-se ainda, induzir o estabelecimento de parcerias entre o Ministério Público e a área de educação, nas diversas esferas administrativas, no sentido de contribuir para a ação do Ministério Público na garantia dos direitos à educação de crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais. Tenho plena certeza de que os resultados deste trabalho, que se iniciou com as discussões que resultaram na elaboração deste documento e a partir dos trabalhos que se desenvolverão durante o I Encontro do Ministério da Educação com o Ministério Público, sem dúvida, contribuirá para a concreta operacionalização do direito à educação de pessoas com necessidades educacionais especiais, assegurado na legislação vigente, rompendo assim, com os paradigmas tradicionais que empobrecem e distorcem a aplicação das leis. Quero aproveitar, finalmente, para expressar a minha satisfação e agradecer o esforço e empenho do grupo, que movidos pelo espírito do mais alto compromisso social, dedicaram à elaboração deste documento que certamente subsidiará a atuação dos agentes do Ministério Público comprometidos com a viabilização do direito à educação de qualidade para todos. Outro grupo que é comumente excluído do sistema educacional é composto por alunos que apresentam dificuldades de adaptação escolar por manifestações condutuais peculiares de síndromes e de quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento, dificuldades acentuadas de aprendizagem e prejuízo no relacionamento social3. Certamente, cada aluno vai requerer diferentes estratégias pedagógicas, que lhes possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento socialmente construído e à vida produtiva, condições essenciais para a inclusão social e o pleno exercício da cidadania. Entretanto, devemos conceber essas estratégias não como medidas compensatórias e pontuais, e sim como parte de um projeto educativo e social de caráter emancipatório e global. A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão educacional. Ao participar da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailânida (em 1990) e assinar a Declaração dela resultante, o Brasil assumiu como compromisso, perante a comunidade internacional, combater a exclusão de qualquer pessoa do sistema educacional. Tal compromisso representou um reforço qualitativo importante para o segmento populacional constituído de pessoas com deficiência, ao qual a Constituição Federal já garantia, desde 1988, o direito à educação, preferencialmente no ensino regular. Um longo caminho foi percorrido entre a exclusão e a inclusão escolar e social. Até recentemente, a teoria e a prática dominantes relativas ao atendimento às necessidades educacionais especiais de crianças, jovens e adultos, definiam a organização de escolas e de classes especiais, separando essa população dos demais alunos. Nem sempre, mas em muitos 3 Luiz Roberto Salles, Promotor de Justiça em São Paulo, apresentou a tese "Meios alternativos de cooperação comunitária na defesa eficaz da cidadania dos adolescentes submetidos à liberdade assistida", no II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado no período de 28 a 31 de maio de 1997. na cidade de São Paulo, tendo aprovado as seguintes conclusões: a) o amparo educacional ao adolescente que praticou ato infracional e foi submetido a medida sócio-educativa de liberdade assistida, é o caminho mais eficaz para se garantir a sua reintegração social; b) O Ministério Público, que tem a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição Federal, deve priorizar,no tocante aos adolescentes submetidos ao regime de liberdade assistida, a sua atuação na área educacional; c) O Promotor de Justiça da Infância e da Juventude não deve limitar a sua atuação em manifestações nos autos de procedimentos, devendo, também, no tocante à medida de liberdade assistida aplicada a adolescentes em conflito com a lei penal, mobilizar e apoiar a realização de programas de acompanhamento educacional, procurando parcerias com entidades públicas e privadas; d) o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, quando necessário, deve tomar as medidas judiciais cabíveis, para obrigar a família e o Estado, a assegurarem ao adolescente autor de ato infracional submetido ao regime da liberdade assistida, o efetivo acesso à educação; e) O adolescente que comete ato infracional necessita de amparo educacional baseado em um método pedagógico específico e diverso do tradicional, mas integrado ao sistema regular de ensino, com amplo convívio social entre todos os envolvidos (Anais do II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, p. 94). casos, a escola especial desenvolvia-se em regime residencial e, conseqüentemente, a criança, o adolescente e o jovem eram afastados da família e da sociedade. Esse procedimento conduzia, invariavelmente, a um aprofundamento maior do preconceito. Essa tendência, que já foi senso comum no passado, reforçava não só a segregação de indivíduos, mas também os preconceitos sobre as pessoas que fugiam do padrão de "normalidade", agravando-se pela irresponsabilidade dos sistemas de ensino para com essa parcela da população, assim como pelas omissões e/ou insuficiência de informações acerca desse alunado nos cursos de formação de professores. Na tentativa de eliminar os preconceitos e de integrar os alunos portadores de deficiências nas escolas comuns do ensino regular, surgiu o movimento de integração escolar. Esse movimento caracterizou-se, de início, pela utilização das classes especiais (integração parcial) na "preparação" do aluno para a "integração total" na classe comum. Ocorria, com freqüência, o encaminhamento indevido de alunos para as classes especiais e, conseqüentemente, a rotulação a que eram submetidos. O aluno, nesse processo, tinha que se adequar à escola, que se mantinha inalterada. A integração total na classe comum só era permitida para aqueles alunos que conseguissem acompanhar o currículo ali desenvolvido. Tal processo, no entanto, impedia que a maioria das crianças, jovens e adultos com necessidades especiais alcançassem os níveis mais elevados de ensino. Eles engrossavam, dessa forma, a lista dos excluídos do sistema educacional. Na era atual, batizada como a era dos direitos, pensa-se diferentemente acerca das necessidades educacionais de alunos. A ruptura com a ideologia da exclusão proporcionou a implantação da política de inclusão, que vem sendo debatida e exercitada em vários países, entre eles o Brasil. Hoje, a legislação brasileira posiciona-se pelo atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais preferencialmente em classes comuns das escolas, em todos os níveis, etapas e modalidades de educação e ensino. A educação tem hoje, portanto, um grande desafio: garantir o acesso aos conteúdos básicos que a escolarização deve proporcionar a todos os indivíduos - inclusive àqueles com necessidades educacionais especiais, particularmente alunos que apresentam altas habilidades, precocidade, superdotação; condutas típicas de síndromes/quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos; portadores de deficiências, ou seja, alunos que apresentam significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores genéticos, inatos ou ambientais, de caráter temporário ou permanente e que, em interação dinâmica com fatores socioambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas da maioria das pessoas4. Ao longo dessa trajetória, verificou-se a necessidade de se reestruturar os sistemas de ensino, que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os alunos. O caminho foi longo, mas aos poucos está surgindo uma nova mentalidade, cujos resultados