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1 O INCIDENTE “RAINBOW WARRIOR I. FATOS DO CASO No início dos anos oitenta, o governo Francês decidiu retomar seu programa nuclear . Os testes ocorriam no sul do oceano pacíf ico, na região próxima ao atol de Mururoa, na Polinésia Francesa. Assim, no ano de 1985 foram agendados testes nucleares nessa região, a se realizarem em Setembro. O Greenpeace, organização não governamental defensora do meio ambiente, sabedora da intenção francesa, iniciou uma campanha contra os testes nucleares . Foi consti tuída uma equipe de integrantes do Greenpeace, voluntários de várias nacionalidades, a ser enviada ao local a bordo do “Rainbow Warrior”, embarcação de bandeira holandesa uti l izada pela organização. Além dos prováveis danos ao meio ambiente provocados pela radiação nuclear , o comando do Greenpeace acreditava que a ação francesa ameaçaria a formalização de um acordo internacional contra o uso de testes nucleares, cuja negociação aconteceria em poucos dias, tendo em mente o trágico aniversário de cinqüenta anos da explosão das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. Em vista disso, foram estabelecidos dois propósitos específicos para a missão. O primeiro seria o de mobil izar a comunidade internacional de modo a pressionar o então Presidente da França François Mitterrand a rever sua decisão de retomar os testes nucleares no atol de Mururoa. O segundo seria o de impedir os testes mediante uma ação direta e não violenta. No dia 10 de julho de 1985, três dias após a chegada do Greenpeace na Nova Zelândia, o “Rainbow Warrior”, que estava ancorado no cais do Porto de Auckland, foi afundado aproximadamente às 11:48 da noite, em razão dos danos provocados pela explosão de dois ar tefatos. Um membro do Greenpeace, o fotógrafo Fernando Pereira (origem portuguesa, nacionalizado holandês) que estava a bordo da embarcação, após a primeira explosão regressou a sua cabina para buscar sua câmera fotográfica, quando foi apanhado pela segunda explosão, vindo a falecer . Após o incidente, a polícia da Nova Zelândia iniciou as investigações que resultaram na prisão de dois suspeitos, o casal Turenge, no dia 12 de Julho do mesmo ano. O casal foi preso ao devolver um carro alugado à locadora de veículos. Neste período, o governo francês manifestou-se negando qualquer envolvimento do 2 país no acontecido. Posteriormente veio à tona o fato de que os suspeitos eram na verdade agentes do Departamento Geral de Segurança Externa da França (DGSE), cujos verdadeiros nomes são Alain Mafart e Dominique Prieur. O restante do grupo de agentes Franceses havia fugido em um iate momentos depois da prisão dos comparsas. O casal de agentes foi julgado pela Corte de Justiça da Nova Zelândia, que os condenou a dez anos de prisão, no dia 4 de Novembro de 1985, pelos atos de sabotagem. O governo Francês foi pressionado pela opinião pública a in iciar uma investigação interna para que fossem averiguados os culpados pelo incidente. As autoridades do país passaram a admitir que foram enviados agentes do serviço de intel igência francesa para a Nova Zelândia a fim de obter informações das atuações do Greenpeace, continuando a negar, no entanto, o envolvimento dessa equipe no ato terrorista. Até que, em 22 de Setembro de 1985, o Primeiro Ministro da França confirmou que o “Rainbow Warrior” havia sido afundado por agentes do DGSE sob ordens superiores. No mesmo dia, o Minist ro das Relações Exteriores da França afirma ao Primeiro Ministro da Nova Zelândia, que a França está disposta a fazer reparação pelas conseqüências daquela ação. Além disso, a autoridade francesa propôs um encontro a ser realizado em Nova Iorque com o f im de encontrarem uma solução pacíf ica para o problema originado do caso “Rainbow Warrior”. Esse encontro, realizado nos dias 23 e 25 de Setembro, e vários outros encontros que se sucederam durante os dois meses seguintes, não resultaram no acordo esperado. Os pontos de divergência