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CLÍNICA DE BOVINOS 1. CLÍNICA DE BOVINOS George T. Stilwell Médico-veterinário, PhD, Diplom ECBHM Professor Auxiliar Departamento de Clínica Faculdade de Medicina Veterinária Universidade Técnica de Lisboa COLABORAÇÃO: Miguel L. Saraiva Lima Professor Associado, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa EDIÇÃO: PUBLICAÇÕES CltNCIA & VIDA EDIÇÃO ESPECIAL PARA A BAYER Copyright© 2013 Publicações Ciência e Vida, Lda. Praça de Alvalade, N.0 9 - 4.7 1700-037 Lisboa Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução de parte ou do todo desta publicação, assim como a transmissão através de qualquer meio, seja mecânico, eletrónico, fotocópia, gravação' ou outro qualquer, sem o prévio consentimento escrito do autor e da editora. Design e paginação: Nuno Veiga Impressão: Publicações Ciência e Vida, Lda. Tiragem: 900 exemplares ISBN: 978-972-590-092-5 Depósito Legal: 353507 /13 Impresso em Portugal. AGRADECIMENTOS Ao Miguel Saraiva Lima e Fernando Bernardo pela participação nalgumas secções mais especializadas do texto e na revisão de partes do texto. A Rita Campos de Carvalho, Fernando Boinas, Ricardo Bexiga e Catarina Stilwell pela revisão e conselhos preciosos. Ao Manuel Dargent Figueiredo pela confiança incondicional e à Bayer Portugal pelo patrocínio. A Maria Stilwell pelo desenho da capa. Aos seguintes Colegas pela imediata disponibilidade em ajudar e pela cedência das fotografias que muito valorizam este livro: Ana Luísa Brás, Ana Margarida Costa, António Giesteira, Armando Serrão, Carlos Pinto, Cátia Pereira, Deolinda Silva, Helder Cortes, João Cota, João Fagundes da Silva, José A. Ferreira das Neves, José Mira, Luís Lopes da Costa, Luís Pinho, Maria Braz, Mário Silveira, Miguel Matos, Miguel Saraiva Lima, Nuno Prates, Phil Scott, Ricardo Romão, Rui Silva, Sandra Branco, Sara Salgado, Teresa Duarte, Virgílio Almeida e ainda à UNICOL (Açores). DEDICATÓRIA Dedico este livro a todos os meus estagiários, passados e futuros (dos quais agora não me lembro dos nomes). Esta é uma retribuição pois com eles partilhei a espantosa experiência de ser clínico de campo e com eles muito aprendi. Aqui ficam os nomes - eles sabem quem são: Zé, Isaura, Modibo, Raquel, Rosa, Sandra·, Filipe, Gustavo, Pedro R.*, Paulo M.C., Carla M., Rui L., Pedro C., Luís G., Elsa, Daniel, Odete, Anabela, Inês M.', Salvador·, Paulo P., Hermano, Luís M., Inês C., Rita A., Patrícia, Sofia, Maria B, Maria C., Tânia, Cátia, Marta, Carla R., Inês A., Tiago, Rui, Uriel. * Estagiários emprestados pela Dr.ª Rita Campos de Carvalho. ÍNDICE PREFACIO ........... .................... _ ............ _ ........ ... ........... .. ................. ................. .................................................................................. ..................................... ............. . 9 CAPITULO 1 EXAME CLÍNICO DE BOVINOS .. ....... .... ................ .. ... .. .. .. ........ ... .... ... .... ................ .. .. ....... ... ...... .. .................. ........................................................................... 11 CAPfTUL02 EXAMES COMPLEMENTARES ......................................................................................................................... .. ........... .... .... ........... ........ ... .... ...... ... ........ .. ........ 3 3 CAP(TUL03 AS DOENÇAS MAIS IMPORTANTES DOS BOVINOS ................... .. .. ... ......... .... .. .................................... .. ................. .. .... .. .... .. .. .... .. .... ........ .............. 49 • Diarre ia • Disente ria • Mele na ...... ... ...... ..... .... .... ........ ... ...... ... ............... .. ................. ....................................................................................... ...... .......... 51 • Abdómen Agudo • Alteração do Perfil Abdominal ................................................................................ .. ...................................... ... .. ...... .. ... .. 77 • Lesões • Tumefacções Orais..................................... ........................................................................... ........ .. ............... .. .. ................. ....................... ........ 99 • Dispne ia • Rinorre ia · Tosse ... .. ................................................ ...................... .......... .. ... .. ........... .... ..... .. ..... .. .. .... .... .... ......... ......... ... .. ................. .......... .... . 109 • Depressão • Ataxia • Paresia • Convulsões..... ..................... ............................. ................. ............ .............. ............... .. .. ........ .. ...... .... ....... .. .... .. .. .. .. 133 • Lesões da Pele ......................... ....... .. .......... .. ...... ... ...... .... .................... ..... ... .. .... .. ........ ... ....... ........... .. ....... ......... ...... .... .. .... ... .............. .. ........ .. ......................... 153 • Lesões Ocula res · Cegueira • Fotofobia ....... .. ................. .. .. ... ... .......... ................... .... ...... ... ........... ..... .... ...... .... ...... ..... ... .. ... ..... ...... .... ..... ..... ............ 179 • Alteração dos Sons Cardíacos• Pulso Jugular............ .................... ... .................... .. ........ .. ...................................................................... ............. 187 • Anemia • Icterícia .... ..... ...... .... ..... .... ............. ...... ...... ............. ...... ..... .. ........ ..... ..... .... ..... ..... ...... ........... .. ........ .. ........ .. ........ .. ............... ..... .... ..... .... ... .. .. .... ....... 195 • Perda de Peso • Quebra de Produção Leiteira ...... .................... ......................................... ......................................................... .... ..................... 209 • Aborto... ..... ..... .. ......... .......... .... ............................. ..................................................... .... ........ .. ....... ........ .... ....... ..... .... .... .... ...... ........ ..... ....... .... ....... ....... .... ......... . 219 • Morte Súbita ..................................... .... ....... ......... ... ........ .. ...... ... ...... ..... ..... ........ .. ......... .......... ...... ......... .. ... ................ .............. ... .. .. ... ......... ................ .. .......... 233 • Claudicação........... ... ....... .... .................... ..... .... ....... .... ............... .... .................... ... ....... .... ....... ..... .. .. .... ....... ..... .... .. .. .. ...... .... ... .. ..... ................ .. .......... .. ............. 243 CAPfTUL04 DOENÇAS E CONDIÇÕES LIGADAS AO PARTO........................................................................................................................................................... 277 CAPfTULOS ABORDAGEM CLÍNICA À INTOXICAÇÃO POR PLANTAS, FUNGOS E MINERAIS ............................................................................... 297 ANEXO - QUADRO DE DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS........................................................................................................................................ 311 BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................................................................................................................................... 316 f NDICE REMISSIVO..................................................................................................................... ....... .. ............................................................................................ 318 Cláudia Realce Cláudia Realce1 PREFÁCIO A clínica de bovinos encerra características únicas dentro da medicina veterinária. Se por um lado estamos a lidar com animais de produção, o que limita os recursos colocados ao serviço da obtenção de um diagnóstico ou na resolução do caso, por outro é-nos pedida a assistência a animais com um valor considerável. Assim, se bem que cada vez mais se de- fenda uma abordagem do tipo "medicina da produção" ou "saúde da manada" (herd health), ainda não é descabida a acção clínica do médico-veterinário. Este tanto deve estar preparado a actuar a nível da exploração como do indivíduo que padece de determinada doença - as duas vertentes complementam-se e não se excluem. Esta dupla função, que desa- pareceu da actividade com outras espécies, torna o trabalho do veterinário de bovinos num apaixonante misto de médi- co, epidemiologista e gestor. Este livro destina-se a apoiar o clínico, e principalmente aqueles com menos experiência, na primeira abordagem às do- enças que afectam o indivíduo mas que geralmente reflectem problemas que influenciam o rendimento do grupo e, portanto, do produtor. Do correcto diagnóstico e do conhecimento adequado das particularidades de cada doença, re- sultará uma melhor acção preventiva, uma mais profícua gestão dos recursos e uma maior salvaguarda do bem-estar do animal. Mesmo que isso corresponda à eutanásia. Porque consideramos que um bom clínico de campo é aquele que consegue aliar o conhecimento científica à elevada capacidade de colher e interpretar sinais clínicos, começamos o livro com uma revisão bastante extensa do Exame Clínico de Bovinos. Como referimos nesse capítulo, e citando o Prof. Radostits, "erra-se mais por não se ver do que por não se saber". Só depois de um completo exame físico será possível tirar bom partido de uma série de exames complementares, que podemos