deverão ser alcançados pelo esforço de todos, no reconhecimento dos direitos dos cidadãos. O principal direito refere-se à preservação da dignidade e à busca da identidade como cidadãos. Esse direito pode ser alcançado por meio da implementação da política nacional de educação especial. Existe uma dívida social a ser resgatada. Vem a propósito a tese defendida no estudo e Parecer da Câmara de Educação Básica (CEB/CNE) sobre a função reparadora na Educação de Jovens e Adultos (EJA) que, do seu 4 Conselho de Educação do Estado de São Paulo. relator Prof. Carlos Roberto Jamil Cury, mereceu um capítulo especial. Sem dúvida alguma, um grande número de alunos com necessidades educacionais especiais poderá recuperar o tempo perdido por meio dos cursos dessa modalidade: "Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito do direito civil pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontologica de todos e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento". Falando da Função Equalizadora, o mesmo Parecer especifica: "A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio - político - culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas, podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se vêem desprovidos de bens tão básicos, como a escrita e a leitura."5 Certamente, essas funções descritas e definidas no Parecer que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos podem, sem prejuízo, qualificar as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, principalmente porque muitos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais também se incluem nessa modalidade de educação. Os Princípios Matéria tão complexa como a do direito à educação das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais requer fundamentação nos seguintes princípios6: 1) a preservação da dignidade humana; 2) a busca da identidade; e 3) exercício da cidadania. Se historicamente são conhecidas as práticas que levaram, inclusive, à extinção e à exclusão social de seres humanos considerados não produtivos7, é urgente que tais práticas s Parecer n° 1 l/2000-CEB/CNE. 6 Art. 4o, da Resolução n° 2, de 11 de setembro de 2001, da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação (DOU, 14/9/01, seção 1). 7 Luiz Roberto Salles, salienta que "a trajetória histórica da pessoaportadora de deficiência está intimamente relacionada a mecanismos de exclusão social e não a patologias. Ricardo Fonseca (O Trabalho Protegido do Portador de Deficiência, em Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997, São Paulo, ed. Max Limonad, pp. 135/138) indica, com maestria, os povos que no curso da história da humanidade, mostraram-se avessos aos deficientes e outros que sempre conviveram de forma natural e realística. O autor noticia situações onde o portador de deficiência era abandonado à sejamdefinitivamente banidas da sociedade humana. E bani-las não significa apenas não praticá-las. Exige a adoção de práticas fundamentadas nos princípios da dignidade e dos direitos humanos. Nada terá sido feito se, no exercício da educação e da formação da personalidade humana, o esforço permanecer vinculado a uma atitude de comiseração, como se os alunos com necessidadesyeducacionais especiais fossem dignos de piedade. A dignidade humana nâo permite que se faça esse tipo de discriminação. Ao contrário, exige que os direitos de igualdade de oportunidades sejam respeitados. O respeito à dignidade da qual está revestido todo ser humano impõe-se, portanto, como base e valor fundamental de todo estudo e ações práticas direcionadas ao atendimento dos alunos que apresentam necessidades especiais, independentemente da forma em que tal necessidade se manifesta. A vida humana ganha uma riqueza se é construída e experimentada tomando como referência o princípio da dignidade. Segundo esse princípio, toda e qualquer pessoa é digna e merecedora do respeito de seus semelhantes e tem o direito a boas condições de vida e à oportunidade de realizar seus projetos. Juntamente com o valor fundamental da dignidade, impõe-se o da busca da identidade. Trata-se de um caminho nunca suficientemente acabado. Todo cidadão deve, primeiro, tentar encontrar uma identidade inconfundivelmente sua. Para simbolizar a sociedade humana, podemos utilizar a forma de um prisma, em que cada face representa uma parte da realidade. Assim, é possível que, para encontrar sua identidade específica, cada cidadão precise encontrar- se como pessoa, familiarizar-se consigo mesmo, até que, finalmente, tenha uma identidade, um rosto humanamente respeitado. Essa reflexão favorece o encontro das possibilidades, das capacidades de que cada um é dotado, facilitando a verdadeira inclusão. A interdependência de cada face desse prisma própria sorte, impedido de conviver com os demais membros da comunidade ou simplesmente morto. Da mesma forma, ressalta que entre os hindus o deficiente visual era considerado uma pessoa de 'sensibilidade interior mais aguçada, justamente pela falta de visão*. Analisando a obra de Michel Foucault. o filósofo Márcio Alves Fonseca (Direito e Exclusão: Uma Reflexão sobre a Noção de Deficiência, em Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997, São Paulo, ed. Max Limonad, pp. 118/124), relata o surgimento nos meados do século XVII, em toda Europa, de estabelecimentos destinados a internação dos loucos, uma vez que a sociedade 'toma-se extremamente intolerante em relação à loucura. Só que nestes estabelecimentos, chamados de Hospitais Gerais, não são internados apenas os loucos, mas todos aqueles que de certa forma são marcados pela ociosidade', v.g., idosos, libertinos de toda espécie. desempregados, mendigos, etc. Surge assim, na história recente, o sistema da segregação da pessoa portadora de deficiência. Por este sistema, o deficiente não tinha qualquer possibilidade de convívio e integração social. Somente no final do século XVIII começa a surgir o conceito de doença mental e a grande massa de Moucos de todo o gênero' começa a ser diferenciada, entre si. Em meados do século XX surgem os conceitos de integração e normalização que refletiam um conhecimento cada vez maior das potencialidades dos portadores de deficiência. A filosofia do sistema de normalização consistia em garantir ao deficiente o direito 'de viver de acordo com as normas e condições comumente aceitas, em que se desenvolve a vida de qualquer outra pessoa de sua idade, e de que os serviço que lhe são prestados impliquem o mínimo grau possível de limitação, intromissão ou desvio dessas normas e condições de vida' (Declaração de Cartagena de índias sobre Políticas Integrais para Pessoas com Deficiências na Região Ibero-Americana - 1992.). Na atualidade já se fala do sistema da diversidade (A Declaração de Manágua, de novembro de 1993, reconheceu que 'para assegurar o bem-estar social de todo o povo, as sociedades devem ser baseadas na justiça, igualdade, equidade e independência e reconhecer e aceitar a diversidade') segundo o qual, as pessoas deficientes ou não devem conviver respeitando-se nas suas peculiaridades e diferenças individuais, não mais se exigindo do portador de deficiência sua adaptação às condições comumente aceitas" (Parecer exarado, no Protocolado n.