consist iam na exigência irredutível do governo Francês em trazer ao país os agentes presos e no valor a ser pago à t i tulo de reparação à Nova Zelândia. A França, como medida de retal iação, impôs ao governo da Nova Zelândia barreiras às exportações de alguns produtos como manteiga, carne de cordeiro, outros. Em razão da dif iculdade em se chegar a um acordo, os dois países decidiram submeter a questão à mediação internacional . Em 19 de Junho de 1986, ambos os governos anunciaram a indicação do Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr . Xavier Perez de Cuellar, como mediador do confli to. O Secretário-Geral , então, convidou as partes a apresentarem memorando escri to, no qual cada país deveria manifestar o seu ponto de vista e sua posição sobre os fatos e o direi to em questão. 3 II. ARGUMENTOS E PEDIDOS DAS PARTES 1. O Memorando da Nova Zelândia O governo da Nova Zelândia afirmou que o ataque ao “Rainbow Warrior” foi uma séria violação das normas básicas de Direito Internacional . Mais especif icamente, envolveu a violação da soberania da Nova Zelândia e da Carta das Nações Unidas. Informou, ainda, que a violação foi resultado de um ato intencional deliberado, autorizado por ordens super iores e não fruto de acidente. A responsabil idade da França foi devida e confirmada por declarações de autoridades francesas, em especial a do Presidente e do Primeiro Ministro Franceses, que sustentaram a prática da conduta i l íci ta. Frente a i sso, o governo da Nova Zelândia requereu um pedido formal de desculpas da França, pela violação de sua soberania. Solici tou uma compensação pelos custos elevados das investigações fei tas, que envolveram várias agências do governo, assim como também pela violação de sua soberania e do insulto e da afronta que a conduta i l íci ta resultou, sendo que o valor a ser pago deveria levar em conta a recusa da França em extraditar ou levar a julgamento os demais responsáveis pelo fato i l íci to. Por f im, demandou o reembolso dos outros danos diretamente relacionados ao afundamento do “Rainbow Warrior”, est imando o valor da compensação em soma não inferior a nove milhões de dólares. Embora reconhecida a sua fal ta de legit imidade para fazê-la diretamente, a Nova Zelândia recomendou ao governo Francês a compensação dos danos causados ao Greenpeace, pelo afundamento do “Rainbow Warrior” e aos familiares do tripulante morto no incidente. Além disso, o governo da Nova Zelândia demandou a proteção contra medidas de retal iação tomadas pela França. Tais medidas t inham a f inalidade de forçar um acordo sobre o caso, vindo a prejudicar interesses econômicos vitais para a Nova Zelândia. Nesse sentido, solici tou medidas contra a contínua oposição francesa a produtos importados da Nova Zelândia pela Comunidade Européia, em especial a manteiga, carne de carneiro e de cabra. Por f im, pediu a manutenção do cumprimento da sentença pelos dois prisioneiros, na Nova Zelândia ou outro local , após a extradição. O governo da Nova Zelândia alegou o princípio da independência dos poderes ao fr isar a 4 impossibil idade de interferências polí t icas nas decisões tomadas pelo judiciário , assim como na imutabil idade dessas decisões. Em vir tude disso, não exist ir ia qualquer possibil idade de negociação relacionada a l ibertação dos agentes franceses detidos. Da mesma forma, não aceitou a defesa de que o ato pessoal de mili tar mediante ordem oficial superior estaria isento de responsabil idade quando i l íci to, pois “ordens superiores” não consti tuem uma defesa na maioria dos países democráticos como também no Direito Internacional , como foi o estabelecido no julgamento do Tribunal de Nuremberg. Por conseguinte, admitiucomo única possibil idade, a ext radição dos prisioneiros, impondo como condição o cumprimento da pena a que foram sentenciados. .2 O Memorando da França Por seu turno, o governo da França alegou que os testes nucleares não causavam na realidade danos ao meio ambiente. Afirmou