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Gestao de pessoas

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Dupla Satisfação 
Joel Dutra e André Fischer, da Fundação Instituto de Administração (FIA), entendem como 
poucos do que é feito um bom ambiente de trabalho. Descubra a seguir 
Por Juliana De Mari 
 
André Fischer, coordenador do MBA de RH da FIA: desenvolvimento e clima organizacional é com ele 
mesmo. 
 
Um é especialista em clima e aprendizagem organizacional. O outro sabe tudo de competências e 
liderança. Juntos, os professores André Fischer e Joel Dutra, da Fundação Instituto de Administração, 
ligada à Universidade de São Paulo (USP), formam uma dupla imbatível em gestão de pessoas. Em 
praticamente 20 anos de trabalho como pesquisadores e consultores na área, eles viram muita coisa 
mudar nas empresas brasileiras. Quando começaram a estudar o ambiente de trabalho, no final da 
década de 80, a cultura dominante era a da submissão dos profissionais à proteção oferecida pelas 
organizações. O pacto se dava pela garantia do emprego e a satisfação vinha da estabilidade. A partir 
de meados da década de 90, o foco mudou para os dois lados. As empresas perceberam que a moeda 
de troca mais valorizada é a do desenvolvimento contínuo de seus talentos. E os profissionais 
entenderam, na prática, o conceito de empregabilidade: o mercado está cada vez mais aberto a quem 
faz acontecer. "Essa cultura está se consolidando, mas o jogo agora é ganha-ganha", diz Joel, diretor 
da FIA e coordenador do Programa de Estudo em Gestão de Pessoas (Progep). Em 2006, Joel e 
André, que coordena o MBA de Recursos Humanos da FIA, assumem um novo desafio: vão analisar 
as práticas das empresas inscritas na décima edição do Guia EXAME-VOCÊ S/A As Melhores 
Empresas para Você Trabalhar, a maior pesquisa de clima organizacional do país. A seguir, eles dão 
algumas pistas sobre o que realmente afeta a satisfação dos funcionários. E, acredite, nem sempre é o 
salário. 
 
COMO VOCES DEFINEM UMA BOA EMPRESA PARA TRABALHAR? 
Joel: Pelo que tenho visto, tanto nas pesquisas quanto no trabalho de campo, uma boa empresa para 
trabalhar é aquela que oferece desafios constantes para as pessoas e suporte para que elas os 
enfrentem. É esse o novo pacto que se estabelece entre profissionais e organizações, um pacto 
mediado pelo desenvolvimento mútuo. O grande mobilizador do comprometimento das pessoas hoje é 
a empregabilidade. Não é mais a segurança na empresa, mas a segurança no mercado de trabalho. 
 
André: Esse pacto com a empresa se dá de diferentes formas, dependendo do caráter do negócio e 
do tipo de comportamento que a organização precisa para fazê-lo dar certo. Há um conjunto de 
variáveis, no entanto, que sempre influencia nesse processo: identidade (ou seja, o quanto o propósito 
da empresa é coerente com o que o profissional pensa e com seus valores), satisfação (o quanto o 
profissional se sente bem no ambiente de trabalho) e motivação (que é a vontade de voltar para 
trabalhar no dia seguinte), relação com a chefia e desenvolvimento do aprendizado. Na medida em que 
esse contrato psicológico está bem estabelecido, estamos falando de uma boa empresa para trabalhar. 
 
 
 
QUEM DEVE CUIDAR DA ESTRUTURAÇÃO DESSE PACTO: O DEPARTAMENTO DE RECURSOS 
HUMANOS OU O CEO DA ORGANIZAÇÃO? 
André: Na verdade, o modelo de gestão da empresa é que vai determinar o sucesso desse pacto. 
Isso não pode ser confundido com a missão do RH, pois é algo maior que a área. Abrange o RH, 
certamente, mas depende do trabalho de todos os que interferem na relação das pessoas com a 
organização: os gestores principalmente, os terceiros e, claro, o próprio presidente. O papel do RH é 
ajudar na mobilização das pessoas. 
 
O GUIA EXAME-VOCÊ S/A FOI PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ EM 1997. O QUE MUDOU NA 
GESTÃO DE PESSOAS NO PAIS NOS ULTIMOS DEZ ANOS? 
Joel: Saímos de um conjunto de práticas que tinha um foco de proteção das pessoas, por meio de um 
modelo autoritário e paternalista. A empresa protegia, mas queria ter o domínio total das pessoas, 
definindo o que era melhor para elas. Agora, a responsabilidade está cada vez mais nas mãos do 
profissional. O perfil do profissional, portanto, também mudou. Antes, era submisso, obediente e 
disciplinado. Hoje, precisa ser autônomo e empreendedor, precisa fazer as coisas acontecerem. A 
empresa, no entanto, deve dar espaço e estimular o desenvolvimento. Mas ainda vemos muitas 
dificuldades na consolidação dessa cultura, pois as organizações, de maneira geral, têm o ímpeto de 
definir onde, como e no que a pessoa tem que se desenvolver, muitas vezes desconsiderando o plano 
de carreira e de vida que ela quer estabelecer para si mesma. 
 
NESSE CONTEXTO, QUAIS FATORES PESAM MAIS NA RETENÇÃO DE TALENTOS 
ATUALMENTE? 
André: Um grande risco nessa mudança de cultura organizacional é repassar toda a responsabilidade 
sobre aprendizagem e relacionamentos para o funcionário, criando um ambiente hipercompetitivo. A 
organização precisa monitorar o ambiente permanentemente, olhando para ele de duas maneiras: 
identificando as pessoas que realmente querem se desenvolver e visualizam ali uma perspectiva de 
longo prazo e também avaliando se esses talentos têm a possibilidade de conclusão dos projetos ou 
se vivem numa troca permanente de desafios em busca do tal desenvolvimento. É a possibilidade de ir 
até o fim, de ter êxito na conclusão e de ser reconhecido por isso, que vai determinar a sensação de 
realização profissional. 
 
