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O Papel Pedagógico da Experimentação no Ensino de Química Orliney Maciel Guimarães Atualmente tem-se buscado novas metodologias que possam vir a incentivar os alunos do ensino médio a se interessar pelo conhecimento químico. Uma maneira de contextualizar e trazer a Química para mais próximo dos alunos seria através da experimentação, que permite articular teoria e prática. É de consenso de professores e pesquisadores de química que atividades experimentais auxiliam na consolidação do conhecimento, além de ajudar no desenvolvimento cognitivo do aluno (GIORDAN, 1999). No ensino de Química, a vivência de situações reais é de grande importância para a compreensão e correlação dos diversos conteúdos, no entanto é preciso ter alguns cuidados para que a experimentação não seja encarada apenas como um espetáculo de cores e efeitos. Na experimentação tradicional, a atividade experimental, na maioria das vezes é utilizada para ilustrar teorias. As aulas seguem roteiros como se fossem receitas em que nada pode dar errado, ou seja, nada pode fugir da teoria e do domínio do professor. As Diretrizes Curriculares para o Ensino de Química do Estado do Paraná (PARANÁ, 2009) recomenda atividades experimentais para o ensino médio considerando que a compreensão e a apropriação do conhecimento químico, se dão por meio do contato do aluno com o objeto de estudo. Esse contato deve ser planejado, organizado e dirigido pelo professor numa relação dialogada e a experimentação deve levar o aluno a refletir sobre os conceitos envolvidos, dando significado a ciência, permitindo assim uma participação mais efetiva do processo de aprendizagem, rompendo a idéia tradicional de experimentação. As recomendações explicitadas nestas diretrizes consideram a experimentação como um instrumento que favorece a apropriação efetiva do conceito, enfatizando a problematização como ponto de partida para a construção dos conhecimentos. Desta forma, essa experimentação deve levar o aluno a pensar, a refletir sobre os conhecimentos que está sendo adquirido, ou seja, a atividade experimental deve envolver o aluno e auxiliá-lo na aprendizagem. A experimentação ocupou um lugar de destaque na consolidação das ciências atuais e na metodologia científica. A partir do séc. XVII à medida que as leis formuladas precisavam ser empiricamente comprovadas, a experimentação passou a ser muito utilizada, sendo pautada na racionalização do pensamento. Segundo Galiazzi (2001), a origem do trabalho experimental nas escolas foi há mais de cem anos e era baseado no trabalho experimental desenvolvido nas universidades. Estas atividades experimentais no ensino receberam um grande impulso no início da década de 60, com o desenvolvimento de alguns projetos de ensino provenientes dos Estados Unidos. Projetos estes desenvolvidos em razão do rápido desenvolvimento da ciência e da tecnologia refletindo um grande impacto na educação. Nessa época, ocorreu uma corrida armamentista e tecnológica entre EUA e a antiga União Soviética que estava em ascensão após o lançamento do Sputinik e por esse motivo, nos Estados Unidos buscou-se no ensino de ciências uma possível contribuição para o desenvolvimento tecnológico. O enfoque da experimentação nesta época era formar “mini-cientistas” utilizando como método de ensino a redescoberta, no entanto esta proposta foi contestada em diversos trabalhos (HODSON, 1994 e GIL-PEREZ, 1993), pois segundo esta proposta o “método científico” se transformava em uma receita linear que resolveria qualquer problema passando uma visão deturpada aos alunos. Na grande maioria dos casos os 1 alunos não descobriam por si só os conceitos científicos, sendo absolutamente necessária a mediação do professor. No Brasil esses projetos foram traduzidos e divulgados, nos quais muitas crenças dos professores sobre a importância das atividades experimentais estavam expressas (GALIAZZI, 2001) e apesar de o ensino experimental proposto nesses materiais fosse inovador, os professores mantiveram como objetivo o ensino do método científico como forma de aplicar o ensino experimental, sem uma adaptação educacional. Para Marques e Peres (2005), a utilização do método científico para orientar a construção do conhecimento parece insustentável na Ciência e na educação científica. A idéia de que a observação independe da teoria, como propõem os defensores do método científico, favorecendo a obtenção de dados puros e verdadeiros é contestada epistemologicamente e neste caso o que se defende é justamente o contrário, que a relação entre observação e interpretação não é neutra. Nas décadas de 70 e 80 o foco do ensino de ciências deixou de ser no ensino e passou a ser na aprendizagem, o que levou a um movimento sobre concepções alternativas e mudança conceitual. Essa proposta de mudança conceitual refletia as influências da psicologia cognitiva e considerava