que o Greenpeace vinha constantemente, por mais de quinze anos, produzindo atos hostis contra os testes nucleares desenvolvidos por seu país. Entendeu que o ataque ao “Rainbow Warrior” foi conseqüência dos atos i legais do Greenpeace e da intromissão de certas autoridades da Nova Zelândia no direi to interno da França, principalmente com relação aos testes nucleares em Mururoa. Não obstante, o governo da França reconheceu sua responsabil idade decorrente do ataque ao “Rainbow Warrior”, o que gerou violação à soberania da Nova Zelândia. Assumiu, por isso, o dever de reparar os danos sofr idos pela Nova Zelândia através de compensação e pedido de desculpas. Admitiu fazer pedido de desculpas pelo fato de ter causado danos morais à Nova Zelândia ao violar a soberania desse Estado, mas não admitiu que a violação do terr i tório da Nova Zelândia pela França tenha produzido danos materiais. Quanto ao pedido de compensação por danos materiais apresentado pela Nova Zelândia, o governo francês concordou, por entender justo, em pagar uma indenização. Contudo, não aceitou o valor proposto de nove milhões de dólares por ser uma soma demasiadamente excessiva pelos danos diretos à Nova Zelândia. Alegou a França, ainda, que somente os danos materiais são passíveis de indenização, e os danos morais são compensados pelo solene reconhecimento incondicional da produção do fato i líci to. Por conseguinte, o pedido de desculpas do governo francês, além de suficiente para compensar o dano moral sofrido, não deve ser adicionado ao objeto de compensação pecuniária. O dano material 5 restringe-se a l impeza do Porto de Auckland, despesas da investigação, julgamento e prisão dos oficiais Franceses, est imando o valor de quatro milhões de dólares como suficiente. No que se refere a indenização dos familiares do Sr. Pereira e da Organização Greenpeace, embora fosse reconhecida a incapacidade do governo da Nova Zelândia plei tear tal compensação, o governo francês concordou e efetuou o pagamento dessas indenizações. A esposa do Sr. Fernando Pereira recebeu a quantia de seiscentos e cinqüenta mil francos e mais um milhão e quinhentos mil francos para o casal de fi lhos menores. Os pais do Sr. Pereira receberam cada um o valor de setenta e cinco mil francos. Em 19 de Dezembro de 1985 foi firmado um acordo entre o governo Francês e o Greenpeace. Ficou estabelecido que as partes entrariam em negociação para que fosse fixado, de comum acordo, o valor de indenização. Caso não houvesse acordo, o caso seria submetido a um julgamento arbitral composto por três árbitros , dois dos quais nomeados por cada uma das partes. Havendo acordo, o terceiro seria nomeado pelos dois primeiros árbitros, caso contrário seria indicado pelo Presidente da Corte Federal Suíça. Na questão concernente aos oficiais Franceses presos na Nova Zelândia, o governo da França sol ici tou sua imediata soltura, por entender ser injusta a prisão, visto os agentes terem atuado sob ordens superiores. Afirma que o governo da Nova Zelândia tem meios legais para deportar essas pessoas. O governo da Nova Zelândia, por respeito a decisão do seu órgão jurisdicional , negou o pedido e sugeriu a extradição. Contudo, o governo francês não t inha como assegurar a prisão dos mencionados agentes, uma vez que a decisão da qual emanou a condenação era da Corte da Nova Zelândia e na França não exist ia julgamento ou sentença contra os oficiais para os manterem presos. Além disso, essas pessoas agiram sob ordens, o que impede segundo o art igo 327 do Código Penal Francês de levá-las a julgamento. Quanto à retal iação econômica alegada pela Nova Zelândia, o governo da França contestou, afi rmando que não exist ia qualquer l igação entre as medidas econômicas tomadas pelo seu país e o caso. Por outro lado, devido às circunstâncias, o governo da França garantiu a revisão das medidas adotadas, a f im de evitar novo desentendimento. Ademais, asseverou que não existe qualquer pretensão da França de