° 12044/00, que foi adotado pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo na decisão publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, seção I, do dia 14/3/00, p. 26). possibilitará a abertura do indivíduo para com o outro, decorrente da aceitação da condição humana. Aproximando-se, assim, as duas realidades - a sua e a do outro - visualiza-se a possibilidade de interação e extensão de si mesmo. Em nossa sociedade, ainda há momentos de séria rejeição ao outro, ao diferente, impedindo-o de sentir-se, de perceber-se e de respeitar-se como pessoa. A educação, ao adotar a diretriz inclusiva no exercício de seu papel socializador e pedagógico, busca estabelecer relações pessoais e sociais de solidariedade, sem máscaras, refletindo um dos tópicos mais importantes para a humanidade, uma das maiores conquistas de dimensionamento "ad intra" e "ad extra" do ser e da abertura para o mundo e para o outro. Essa abertura, solidária e sem preconceitos, poderá fazer com que todos percebam-se como dignos e iguais na vida social. A democracia, nos termos em que é definida pela Constituição Federal de 19888, estabelece as bases para viabilizar a igualdade de oportunidades, e também um modo de sociabilidade que permite a expressão das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, no desdobramento do que se chama de conjunto central de valores, devem valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, tanto do ponto de vista de valores quanto de costumes, crenças religiosas, expressões artísticas, capacidades e limitações. É inegável que "o respeito aos direitos fundamentais do homem traduz o grau de civilidade de uma sociedade".9 A atitude de preconceito está na direção oposta do que se requer para a existência de uma sociedade democrática e plural. As relações entre os indivíduos devem estar sustentadas por atitudes de respeito mútuo. O respeito traduz-se pela valorização de cada indivíduo em sua singularidade, nas características que o constituem. O respeito ganha um significado mais amplo quando se realiza como respeito mútuo: ao dever de respeitar o outro, articula-se o direito de ser respeitado. O respeito mútuo tem sua significação ampliada no conceito de solidariedade. A consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (eqüidade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igualdade. O princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional. Como exemplo dessa afirmativa, pode-se registrar o direito à igualdade de oportunidades de acesso ao currículo escolar. Se cada criança ou jovem brasileiro com necessidades educacionais especiais tiver acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania, estaremos dando um passo decisivo para a constituição de uma sociedade mais justa e solidária. A forma pela qual cada aluno terá acesso ao currículo distingue-se pela singularidade. O cego, por exemplo, por meio do sistema Braille; o surdo, por meio da língua de sinais e da língua portuguesa; o paralisado cerebral, por meio da informática, entre outras técnicas. O convívio escolar permite a efetivação das relações de respeito, identidade e dignidade. Assim,é sensato pensar que as regras que organizam a convivência social de forma justa, respeitosa, solidária têm grandes chances de aí serem seguidas. 8 Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 9 Paulo Roberto Barbosa Ramos, Os Direitos Fundamentais das Pessoas Portadoras de Deficiência, São Luís/MA:2001. A inclusão escolar constitui uma proposta que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos, mas encontra ainda sérias resistências. Estas se manifestam, principalmente, contra a idéia de que todos devem ter acesso garantido à escola comum. A dignidade, os direitos individuais e coletivos garantidos pela Constituição Federal impõem às autoridades e à sociedade brasileira a obrigaloriedade de efetivar essa política, como um direito público subjetivo, para o qual os recursos humanos e materiais devem ser canalizados, atingindo, necessariamente, toda a educação básica10. "A ordem jurídica é um produto eminentemente social e que, por isso, está a serviço de interesses hegemônicos. Através dessa consciência, pensamos ser mais justa e digna a luta em favor de uma ordem jurídica mais democrática, onde o povo também se constitua como fator real efetivo de poder"." O propósito exige ações práticas e viáveis, que tenham como fundamento uma política específica, em âmbito nacional, orientada para a inclusão dos serviços de educação especial na educação regular. Operacionalizar a inclusão escolar - de modo que todos os alunos, independentemente de classe, raça, gênero, sexo, características individuais ou necessidades educacionais especiais, possam aprender juntos em uma escola de qualidade - é o grande desafio a ser enfrentado, numa clara demonstração de respeito à diferença e compromisso com a promoção dos direitos humanos. Objetivos e Metas da Educação Especial Desde a promulgação da Constituição de 1988, os governos federal, estaduais e municipais deveriam ter tomado todas as medidas necessárias de âmbito administrativo e legislativo para oferecer a todas as crianças e jovens a educação adequada para que fossem inseridas na sociedade. Desse processo deveriam ter sido beneficiadas as crianças e jovens necessitadas de educação especial, ou seja, crianças e jovens com limitação ou dificuldade de aprendizagem ou superdotadas, de modo a que não ficassem excluídas do mundo em que vivem. Todavia, somente em 2001 foi aprovado o Plano Nacional de Educação, que tem como um dos seus pontos, quando se refere a modalidades de ensino, a educação especial. O referido plano impõe a generalização, no prazo de dez anos, do atendimento aos alunos com necessidades especiais na educação infantil e no ensino fundamental, inclusive através de consórcios entre municípios, quando necessário, provendo, nestes casos, o transporte escolar. Fica claro que o que se objetiva é o oferecimento do serviço de educação especial para todas as crianças e jovens que dele necessitam. Para isso, os municípios poderão se associar, isso porque imediatamente nem todos poderão oferecer esse serviço a contento no seu próprio 10 A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - LDB, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, prevê que a educação escolar compõe-se de: a) educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; b) educação superior. 11 Paulo Roberto Barbosa Ramos, Discurso Jurídico e Prática Política - Contribuição à análise do Direito a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Florianópolis/SC: 1997. Obra Jurídica editora, p. 38. território. O importante é assegurar àqueles que necessitam de educação especial esse serviço educacional, que é um direito fundamental. Para tanto, fica obrigado o município, em não tendo imediatamente condições de oferecê-lo, associar-se a outro que o tenha, colocando à disposição dos seus munícipes o transporte adequado para que possa acessar ao local em que é prestado, após parceria celebrada entre os governos locais. A educação infantil, que até então não vinha sendo prestigiado pelo legislador pátrio, passou a merecer atenção destacada do Plano Nacional de Educação, com o reconhecimento da estimulação precoce ("interação educativa adequada"), especialmente nas creches, como mecanismo eficaz de suprir as necessidades educacionais especiais. O texto Constitucional (art. 208), repetido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54), priorizou o ensino fundamental (1a a 8a séries) com sua obrigatoriedade e gratuidade; em seguida, estabeleceu a "progressiva universalização do ensino médio gratuito" e apenas destacou que o atendimento em creche e pré-escola destina-se às crianças de zero a seis anos de idade. Portanto, a estimulação precoce, na educação infantil, não foi contemplada pelo legislador constituinte com a mesma importância do ensino fundamental e médio, razão pela qual a legislação infraconstitucional vem suprindo a deficiência do sistema legislativo ao acolher a orientação de que "a criança com necessidades