que através do levantamento de concepções alternativas dos estudantes sobre determinados assuntos, o professor deveria levantar questionamentos que poderiam gerar conflitos cognitivos por parte dos alunos e a explicação desse conflito deveria ser contraposto com a visão da ciência aceita e desta forma a aplicação de conceitos científicos poderia ser empregada em contextos diversificados (GIL-PEREZ, 1993). No entanto o que se constatou foi que em muitos casos os conflitos cognitivos mostravam-se inoperantes pelas seguintes razões, entre outras, muitos alunos não interpretavam o conflito cognitivo como tal, isto é, não percebiam a contradição e, portanto não existia o conflito. Em muitas situações de conflito, os alunos adaptavam a interpretação das observações ou dos resultados experimentais às suas idéias prévias, ou seja, o conflito cognitivo era externo, pois partia do professor e não dos alunos. Estas formas de pensar certamente influenciaram a prática de aulas experimentais tradicionais, fortalecendo o ensino de ciências baseado em teorias empiristas-indutivistas cultivada até os dias atuais. A experimentação tradicional tem sido largamente criticada na literatura por vários autores (GIORDAN, 1999; FRANCISCO Jr, 2008; GONÇALVES e GALIAZZI, 2004; ZANON e SILVA, 2000). De modo geral, alunos e professores tendem a uma visão simplista e tradicional sobre experimentação, focando na demonstração de teorias estabelecidas. Isso faz com que o processo de aprendizagem se torne um fenômeno de demonstração ou comprovação de teorias. Segundo Galiazzi (2004): Não é novidade afirmar que, em geral, professores e alunos de cursos de Química têm uma visão simplista sobre a experimentação. Muitas dessas visões pessoais estão cunhadas pelo empirismo do observar para teorizar e por isso não causou surpresa que muitos dos relatos de aulas com atividades experimentais estivessem alicerçados sobre essas compreensões. Parece-nos que isso aponta para uma questão importante a considerar no planejamento de atividades experimentais, que é a possibilidade de enriquecer o conhecimento sobre a natureza da ciência, pois esse conhecimento influencia a aprendizagem dos estudantes na atividade experimental (GALIAZZI, 2004, p.327). 2 Machado (2007), entre outros, chama a atenção da necessidade de que a experimentação seja desenvolvida levando em conta algumas características, diferentes das que tem ocorrido desde sua introdução na escola e que predominam atualmente na educação básica. Os mesmos têm se preocupado em demonstrar que a atividade experimental realizada no ensino médio precisa ser repensada, de maneira a criar um ensino contextualizado, investigativo e que estimule o aluno a levantar hipóteses, questionamentos e também discutir sobre os fenômenos que são apresentados durante as aulas. Para Zanon e Silva (2000), as atividades práticas podem assumir papel fundamental no aprendizado das ciências, exercendo uma função pedagógica e por isso consideramos importante valorizar a experimentação comoforma de inter- relacionar saberes teóricos e práticos no processo de construção do conhecimento. Segundo Weels (apud GALIAZZI e PEREZ, 1999), a experimentação deve ser introduzida com o objetivo de levar o aluno à reflexão entre prática e teoria. Concordamos com Lima e Marcondes(2005), que: O foco de reflexão deve ter como marco três eixos principais: a reconceituação do trabalho prático, aprendizagem da ciência e a relação entre prática e reflexão. É importante salientar que a explicação do conhecimento não se restringe somente ao início da atividade experimental, ocorrem nos diferentes momentos em sala de aula, o que exige atenção permanente do professor (...). a intencionalidade de perceber essas aprendizagens não significa que o objeto de uma atividade experimental seja a substituição do conhecimento do aluno sobre o fenômeno estudado pelo conhecimento cientifico, sendo esse um processo lento e complexo. (LIMA e MARCONDES, 2005, pg.1) A contextualização e a problematização das situações discutidas é essencial para que todo o trabalho desenvolvido não tenha um caráter apenas ilustrativo, e cabe ao professor direcionar o aluno. Outra proposta mais recente é a experimentação problematizadora, baseada na perspectiva de educação de Paulo Freire (FRANCISCO JR, 2008), na qual a educação deve ser concebida como um processo incessante, inquieto e sobretudo permanente de busca. O professor deve fazer despertar no aluno seu senso crítico e não fazê-lo com que simplesmente aceite o conhecimento. O conceito da experimentação problematizadora deve ir além da experimentação investigativa. Apoiados em Paulo Freire compreendemos que um processo educativo problematizador e, portanto libertador se desenvolve no diálogo, sendo as identidades culturais, construídas nas experiências vividas. Para facilitar a transposição das idéias de Freire, que são baseadas na educação informal para