efectuar ao lado do animal ou enviando material para o laboratório. A escolha judiciosa dos testes é essencial em termos de custo-benefício, e é a pensar nisso que apresentamos os Exames Complementares mais úteis em clínica de bovinos. Nos restantes capítulos segue-se a descrição das doenças e situações clínicas mais frequentes em buiatria. A arrumação seleccionada para as doenças não é provavelmente a mais científica e não é de certeza a mais ortodoxa. Isto porque o seu fim não é o de descrever processos patológicos ou servir de referência, mas sim de servir de texto de apoio para consultas rápidas ... entre uma vacinação e um parto. De referir ainda que a descrição das diversas doenças se baseia muito na nossa experiência de muitos anos e que por isso pode variar na relevância dada a uns sinais em detrimento de outros, provavelmente considerados mais marcantes por outros clínicos. Esse é um dos riscos de se estar a escrever um texto iminentemente prático e pessoal. A leitura deve ser feita sempre com isso em mente. É óbvio que as descrições estarão sempre incompletas e por isso a sua leitura deve ser sempre complementada pela consulta de livros de clínica generalistas ou artigos específicos. Daí a necessidade que sentimos em associar uma lista bibliográfica que colocámos na parte final do livro. George Stilwell '. ' AV Atrioventricular HVB He1peMrus bovino AGID lmunodifusão em Jgar gel IA l11set111nélçiio artiAcial CREA Creatinina IBR mnmr"queite Infecciosa Bovina ADN Acido Desoxirribonucleico ID Intestino dr lgiKfo AGV Acidas Gordos Voláteis IDH L- lditol DehidrLJgeha;C! AINE Anti-inílamatório não esteróide IG Intestino 910sso ALB Albumina IL l11terleuqt11na ALKP Fosfatase alcalina IPB Bolanopostite infecciosa bovina ALT Alanina Aminotransferase IPV Vulvov~qlnlte pl 1stular infecciosa AMYL Amilase IV lndlgest~o vagai AST AspJ113l<) Transaminase JH Jejunite hernnrr,lgira. BEN 8.alMiço [neigétlc'O Negativo LBA Lavagem bronco-alveolar BHB B-hidroxibutirato LCR Líquido celaro, raqu1dld110 BLAD Sovine lcl1kocy1e adhesion deficiency LDH Lactato dehid,ogenél;e BRSV Vírus Resp1ra16rlo Sincicial Bovino LIPA Lipase BSE ~n(cfalopa1Ja esponglíor 111e bovina LPS Upu1x1llssac~1lclm BUN Nll10t1étllo Ureico Sa1,gurneo ME Meteorismo espumoso BVD Diarreia Virai Bovina NCP Não cilu1.>állc.o BVD-MD Diarreia Virai Bovina - Doença das Mucosas NEFA Ácidos Gordos Não Esterificados (tb. Ácidos Gordos Livres) CE Corpo estranho NMI Neurónio Motor Inferior CH Carbúnculo Hemático NMS Neurónio Motor SurJerlQt CHOL Colesterol PCR Reac.r,ão de Polhnerl1,1çJo em Cadeia CID Coagulaç~o intravascular disseminada PEM Poliencefalomalácia co, Dióxido de Carbono PGF2a Pr1)1mgl,mdln,) F2a CPK Cre0tinofosfoquinase (tb. CK) PI Persistentemente lnfectado (BVD) cs Carbúnculo Sintomático PT Proteínas Totais DAD Deslocamento de Abomaso à Direita QIB Qu~r.11ocor1Ju11LIVite Infecciosa Bovina DAE Deslocamento de Abomaso à Esq11errla ARN Acido Ribonucleico DD Diagnó,11co diferencial RP Retenção placentária DI Disenteria de Inverno SAA Seroamiloide A DMB 1 )oença Músculo Branco SARA Acidose Ruminai Subaguda DRB Doença Respiratória Bovina SDH Sorbitol Dehidrogena,e EDTA Acido etileno-diamino-tetra-acético SNA Sistema Nervoso Autónomo EEPAB Edema e Enfi sema Pulmonar Agudo Bovino SNC Sistema Nervoso Central EHEC E.coli emero hernorr.1gl(O SNP Sistema Nervoso Periférico ELISA Enzym~Llnke<J lmmunosorbent Assay SRV Síndrome do Rúmen Vazio EM Edema Maligno svc Síndrome da Vaca Caída EPEC E.coli entc1o·µatogé,1lco SVCP Síndrome da Veia Cava Posterior ETEC E coli enwromx111ogflllco TBIL Bilirrubina Total e.g. exempli groticr (po1 exempl()J TCM Teste Californiano de Mastites FC írequénci.i cardíaca TGI Tracto Gastrointe,tinal FCM Febre Catarral Mallgn,1 TMR Total Mixed Ration (Dieta Completa) FEC Fluido extracelular TNF Factor de Necrose Tumoral FG Rgll,10 Gordo TSA Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos GGT y Glutamil Transferase UE União [uropcla GI Gastrointestinal URIC Ácido úrico GLU Glucose uv Ultravioletas GMD Ganho Médio Diário VA Volvo abomasal HD Ho~pedeho Definitivo VCM Volume,Cn, puscula, Médio HEB Hematúria Enzoótica Bovina VLDL l 1pop101cí11a~ de muito baixa densidade HI Ho,ped~lro Intermediário v. ver doença neste livro CAPÍTULO 1 EXAME CLÍNICO DE BOVINOS \_ l t )1 , /( '-: /1 ', l 'i 11 J j ~1t_'I '.) 1 I r , ~ , l 1. INTRODUÇÃO O exame físico continua a ser a base mais sólida da medici- na clínica. Isto acontece apesar de toda a tecnologia (exa- mes complementares e apoio laboratorial) de que os vete- rinários dispõem actualmente e do facto da orientação da medicina veterinária de espécies pecuárias ser cada vez mais no sentido da resolução de problemas de grupo e da produção. Aliás, a escolha de provas laboratoriais ou exa- mes complementares de diagnóstico só será racional e útil se se seguir a um bom exame físico. Um exame clínico deve ser sistemático, não podendo ha- ver zonas do organismo que não são examinadas apenas porque um problema salta logo à vista e devendo-se evitar o diagnóstico preconcebido. Radostits afirma que "mais er- ros são cometidos por não ver do que por não saber''. O exame clínico é constituído por quatro fases: História; Exame do meio ambiente; Exame físico do animal; Exames complementares 2. A HISTÓRIA CLÍNICA O interrogatório ao proprietário ou tratador deve ser siste- mático e abordar, de forma rápida mas exaustiva, as várias vertentes da história do animal, do grupo e da exploração. Seguem-se alguns exemplos: • Maneio e instalações (Fig. 1) - tipo de exploração (inten- siva vs extensiva)? Tipo de estabulação? Composição dos parques (e.g. idade, produção, origem)? Entrada de novos animais? Regras de bio-segurança (e.g. quarentena)? • Nutrição e alimentação - tipo de alimentação? O acesso ao alimento e água é fácil? Origem da água (canalizada, poços, ribeiro, furos)? Estado das pastagens? Presença de plantastóxicas nas pastagens? Aspecto da silagem e outras matérias (e.g. feno húmido, presença de bolor, palha muito grosseira)? • Sanidade - qual o estado de vacinação e desparasitação do efectivo? Quais as doenças mais frequentes na explo- ração (e.g. diarreias, mastites, pneumonias)? Existem re- gistos - número de animais doentes, tratamentos, resul- tados? Existem antibiogramas de casos anteriores? Nível de contagens de células somáticas no tanque do leite? • Historial do animal doente - qual a idade? Já esteve do- ente antes? Quando ocorreu o último parto? O parto cor- reu bem (e.g. distócia, retenção placentária, metrite)? Produção leiteira antes de adoecer? Quebra de produção abrupta ou gradual? Se for vitelo, quando é que foi des- mamado? Administração do colostro foi a adequada? Foi sujeito a factores de stress (e.g. transporte)? • Historial da doença/problema - O que é que o dono pen- sa que está errado com o animal? Ou qual a razão porque nos chamou? Quando se iniciou o processo? Qual a sua evolução? Houve mudanças de alimentação ou no ma- neio? Há mais animais afectados7 Já foi feita alguma me- dicação ou tratamento? Clima nos dias anteriores? A EDO 10 M IENT Antes de abordar o animal ou animais doentes, a inspecção do ambiente onde este se encontra ou tem vivido nos tem- pos recentes pode ser crucial à obtenção do diagnóst ico. Esta observação pode ser feita ao mesmo tempo que se fa- zem as perguntas ao dono/tratador e por isso não precisa de demorar muito, mas também não deve se r feita de for- ma distraída pois há pormenores que podem ter um sign i- ficado muito importante (e.g. uma vaca muito agressiva num parque ou vitelos isolados do resto do grupo). Entre outras coisas, o veterinário deve verificar se há alimento suficiente na manjedoura e se é de qualidade; se a pastagem parece ter matéria vegetal suficiente e qual o seu grau de de- senvolvimento (erva muito jovem pode esta r relacionada com carências minerais); se a água é de qualidade e facilmen- te disponível para todos os animais; se a venti lação é adequa- da e se o ar é limpo e fresco; se se ouvem muitas tosses nos parques; se os níveis de higiene da exploração são adequados; se o bem-estar animal está assegurado; se há condições físicas ou tóxicas que possam justificar o aparecimento de determi- nadas afecções; o aspecto das fezes no parque; o tamanho e diferença de tamanhos dos animais nos parques (Fig. 2); se existem animais demasiado agressivos ou demasiado medro- sos; o grau de formação e interesse dos trabalhadores; qual a atitude dos animais do grupo perante a presença humana (e.g. através da observação do espaço de fuga); presença de outras espécies animais (e.g. galinhas, pombos, cães. roedores) que poderão funcionar como vectores de doenças (Fig, 3). 4. )( ME i ICO Exame físi co é definido como o processo de examinar um animal por meio da visão, olfacto, palpação, percussão e auscultação. 