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Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 123 BRASIL E ARGENTINA: semelhanças e diferenças entre os Sistemas de Avaliação da Educação Superior Ricardo José Andrade Silva1 Maria José Alves da Rocha2 Sandra Jesus de Mélo Tavares Soares3 RESUMO Uma vez que a avaliação do Ensino Superior se reverte em um passo fundamental na busca de qualidade das instituições, além de estar relacionada diretamente com as grandes metas sociais e econômicas definidas pelo processo de globalização, foi desenvolvido o presente estudo, por meio de uma pesquisa bibliográfica cujo objetivo foi o de se fazer uma análise comparativa sobre os sistemas de avaliação da educação superior no Brasil e na Argentina, para possível identificação de fatores ou elementos diferenciais e/ou positivos que contribuam para a construção de sociedades mais justas, humanas e solidárias, no sentido de se possibilitar ações que assegurem a formação de pessoas capazes de atuar em diferentes áreas. Palavras-chave: Ensino Superior; Sistemas de Avaliação, América Latina. ABSTRACT Once the assessment of higher education is reversed in a key step in the search for quality of institutions, as well as being directly related to the major social and economic goals defined by the globalization process, this study was developed through a survey literature whose goal was to make a comparative analysis of the evaluation systems of higher education in Brazil and Argentina, for possible 1 Mestrando em Docência Universitária – UTN Buenos Aires – Professor do PROEX FADIRE. Endereço Eletrônico: belricardo@hotmail.com 2 Mestranda em Docência Universitária – UTN Buenos Aires – Professora do PROEX FADIRE. Endereço Eletrônico: mj.arocha@hotmail.com 3 Mestranda em Docência Universitária – UTN Buenos Aires – Professora do PROEX FADIRE. Endereço Eletrônico: sjstavares@yahoo.com.br Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 124 identification of factors or differential and / or positive elements that contribute to building a more just, humane and caring societies , in order to enable actions to ensure the training of people capable of working in different areas. Keywords: Higher Education; System Assessment, Latin America. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, o mundo observou grandes transformações tecnológicas impulsionadoras de um desenvolvimento social e econômico e, nesse cenário de constantes mudanças sobre o processo produtivo, iniciou-se a disseminação de um discurso que tenta demonstrar e provar a importância da educação escolar no atual cenário mundial. Assim, pelas pressões mundiais advindas de órgãos internacionais e de muitos segmentos, principalmente do setor produtivo, diversas diretrizes e exigências sobre a educação têm resultado em grande expansão do ensino universitário, principalmente na América Latina, continente que, segundo estudo do Banco Mundial, possui o maior número de índices desiguais em vários aspectos, incluindo-se, entre eles: distribuição de renda, despesas com bens de consumo, serviços, acesso à saúde e, principalmente, acesso à educação. Mas, apesar da expansão do ensino superior observado nos últimos anos, os resultados positivos esperados não têm sido garantidos, tendo em vista a qualidade do ensino e o desenvolvimento humano presentes em nosso Continente. Ao conceito de qualidade podem atribuir-se diferentes acepções. No âmbito universitário considera-se qualidade algumas características dos professores, estudantes, recursos financeiros, instalações, propinas, a sua história, ou apenas a sua fama e reconhecimento público. (BRICALL, 2000, p. 363) Para autores como Westerheijden; Stensaker e Rosa (2007), citados por Marques (2010), os sistemas de qualidade para as instituições de ensino superior devem cumprir determinadas funções, tais como: a) preparar os mecanismos para a acreditação de instituições e programas; b) melhorar a docência, a investigação e a administração; c) servir de instrumento de prestação de contas ao Governo e à sociedade; d) fornecer informação pública e transparência aos estudantes e ao mercado laboral; e) operar como mecanismo de diferenciação no financiamento das IES por parte do Estado. (MARQUES, 2010, 145) Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 125 Uma das alternativas para assegurar uma qualidade no ensino superior encontra-se na implantação de um sistema efetivo de avaliação do ensino universitário, pois a criação de um sistema de garantia de qualidade susceptível de reconhecimento internacional encontra-se entre os desígnios dos regimes criados para a avaliação do ensino superior, cujos objetivos diretos para melhoria da qualidade das instituições de ensino superior, ainda abrangem proporcionar informação fundamentada à sociedade sobre o desempenho das instituições, bem como