QUAL É O RISCO PARA O PROFISSIONAL NESSA TRANSIÇÃO? 
André: Um grande risco é o adiamento permanente da sua realização em nome de um projeto futuro. 
Isso é um gerador em potencial de insatisfações no dia-a-dia. Joel Se o profissional tem 12 horas do 
seu dia absorvidas pela empresa e não tem outras fontes de interesse, a perspectiva é de 
embotamento, dele e da própria empresa. É muito ruim se embriagar com a satisfação que vem do 
trabalho. A crítica sobre o que se faz vai embora. Desenvolvimento é uma dimensão que tem a ver 
com a possibilidade de melhorar como pessoa. No curto prazo, ter um profissional totalmente focado 
no trabalho é ótimo. No médio prazo, é péssimo. A empresa perde criatividade e objetividade. Um 
conselho que dou é: tire férias de 30 dias e se permita vivenciar outro ritmo. 
 
O QUE TEM MAIS IMPACTO NA SATISFAÇÃO DE UM PROFISSIONAL: O SALARIO OU A 
RELAÇÃO COM O CHEFE? 
André: A insatisfação monetária é tolerável, a pessoa agüenta por mais tempo. Agora, a relação com a 
chefia mexe diretamente com a motivação e a satisfação no trabalho. O convívio permanente com 
alguém que deveria ser líder e não o faz é bem menos tolerável. Mas, se o profissional se acomoda 
numa relação assim, ele assume um comportamento patológico, ele também se torna responsável pelo 
estado de coisas ao seu redor. 
Joel: Uma pesquisa feita pela PriceWaterHouseCoopers nos Estados Unidos mostrou que 67% das 
pessoas dizem que seguiriam o chefe se ele mudasse de empresa. Isso mostra o quanto a relação 
com o superior pode determinar a relação que a pessoa estabelece com o seu trabalho e com a 
organização. O chefe é o meio-de-campo, é quem dá legitimidade à cultura corporativa. 
 
UM LIDER CAPAZ DE CRIAR UM BOM AMBIENTE DE TRABALHO É AQUELE QUE FAZ O QUE? 
Joel: Uma outra pesquisa americana mostra que os princípios norteadores da liderança têm a ver com 
"trazer a equipe focada no essencial". Leia-se: manter o grupo focado no que é importante para ele. 
Não se trata de foco no objetivo da organização, pois esse é um campo movediço, está 
necessariamente mudando de acordo com o cenário. A melhor "cola" que um líder pode usar para criar 
um grupo coeso é apostar no desenvolvimento dos seus liderados, e essa é uma decisão que 
independe da prioridade da empresa. É algo que acontece "on the job". O líder deve trabalhar como 
um facilitador, fomentando o espírito de ajuda mútua e cuidando para que suas pessoas estejam 
recebendo desafios à altura de suasmotivações. As boas empresas para trabalhar ajudam o líder 
nesse processo, dando a ele uma série de instrumentos que promovam a for mação de equipes de 
alta performance. 
André: A maneira pela qual o líder se relaciona com seus subordinados hoje precisa ser pautada pela 
autenticidade e pela transparência. Houve uma época em que repassar responsabilidades era fácil. 
Hoje não dá mais pra simplesmente dizer que a empresa não tem verba, que a empresa não aprovou o 
plano de desenvolvimento, que a empresa isso ou aquilo. O líder precisa assumir a responsabilidade 
que lhe cabe na formação das pessoas. E isso, muitas vezes, não tem a ver com o tamanho do 
orçamento que ele tem para treinamento. Ele precisa estabelecer pactos de forma clara e madura com 
a equipe, sem recorrer ao bicho-papão nas horas críticas, como as de reinvindicação de aumento de 
salário, de prom oção etc. O líder deve estar sempre aberto a negociar. 
 
E QUANDO O LIDER FALHA NESSE PROCESSO, O PREÇO É MAIOR PARA O PROFISSIONAL 
OU PARA A EMPRESA? 
André: Para a empresa, certamente. Num primeiro momento, o profissional pode até encarar a relação 
com o chefe como um desafio pessoal, pode querer ajudá-lo a ser um líder melhor. Quando perceber 
que o comportamento do chefe não muda, no entanto, ele vai embora, vai procurar um lugar em que se 
sinta mais desafiado e mais motivado. Uma organização e uma chefia que não estimulam seu time são 
pouco competitivas atualmente porque certamente vão perder seus melhores talentos. 
 
AFINAL, SÃO AS PESSOAS QUE DETERMINAM O CLIMA DE UMA EMPRESA OU É A EMPRESA 
QUE DETERMINA A SATISFAÇÃO DAS PESSOAS? 
André: Vou fazer outra pergunta: como se dá o aprendizado? Do confronto do ser com o meio. 
Portanto, o clima não é determinado nem pela pessoa, nem pela empresa, nem pela chefia. A receita 
para fomentar um bom ambiente para trabalhar vem de algo que está no meio: o caráter dessas 
relações. Cada um é responsável pelo seu pedaço, com o tamanho da influência que tem. Mas é claro 
que a responsabilidade maior sobre o clima e a satisfação das pessoas está nas mãos dos gestores, 
que são os elementos de interação nessa cadeia.

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