4.1. Exame à distância Deve-se iniciar o exame físico pela observação do animal em repou so e relaxado, se possível ainda no seu ambiente normal e guardando alguma distância. A observação à dis- tância deve incluir os seguintes aspectos: • Atitude e comportamento - alerta, apático, deprimido, ex- citado, assustado. Para avaliar estes aspectos é essencial co- nhecer o comportamento natural dos bovinos e, mais espe- cificamente, da idade, raça e sexo daqueles que estamos a observar. Há sinais cuja alteração ou ausência devem ser le- vadas em conta como, por exemplo: seguir com o olhar os humanos, apontar os pavilhões auriculares para um huma- no, outros an imais ou sons estranhos ao ambiente; posição e movimentos simétricos dos pavilhões auriculares; manter- -se junto ao resto do grupo; ruminar; decúbito esternal nor- mal; lamber o focinho frequentemente; respiração sincopa- da e quase imperceptível. Alguns comportamentos podem estar associados a dor e por vezes só são perceptíveis à dis- tância - vocalizar; ranger os dentes; pontapear o abdómen; cifose; respirar de boca aberta; alteração de aprumes; coto- velos afastados do tórax; decúbito costal; dificuldade em ocupar as instalações (Fig. 4.). • Postura - não natural, que pode ser consequência de presen- ça de dor local ou doença neurológica - por exemplo, cifose pode indicar dor abdominal ou laminite. Deitar-se de lado (atenção: é um comportamento natural em vitelos) pode ser sinal de desconforto, dor abdominal ou podal muito grave (Fig. 4). Sentar-se"à cão"demonstra dor nos membros poste- riores ou então má adaptação aos cubículos (Fig. 5). • Aprumes - relacionados com claudicações - e.g. a posi- ção com que o animal coloca a pata quando se apoia pode revelar imediatamente qual a unha afectada. Esten- dida apoiada nas pinças - dor nos talões; membros poste- riores em abdução - dor nas úngulas laterais (Fig 6); mem- bros anteriores cruzados - dor nas úngulas mediais. • Condição corporal - avaliação através de várias medidas como visualização das vértebras, costelas, apófises de diver- sos ossos etc. .. Normalmente é usada uma escala de 1 = magra a 5= obesa para vacas leiteiras, devendo-se ter a no- ção do momento do ciclo produtivo em que se encontra. • Conformação ou perfil abdominal - a observação deve ser feita primeiro por trás. O lado esquerdo abaulado (perfil de maça) geralmente associa-se a timpanismo gasoso ou es- pumoso do rúmen. Pelo contrário, o lado esquerdo dema- siado linear corresponde a anorexia prolongada com esva- ziamento do saco dorsal do rúmen. O lado direito ventral muito evidente pode surgir em casos de gestação avança- da (principalmente gémeos) ou situações patológicas como hidroalantoide ou hidroamnios. O perfil papple (de apple!maça, do lado esquerdo e pear/pêra do lado direito ocorre geralmente em casos de indigestão vagai em que o saco dorsal do rúmen acumula gás e o saco ventral acu- mula grandes quantidades de líquido (Fig. 7). • Pele - escoriações, peladas, parasitas, cor, brilho e com- primento do pêlo ... A zona afectada pode indicar o tipo de ácaro presente ou sugerir um processo de foto- sensibilidade (i.e. apenas as zonas despigmentadas são atingidas). • Respiração - a frequência e tipo devem ser avaliadas à distância porque podem estar alteradas em casos de stress ou cansaço do animal decorrentes da contenção (muito particularmente animais em pastagem e pouco habituados à presença humana). A respiração normal de um bovino adulto em descanso deverá ser imperceptí- vel. A respiração acelerada, sobressaltante e abdominal pode ser sinal de dor, doença respiratória ou toxemia • Movimentos - os bovinos têm normalmente um andar lento e compassado. Alterações como passadas demasia- do curtas, agitar a cabeça no andar, chocar ou apoiar-se nas paredes ou obstáculos (Fig. 8), andar em círculos, não flectir ou estender completamente alguma articulação, andar de dorso curvado, apoiar um dos membros dema- siado para dentro ou fora do eixo, ou não apoiar uma das patas pode fazer suspeitar de dor ou doença neurológica. • Comportamento - devemos conhecer bem os compor- tamentos e vícios frequentes de cada espécie e de cada idade para detectar alterações. Algumas das alterações mais frequentes são infecciosas e ligadas a lesões do SNC (e.g. BSE, poliencefalomalacia, meningites neonatais, IBR, listeriose e intoxicações). Podem ainda surgir em casos de doenças metabólicas - hipomagnesiemia, hipocalcé- mia, cetose nervosa. Outras causas de alterações de com- portamento podem ser stress, medo e frustração. Para mais pormenores em relação a esta questão ver secção sobre exame neurológico. 4.2. Exame próximo Uma boa contenção é essencial, mesmo em animais apa- rentemente mansos, para garantir a segurança do examina- dor, do animal e de outros. A aproximação ao animal nunca deve serfeita pela sua zona cega (área com cerca de 30° atrás do animal). Animais presos pela cabeça poderão ter um campo de visão diminuído e por isso reagir de forma violenta a aproximações demasiado bruscas. Evitar igual- mente aproximar-se pelo lado cego de animais com doen- ça/lesão de um olho. Assobiar ou falar suavemente pode ter um efeito calmante sobre animais nervosos. O contacto manual com o animal deve ser feito de maneira cautelosa e com movimentos lentos. Nesta altura o tempe- ramento do animal deve ser avaliado de forma a ser mais fácil prever o seu comportamento durante o resto do exa- me e, se necessário, tomar as providências que garantam a segurança. Com paciência e perseverança a maioria dos bo- vinos comporta-se de modo muito passivo durante o exa- me físico. Sugerimos que o exame físico seja feito por regiões e não por sistemas pois esta opção obriga a circundar várias vezes o animal. Na nossa opinião o exame físico deve ser iniciado pela região posterior porque a maior parte dos bovinos está habituada a ser abordada por trás (e.g. inseminação, palpa- ções rectais, ordenha). Algumas das intervenções que a seguir sugerimos não são necessárias ou possíveis em todos os animais. Para facilida- de de exposição tomaremos por regra o exame físico de uma vaca leiteira, sendo indicado sempre que existam dife- renças significativas para diferentes raças ou idades. 4.2.1. Exame da zona caudal Aconselhamos que se comece o exame pela colheita de urina. Uma vaca que esteja relaxada urina facilmente após estimulação mecânica da zona do períneo logo abaixo da vulva (Fig. 9). Nunca se deve tentar colher a urina a uma vaca segurando a cauda ao mesmo tempo, pois isso faz com que a vaca não esteja relaxada. Há vários parâmetros da urina de uma vaca cuja análise é possível no campo com a ajuda de uma fita indicadora: • Densidade - normalmente entre 1,015-1,035. Aumento no caso de desidratação e redução em casos de insuficiên- cia renal. • pH - A urina de uma vaca saudável é geralmente alcalina (nos vitelos a consumir leite é ácida). Urinas ácidas em bovinos adultos podem ter como causa uma acidose ru- minai, deslocamento do abomaso (acidúria paradoxal}, cetose ou quando as vacas leiteiras estão a consumir die- tas an iónicas. • Proteína - Situações de proteinúria estão geralmente as- sociadas a doenças renais como glomerulonefrite ou amiloidose renal, que são relativamente raras em bovi- nos. Urinas muito alcalinas podem dar uma positividade ligeira sem corresponder à presença de proteína (falso positivo). • Glucose - Na maior parte das vezes a glicosúria em bovi- nos é de origem iatrogénica (e.g. administrações de solu- ções de glucose hipertónicas, de corticosteróides ou de xilazina). Também pode ocorrer em situações que provo- cam um grande desconforto tais como torções intesti- nais ou do abomaso, úlceras do abomaso e peritonites. Surge ainda em casos de diabetes e insuficiência renal. • Sangue ou hemoglobina - hematúria [e.g. cistites, lesões vesicais, neoplasias (hematuria enzoótica por ingestão do feto Pteridium), pielonefrite], ou hemoglobinúria (e.g. Babe- sia, Clostridium haemolyticum, Leptospira sp., hipofosfatémia pós-parto) revela-se por uma urina mais escura, cor de fer- rugem ou mesmo avermelhada. A distinção entre hematú- ria e hemoglobinúria pode-se fazer no campo recolhendo urina num frasco e certificando-se se há coagulação ou não. As fitas de análise também podem ajudar a distinguir as duas situações, tendo em atenção que em vacas recém- -paridas surgem muitos falsos positivos por contaminação da urina. Urinas escuras podem também ser devidas à pre- sença de mioglobina que ocorre, por exemplo, após decú- bito prolongado (Síndrome da Vaca Caída) (Fig. 1 O). • Corpos cetónicos - a análise da urina através de fitas, por ser um teste rápido e de fácil execução, é bastante útil na detecção de cetoses clínicas em vacas apesar da sua sen- sibilidade não ser muito elevada (o acetoacetato que é detectado pelos testes de urina, não é o mais abundante em vacas com cetose). • Nitritos e leucócitos - sinal de i11fecção urinária Atenção à contam inação com conteúdo do útero (e.g metrite). Enquanto esperamos que a vaca urine, podemos observar o perí11eo procurando: - descargas vaginais/uterinas - lóquias (Fig. 12), corrimen- to casta 11ho e malchei1oso, pus, saricJue em casos de la- cerações do tracto ge11ital. Presença de vestígios de pla- centa (Fig. 11 ). - aspecto das fezes - quantidade, consistê1icia (e.9. visco- sas, diarreicas, secas), presença de sangue, muco. falsas membranas ou alimento por digerir como fibra ou grãos de cereais. - sinais de actividade reprodutiva - muco (Fig. 13), pêlo eri- çado na zona dorsal da cauda, escoriações na base da cauda e sobre as tuberosidades isquiáticas que surgem quando a vaca foi "saltada" por outra, corrimento purulen- to (endometrite) (Fig . 1 Li), sangue vivo (si11al de ovu lação recente) . .. - alterações no úbere e tetos - edema (Fig 15), assime- trias entre quartos, vesículas (Fig. 16), presença de aftas, pústulas (Fig . 