educacionais especiais, em razão de deficiências orgânicas ou ambientais, deve ter o máximo de oportunidades para usufruir dos benefícios dos serviços comuns de educação pré-escolar, ainda que para isto ela possa necessitar de alguns auxílios especiais".12 Nem todas as pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem podem ser incluídas nas salas comuns ou especiais das escolas do sistema regular de ensino. Situações há em que a deficiência assume uma dimensão tamanha que se torna impossível manter a criança e o jovem dentro das escolas destinadas a todas as demais. A inserção da criança ou jovem com deficiência severa nas classes comuns ou especiais das escolas do sistema regular poderá trazer mais prejuízos do que benefícios para essas pessoas, razão pela qual o Plano Nacional de Educação, quando enumera as metas e objetivos da Educação Especial pondera que cada unidade da Federação deverá ter, no prazo de quatro anos, pelo menos um centro especializado, destinado ao atendimento de pessoas com severa dificuldade de desenvolvimento. Não se trata de atitude segregacionista, mas realista e benéfica àqueles que necessitam de serviços de alta tecnologia e de altos custos, só viável se estruturado em locais destinados a atender um número significativo de pessoas. O Estado deve se mobilizar para oferecer escolas adaptadas, com recursos pedagógicos adequados ao atendimento das mais diversas deficiências de que portam crianças e jovens, como também preparar os profissionais dessa área para lidar com essa realidade. Trata-se de uma atuação positiva, que já deveria ter iniciado desde a promulgação da Constituição de 1988. Se em quatro anos cada Estado-Membro deverá contar com um centro para atendimento de pessoas com deficiências severas, em dez anos deverá contar com aqueles necessários para atender toda a população que necessitar desse serviço, devendo desde já o Ministério Público e a sociedade civil cobrarem dos Poderes Públicos um programa sério de oferecimento 12 Marcos José da Silveira Mazzotta. Fundamentos de Educação Especial. São Paulo: 1982. Pioneira editora, p. 29. desses serviços, exigindo, inclusive judicialmente, o cumprimento das metas previstas pelo Plano Nacional de Educação. O direito à educação especial nunca será uma realidade se não forem oferecidos os recursos materiais de que necessitam as pessoas com necessidades educacionais especiais para que possam ser inseridas po universo da linguagem e, a partir daí, no mundo em que vivem. Não pode tardar o oferecimento, por parte do Estado desses recursos, que inclusive já podem ser cobrados através de compromissos de ajustamentos e ações civis públicas, porque o Estado se encontra comprometido, desde a Constituição de1988, com o oferecimento desses serviços. Todavia, em cinco anos, através do Plano Nacional de Educação Especial, o Estado compromete-se a disponibilizar, independentemente de ações judiciais, livros didáticos falados, em braille e em caracteres ampliados a todos os alunos cegos e de visão subnormal do ensino fundamental. E preciso fiscalizar o cumprimento dessa meta. No mínimo, a cada ano, dentro desses cinco previstos, independentemente das ações judiciais, o Estado deverá atender 20% da população nacional que necessita desses serviços. A inclusão completa das pessoas com necessidades especiais no processo de aprendizagem não se dá apenas com o acesso aos livros de alfabetização, devendo também se estender a outras leituras, como a literatura, por exemplo, que garante a todos o acesso a várias reflexões e experiências de relacionamento entre os homens. Obras dessa natureza também deverão, progressivamente, no prazo de cinco anos, estar disponíveis a essas pessoas. E preciso estar atento ao cumprimento dessa meta pelos Poderes Públicos, especialmente os de âmbito municipal e estadual. A oferta cada vez maior de equipamentos de alta tecnologia, em classes especiais e salas de recursos garante a inserção completa das pessoas com deficiência auditiva e visual no processo de aprendizagem, garantindo, com isso, não somente a consolidação da cidadania, como também reais possibilidades de inserção no mercado de trabalho. O cumprimento dessa meta deverá completar-se em cinco anos, para tanto torna-se necessário que o processo de fiscalização seja iniciado agora para que os governos equipem, pelo menos, 20% das escolas a cada ano. A divulgação da língua brasileira de sinais objetiva facilitar a vida das pessoas portadoras de deficiência auditiva. O acesso das pessoas com deficiência auditiva a essa língua se torna essencial para sua inclusão no contexto social em que vivem. Todavia, não parece suficiente ensinar a língua de sinais apenas para os portadores de deficiência auditiva, tornando-se necessários instruir os familiares e as pessoas da unidade escolar em que estuda o portador de deficiência auditiva nessa linguagem, de forma a que não se sinta isolado apesar de ter a sua disposição uma forma de contato com o mundo. Para isso, é necessário que haja um programa capaz de preparar as pessoas ligadas ao portador de deficiência auditiva na língua em que ele é capaz de compreender. As escolas, assim como todos os espaços da sociedade, devem estar adaptados para receber todas as pessoas. Muito embora essa devesse ter sido sempre a prática, lamentavelmente somente agora a legislação brasileira começa a tê-la como obrigatória. Mesmo depois da Constituição de 1988, que impôs regras de convivência social arrimadas nos direitos humanos, ainda há fortes resistências por parte de vários setores da sociedade e do Estado no sentido de construir uma sociedade para todos. Muitos cidadãos e autoridades ainda vêem nas medidas de inclusão atitudes de excesso de proteção. Quando são obrigados a adaptar os espaços a todas as pessoas confundem adaptações com a construção de simples rampas sem qualquer preocupação com os padrões técnicos adequados a facilitar a locomoção das pessoas portadoras de deficiência física. Ignoram que as adaptações necessárias estendem-se a aspectos que ultrapassam a construção de simples rampas fora dos padrões técnicos. Dessa forma, as escolas, através dos seus dirigentes, professores e funcionários, devem estar conscientes de que o processo de adaptação que deve ser procedido dentro desses espaços, através da ação dos poderes públicos ou da iniciativa privada, sendo as escolas particulares, deve ser completo, envolvendo rampas dentro dos padrões técnicos, banheiros, pisos, iluminação, recursos materiais, pessoal qualificado, dentre outros elementos. A prestação do serviço de educação especial exige muita responsabilidade e preparo daqueles que irão prestá-los. É preciso acompanhar os resultados dos métodos e técnicas que estão sendo utilizados com os alunos que necessitam desses serviços como forma de se obter certeza de que está ocorrendo realmente a aprendizagem como forma de inserção social. O acompanhamento permanente é essencial para garantir a qualidade da educação prestada. Não é apenas a educação que é um direito de todo o cidadão, mas a educação de qualidade. Tendo alcançado o patamar tecnológico que alcançou a sociedade atualmente, não mais se justifica o Estado não disponibilizar aos seus cidadãos, tanto mais àqueles que necessitam de atendimento especial, os serviços da tecnologia que irão facilitar o seu processo de aprendizagem. O Estado tem obrigação de oferecer aos seus cidadãos os melhores recursos disponíveis para que possam ser efetivamente inseridos no contexto social em que vivem. A Constituição Federal (art. 244) e a Lei 10.098/00 (art. 16) garantem que todo transporte coletivo deverá cumprir com as normas de