o desenvolvimento de uma cultura institucional interna de garantia de qualidade. Na América Latina, a partir da década de 1990, a globalização fez com que os governos conservadores, transformados em neoliberais4, implantassem políticas universitárias que atendessem a seus propósitos, como redução dos gastos públicos, privatização das empresas públicas e o fomento da competência privada. Mas essas ações mostraram-se ineficientes, uma vez que essas instituições gastavam excessivamente, apresentando baixo desempenho, pouca competitividade ao formarem profissionais sem conexão com as necessidades da produção local. Desse resultado surgiu a necessidade de se instalar um órgão avaliador que analisasse os sistemas educativos, de acordo com determinados indicadores que atestassem um padrão de qualidade do ensino e, tal conceito passou a ser conhecido como Prestação de Contas. (BARREYRO; LAGORIA, 2009) Considerando que uma política educacional desempenha um papel estratégico no desenvolvimento de uma nação, principalmente sob os aspectos socioeconômico e cultural, justifica-se o desenvolvimento desse estudo que tem como objetivo analisar os sistemas de avaliação e acreditação universitária de dois países da América Latina: Argentina e Brasil, para possível identificação de fatores ou elementos diferenciais e/ou positivos que contribuam para que a qualidade necessária seja alcançada. Além disso: [ ] a necessidade de garantir a qualidade do ensino superior tem aumentado nos últimos anos devido à globalização e ao requerimento da integração econômica propostas nas políticas nacionais de desenvolvimento. Estas levaram à formação de blocos econômicos e ao estabelecimento de acordos comerciais como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte — NAFTA, o Mercado Comum do Sul — MERCOSUL, etc., cujo objetivo é alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento socioeconômico e 4 Neoliberalismo: Conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia, havendo total liberdade de comércio para garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país. Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 126 fomentar a competitividade regional e nacional, para responder à globalização neoliberal. (BARREYRO; LAGORIA, 2009, p.3) Para a análise necessária será utilizada, como metodologia, uma pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2010), é elaborada com base em material já publicado com o objetivo de analisarposições diversas em relação a determinado assunto. A AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR Desde o surgimento das primeiras instituições do Ensino Superior (universidades) ainda na Idade Média, a preocupação com a forma de ensino, o teor e os resultados não eram prioridades para os poderes que mantiveram o ensino superior por séculos, como o caso da Igreja católica. Assim, somente com as transformações ocorridas a partir da década de 1980 e com os princípios dos anos 1990, o tema da qualidade começou a se afirmar no cenário e na agenda da educação em diversos países da América Latina, especialmente em razão da situação de fragmentação, diversificação institucional e disparidade nos níveis de qualidade do ensino. (FERNÁNDEZ LAMARRA, 2004). Uma vez que as instituições de ensino superior, como afirma Delors (1996) podem contribuir para o desenvolvimento sustentável, por meio do cumprimento de suas funções básicas relacionadas ao progresso e à transmissão do conhecimento, como a pesquisa, inovação, ensino e formação; a promoção do ensino superior e a correta avaliação de seus sistemas permitem o aumento do nível de formação dos indivíduos, transformando-os em fatores de progresso, força produtiva e motor de desenvolvimento econômico das nações. Em muitos países, recomendações relativas à avaliação da educação superior têm sido formuladas como condição necessária para o planejamento e reformas educativas, e para obtenção de informações úteis que possam servir de parâmetros para comparação com outras realidades numa perspectiva de que a compreensão dos processos educativos passe, necessariamente, pela sua inserção num contexto mais amplo (BILLING, 2004). Os modelos de avaliação implementados na educação superior, variaram de país a país, porém adotando lógicas semelhantes aos quatro modelos vigentes na atualidade como apontados por Royero (2002): Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 127 1) o modelo americano, cuja avaliação é centrada no alcance de metas institucionais e em padrões preestabelecidos; 2) o modelo europeu continental, realizado por pares e cujo foco é o programa acadêmico; 3) o modelo britânico, que realiza avaliação por pares e usa indicadores de desempenho; 4) o modelo escandinavo, uma variante do europeu continental, que inclui processos de auto avaliação e avaliação externa. A avaliação, conforme esclarece