opor, no Conselho da Comunidade Européia, a importação 6 de manteiga da Nova Zelândia, bem como não pretende interferir na implementação do acordo sobre a importação de carne de cordeiro entre a Nova Zelândia e a Comunidade Européia. III. A DECISÃO DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU Ao mediar o caso, o Secretário Geral das Nações Unidas determinou que o Primeiro Ministro da França encaminhasse um pedido formal e incondicional de desculpas ao Primeiro Ministro da Nova Zelândia pelo ataque ao “Rainbow Warrior” levado a cabo por agentes Franceses no dia 10 de Julho de 1985. Estabeleceu, também, o pagamento pelo governo francês da quantia de sete milhões de dólares como compensação a Nova Zelândia pelos danos diretos que sofreu. Na questão que envolve os oficiais Franceses presos, o Secretario Geral decidiu pela transferência do Major Alain Mafart e da Capitã Dominique Prieur a autoridades militares Franceses a f im de serem levados imediatamente para a base mili tar Francesa na i lha de Hao, na Polinésia Francesa. Seu período de permanência na i lha f icou est ipulado em três anos, durante os quais não poderiam deixar a i lha ou manter contato com outras pessoas que não os mili tares, salvo acordo entre o governo dos dois Estados. A cada três meses, a governo da França deveria enviar ao governo da Nova Zelândia e ao Secretário-Geral das Nações Unidas um relatório com todas as informações sobre a si tuação do Major Mafart e da Capita Prieur, para que se garantisse ao governo da Nova Zelândia o cumprimento da decisão. Na matéria concernente a imposição pelo governo francês de certas barreiras a exportação de produtos da Nova Zelândia para a Comunidade Européia, foi determinado que a França não deveria fazer oposição contra a exportação de manteiga que ultrapassasse o est ipulado em acordos anteriores f irmados entre a Nova Zelândia a Comunidade Européia. Da mesma forma, o governo francês não deveria tomar medidas que dif icultassem ou impedissem a implementação do acordo entre a Nova Zelândia e a Comunidade Européia sobre a importação de carne de cordeiro, de carneiro e de cabra, que havia entrado em vigor em 20 de Outubro de 1980. 7 Entendeu, também, ser suficiente a reparação promovida pelo governo francês aos familiares do tr ipulante morto no incidente e ao Greenpeace, sendo atendido, então, o pedido fei to pelo governo da Nova Zelândia. Por fim, fixou que as eventuais diferenças que pudessem vir a ocorrer seriam remetidas a um tribunal arbitral composto por três membros. O governo de cada um dos Estados designaria um membro cada, sendo que o terceiro componente seria designado em conjunto ou designado pelo Secretário Geral , na hipótese de não ter havido acordo sobre este ponto. IV. O LAUDO DO TRIBUNAL ARBITRAL Em 23.07.1986, o Comandante Mafart e a Capitã Prieur foram removidos para a Ilha de Hao. Em 1987, o comandante Mafart passou a sof rer de vários problemas de saúde, sendo necessária, segundo a França, sua imediata transferência, para tratamento, diante da carência de recursos nas proximidades de sua i lha de reclusão, para Paris. Houve intensa troca de correspondências diplomáticas entre os dois países durante alguns meses, inclusive com o envio de um médico neozelandês a Paris para acompanhar a evolução do quadro de saúde do oficial , até que, em 05.02.1989, o Ministério dos Assuntos Estrangeiros francêscomunicou a Embaixada da Nova Zelândia que não mais era possível o retorno de Mafart à Ilha de Hao, visto que ele não estava mais em condições de “servir no além-mar”, contrariamente ao parecer do médico neozelandês, que asseverara que o paciente t inha condições de retornar para cumprir sua sanção até o f im. Em 11.03.1989, Mafart foi considerado “repatr iado sanitár io”, sob protestos da Nova Zelândia. Em 03.05.1988, a França comunicou à Nova Zelândia que a capitã Prieur estava grávida de 6 semanas e que, por determinadas razões ( idade de 39 anos, histórico ginecológico e de ser o primeiro