acessibilidade existentes, sendo que nenhum veículo ou embarcação destinado ao transporte coletivo será produzido sem obedecer aos requisitos básicos de acessibilidade, e para que seja garantido um transporte escolar adaptado a participação do Ministério Público nesse processo de mudança nos municípios e estados é de vital importância, podendo o Promotor de Justiça fomentar junto a sua comunidade que as empresas que fazem o transporte escolar, via terrestre ou aquaviário, adaptem seus veículos, realizando audiências públicas, se necessário, para conseqüente assinatura de termos de ajustamento, com as empresas, órgãos governamentais e representantes dos movimentos sociais, delimitando prazos para a adaptação dos veículos e também dos terminais de chegada e partida dos mesmos. A interação do Ministério Público com os agentes que gerenciam e trabalham na educação no município, além das associações de pais e alunos, é garantia de uma sintonia para que os problemas que afligem os educandos portadores de necessidades especiais possam ser resolvidos. Antes de fazer valer suas prerrogativas de notificações e requisições de informação às autoridades, é de bom tom que o Promotor de Justiça promova diálogos ou participe de reuniões de pais e mestres, a fim de tomar medidas preventivas e repressivas para garantia do processo de inclusão no projeto pedagógico das unidades escolares, do atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos, e da devida preparação dos professores e funcionários das escolas para o trabalho com o aluno com necessidades especiais. A Lei 8.213/91 em seu art. 93, garante o sistema de cotas nas empresas para garantia de um mínimo de trabalhadores portadores de deficiência ou reabilitados empregados. Mas para que existam condições de as empresas empregarem parcela significativa desse segmento é necessário que haja ações políticas básicas para assegurar ensino profissionalizante e programas de qualificação profissional no município. Para isso, é necessário o acompanhamento do Ministério Público das ações e programas governamentais e não governamentais de qualificação, para que se garanta percentual significativo de alunos portadores de necessidades especiais no processo de qualificação profissional. A cidadania plena só é possível com a inserção dos alunos especiais no mercado de trabalho. Hoje, só é possível pensar numa política de garantias de direitos dos extratos mais vulneráveis da população se houver uma articulação conjunta dos vários setores governamentais responsáveis pela implantação' e garantia desses direitos. Não se pode pensar isoladamente em educação dos alunos especiais sem estar interligada às áreas de saúde, previdência e assistência social. Esse aluno geralmente precisa de um atendimento especializado de saúde, muitas vezes de prótese, prótese ou cadeira de rodas para se locomover até a sala de aula.Para que se exija dos professores uma educação de qualidade aos portadores de necessidades educacionais especiais, é necessário primeiro disponibilizar recursos e treinamentos específicos para capacitação dos docentes nessa área. O professor que freqüentar uma sala de aula a partir desse milênio terá que estar preparado para trabalhar com a diversidade humana, com educandos com as mais diferentes necessidades educacionais. A capacitação de professores na área da educação especial é de imperiosa necessidade e a inclusão de matérias teóricas e práticas no novo currículo de formação de professores é um dos caminhos para solucionar esse problema. Igualmente, os conteúdos disciplinares em cursos como de Medicina, Enfermagem e Arquitetura devem abordar o tema das necessidades especiais dos educandos e as universidades púbicas, em especial, devem incluir e ampliar as opções de habilitação específica em níveis de graduação e pós-graduação. Para isso necessário a participação do Ministério Público Federal junto às Universidades Federais para que as mesmas possam garantir a inclusão dessas matérias, assim como os Ministérios Públicos Estaduais junto as Universidades e Faculdades Estaduais. Para promover a efetiva integração social dos alunos com necessidades educacionais especiais é necessário que o Poder Público promova o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do conhecimento a elas relacionadas, como previsto no parágrafo único, item IV, alínea ç, do artigo 2o, da Lei n° 7.853/89. As universidades gozam de autonomia didático-científica, conforme dispõe o art. 207, da Constituição Federal, mas devem obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão Por oportuno cabe observar que, de acordo com a linha de ação traçada pelos signatários da Declaração de Salamanca, é importante que haja ativa participação de pessoas com deifíciência na pesquisa e formação, de forma a garantir que seus pontos de vista sejam levados em consideração. O atendimento de alunos com necessidades especiais não se restringe ao ensino, propriamente dito, fazendo-se necessária também a parceria com outros setores (saúde, assistência social, previdência social, etc.) para que o acesso e a freqüência à escola por esses alunos sejam garantidos. Assim, para o aumento dos recursos destinados à educação especial será importante obter a parceria de outros setores da administração, dado o caráter multidisciplinar dessas ações e tendo em vista a existência de recursos provenientes desses setores. A Constituição Federal dispõe que, em matéria educacional, a competência é concorrente, cabendo à União exercer "função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira" aos entes federativos (art. 211,§ Io). No mesmo sentido, o parágrafo primeiro do art. 8o da Lei 9.394/96. A educação especial, como previsto na LDB e no Dec. 3.298/99, é uma modalidade de educação escolar, que envolve um conjunto de recursos e serviços especiais objetivando garantir não só a educação formal dos educandos, mas sobretudo promover o desenvolvimento das potencialidades dessas pessoas. O Plano Nacional de Educação não prevê apenas um programa educacional, mas um programa social, pelo qual a educação é vista como o grande processo de inclusão, e para isso faz-se necessário o financiamento com recursos oriundos de outras fontes, e não apenas aquelas destinadas estritamente à educação, cabendo, portanto, aos gestores buscar pareceria com outros órgãos (Ministérios ou Secretarias) de forma a obter seja apoio técnico, seja financiamento, para as áreas de atuação comum. Os recursos públicos destinados à educação estão previstos nos arts. 212 da Constituição Federal e arts 68 e 69 da LDB, enquanto que as despesas vinculadas à manutenção e desenvolvimento do ensino estão especificadas no art. 70 da LDB. Dispõe o art. 211, da Constituição Federal, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino, princípio que se repete no art. 8o da LDB, cabendo porém à União exercer a função de coordenar a política nacional de educação, exercendo também função normativa. Assim, inobstante terem os sistemas de ensino liberdade de organização, deverão ter um setor responsável não só pela educação especial, mas também pela administração dos recursos orçamentários específicos a ela destinados, que possa articular a cooperação entre diferentes órgãos do Poder Público, em especial os vinculados à saúde, assistência e promoção social, trabalho e previdência, inclusive em termos de recursos, como também com organizações da sociedade civil, de natureza filantrópica. Para que o planejamento educacional seja viável, é necessário que se disponha de informações adequadas para sua implantação. Ainda não se dispõe de estatísticas completas sobre o número de alunos/pessoas que possuem necessidades especiais, mas com as informações a serem obtidas quando da divulgação de dados coletados pelo Censo Demográfico de 2000 e pelo Censo Educacional, a implantação de um sistema de informações permitirá a avaliação da eficácia das políticas públicas voltadas para a educação especial. Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com assistência da União, recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, bem como os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso(art. 5o, § 1o, inciso I e art. 87, § 2o, LDB), cabendo à União coletar, analisar e disseminar informações sobre educação (art. 9o, V, e § 2o, LDB). Alunos com altas habilidades são aqueles que possuem grande facilidade de aprendizagem, assimilando rapidamente as informações, e por terem condições de aprofundar e enriquecer os conhecimentos adquiridos, devem receber apoio suplementar, possibilitando inclusive a conclusão, em menor tempo, da etapa escolar (art. 58, § 1o e art. 59,1, II e IV, LDB). A inclusão de alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino, como alternativa preferencial proposta pela LDB e pelo Plano Nacional de Educação, não pode se limitar à sua permanência física na escola com os outros alunos, mas sobretudo desenvolver seu potencial, identificando a melhor forma de atender às suas necessidades, em todos os níveis e modalidades de ensino. Os programas de atendimento deverão levar em conta a potencialidade intelectual e a maturidade emocional desse aluno, o contexto sócio-econômico e cultural em que está inserido. As organizações da sociedade civil, de natureza filantrópica, sem fins lucrativos, com atuação exclusiva em educação especial, terão assegurados o apoio técnico e financeiro dos órgãos governamentais, desde que atendam às exigências legais no que diz respeito ao seu processo de criação, funcionamento e reconhecimento, cabendo ao órgão gestor acompanhar e avaliar o seu desempenho (art. 60, LDB). O Plano Nacional de Educação tem como um de seus objetivos a melhoria da qualidade de ensino, e para que seja alcançado se faz necessária uma política global de magistério, que implica tanto uma formação profissional inicial, quanto uma formação continuada, além de condições de trabalho, salário e carreira. Assim, sob a ótica do PNE, além de se exigir do professor a formação em um determinado nível, exige-se também que ele possua qualificação para a especificidade de sua tarefa, portanto, a implementação de políticas públicas de formação inicial e continuada dos profissionais da educação é condição indispensável para a melhoria do ensino, devendo ser garantida. Desse modo, assegurar a formação continuada dos profissionais da educação da rede pública é tarefa a ser garantida pelas secretarias estaduaise municipais de educação, cuja atuação deverá incluir a busca de parceria com universidades e instituições de ensino superior. A distribuição e gestão dos recursos financeiros deve ser feita de forma transparente, fortalecendo-se os mecanismos de controle interno e externo, e, se possível, vinculando-se constitucionalmente os recursos, operando-se a gestão por meio de fundos de natureza contábil e contas específicas. A edição da Resolução n° 2, de 11 de setembro de 2001 '\ da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação teve como fundamento o Parecer14 CNE/CEB 17/ 2001,5, homologado pelo Ministro da Educação em 15 de agosto de 2001 e envolveu estudos abrangentes relativos à matéria que, no caso, é a Educação Especial. "Muitas interrogações voltam-se para a pesquisa sobre o assunto; sua necessidade, sua incidência no âmbito da Educação e do Ensino, como atendimento à clientela constituída de portadores de deficiências detectáveis nas mais diversas áreas educacionais, políticas e sociais". A definição das Diretrizes baseou-se em "ampla bibliografia, diversos estudos oferecidos à Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, entre outros, os provenientes do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e, com ênfase, os estudos e trabalhos realizados pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Dentre os principais documentos que formaram o substrato documental do parecer sobre a Educação Especial, citam-se: 1) 'Proposta de Inclusão de Itens ou Disciplina acerca dos Portadores de Necessidades Especiais nos currículos dos cursos de Io e 2o graus' (sic.) 2) Outros estudos: 3) 'Desafios para a Educação Especial frente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional'; 4) 'Formação de Professores para a Educação Inclusiva'; 5) 'Recomendações aos Sistemas de Ensino'; e, 6) 'Referenciais para a Educação Especial'." O Parecer foi "resultado do conjunto de estudos provenientes das bases, onde o fenômeno é vivido e trabalhado. De modo particular, foi o documento 'Recomendações aos Sistemas de Ensino' que configurou a necessidade e a urgência da elaboração de normas, pelos sistemas de ensino e " Diário Oficial da União n° 177, seção 1. de 14/9/01. M Relatores: Kuno Paulo Rhoden e Sylvia Figueiredo Gouvêa. 15 Aprovado em 03/7/01. educação, para o atendimento da significativa população que apresenta necessidades educacionais especiais. A elaboração de projeto preliminar de Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica havia sido discutida por diversas vezes, no âmbito da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para a qual foi enviado o documento 'Referenciais para a Educação Especial'. Após esses estudos preliminares, a Câmara de Educação Básica decidiu retomar os trabalhos, sugerindo que esse documento fosse encaminhado aos sistemas de ensino de todo o Brasil, de modo que suas orientações pudessem contribuir para a normalização dos serviços previstos nos Artigos 58,59 e 60, do Capítulo V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN." Construindo a Inclusão na Área Educacional16 "Por educação especial, modalidade de educação escolar - conforme especificado na Lei n° 9.394/9617, de 20 de dezembro de 1996 e no Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 199918, 'entende-se um processo educacional definido em uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar19 e, em alguns casos, substituir20 os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todos as etapas e modalidades da educação básica.'21 A educação especial, portanto, insere-se nos diferentes níveis da educação escolar: Educação Básica - abrangendo educação infantil, educação fundamental e ensino médio - e Educação Superior, bem como na interação com as demais modalidades da educação escolar, como a educação de jovens e adultos, a educação profissional e a educação indígena. '"Extraído do capítulo 1 (A ORGANIZAÇÃO DOS SISTEMAS DE ENSINO PARA O ATENDIMENTO AO ALUNO QUE APRESENTA NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS), item n° 4, do Parecer n° 17/2001 - CNE/ CEB. 17 Art. 58 - Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. 18 Art. 24, § Io Entende-se por educação especial, para efeitos deste Decreto, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educando com necessidades educacionais especiais, entre eles o portador de deficiência. 19 O Parecer 17/2001 adotou as seguintes acepções para os termos assinalados: Apoiar: "prestar auxílio ao professor e ao aluno no processo de ensino e aprendizagem, tanto nas classes comuns quanto em salas de recursos"; Complementar: "completar o currículo para viabilizar o acesso à base nacional comum"; Suplementar: "ampliar, aprofundar Ou enriquecera base nacional comum". Essa formas de atuação visam assegurar resposta educativa de qualidade às necessidades educacionais especiais dos alunos nos serviços educacionais comuns. 