17), feridas, dei matite e hiperqueratose da ponta do teto (Fig. 18). - aspecto da mucosa vu lvar: cor (sinal de anemia ou icterí- cia (Fig. 19); petéquias (septicemias e toxémias); p(1stulas (vulvovaginite - \13R-IPV) Avaliação do escroto (orquite) (Fig. 20). Medir tempo de reflecção ciipilar. - em caso de suspeita de infecção da glândula mamaria podemos palpar os linfonodos retromamários. Uma mão leva nta o úbere enquanto a outra palpa a zona dorsal do úbere entre este e a face interna do membro pélvico. De seguida deve medir-se a temperatura rectal da vaca - introdução de termómetro de dimensão adequada no recto, após lubrificação, e encosto da extremidade do ins- trumento à parede lateral ou dorsal do recto. Numa vaca a temperatura rectal deverá estar entre os 38 e 39 °(, num vite lo desmamado estará entre os 39 a 39,5 °C e num vitelo lactante pode chegar aos 40 °C em certas condições am- bientais. As variações de temperatura recta l são muito am- plas havendo muitos factores a influenciá- la (temperatura ambiental, humidade relativa, exercício, desid ra tação, cho- que, stress e excitação do animal), para além das causas in- fecciosas. 4.2.2. Exa me do lado esquerdo Em seguida, sugerimos o exame físico do lado esquerdo do animal começando de trás para a frente: 4.2.2. 7. Região abdominal Começar por palpar os gânglios retrocrurais - a hipertrofia pode ser indicação de infecção da parede abdominal ou do membro pélvico do mesmo lado. Deve-se examinar visual- mente e palpar a veia mamária procurando presença de flebites, trombos bacterianos ou hematomas. De segu ida proceder ao exame do rúm en que inclui várias fases: Estado de repleção do rúm en - classificação do cavado do flanco "'? 1 - muito concavo = vazio até 5 - convexo = muito cheio (Fig. 21) Frequência de contracções (2 por minuto ou 3 em 2 mi- nutos) É possível distinguir contracções primárias (de mistura do conteúdo, iniciando-se no retícu lo e conti - nuando pelo saco dorsal e depois saco ventral do rú- men), de contracções secundárias (destinadas a conduzir o gás pa ra o cardia, começando no saco dorsal do rú- rnen e geralmente culminando no som de eruc taçâo) . Força das contracções (o deslocamento da mão coloca- da no cavado do flanco deve ser de 2 cm embora a força dependa do tipo de alimento consumido), Quantidade, consistência (gasoso, sólido, líquido) e estra- tificação do conteúdo (em cima 7 gás; a meio ""?forragem grosseira; em baixo 7 conteúdo mais líquido). • Pesquisa de sons com percussão; percussão + ausculta- ção; sucussão +auscultação.Os sons audíveis num rúmen saudável tem uma relação próxima com a dieta, mas ge- ralmente são tlmpànicosnuma pequena área mais dorsal, maciço na parte lnrermédla e ~ub-madço na zona mais ventral. QL1ando há sobrecarga alimentar ou tlmpantsmo ouve-se um som maciço ou som Limpânico em toda a ârea de auscultação, rr:spectivamente, No caso de deslo- camenlo de abomaso à esquerda e na Síndrome do Hú- men Vazio (SBV) a percussão com auscultação dá a ouvir um som metálico (ping) por baixo das últimas costelas (Fig. 22). Â sucussão normalmente revela um som de splashlng, semelhante ao de latas vazias a chocalh,1rem. !Il A audição dos batimentos cardíacos a nível da fossa para- lombar esquerda acontece normalmente quando o con- teúdo do rúmen está muito seco. 4.2.2.2. Região torácica Fazer a auscultação do pulmão, depois de bem delimitar a área (Fig. 23). Nem sempre é fácil ouvir os sons pulmonares em vacas saudáveis e algumas doenças pulmonares po- dem coexistir com sons aparentemente normais Pode-se tentar aumentar a sua intensidade tapando as narina s, fa- zendo o animal respirar para dentro de um saco de plástico ou obrigando-a a correr um pouco. A frequência respiratória num bovino adulto é 12 a 36, en- quanto que num vitelo é entre 30 a 60. Verificar o carácter da respiração: - Costa-abdominal - fisiológica. Os sons inspiratórios são geralmente mais audíveis do que os expiratórios. - Toráxica - peritonite, distensão abdominal ou dor/pres- são sobre o diafragma. - Abdominal - pleurisia, enfisema, edema pulmonar e ou- tra s causas de obstrução pulmonar. Devido ao facto das lesões de pneumonia ocorrerem sobre- tudo nos lobos ventrais e craniais, estas devem ser as zonas que merecem uma auscultação mais cuidada. Os sons ad- ventícios mais frequentes são apresentados na Tabela 1. Procurar ainda por palpação a presença de enfisema subcu- tâneo (Fig. 24) que se revela por crepitação e aumento do espaço entre pele e musculatura e que pode surgir em casos de pneumonias por vírus sincicial (BHSV) ou M. haemolytica. Ter em atenção factores extra-respiratórios que podem aiu- sar dispneia. Por exemplo: febre; exercício e stress; calor e humidade elevadas: doenças metabólicas corno cetose ner- vosa e hlpocalcémla; acidose metabólica; anemia associada a exerdcio-ffsico; doença do músculo branco (caréncla Vit [ e Selénio), entre outros. Segue-se o exame cardíaco. O apex do coração dos bovinos encontra-se caudal ao cotovelo (articulação humero-radio- Aumento sons brônquicos Estridor Crepitação Sibilos Silêncio Roncos Atrito pleural Extra-respiratórios 1 ·~ Pneumonia severa com hepatização IBR, necrobacilose (vitelos) Pneumonia intersticial (com ou sem fluido) Estenose ou exsudado espesso nos bronquíolos. Pneumotórax, massa ou efusão pleural (e em casos de vacas obesas ou enfisema subcutâneo) Fluidos nas vias de grande calibre Pasteurelose avançada Sopro cardíaco, rúmen, eructação, fricção pele ou contracção do panícula subcutâneo, gemido de dor . . -cubital) a nível do 6.0 espaço inter-costal. A base do coração está cranial ao cotovelo. Os pontos de auscultação das dife- rentes válvulas cardíacas estão esquematizados na Fig. 25. A frequência cardíaca pod vr1ria r por lníluência de @e tores indicados abaixo, endo que os valores de referência se en- contram geralmente dentro dos seguintes 1nl'erva los: adul- to: 40 - 80 batimentos por mi!H.J lo; vitelo: 100 - 140 bpm. S1tu11ções de Laciuicardia ocorrem em animais com hipocal- cé1111a, infecções com toxernla (e.g. rnamiles, perlmnites), anemia ou stress. Algumas situações clínicas em bovinos em que há bradlçardía são: Jejum, Indigestão vagai, botulis- mo e hipercalémia. A auscultação do coração pode revelar um ruído abafado ou ru- ído de marulho que ocorre numa das patologias cardíacas mais frequentes em bovinos adultos que é a pericardite traumática. Um ruído abafado pode também ocorrer em vacas muito gor- das e em situações de efusões pleura is, abcessos ou neoplasias. Em vitelos com diarreia podem ocorrer arritmias devido a hi- percalémia. Estas arritmias podem surgir também em animais adultos devido a desequilíbrios hidro-electrolíticos graves (e.g. fibrilhação atrial em deslocamento ou volvo abomasal). Os sopros podem ser auscultados quer do lado esquerdo quer do lado direito e na sua origem podem estar estenoses ou insuficiências valvulares (mais frequentemente devido a endocardites). Cerca de 75% das lesões cardíacas em bovi- nos (endocardites) afectam a válvula tricúspide. No caso de endocardites é de esperar hipertermia (> 40<>C). Sopros tam- bém podem ser audíveis em casos de defeitos congénitos ou quando a velocidade ou volume de sangue são elevados ou a viscosidade do mesmo é baixa. Se durante a ausculta- ção forem detectados sopros deve ser feita uma tentativa de os localizar, relacionando-os com as válvulas cardíacas. Na maioria dos casos, os sopros sistólicos estão relacionados com insuficiência das válvulas AV ou estenoses das válvulas da aórtica ou pulmonar, enquanto que sopros diastólicos são mais frequentes em caso de insuficiência da válvula aór- tica ou pulmonar. Sopros relacionados com insuficiências da tricúspide são mais audíveis no lado direito. 4.2.2.3. Pesquisa de Dor abdominal A dor abdominal anterior pode ser causada por retículo- -peritonite traumática (à esquerda da linha branca), úlcera do abomaso (à direita da linha branca) ou peritonite por outras causas. Sinais de dor podem ser incitados pressionando a co- luna dorsal, pressionando o abdómen ventral com o joelho, o punho ou um pau - o animal pode evidenciar dor através de um gemido ou levantando o membro posterior do mes- mo lado (coice). Devemos ter em atenção que sendo os bo- vinos animais estóicos muitas vacas podem não reagir a quaisquer destes estímulos. O limiar de tolerância à dor num bovino é bastante mais elevado do que noutros animais (e.g. equinos) e manifestam sinais de dor de maneira bastante di- ferente - ranger os dentes, orelhas caídas, prostração, gemi- dos, pontapear o abdómen, olhar o flanco ou deitar-se em decúbito lateral com os membros estendidos ... 4.2.3. Exame da zona cervical No pescoço devemos observar a veia jugular. O grau de en- gorgitamento (Fig. 26) ou a presença de pulso jugular deve ser observado com a cabeça em posição normal e nunca para baixo. Devemos saber distinguir pulso jugular falso de pulso jugular verdadeiro - fazer garrote à entrada do peito e a meio do pescoço; soltar garrote mais baixo; se jugular se mantiver engorgitada teremos um caso de pulso verdadei- ro. O grau de hidratação pode ser avaliado pela prega de pele a nível da tábua do pescoço (mais eficaz em vitelos e pouco fiável em vacas velhas ou bovinos de carne). A prega de pele deve desaparecer em menos de 2 segundos. O ede- ma da barbela surge em casos de hipoproteinemia ou pa- tologia cardíaca, mas pode ter origem iatrogénica quando foram administradas soluções irritantes nesta zona (e.g. bo- rogluconato de cálcio). A compressão ligeira da faringe ou traqueia desencadeia tosse em animais com inflamação do tracto respiratório su- perior. Na zona do dorso, ao palpar a coluna vertebral pode-se de- tectar a presença de gás (enfisema sub-cutâneo, provoca- do, por exemplo, por pneumotorax, após cirurgia abdomi- nal, edema maligno, pneumonia por vírus sincicial ou M. haemolytica). Em animais de campo poderá ainda observar- -se nódulos de Hypoderma ao longo do dorso e lombo. O linfonodo pré-escapular pode ser palpado imediatamen- te cranial à articulação escapulo-humeral. 