f i lho), ela precisava de cuidados especiais. Para tanto, foi acordado entre os dois países que ela ser ia repatr iada após analisada por um médico neozelandês que iria para Hao em 05 de maio. Em função de greve da companhia aérea que faria o transporte do médico, esse exame foi transferido para o dia seguinte. No mesmo dia 05, todavia, o Embaixador da Nova Zelândia em Paris foi comunicado de que surgira um fato novo, ou seja, que o pai da Sra. Prieur estava em vias de falecer , e de que, em função disso, era indispensável que ela retornasse. Em 06.05.1988, a missão diplomática francesa em 8 Wellington foi comunicada, pelo Ministério de Assuntos Estrangeiros a que estava vinculada, que a capitã já estava em Paris, visto que fora levada para lá pelos seus concidadãos. Em seguida, o governo francês declarou que por causa da gravidez não mais se poderia exigir que Prieur retomasse as suas at ividades mili tares em Hao. Dessa forma, em 22.09.1988, em nota ao Ministério dos Assuntos Estrangeiros francês, o governo neozelandês requereu a sujeição do l i t ígio a uma corte de arbitragem. A corte entendeu que o caso cobria violações ao direi to dos tratados (codif icado pela Convenção de Viena de 1969) e ao direito da responsabil idade internacional dos Estados, de base até então costumeira (e em vias de codif icação sob os auspícios da Comissão de Direito Internacional) . A corte começou analisando a possível incidência da excludente de i l ici tude força maior. A França, na verdade, asseverou que não atuara sob o pálio da força maior, mas sim em função de medidas de desespero, ou seja , uma si tuação em que, conforme acentuado pela Comissão de Direito Internacional , há um perigo extremo através do qual o órgão estatal adota um comportamento em dissonância a obrigações pactuadas. Em relação ao Comandante Mafart , os julgadores entenderam que caso a Nova Zelândia se insurgisse contra a repatr iação urgente do mili tar francês deveria ter comunicado essa posição pelas vias formais de imediato, instando a França a reenviar o repatr iado à Ilha de Hao. Pelo contrário, o médico neozelandês, em seu primeiro relatório, incumbido de acompanhar o caso em Paris requereu exames mais detalhados para verif icar as condições de saúde de Mafart , o que parece presumir que a repatr iação foi motivada pela necessidade de uma intervenção cirúrgica imediata. Por outro lado, em 12.02.1988 o médico neozelandês afirmava que o motivo para a internação de Mafart em Par is já não subsist ia. Esse relatório, na ausência de outros relatórios médicos indicando o reaparecimento dos sintomas just ificantes da repatr iação, demonstra, para a Corte, que a França descumpriu os termos do acordo original ao não entregar Mafart às autoridades da base mili tar da Ilha de Hao. Com isso, a just ificativa francesa de que o Capitão Mafart não dispunha de mais condições para “servir no além-mar” não era pressuposto para o cumprimento do acordo original – com efeito, o acordo original não previa a 9 necessidade de cumprimento de obrigações ou de prestação de serviços mili tares de qualquer espécie pelos agentes, demandando tão-somente o regresso a Hao para cumprir , até seu termo final , a sanção de recolhimento àquele local pactuada pelas partes. Com isso, completamente descabida a manutenção do Comandante Mafart na zona metropoli tana de Paris, fato que importou uma violação essencial , pelo governo francês, do acordo original . Quanto à capitão Prieur, acordaram Nova Zelândia e França que, em razão de sua gravidez, antes de seu retorno a Paris, ela seria examinada por um médico neozelandês, o Dr. Brenner , o que era previsto para o dia 05 de maio de 1988. Em vir tude de uma greve da companhia aérea UTA, a análise foi adiada para o dia 06. Com isso, asseverou o governo francês, o consentimento da Nova Zelândia à deportação da Sra. Prieur parecia provável . Ao que tudo indica, porém, durante o dia 05 de maio o governo francês de súbito decidiu proceder a um