20 O Parecer 17/2001 adotou a seguinte acepção para o termo assinalado: Substituir: "colocarem lugar de". Compreende o atendimento educacional especializado realizado em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e atendimento domiciliar. 31 Art. 3o, da Resolução n° 2/2001 - CNE/CEB. A política de inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos demais educandos, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades. i O respeito e a valorização da diversidade dos alunos exigem que a escola defina sua responsabilidade no estabelecimento de relações que possibilitem a criação de espaços inclusivos, bem como procure superar a produção, pela própria escola, de necessidades especiais. A proposição dessas políticas deve centrar seu foco de discussão na função social da escola. É no projeto pedagógico que a escola se posiciona em relação a seu compromisso com uma educação de qualidade para todos os seus alunos. Assim, a escola deve assumir o papel de propiciar ações que favoreçam determinados tipos de interações sociais, definindo, em seu currículo, uma opção por práticas heterogêneas e inclusivas. De conformidade com o Artigo 13 da LDBEN, em seus incisos I e II, ressalta-se o necessário protagonismo dos professores no processo de construção coletiva do projeto pedagógico. Dessa forma, não é o aluno que se amolda ou se adapta à escola, mas é ela que, consciente de sua função, coloca-se à disposição do aluno, tornando-se um espaço inclusive Nesse contexto, a educação especial é concebida para possibilitar que o aluno com necessidades educacionais especiais atinja os objetivos da educação geral. O planejamento e a melhoria consistentes e contínuos da estrutura e funcionamento dos sistemas de ensino, com vistas a uma qualificação crescente do processo pedagógico para a educação na diversidade, implicam ações de diferente natureza: No âmbito político Os sistemas escolares deverão assegurar a matrícula de todo e qualquer aluno, organizando-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns. Isto requer ações em todas as instâncias, concernentes à garantia de vagas no ensinoregular para a diversidade dos alunos, independentemente das necessidades especiais que apresentem; a elaboração de projetos pedagógicos que se orientem pela política de inclusão e pelo compromisso com a educação escolar desses alunos; o provimento, nos sistemas locais de ensino, dos necessários recursos pedagógicos especiais, para apoio aos programas educativos e ações destinadas à capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos. Essa política inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos e garantia de recursos financeiros e serviços de apoio pedagógico públicos e privados especializados para assegurar o desenvolvimento educacional dos alunos. Considerando as especificidades regionais e culturais que caracterizam o complexo contexto educacional brasileiro, bem como o conjunto de necessidades educacionais especiais presentes em cada unidade escolar, há que se enfatizar a necessidade de que decisões sejam tomadas local e/ou regionalmente, tendo por parâmetros as leis e diretrizes pertinentes à educação brasileira, além da legislação específica da área. E importante que a descentralização do poder, manifestada na política de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios seja efetivamente exercitada no País, tanto no que se refere ao debate de idéias, como ao processo de tomada de decisões acerca de como devem se estruturar os sistemas educacionais e de quais procedimentos de controle social serão desenvolvidos. Tornar realidade a educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará por decreto, sem que se avaliem as reais condições que possibilitem a inclusão planejada, gradativa e contínua de alunos com necessidades educacionais especiais nos sistemas de ensino. Deve ser gradativa, por ser necessário que tanto a educação especial como o ensino regular possam ir se adequando à nova realidade educacional, construindo políticas, práticas institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade do ensino, que envolve alunos com ou sem necessidades educacionais especiais. Para que se avance nessa direção, é essencial que os sistemas de ensino busquem conhecer a demanda real de atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, mediante a criação de sistemas de informação - que, além do conhecimento da demanda, possibilitem a identificação, análise, divulgação e intercâmbio de experiências educacionais inclusivas - e o estabelecimento de interface com os órgãos governamentais responsáveis pelo Censo Escolar e pelo Censo Demográfico, para atender a todas as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo desses alunos. No âmbito administrativo Para responder aos desafios que se apresentam, é necessário que os sistemas de ensino constituam e façam funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva. É imprescindível planejar a existência de um canal oficial e formal de comunicação, de estudo, de tomada de decisões e de coordenação dos processos referentes às mudanças na estruturação dos serviços, na gestão e na prática pedagógica para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Para o êxito das mudanças propostas, é importante que os gestores educacionais e escolares assegurem a acessibilidade aos alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas urbanísticas, na edificação - incluindo instalações, equipamentos e mobiliário - e nos transportes escolares, bem como de barreiras nas comunicações. Para o atendimento dos padrões mínimos estabelecidos com respeito à acessibilidade, deve ser realizada a adaptação das escolas existentes e condicionada a autorização de construção e funcionamento de novas escolas ao preenchimento dos requisitos de infra-estrutura definidos. Com relação ao processo educativo de alunos que apresentem condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, deve ser garantida a acessibilidade aos conteúdos curriculares mediante a utilização do sistema Braille, da língua de sinais e de demais linguagens e códigos aplicáveis, sem prejuízo do aprendizado da língua portuguesa, facultando-se aos surdos e a suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada. Para assegurar a acessibilidade, os sistemas de ensino devem prover as escolas dos recursos humanos e materiais necessários. Além disso, deve ser afirmado e ampliado o compromisso político com a educação inclusiva - por meio de estratégias de comunicação e de atividades comunitárias, entre outras - para, desse modo: 1) fomentar atitudes pró-ativas das famílias, alunos, professores e da comunidade escolar em geral; 2) superar os obstáculos da ignorância, do medo e do preconceito; 3) divulgar os serviços e recursos educacionais existentes; 4) difundir experiências bem sucedidas de educação inclusiva; 5) estimular o trabalho voluntário no apoio à inclusão escolar. E também importante que a esse processo se sucedam ações de amplo alcance, tais como a reorganização administrativa, técnica e financeira dos sistemas educacionais e a melhoria das condições de trabalho docente. O quadro a seguir ilustra como se deve entender e ofertar os serviços de educação especial, como parte integrante do sistema educacional brasileiro, em todos os níveis de educação e ensino:" SISTEMA EDUCACIONAL Operacionalização pelos Sistemas de Ensino.22 "Para eliminar a cultura de exclusão escolar e efetivar os propósitos e as ações referentes à educação de alunos com necessidades educacionais especiais, torna-se necessário utilizar - Extraído do capítulo 2, do Parecer n° 17/2001 - CNE/CEB. uma linguagem consensual, que, com base nos novos paradigmas, passa a utilizar os conceitos na seguinte acepção: 1 - Educação Especial: Modalidade da educação escolar; processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica. 2 - Educandos que apresentam necessidades educacionais especiais são aqueles que, durante o processo educacional, demonstram: 2.1 - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: 2.1.1 - aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; 2.1.2 - aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências. 