4.2.4. Exame do lado direito 4.2.4.1. Região abdominal A auscultação do abdómen direito dos bovinos normal- mente não revela sons particulares com excepção de al- guns raros borborigmos com origem no intestino. Deve pesquisar-se a presença de sons metálicos (ping) através da auscultaçãocom percussão ou sucussão do intestino gros- so (cego e colon) e do abomaso de forma a diagnosticar deslocamento ou torção do abomaso (ping debaixo das últimas costelas), dilatação e torção do cego (ping no cava- do do flanco), pneumoperitoneu ou colón com bastante gás (ping por baixo das apófises transversas lombares). 4.2.4.2. Região toráxica Tórax - A área de auscultação do pulmão direito é idêntica à do lado esquerdo não havendo diferenças importantes. A auscultação do coração faz-se no 4.°-5.0 espaço intercos- tal, junto à axila, para ouvir a válvula tricúspide (Fig. 25). O exame das restantes regiões não apresenta diferenças de metodologia dignas de registo. 4.2.5. Exame do úbere (Fig. 27) Um exame mais detalhado da glândula mamária pode ser feito nesta altura. Deve-se ter atenção aos seguintes aspec- tos no exame físico do úbere e tetos: assimetria e diferença de temperatura entre quartos, dor à palpação, consistência do tecido mamário, presença de teilites eventualmente acompanhadas de fibrose do canal do teto, obstruções por corpos estranhos, soluções de continuidade, inversão do esfíncter etc. .. Se este exame fizer suspeitar de infecção in- tra mamária pode-se realizar um Teste Californiano de Mas- tites (TCM) dos diversos quartos, lembrando-se sempre que a colheita de leite implica a remoção do desinfectante (teat- -dip) que sela o canal do teto. Por esta razão só deverá ser efectuada a ordenha se houver necessidade de uma análise mais cuidada da secreção. Deve-se observar o aspecto ma- croscópico do leite sobre uma superfície escura, que inclui presença de grumos, sangue, leite aquoso etc ... 4.2.6. Outros exames Nos vitelos jovens (<2 meses) é essencial fazer um exame minucioso do umbigo. Neste exame procura-se tumefac- ção, dor à palpação, aumento da temperatura, presença de pus ou outro corrimento, fibroses, possibilidade de redução da massa umbilical e presença de anel herniário. Estes sinais permitem o diagnóstico diferencial entre onfalite, hérnia umbilical, fibrose ou abcesso. 4.2.7. Exame por via trans-rectal Nas vacas de leite este exame é relativamente seguro e de fácil execução, mas poderá ser perigoso em vacas de carne e em novilhas. Deve-se proceder a uma boa lubrificação das luvas com gel ou mesmo com as fezes do animal. Este exa- me é deixado para depois da auscultação do abdómen por- que a entrada de ar para o recto e cólon pode alterar os sons à percussão e auscultação do flanco direito. Para um exame trans-rectal completo deverão ser examina- das as seguintes estruturas; • Em condições normais - rumen, rim esquerdo, aorta ab- dominal, artérias ilíacas, intestino delgado e tracto repro- dutivo (cérvix, cornos uterinos e ovários). Artéria uterina com frémito (a partir dos - 120 dias de gestação). • Em casos de doença poderá ser encontrado: - Ceco distendido - quadrante direito. - Ansas intestinais (delgado e grosso) dilatadas e tensas - Encarcerações. - Neoplasias - metástases no mesentério; lipomas (ne- crose da gordura) - Rim, ureteres e bexiga aumentados de tamanho. A pal- pação pode provocar sinais de dor. - Aderências e/ou enfisema no abdómen caudal. - Gânglios linfáticos mesentéricos aumentados. - Alterações do tracto reprodutivo - quistos, aderências, paredes uterinas espessadas, assimetrias entre cornos uterinos, piometra ... - Muito raramente: abomaso distendido, apenas no caso de volvo abomasal e numa zona bastante anterior (ne- cessidade de braço comprido); hepatomegalia. Durante a palpação deveremos estar atentos a sinais de dor e desconforto que poderão indicar peritonite, metrite puer- peral, lesões pós-parto do canal pélvico, ou irritação da mu- cosa rectal . Durante e após a palpação rectal são observadas as fezes no que diz respeito à quantidade, consistência, presença de sangue, muco, falsas membranas, material alimentar não digerido ou corpos estanhos (e.g. areia e pedras). 4.2.8. Exame da cabeça Devido ao facto da observação da cabeça de um bovino lhe causar bastante apreensão devemos deixar o seu exa- me para o final. O clínico nunca se deve esquecer que a cabeça de um bovino constitui a sua arma mais perigosa e que mais nos pode magoar. Na cabeça as estruturas abaixo indicadas devem ser examinadas cuidadosamente: 4.2.B.1 . Olho Conjuntiva - Amarelada (icterícia); Palidez (hemorragias, úlceras, diarreias sanguinolentas, plasmólise devido à in- gestão de grandes volumes de água ou desidratação); congestão e edema em infecções locais ou sistémicas como IBR, Febre Cata rral Maligna, Querato-conjuntivite Infecciosa dos Bovinos, Pasteurelose, ou corpos estra- nhos; presença de petéquias no caso de clostridiose ou CID; presença de parasitas (Thefazia sp.) ou corpos estra- nhos (frequentemente praganas). Esclera - engorgitação dos vasos em casos de toxemia ou septicemia; amarela em casos de hemólise; hemorra- gias benignas em vitelos no pós-parto. Córnea - opacidade (e.g. corpo estranho, querato- -conJuntivite infecciosa, septicemia, acidose), úlcera (ge- ralmente por querato-conjuntivite infecciosa bovina) (Fig. 28), ruptura. Diâmetro da pupila - mídriase (e.g. hipocalcémia) ou miose (e,g. intoxicação por organofosforados). Visão - quando não há lesões evidentes a cegueira pode ser difícil de avaliar sendo suspeitada quando há alterações de comportamento (e.g. choque contra objectos, cabeça fixa em posição de audição sem reacção à aproximação) ou ausência de resposta a um gesto de ameaça (aproxima- ção rápida da mão). No entanto lembrar que a ausência de reflexo tanto pode significar paralisia como cegueira. Estrabismo - geralmente congénito, mas surge em casos de leucose. • Presença e simetria de reflexo pupilar - diagnóstico dife- rencial entre avitaminose A (reflexo ausente) e Bl (reflexo presente). 111 Ol hos encovados - sin al que surge tanto em casos de caquexia como de desidratação. • Pálpebras - presença de papilomas, quisto dermóide, ec- tropion, feridas .. . Paralisia bi-lateral ou hemiplegia (e.g. listeriose). Pólipos e carcinomas espino-celular são mais frequentes na 3.a pálpebra (Fig. 29), mas podem ocorrer em qualquer tecido do olho ou na região peri-ocular. 4.2.8.2. Orelhas As orelhas podem dar informação sobre o estado geral dos animais. Animais com saúde orientam as orelhas na direc- ção de estímulos visuais ou auditivos. Em casos de doença podem estar caídas, deitadas para trás (BSE) ou assimétricas (e.g. listeriose ou síndrome vest ibular). Temperatura - orelhas frias podem ajudar a avaliar o estado de desidratação especialmente em vitelos. Otite - principalmente em vitelos - cabeça inclinada para um dos lados e orelha caída (Fig. 30). Procurar dor e presen- ça de corrimento purulento. Verificar ainda a colocação correcta de brincos já que a apli- cação sobre as carti lagens do pavilhão auricular por condu- zir a hematomas e abcessos com dor (Fig. 31 ). 4.2.8.3. Focinho e narinas O focinho de um bovino saudável está limpo e húmido (a língua limpa-o con stantemente). Um focinho sujo é nor- malmente sinal de mal-estar, paralisias (e.g. botulismo ou paralisia de nervos cranianos). O focinho seco pode ser sinal de desidratação ou hipocalcémia. Examinar o interior das fossas nasais - erosões e úlceras no caso de IBR (Fig. 32). Procurar corpos estranhos. Deve-se avaliar o fluxo de ar quanto a velocidade, simetria e cheiro. Alteração na simetria é sinal de lesão/doença a nível das fossas nasais (Fig. 33). Avaliar ainda o corrimento que normalmente é seroso e em pequena quantidade. Corri- mento sero-mucoso, mucoso ou purulento ocorrem em graus diferentes de infecções do tracto respiratório (Fig. 23). Sangue com espuma bilateral é sinal de hemorragia pul- monar que acontece principalmente no caso de Síndromada Veia Cava. 4.2.8.4. Seios frontais e nasais Avaliar o estado dos seios por percussão na área entre base dos cornos e cantos mediais dos olhos - sinais de dor ou som maciço geralmente associam-se à presença de sinusi- tes. Vacas descornadas recentemente podem apresentar um corrimento sanguinolento ou purulento por infecção do seio frontal. 4.2.8.5. Boca Certos autores dizem que nunca se deve "voltar as costas" a um animal que não come sem examinar com cuidado a ca- vidade bocal. Os incisivos dos bovinos não são muito peri- gosos, mas os molares podem provocar lesões graves no operador e por isso o exame deve ser feito com precaução. Abrir a boca introduzindo a mão logo atrás dos incisivos fa - zendo pressão sobre o palato. Se necessário observar du- rante mais tempo ou com maior pormenor as zonas poste- riores da cavidade bocal deve-se exteriorizar a língua usando um pano na nossa mão e puxando a língua para o canto da boca (Fig. 34). Em alternativa usar um abre-bocas específico para grandes animais. Podemos aproveitar para determinar a idade através da ob- servação da muda dos dentes incisivos (entre 18 meses e 4 anos) ou pelo seu desgaste. Mucosa - verificar a cor, humidade e integridade. Procurar presença de erosões, úlceras ou aftas (BVD - Doença das Mucosas, Febre Aftosa, Estomatite papulosa). Dentes - por exemplo, a muda dos pré-molares pode ser a causa de novilhas recém-paridas (2 anos) não comerem ou não con seguirem ruminar (presença de ingesta em redor do animal). Dentes partidos ou infecções das raízes podem ser os responsáveis pelo emagrecimento de um animal. O ranger de dentes é típico de bovinos com dor ou grande desconforto, Abcessos - provocado pelo entupimento dos canais das glândulas salivares, feridas, necrobacilose oral em vitelos ou infecção de um dente em erupção (Fig. 35). Tumefacções duras e não dolorosas da mandíbula ou maxi- la sugerem actinomicose ou neoplasias. Edema, falsas membranas e tecido necrosado nos tecidos moles da boca surgem em casos de actinobacilose (língua-de-pau). Ede- ma maligno por Clostrídeos ca usa tumefacção fria na zona da mandíbula porque a boca funciona como primeira porta de entrada quando a alimentação é agressiva. O hálito deve ser avaliado quando se faz o exame visual da boca. Hálito malcheiroso é detectado em casos de abcessos retrofaríngeos, necrobacilose oral ou mesmo em casos de pneumonia; o hálito a acetona surge em casos de cetose. O comportamento oral da vaca pode dar indicações quan- to a alguns estados físicos ou mentais. Por exemplo, uma vaca com a boca aberta quando o observador se aproxima pode indicar o início de uma hipocalcémia ou medo e frus- tração em animais incapacitados para se levantarem. No entanto, poderá surgir também em animais com um corpo estranho na cavidade bocal (e.g. arame) (Fig. 36). Animais a rodarem a língua fora da boca podem exibir um comporta- mento estereotipado ou possível falta de fibra na dieta. 