Buscar

''Crime e costume na sociedade selvagem'' – Bronisław Malinowski Resenha crítica da parte I

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
VITÓRIA JÚLIA AZEVEDO CAVALCANTE
CRIME E COSTUME NA SOCIEDADE SELVAGEM – BRONISŁAW MALINOWSKI
RESENHA CRÍTICA DA PARTE I
NATAL – RN
2018
Tendo se originado por intermédio dos trabalhos do filósofo prussiano Immanuel Kant, a Antropologia do Direito consiste em uma proposição de interpolação e comparação voltada ao estudo das categorias que perpassam o saber jurídico. Nesse sentido, o referido campo de estudo engloba, dentre outras perspectivas, a análise da ordem social, das regras e das sanções em sociedades de “direito primitivo” – não especializada, não diferenciada e não estatizada –, esfera acadêmica que deteve determinante influência do antropólogo polaco Bronisław Malinowski com seu trabalho pioneiro Crime e costume na sociedade selvagem, de 1926. Na referida obra, Malinowski examina o cotidiano dos habitantes da Melanésia, a fim de atribuir a incoerência da vida primitiva à falha de observação passadas, e a partir disso reconstruir um universo específico de outra cultura repleta de significados.
A primeira parte do livro aborda especificamente a questão da “Lei primitiva e a ordem”, de modo a envolver um estudo das diversas forças que contribuem para a ordenação, a uniformidade e a coesão em uma tribo selvagem. Mormente, o autor discorre acerca da existência hipertrófica de regras na vida primitiva, baseadas nos costumes e tradições, que, embora não estejam escritas, são impostas por incentivos psicológicos e sociais muito complexos.
No que concerne aos aspectos econômicos, há um sistema rígido e definido de divisão de funções e obrigações mútuas, em que um sentido de dever e de reconhecimento da necessidade de cooperação entram, lado a lado, com a verificação do interesse próprio, dos privilégios e dos benefícios. Ademais, os mesmos parâmetros podem ser observados na relação entre as comunidades selvagens, em que as trocas comerciais fundamentam-se em cadeias de propensões individuais e na reciprocidade, reforçadas por serem parte integrante de todo um sistema de mutualidade. Nessa perspectiva, há em cada comunidade um dualismo sociológico: dois grupos que trocam serviços e funções, cada um supervisionando o cumprimento e a correção da conduta do outro. 
Outrossim, há demais razões que mantêm os trabalhadores selvagens em suas tarefas. Malinowski especula que nada tem mais ascendência sobre a mente dos melanésios do que ambição e a vaidade, associadas à exibição de alimentos e de riqueza. Para eles, a generosidade é a maior virtude, uma vez que determina manifestação de poder, e a riqueza, elemento essencial de influência e classe. Assim, é notório que uma transação é definida por outra força coerciva de realização, sendo ela um mecanismo psicológico especial: o desejo de ostentar, a ambição de se mostrar generoso e a extremada reverência pela riqueza e pela acumulação de alimentos.
Malinowski descontrói, dessa forma, o pressuposto da maioria dos antropólogos relativo à descrição do selvagem como um cumpridor quase servil das leis e da existência de uma sociedade comunista e carente de individualismo. Analisou-se que as regras legais são de caráter inequivocamente obrigatório, ainda que elásticas e ajustáveis no seu cumprimento – de fato, a cultura e tradição estabelecem as normas. Logo, os direitos não são exercidos arbitrária e unilateralmente, mas segundo convenções sociais definidas, arranjadas em cadeias muito bem equilibradas de serviços mútuos. 
Posteriormente, o autor analisa que a reciprocidade e a ambição também prevalecem em transações de caráter religioso e pessoal – como no rito do luto e a conjuntura do casamento – e a desobediência a essas obrigações deixa o indivíduo em posição intolerável e resguardado de desonra. Desse modo, a força do hábito, a reverência pela autoridade tradicional e o desejo de satisfazer a opinião pública se combinam para fazer com que o costume seja obedecido pelo próprio mérito.
Em suma, na jurisprudência primitiva, a lei civil – lei formal que rege todas as fases da vida tribal – é obedecida por um critério racional, existente a partir de uma pressão social que impele o indivíduo a agir de determinada forma. Desta maneira, a lei realmente abrange toda a cultura e toda a constituição dos nativos, e se mantêm por um profundo mecanismo social alicerçado em concessões mútuas que, a longo prazo, se equilibram. Assim, o selvagem não é um extremado “coletivista” nem um intransigente “individualista” – como o homem em geral, ele é uma mistura de ambos.
Dado o exposto, é inegável que a pesquisa de Malinowski junto a região da Melanésia configurou-se em uma considerável relevância, haja vista que possibilitou o questionamento de mitos e preconceitos, além de abrir um novo campo de prospecção à antropologia argumentando a existência de sociedades primitivas que, mesmo sem o conhecimento racional dos ideais de uma organização social regulamentada, são organizadas por “leis” que surgem a partir dos costumes do cotidiano da sociedade.

Continue navegando