2.2 - dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis; 2.3 - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar. 3 - Inclusão: Representando um avanço em relação ao movimento de integração escolar, que pressupunha o ajustamento da pessoa com deficiência para sua participação no processo educativo desenvolvido nas escolas comuns, a inclusão postula uma reestruturação do sistema educacional,ou seja, uma mudança estrutural no ensino regular, cujo objetivo é fazer com que a escola se torne inclusiva23, um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero ou características pessoais, baseando- se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita como desejada. Os desafios propostos visam a uma perspectiva relacionai entre a modalidade da educação especial e as etapas da educação básica, garantindo o real papel da educação como processo educativo do aluno e apontando para o novo 'fazer pedagógico'. Tal compreensão permite entender a educação especial numa perspectiva de inserção social ampla, historicamente diferenciada de todos os paradigmas até então exercitados como 23 O conceito de escola inclusiva implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto pedagógico - no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educadores - ações que favoreçam a interação social e sua opção por práticas heterogêneas. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive para os educandos que apresentam necessidades especiais. Inclusão, portanto, não significa simplesmente matricular todos os educandos com necessidades educacionais especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário a sua ação pedagógica. modelos formativos, técnicos e limitados de simples atendimento. Trata-se, portanto, de uma educação escolar que, em suas especi fie idades e em todos os momentos, deve estar voltada para a prática da cidadania, em uma instituição escolar dinâmica, que valorize e respeite as diferenças dos alunos. O aluno é sujeito em seu processo de conhecer, aprender, reconhecer e construir a sua própria cultura. Ao fazer a leitura do' significado e do sentido da educação especial, neste novo momento, faz-se necessário resumir onde ela deve ocorrer, a quem se destina, como se realiza e como se dá a escolarização do aluno, entre outros temas, balizando o seu próprio movimento como uma modalidade de educação escolar. Todo esse exercício de realizar uma nova leitura sobre a educação do cidadão que apresenta necessidades educacionais especiais visa subsidiar e implementar a LDBEN, baseado tanto no pressuposto constitucional - que determina 'A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho' - como nas interfaces necessárias e básicas propostas no Capítulo V da própria LDBEN, com a totalidade dos seus dispositivos preconizados. Para compreender tais propósitos, torna-se necessário retomar as indagações já mencionadas: O 'locus' dos serviços de educação especial A educação especial deve ocorrer em todas as instituições escolares que ofereçam os níveis, etapas e modalidades da educação escolar previstos na LDBEN, de modo a propiciar o pleno desenvolvimento das potencialidades sensoriais, afetivas e intelectuais do aluno, mediante um projeto pedagógico que contemple, além das orientações comuns -cumprimento dos 200 dias letivos, horas aula, meios para recuperação e atendimento do aluno, avaliação e certificação, articulação com as famílias e a comunidade - um conjunto de outros elementos que permitam definir objetivos, conteúdos e procedimentos relativos à própria dinâmica escolar. Assim sendo, a educação especial deve ocorrer nas escolas públicas e privadas da rede regular de ensino, com base nos princípios da escola inclusiva. Essas escolas, portanto, além do acesso à matrícula, devem assegurar as condições para o sucesso escolar de todos os alunos. Extraordinariamente, os serviços de educação especial podem ser oferecidos em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e em ambiente domiciliar. Os sistemas públicos de ensino poderão estabelecer convênios ou parcerias com escolas ou serviços públicos ou privados, de modo a garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos, responsabilizando-se pela identificação, análise, avaliação da qualidade e da idoneidade, bem como pelo credenciamento das instituições que venham a realizar esse atendimento, observados os princípios da educação inclusiva. Para a definição das ações pedagógicas, a escola deve prever e prover, em suas prioridades, os recursos humanos e materiais necessários à educação na diversidade. É nesse contexto que a escola deve assegurar uma resposta educativa adequada às necessidades educacionais de todos os seus alunos, em seu processo de aprender, buscando implantar os serviços de apoio pedagógico especializado necessários, oferecidos preferencialmente no âmbito da própria escola. E importante salientar o que se entende por serviço de apoio pedagógico especializado: são os serviços educacionais diversificados oferecidos pela escola comum para responder às necessidades educacionais especiais do educando. Tais serviços podem ser desenvolvidos: 1 - nas classes comuns, mediante atuação de professor da educação especial, de professores intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis e de outros profissionais; itinerância intra e interinstitucional e outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação; 2 - em salas de recursos, nas quais o professor da educação especial realiza a complementação e/ou suplementação curricular, utilizando equipamentos e materiais específicos. Caracterizam-se como serviços especializados aqueles realizados por meio de parceria entre as áreas de educação, saúde, assistência social e trabalho. Alunos atendidos pela educação especial O Artigo 2o. da LDBEN, que trata dos princípios e fins da educação brasileira, garante: "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." Consoante esse postulado, o projeto pedagógico da escola viabiliza-se por meio de uma prática pedagógica que tenha como princípio norteador a promoção do desenvolvimento da aprendizagem de todos os educandos, inclusive daqueles que apresentem necessidades educacionais especiais. Tradicionalmente, a educação especial tem sido concebida como destinada apenas ao atendimento de alunos que apresentam deficiências (mental, visual, auditiva, física/motora e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação. Hoje, com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais, afirma-se o compromisso com uma nova abordagem, que tem como horizonte a Inclusão. Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. O quadro das dificuldades de aprendizagem absorve uma diversidade de necessidades educacionais, destacadamente aquelas associadas a: dificuldades específicas de aprendizagem, como a dislexia e disfunções correlatas; problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolíngüísticos, psicomotores, motores, de comportamento; e ainda a fatores ecológicos e socioeconômicos, como as privações de caráter sociocultural e nutricional. Assim,
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