4.2.8.6. Linfonodos A palpação dos linfonodos da zona da cabeça é feita por baixo (sub-mandibulares) e atrás (retrofaríngeos) de cada ramo da mandíbula. Empurrar com uma mão a laringe en- quanto que do lado contrário se procura apanhar o linfono- do, às vezes apenas sentindo o mesmo a ressaltar entre os dedos. Comparar os dois lados para melhor identificar hiper- trofias. Registar tamanho e sinais de dor. 4.2.9. Exame dos membros Quando existe claudicação é essencial um exame minucio- so dos membros, e em particular das úngulas já que cerca de 90% dos casos de claudicação têm origem em lesões/ doenças nas extremidades. Nas vacas leiteiras as úngulas mais afectadas (>80% dos casos) são as laterais dos mem- bros posteriores. Nos membros anteriores as lesões surgem maioritariamente nas úngulas mediais. Devemos lembrar- -nos que as claudicações podem também ser causadas por doenças neurológicas ou metabólicas ou incapacidades mecânicas (adquiridas ou congénitas), não sendo conse- quência de dor. Uma correcta investigação quanto às causas de claudica- ção deve começar pela observação à distância do animal em estação e a andar - os aprumas e apoios podem indicar qual o membro e mesmo qual a úngula afectada. No entan- to, os sinais de dor noutros pontos podem ser pouco evi- dentes se existir uma dor muito intensa numa úngula e por isso o exame de um animal côxo deve incluir sempre todos os membros e regiões. O afastamento lateral de um ou dois membros geralmente indica lesão na unha lateral dessa pata assim como a exten- são dos membros posteriores para trás significa dor na zona dos talões. Vacas que em estação cruzam os membros ante- riores normalmente apresentam lesão e dor nas úngulas mediais. O exame próximo das úngulas deve ser feito com cuidado e nas melhores condições de contenção possíveis. O uso de troncos especiais para o exame e tratamento de patologias das extremidades é o ideal, mas é possível adaptar a estru- tura dos estábulos. O exame das úngulas dos membros an- teriores em animais dóceis é possível apenas fazendo a contenção da cabeça e levantando o membro para cima do joelho do operador, mas os posteriores devem ser sem- pre levantados com auxílio de uma corda presa acima do curvilhão. Em animais violentos ou nervosos ou quando se prevê causar dor durante o exame, a extremidade deve ser atada a uma estrutura firme. No exame da úngula devem ser observadas e palpadas as diferentes zonas e estruturas, nomeadamente a sola, pare- de lateral e dorsal, espaço interdigital e pele adjacente à coroa (e.g. dermatite). Devem-se procurar fissuras (transver- sais e longitudinais), soluções de continuidade (geralmente espaço interdigital), úlceras da sola (geralmente na zona posterior da sola), zonas de penetração de corpos estra- nhos (geralmente na linha branca) ou hemorragias. No caso de ser difícil identificar a zona de origem da dor deve-se aparar o casco até ter a dimensão normal e, se ainda for necessário, usar um alicate de compressão. O olfacto é im- portante na detecção de abcessos e panarício. Quando a claudicação tem origem numa outra região que não na extremidade pode-se provocar a flexão das várias articulações tentando perceber quais causam dor (Fig. 37). Este é um exame relativamente fácil em animais jovens e essencial para detectar precocemente artrites sépticas em vitelos recém-nascidos. Esta situação não deve ser confun- dida com disfunções congénitas, como por exemplo con- tractura dos tendões flexores (Fig. 38). O bloqueio com anestésicos locais é possível, mas muito menos usado do que em equídeos. 4.3. O exame neurológico Por se tratar de uma área muito específica do exame clínico iremos fazer uma abordagem mais pormenorizada. Este tipo de exame, por ser mais complexo e demorado, não é efectuado por rotina sendo limitado aos casos em que se detectam alterações do comportamento, incoordenação, paresias, hiperestesias, convulsões ou qualquer outra con- dição que faça suspeitar de uma doença neurológica. Uma das primeiras considerações a fazer antes de iniciar o exame é determinar se se trata efectivamente de uma do- ença neurológica versus uma doença metabólica (e.g. hipo- magnesiemia ou hipocalcémia), nutricional (e.g. doença do músculo branco) ou de origem músculo-esquelética (e.g. miopatia). Ou seja, a fraca resposta a estímulos pode ocor- rer não por uma doença ou lesão neurológica, mas por uma incapacidade de reagir. Algumas características do animal afectado permitem avançar com alguns diagnósticos diferenciais e descartar outros - e.g. meningite em animais jovens, BSE em adultos, lesões congénitas típicas de certas raças, cetose nervosa em vacas com alta produção leiteira. Finalmente devemos fazer uma boa avaliação do ambiente de onde provém o animal (e.g. presença de baterias velhaspodem ser causa de problemas por ingestão de metais pe- sados em vitelos que as lamberam; fungos no azevém po- dem causar tremores, incoordenação e paresias). Um bom exame do local onde está o animal (mesmo que já morto) pode dar-nos indicações sobre reacções e comportamen- tos entretanto alterados ou suprimidos (Fig. 39). As perguntas a fazer de seguida são: 1) é um problema do SNC, sistema nervoso autónomo (SNA) ou periférico (SNP)? 2) Se é no SNC: é anterior ao forâmen magno, tem origem na medula espinhal ou são nervos periféricos que estão afectados? É muito importante ter uma boa noção da anatomia do SNC e das regiões inervadas por diferentes fibras. Por exem- plo, a acção e estruturas inervadas pelos nervos cranianos são essenciais a um bom exame de disfunções na região da cabeça (Tabela 2). Para identificar a região ou estrutura lesionada correcta- mente existem uma série de exames e perguntas que de- vem ser feitas: • História: para além da anamnese geral (já apresentada) deveremos saber quando se deu o início dos sinais, a evolução (e.g. progressiva, não progressiva, episódica), dados epidemiológicos (entrada de novos animais), aces- so a plantas tóxicas em pastagens ... • Relembrar outros sinais do exame clínico (e.g. frequência respiratória ou cardíaca, temperatura rectal) • Parece ser uma doença exclusivamente neurológica ou uma extensão de uma outra afecção (e.g. otite)? • Observar estado mental - o animal está alerta ou apáti- co? Mostra interesse no que o rodeia? • Reacção a estímulos dolorosos e não dolorosos - existe hiperestesia, alodinia ou hipoestesia? • Existe relação de certos sinais com nervos cranianos (Ta- bela 2)? • Posição da cabeça - opistótonos ou cabeça inclinada? • Olhos - existe nistagmus (para que lado?), resposta a ameaça, reflexo pupilar à luz, reflexo palpebral. • Alterações nos movimentos da língua, mastigação, rumi- nação, deglutição? • Tipo de postura e andamentos: paresia (fraqueza) ou pa- ralisia? Hipo ou hipermetria? Andar em círculos? • Comportamentos anormais - head-pressing, picacismo, agressividade, isolamento ... • Qual a tonicidade muscular- hipo or hipértonos?Timpa- nismo? • Presença de reflexos do aparelho locomotor: patelar, de retirada? Aumentados ou diminuídos? • Reacção a testes de propriocepção. O exame físico neurológico pode ser complementado por uma análise do líquido cefalo-raquidiano (LCR) através de uma punção lombar (entre LS e S1). Notar: quantidade, pressão (saída de fluido imediatamente após punção?), tur- vação (Fig. 40). Enviar quanto antes para avaliação de pro- 1 - Olfactlvo 11-Ôptico Ili - Oculomotor IV -Troclear V-Trigémeo VI - Abducente VII-Facial VIII- Vestlbulococlear/auditlvo IX - Glossofaríngeo X-Vago XI- Espinhal/Acessório XII - Hipoglossal na. - n~o se aplica Olfacto Visão Movimento do olho Movimento do olho Movimentos mastigatórios, sensibilidade da face Movimento lateral do olho Músculos da face. Movimento da língua Audição e equilíbrio Língua e faringe Faringe, laringe, coração, vísceras Músculos do pescoço Músculo da língua n.a. Reflexo de ameaça Reflexo pupilar à luz, movimento horizontal do olho Estender cabeça Reflexo palpebral. Observar movimento da mandíbula. Observar movimento do olho ao toque. Sensação na face. Reacção ao toque na face. Reflexo de ameaça Observar movimento vertical do olho. Ameaça auditiva em zona cega. Reflexo de engasgo à palpação da faringe. Movimentos da língua. Reflexo de engasgo, FC, contracções ruminais. Observar facilidade de movimentação do pescoço. Observar movimentos da llngua Difícil de avaliar em bovinos Choque com objectos, não foge ou reage a ameaça Estrabismo ventro-lateral, midríase Estrabismo dorso-lateral Bilateral = mandíbula descaída. Unilateral = dificuldade de ruminação, perda de ingesta, acumulação de ingesta na bochecha Estrabismo medial. Incapacidade de recuar globo ocular ao toque. Paralisia da face, ptialismo Ausência de resposta a estímulo auditivo, cabeça inclinada, nistagmus Dificuldade de deglutição. Engasgar. Falso trajectos. Síndrome vagai, timpanismo, dispneia, bradicardia Cabeça baixa. Pescoço estendido para baixo. Desvio da língua para o lado da lesão, Não recolhe a língua exteriorizada. teína, presença de leucócitos e bacteriologia. A punção cervical é bastante mais arriscada e difícil em bovinos e ofe- rece poucas vantagens em relação à punção lombar. hiperestesia, epilepsia, convulsões, tremores, opistoto- nus ... ) ou excessiva modelação/inibição das funções (de- pressão, head pressing, colapso, coma ... ). 