a atividade diária de sala de aula, Delizoicov (1983; 1991; 2005) propõe três momentos pedagógicos para aprendizagem, a saber: (i) Problematização inicial que consiste em apresentar situações que os alunos vivenciem, incentivando a fazer questionamentos que o façam refletir sobre a ciência e o meio em que ele está inserido. Tais situações exigem a introdução de conhecimentos teóricos para sua interpretação; (ii) Organização do conhecimento necessário para a compreensão das situações, estes devem ser organizados e sistematizados; e (iii) Aplicação do conhecimento, destina-se a capacitar os alunos na utilização dos conhecimentos adquiridos. Essa etapa destina-se a capacitar os alunos na utilização dos 3 conhecimentos já sistematizados. Fundamentado nas idéias de Delizoicov, Francisco Jr (2008), propõe a experimentação problematizadora que se apóia nestes três momentos pedagógicos descritos anteriormente. Outro fator que deve ser considerado é o conhecimento prévio do aluno, tendo em vista que todos possuem um conhecimento e que deve ser respeitado, segundo Freire para pedagogia problematizadora todos nós somos seres inacabados, incompletos, imersos numa realidade também inacabada. A prática de aulas experimentais com enfoque problematizador deve propiciar aos alunos a possibilidade de realizar, registrar, discutir com os colegas, refletir, levantar hipóteses, avaliar as hipóteses e explicações e discutir com o professor todas as etapas do experimento. A atividade experimental deve ser baseada não somente na observação, mas também na teoria, reflexão do indivíduo, questões sociais e culturais com objetivo de ilustrar o desenvolvimento pessoal do aluno mediante a problematização das observações experimentais e o diálogo. Segundo Gonçalves e Marques (2006), a experimentação deve propiciar momentos de re-elaboração dos conhecimentos, possibilitando o contato do aluno com fenômenos químicos, possibilitando ao aluno criar modelos explicativos sobre as teorias, utilizando uma linguagem própria. Essas novas formas de pensar a experimentação encontram resistência por parte de alguns professores e que, segundo Galiazzi (2001), para mudar a realidade das atividades experimentais é preciso superar reducionismos e deformações sobre seus objetivos, sobre a natureza da ciência, sobre cientista, muito presentes nas concepções de professores em exercício e em formação. Para esta autora não significa realizar experimentos sem uma ampla discussão dos resultados e nem como reforço das aulas teóricas ou para confirmar o que o aluno já “aprendeu” em sala de aula. Referências DELIZOICOV, D. Ensino de Física e a concepção freiriana de educação. Revista de Ensino de Física, v. 5, n. 2, p. 85-98, 1983. DELIZOICOV, D. Conhecimento, tensões e transições. 1991. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. DELIZOICOV, D. Problemas e problematizações. In: Pietrocola, M. (Org.). Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia em uma concepção integradora. Florianópolis: UFSC, p. 125-150, 2005. FRANCISCO JR., W. E., FERREIRA, L. H. e HARTWIG, D. R. Experimentação Problematizadora: Fundamentos Teóricos e Práticos Para a Aplicação em Salas de Aula de Ciências. Revista Química Nova na Escola, no.30, 34-41, 2008. GALIAZZI, M. C., GONÇALVES, F. P. A Natureza Pedagógica da Experimentação: Uma Pesquisa na Licenciatura em Química. Química Nova, Vol. 27, no. 2, 326-331, 2004. GALIAZZI, M. C., ROCHA, J. M. B., SCHIMITZ, L. C., SOUZA, M. L., GIESTA, S., GONÇALVES, F. P. Objetivos das Atividades Experimentais no Ensino Médio: a pesquisa coletiva como modo de formação de professores de ciências. Química Nova na Escola, 239-250, 2001. GONÇALVES, F.P. e MARQUES, C.A. Contribuições Pedagógicas e Epistemológicas em Textos de Experimentação no Ensino de Química. Investigação no Ensino de Ciências, vol.11(2), 219-238, 2006. 4 GIORDAN, M. O Papel da Experimentação no Ensino de Ciências. Química Nova na Escola, no.10, p. 43-49, 1999. HODSON, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratório. Enseñanza de las Ciencias, v.12, n.3, p.299-313. 1994. LIMA, V. e MARCONDES, M.E. Atividades Experimentais no Ensino de Química: Reflexões de um grupo de professores a partir do tema eletroquímica. Ensenañza de Las Ciencias, 2005. Número Extra. VII CONGRESO. Disponível em http://ensciencias.uab.es/congres2005/material/comuni_orales/3_Relacion_invest/3_ 2/alves_649.pdf MACHADO, P. F. L. e MÓL, G. S. Experimentando Química com Segurança. Química Nova na Escola, n. 27, 57-60, 2007. PARANÁ. Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná – SEED, 2009. GIL-PEREZ, D. Contribución de la historia y La filosofía de las ciencias al desarrollo de um modelo de enseñanza/aprendizaje como investigación. Enseñanza de Las Ciencias, 11(2), p. 197-212, 1993. SILVA, L. H. de A. e ZANON, L. B. In: SCHNETZLER, R. e ARAGÃO, R. de. 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