retorno precipitado da Sra. Pr ieur em razão de um fato novo: a deterioração do estado de saúde de seu genitor , já moribundo. A Corte entendeu que, assim procedendo, a França não atuou de boa-fé, o que requereria que buscasse obter um consenso sobre a questão com a Nova Zelândia. Ou seja, a anuência da Nova Zelândia nunca foi sequer buscada, que seria necessária mesmo diante de uma conjuntura emergencial a fim de se assegurar o cumprimento das obrigações internacionais assumidas. Esse descumprimento tornou-se ainda mais censurável em razão de que a França, mesmo depois do falecimento do pai de Prieur , manteve a oficial em seu terr i tório, não determinando o regresso da mesma a Hao, sobretudo porquanto relatórios médicos desmentiram o argumento inicial francês de que a Sra. Prieur necessi tava de cuidados especiais em sua gravidez. O argumento de que a gravidez, por si só , era contra-indicada ao serviço no além-mar, assim como em relação ao comandante Mafart , não podia ser invocado, visto que “as leis e regras mili tares francesas não poderiam em qualquer caso ser invocadas para just if icar a violação de um tratado”. Dessa forma, concluiu a Corte que as circunstâncias desesperadoras, a urgência extrema e as considerações humanitárias invocadas pela França poderiam até mesmo excluir sua responsabil idade quanto à decisão unilateral de evacuar o comandante Mafart sem o assentimento da Nova Zelândia; mas eram, por outro lado, inidôneas a just ificar a omissão francesa à obrigação de buscar , junto às autoridades neozelandesas, uma concordância quanto à repatr iação de Prieur e quanto ao não retorno dos dois oficiais. Sendo que uma violação substancial de um tratado é, para a Convenção de Viena, a violação a uma disposição essencial para a 10 realização do objeto ou do objetivo do tratado (art . 60) , e considerando que os escopos fundamentais das obrigações assumidas pela França perante a Nova Zelândia eram assegurar que os dois oficiais fossem transferidos ao atol de Hao onde deveriam permanecer ao menos durante três anos, a Fraça, no sentir do Tribunal, fal tou gravemente ao adimplemento das obrigações por ela assumidas internacionalmente. Quanto à alegação francesa de que a Nova Zelândia não sofrera, com seus atos, qualquer dano, ou que t ivera, na pior das hipóteses, sofr ido um dano moral , a Corte entendeu que o dano não necessi tava ser de natureza material ou econômica. Nesses termos, reconheceu que a Nova Zelândia foi ví t ima de um prejuízo de natureza moral , polí t ica e jurídica, diante da afronta à sua própria dignidade e ao seu próprio prest ígio, bem como de suas al tas autor idades executivas e judiciárias. Em relação ao plei to neozelandês de que os agentes fossem rest i tu ídos à Ilha de Hao, pois, segundo ela, todas as demais formas de reparação seriam inúteis, a Corte entendeu que a obrigação de colocar um fim a uma situação i l íci ta não passava por uma reparação, e sim pelo retorno à obrigação inicial , ao que mereceria uma especial atenção a violação contínuade uma obrigação internacional em vigor. Com isso, o caráter i l íci to da atuação se perpetuaria até que a regra violada cessasse de exist ir . Apesar disso, a Corte, considerando que o prazo de três anos de permanência na Ilha de Hao expirara em 22.07.1989, refutou a demanda neozelandesa, e, em atenção ao regulamento est ipulado pelo Secretário-Geral , reputou que a solução da contenda passava pelo estabelecimento de uma compensação dos danos imateriais de ordem pecuniária. Como, entretanto, não houve pedido da Nova Zelândia nesses ternos, o Tribunal não arbi trou uma sanção monetária. A Corte, assim, declarou que a condenação da República Francesa em vir tude das violações de suas obrigações assumidas perante a Nova Zelândia, tornada pública pela decisão do Tribunal, consti tuía, frente às circunstâncias, uma satisfação apropriada para os danos legais e morais causados à vít ima.
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