4.3.1. Lesões cerebrais ou dos nervos cranianos Se bem que a relação não seja sempre linear, é possível pre- ver a localização aproximada da lesão através dos sinais clí- nicos exibidos (Tabelas 2 e 3). Lesão generalizada do SNC caracteriza-se por evidentes si- nais de disfunção cerebral e pode apresentar-se como defi- cite de modelação/inibição da actividade neurológica (e.g. Lesões ou doenças predominantemente cerebrais normal- mente acompanham-se de depressão, apatia, cegueira, convulsões ou comportamentos e movimentos estranhos e compulsivos. Lesões do cerebelo correspondem a altera- ções de movimentos musculares - tremores, balancear, in- coordenação, hipermetria, opistótonos e ataxia. Lesões do sistema vestibular caracterizam-se por cabeça inclinada, fal- ta de equilíbrio e de propriocepção, nistagmos e torneio. As principais causas são listeriose, lesões congénitas [hidrocé- Cérebro - cortex Cerebelo Vestibular (periférico) Vestibular (central) Tálamo e hipotálamo HACIONADOS COM ZONA LESIONADA Convulsões Depressão - Sistema Reticular Cegueira cortical (sem lesão ocular) Demência - comportamentos estranhos Opistótonos Headpressing Bocejar Vocalização anormal Andar em círculos (circling) Ataxia (c/ ou si paresia) Tremores Estação alargada Hipermetria Hipertónus muscular Quedas para trás Deficit de propriocepção (inconsciente) Ausência de reflexo de ameaça, mas sem cegueira Cabeça descaída (para o lado da lesão) Pálpebra semi-cerrada (para o lado da lesão) Andar em círculo (para o lado da lesão) Encostar (para o lado da lesão) Nistagmos (geralmente horizontal) Ataxia c/ e s/ fraqueza Alerta, desperta e mantém apetite Cabeça descaída Pálpebra semi-cerrada Andar em círculo (para o lado da lesão) Hemiplegia Encostar (para o lado da lesão) Nistagmos (horizontal, vertical, rotatório) Ataxia c/ fraqueza Perda de apetite Depressão e demência Alteração de comportamento Desregulação da temperatura. Golpe de calor? Disfunção endócrina falo (compressão por acumulação de LCR) ou hipoplasia cerebral (e.g. BVD)J, lesão do ouvido médio/interno por oti- te ou abcesso. tores com origem periférica. Grande parte dos deficites dos nervos cranianos têm origem em lesões no tronco cerebral. Certos agentes neurotrópicos atingem esta zona através das fibras oriundas do SNP (e.g. vírus da raiva e Listeria mo- nocytogenes) e exercem aí o seu efeito patogénico - síndro- me vestibular, sinais de torneio, hemiplegia generalizada, O tronco cerebral contém importantes centros neuroacti- vos e núcleos de vários nervos cranianos, para além de ser uma zona de processamento de estímulos sensitivos e mo- alteração do comportamento. O nistagmos ocorre em ca- sos de lesões no tronco cerebral, mas também no cerebelo ou ouvido interno. A observação do grau de resposta a estímulos pode ser im- portante para identificar a zona do SNC ou o(s) nervo(s) craniano(s) afectado(s). A falta de resposta ao reflexo deameaça (colocar um plástico ou vidro transparente entre a mão em movimento para ter a certeza de não ser o movi- mento do ar a provocar a reacção) pode indicar lesão do olho, nervo óptico ou n. VII. A ausência de reacção ao teste de fixação (seguir com os olhos um lenço deixado cair à frente) pode corresponder a lesões oculares, SNC ou n. li, IV ou VI. O reflexo palpebral pode estar diminuído em casos de lesão do n. V ou VII. O reflexo pupilar à luz deve ser avaliado num ambiente escuro e deve ser prestada a atenção à sime- tria do reflexo. Cegueira com presença de reflexo pupilar in- dica lesão a nível central, enquanto que cegueira sem refle- xo pupilar à luz sugere lesão ocular ou no tronco cerebral. Ausência de reflexo corneal é típica de lesão do n. Ili e VI. O estrabismo pode ser congénito, mas quando adquirido pode corresponder a lesões de nervos cranianos (Tabela 2). Não há síndromes ou doenças relacionadas com lesões exclusivas do SN Autónomo. No entanto, intoxicações com compostos com actividade neurotransmissora, po- dem exacerbar ou inibir a actividade do parassimpático ou do simpático. As situações mais frequentes são as in- toxicações por compostos de acção parasimpaticomi- mética (e.g. organofosforados) que se caracterizam por hipersalivação, miose, diarreia, tremores, espasmos mus- culares e convulsões. 4.3.2. Lesões da espinhal-medula (Tabela 4) As lesões da medula espinhal e/ou coluna vertebral são relati- vamente raras em bovinos e geralmente relacionam-se com traumatismos. É importante que a sua localização seja o mais precisa possível, mas o exame neurológico exaustivo pode ser difícil em bovinos adultos, tanto pela discreta exibição de dor como pela corpulência do animal que dificulta uma avaliação correcta das reacções posturais, reflexos e mesmo tónus e movimento. Provocar uma reacção de retirada por picada de agulha no sentido caudal pode dar uma ideia da localização da lesão quando ocorre transição de hiperestesia para hipoes- tesia. No entanto, lembrar que pode haver perda de reflexos sem alterações de nocicepção e por isso deve-se ter cuidado para não causar excessiva dor ao animal. As células do neurónio motor superior (NMS), localizadas no cérebro, estimulam ou inibem as células do neurónio motor inferior (NMI), mantêm o tónus, iniciam o movimen- to e mantêm a postura. As células do neurónio motor infe- rior (NMI) estão localizadas na medula espinhal e inervam directamente os músculos e órgãos efectores. De uma for- ma resumida temos que: • das lesões de NMS resultam reflexos normais ou aumen- tados e atrofia muscular progressiva e discreta. • das lesões de NMI resultam reflexos diminuídos ou au- sentes e atrofia muscular rápida e severa. Um segmento espinhal é definido como uma porção de medula que dá origem a um par de nervos espinhais. Em termos de função a medula espinhal é dividida em cinco segmentos: Cl-CS, C6-T2, T3-L3, L4-S2, S3-cd5. As células de neurónio motor inferior (NMI) para os membros torácico e pélvico estão localizadas na intumescência cervical (C6-T2) e lombo-sagrada (L4-S3), respectivamente. Geralmente as lesões medulares provocam uma lesão do NMS e da pro- priocepção caudalmente à zona afectada. Lesões localiza- das na intumescência cervical ou lombo-sagrada afectam NMI para os membros anteriores ou posteriores, respectiva- mente. Salvo raras excepções as lesões da medula provocam uma mesma sequência de alterações que se inicia com perda de propriocepção, perda de movimento e finalmente de nocicepção. C1-CS Alteração da postura e movimento da cabeça e pescoço Perda de sensibilidade superficial Défice da propriocepção consciente Reflexos aumentados Ataxia/fraqueza nos quatro membros Prostração - só levanta cabeça se lesão for caudal a C4 Rigidez de movimentos a virar Tropeça ou arrasta boleto. Dificuldade em levantar membro interior quando obrigada a andar em círculo Membros posteriores hiper-reflexivos Reflexos dos membros anteriores reduzidos_ C6-T2 Tropeça por deficiente propriocepção dos membros anteriores Perda de sensibilidade superficial T3-L3 Ataxia/fraqueza - membros anteriores Reflexos nos membros anteriores normais Membros posteriores hiper-reflexivos Deficiente propriocepção dos posteriores Perda de sensibilidade superficial (a jusante da lesão) Ataxia/fraqueza - membros posteriores Posição "cão sentado" Bexiga distendida de difícil esvaziamento, esfíncter uretral espático. L4-S2 51-52 Reflexos nos membros anteriores normais Reflexos dos posteriores diminuídos Deficiente propriocepção dos posteriores Perda de sensibilidade superficial (caudal à da lesão) Ataxia/fraqueza - membros posteriores Distensão da bexiga. Perda do tónus anal Incontinência urinária (atonia do músculo detrusor). 53-Cd5 Cauda flácida, falta de sensibilidade no pénis, vulva e períneo. Deste modo o diagnóstico da localização da lesão espi- nhal é relativamente fácil se fizermos um exame neuro- lógico correcto e baseia-se na seguinte combinação de sinais de NMS, NMI e normalidade para os quatro mem- bro s: Zona cranial à lesão --t reflexos normais; Zona da lesão --t reflexos NMI; Zona caudal à lesão --t reflexos NMS. As tabelas 4 e 5 resumem os sinais esperados para as dife- rentes localizações das lesões medulares. (1-(5 C6-T2 T3-L3 L4-53 54-cdS NMS Normal ou NMS NMI Normal ou NMS Normais NMS Normais NMI Normais Normais 4.3.3. Lesões dos nervos periféricos Os nervos periféricos são frequentemente lesionados ou traumatizados no casos de agressões, partos distócicos, decúbito prolongado em superfícies duras e injecções de produtos irritantes em animais com pequeno volume muscular (lesão do ciático em vitelos após injecção na região da coxa) . Para se perceber qual o nervo lesionado é preciso saber bem qual a zona inervada por cada ramo e quais as funções do nervo. O exame à distância é essen- cial para uma correcta apreciação da postura, movimen- tos e paresias. O exame de proximidade inclui a avaliação da presença de dor, redução da amplitude de movimen- tos e presença e grau de alguns reflexos (e.g. reflexo pate- lar, reflexo do tricipede, reflexo pedal). Algumas situações frequentes em bovinos são lesões do: plexo braquial por excessiva tracção em partos ou membro anterior preso pela axila em portões, conduz a paralisia quase total do membro; nervo radial com incapacidade de estender as articulações do cotovelo, carpo e dígitos e que normal- mente sucede a decúbito lateral prolongado (Fig. 41); nervo ciático e nervo obturador após partos difíceis e conduzindo a adução completa uni ou bilateral (Fig. 42) e arrastar das pinças quando o animal anda; lesão do nervo ciático com incapacidade de flectir membro posterior após injecções em vitelos com produtos oleosos ou irri- tantes; lesão do nervo peroneal após decúbito prolonga- do e caracterizado pela incapacidade de estender o bole- to fazendo com que a face cranial arraste no chão (Figura 43); lesão do nervo tibial que se caracteriza por curvilhão flectido e descaído e boleto constantemente flectido, mas a úngula normalmente assenta completamente no solo (Fig. 44). 1. ANÁLISES SANGUÍNEAS EM BOVINOS - ASPECTOS PRÁTICOS. Nesta secção iremos apresentar alguns dos parâmetros ob- tidos por análise sanguínea, o significado das principais al- terações e como tirar o melhor partido dos resultados. Em clínica de bovinos o factor económico tem um enorme peso e portanto é fundamental: i) fazer uma selecção crite- riosa dos parâmetros que serão mais úteis para o diagnósti- co, sem o risco de perder informações preciosas; ii) colher e enviar o sangue/soro/plasma nas melhores condições para que a possibilidade de erros seja minimizada. Começaremos por fornecer um resumo dasregras essen- ciais para melhor aproveitamento deste meio complemen- tar de diagnóstico. • Não ler os resultados "longe" do animal - os exames labo- ratoriais só devem servir para excluir ou confirmar os diagnósticos diferenciais entretanto avançados. Ou, no caso do diagnóstico já estar estabelecido, permitem ajui- zar a gravidade, avaliar o sucesso da terapêutica, prever a evolução e avançar com um prognóstico. • Valores de referência - os valores no intervalo de refe- rência são obtidos em circunstâncias (e.g. ambiente, raça, sexo, idade) provavelmente diferentes daquelas que se tem presente e correspondem a cerca de 95% da população testada. Por estas razões a interpretação dos resultados deve ser sempre feita com espírito críti- co (Fig. 1). • A sensibilidade e especificidade dos testes variam bas- tante entre parâmetros. • Falsos resultados podem resultar de: má colheita, arma- zenagem e envio; uso de anticoagulantes não adequa- dos; tempo decorrente desde a recolha; incorrecta iden- tificação e informação; terapêutica entretanto instituída; complicações da doença original; ou, erros laboratoriais. • Variações a nível do laboratório - deve-se ter cuidado na comparação de resultados oriundos de laboratórios diferentes e, portanto, deve-se evitar usar laboratórios diferentes para o mesmo caso clínico. Os laboratórios devem saber previamente com que espécie se está a trabalhar. • Variação devido aos anticoagulantes: - nas determinações dos valores de electrólitos devem evitar-se compostos contendo sódio ou potássio. - o ácido etileno-diamino-tetra-acetico (EDTA), os oxala- tos e os citratos evitam a coagulação por serem que- lantes do cálcio. Porque este elemento é um cofactor essencial à actividade de algumas enzimas, deve ser evitado o EDTA se forem efectuados testes que in- cluem reacções químicas. - a heparina provoca alguma hemólise, com elevação dos níveis de potássio. - sais de flúor são apenas úteis quando se quer inibir a glicó/ise causada pelos eritrócitos, pois prejudicam muitas outras reacções enzimáticas. - o soro (ausência de anticoagulante) é o ideal para a maioria dos parâmetros de bioquímica sanguínea. - no plasma (sangue com heparina) pode ser obtida muita informação apenas por observação macroscópi- ca após centrifugação (e.g. hemólise intravascular, lipi- demia, icterícia). Como já se referiu, alguns erros podem ser causados por deficiente técnica de colheita, armazenamento, transporte e processamento. Alguns exemplos mais comuns são: • hemólise por uso de agulhas de calibre demasiado es- treito; vácuo na seringa demasiado potente; forçar san- gue para o tubo de colheita através da agulha; tempera- tura ambiental elevada; trepidação ou vibração intensa. A hemólise prejudica os valores do hemograma, altera a leitura de outros componentes, se for usada a refracção luminosa, e permite a saída de certos elementos (e.g. po- tássio) do interior das células. • stress e excitação do animal (Fig. 2) poderá afectar certos valores. • tempo desde a última refeição afecta alguns parâmetros, especialmente em vitelos pré-ruminantes. • temperatura de armazenamento - manter o metabolis- mo elevado favorece o consumo de certos compostos ou aumenta a permeabilidade da membrana celular com a consequente passagem para o soro de certos elemen- tos (e.g. potássio). A refrigeração é aconselhada se as amostras demorarem mais do que 1 - 2 horas a entrar no laboratório (30 minutos no caso da glucose). • o vaso utilizado para a colheita pode influenciar certos valores, como os gases sanguíneos, glucose, fósforo (mais baixo na jugular do que na mamária devido à se- creção de fosfatos na saliva) e corpos cetónicos. A coc- cígea não deve ser usada para o teste de coagulação pois a contaminação por tromboplastina dos tecidos é muito provável. Pela mesma razão o sangue destinado a exames de coagulação deve ser colhido com muito cuidado para não incluir componentes de tecidos extra-vasculares. Para uma correcta análise dos resultados convém relembrar a distribuição dos fluidos no organismo (Tabela 1 ): Volume total de fluido (VTF) 60% do peso vivo (75% em vitelos) Fluido intracelular (FIC) 2/3 VTF; 40% do pv Fluido extracelular (FEC) 1 /3 VTF; 30% do pv (50% em vitelos) Volume lntravascular 1/4 FEC; 6-8% do pv Volume Intersticial e GI 3/4 FEC; 22-24% do pv Por vezes a escolha dos parâmetros a avaliar depende da história e do quadro clínico, devendo existir um compro- misso entre o custo e a informação considerada indispensá- vel. Nestes casos poderá ser preferível o pedido de um pai- nel de análises. Por exemplo, as situações clínicas indicadas exigem as seguintes avaliações: • diarreia neo-natal (i.e. decidir composição da fluidotera- pia) - pH, Na+, c1-, K+, Excesso de Base ou HC03-, ureia, creatinina. • fraqueza muscular (e.g. vaca caída) - CPK, AST, pH, K+, Ca2+, Na+ • excitação e comportamento estranho - Mg2+, Ca2+, ~-hidroxibutirato. Na+ e glucose (vitelos). • obstrução gastro-intestinal (e.g. para prognóstico antes da cirurgia) - hematócrito, PT, pH, K+, c1-, glucose. • painel hepático (e.g. fígado gordo) - PT, albumina, trigli- céridos, SDH, AST, GGT, bilirrubina, ureia. • dor abdominal - hemograma e leucograma, fibrinogé- nio, PT e albumina. • problemas do pós-parto (e.g. DAE, metrites ... ) - Mg2+, Ca2+, P(i)+, ácidos gordos livres (NEFA), ~-hidroxibutirato. De seguida resumem-se os significados das alterações dos pa- râmetros sanguíneos mais frequentemente avaliados em clíni- ca de bovinos. Os valores de referência podem ser consultados na Tabela 3 e 4, no fim deste capítulo. Hematocrito (%) Significado Volume ocupado pelos eritrócitos por 100 mi de sangue (em tubo de hematócrito ou calculado = VCM x n.0 eritrócitos) Valores elevados Desidratação, choque. Policitemia. Valores diminuídos Anemia - hemólise, hemorragias crónicas, anemia não regenerativa. Hiper-hidratação (iatrogénica ou outra) Colheita EDTA. • Porque o intervalo fisiológico é tão amplo, este é um parâmetro um pouco falível para avaliação do estado de desidratação Poderá ser mais útil se comparar- mos valores consecutivos do mesmo animaL • O melhor método é num tubo de hematócrito após centrifugação Valor calculado a partir do n ° de eritrócitos é mais falível pois é iníluenciado por inúmeros factores (e.g. calibração do contador de células). Eritrócitos Significado Responsáveis pelo transporte de oxigénio (ligação à hemoglobina). Número de eritrócitos por mi- crolitro de sangue. Valores elevados Policitemia e.g. habitats de montanha. Hipoxia prolongada. Anemia - hemólise, carências (Fe, Co, Cu), tóxicos, hemorragia crónica (e g. parasitismo, úlceras do Valores diminuídos abomaso), ecto e endo-parasitas, doenças hepáticas e doenças crónicas, Erro laboratorial (confusão com plaquetas). Hemólise iatrogénica. Colheita EDTA. • Os ruminantes tem eritrócitos pequenos e por isso a avaliações feitos por instrumentos não calibrados para estas espécies podem dar valores inferiores à realidade • Em caso de hemorragia recente poderá não haver alteração no n ° de eritrócitos (só evidente após hemodiluição). • Igualmente importante observar certas características morfológicas dos eritrócitos, como por exemplo: • Presença de hemoparasitas - Anaplasma spp. Babesía spp, Theílería spp. e Trypanosoma spp. • Acantócitos - e g doença hepática • Corpos de Heinz - intoxicações (e.g. cobre), deficiência em fósforo ou selén10 • Reticulócitos - anemia regenerativa Nos bovinos a mobilização de eritrócitos imaturos começa 2-4 dias após perdas importantes e atinge o pico aos 4-7 dias. Volume Corpuscular Médio (VCM) Significado Volume médio do eritrócito individual em microns cúbicos= (hemotócrito x 1 O)/ n.0 eritrócitos
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