Belloni (2000), pode ser tanto de natureza educacional quanto institucional. Enquanto a avaliação educacional se refere à avaliação de aprendizagem ou de desempenho escolar e à avaliação de currículos, a avaliação institucional se destina à avaliação de instituições ou políticas. Na América Latina, durante a década de 1990, como apontam Hortale et al (2004), as propostas de reforma da saúde e da educação superior faziam parte de um amplo arranjo global e regional das políticas públicas nessa área, com ajuda financeira e monitoramento estratégico de instituições como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na perspectiva de Fernández Lamarra (2004), esse período foi da qualidade educativa e integração nacional na América Latina, onde se realizaram avanços significativos em vários países, quanto à avaliação da qualidade na educação superior, e se desenvolveram processos de acreditação de caráter nacional e, também, em nível regional. Independente de país, os sistemas de avaliação do ensino superior devem considerar duas perspectivas: do exterior ao sistema universitário, em que se deve assegurar que a sociedade e em particular os estudantes conhecem a qualidade e a oferta dos programas académicos. No interior da instituição, a avaliação constitui um instrumento para observação dos pontos fortes e fracos e para impulsionar a estratégia a seguir para se atingirem maiores níveis de qualidade (NAUTA et al., 2004). Os diversos países da América do Sul apresentam diferenças sobre a questão educacional e o ensino superior, em termos de avaliação e acreditação, sendo que para esse estudo, serão analisados os sistemas existentes no Brasil e na Argentina. De acordo com Hortale e Koifman (2007) Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 128 O sistema universitário argentino foi criado no século XVII, com orientação jesuítica e ênfase nas disciplinas humanistas. A partir do século XIX, introduziu-se o modelo francês de transmissão de conhecimento por meio do ensino teórico e erudito. O Brasil, por outro lado, foi um dos últimos países da América Latina a criar sua universidade e seu sistema de educação superior existe desde o século XIX. O modelo de formação é igualmente inspirado no modelo francês e a concepção de integração entre ensino e pesquisa só se materializa após a reforma universitária de 1968 (Morosini, 1994), quando já estavam implantados os cursos de pós-graduação baseados no modelo americano. Na Argentina, é somente em 1992, quando foi promulgada a Lei Federal de Educação, que se faz referência ao conjunto do sistema educativo, incluída a pós-graduação, cujas instituições universitárias já ofereciam cursos desde o final da década de 1980 (Fernández Lamarra, 2002).(HORTALE e KOIFMAN, 2007, p.122) Na Argentina, a educação superior é binária, composta de duas modalidades: a universitária, desenvolvida pelas universidades e institutos universitários e a não universitária, constituída pelos institutos superiores não universitários e os colégios universitários. As universidades e os institutos universitários concedem títulos de grau (licenciado, engenheiro, professor, advogado, médico, arquiteto, etc.) e de pós- graduação (especialização, mestrado e doutorado). Até 1995, quando foi promulgada a Lei de Educação Superior no. 24.521/ 1995, não havia órgão de controle ou avaliação dos cursos de graduação e pós-graduação na Argentina. Somente em 1996, com a criação da Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação Universitária (CONEAU) teve início um processo voltado para o estabelecimento de um sistema de avaliação e credenciamento dos cursos do ensino superior. A CONEAU, organismo estatal, iniciou suas atividades em 1996, operando de forma autônoma e desenvolvendo atividades de avaliação institucional externa em universidades nacionais e privadas, com uma multiplicidade de atribuições em matéria de avaliação e acreditação, dentre as quais, segundo Fernández Lamarra, (2004, 2005,2007) destacam-se: a avaliação institucional externa em universidades nacionais e privadas; o credenciamento institucional para reconhecimento provisório de novas universidades privadas e para o reconhecimento definitivo de instituições universitárias, com reconhecimento provisório; a acreditação de programas de pós-graduação e de carreiras de graduação declaradas de “interesse público” (arquitetura, veterinária, agronomia, bioquímica, farmácia, engenharia, medicina e odontologia) Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 129 a aprovação de projetos institucionais de novas universidades nacionais e provinciais; a aprovação de entidades privadas de avaliação e acreditação. Os objetivos da CONEAU, como aponta Koifman (2004) são: realizar a avaliação institucional em todas as universidades; credenciar cursos de graduação e pós-graduação; emitir recomendações sobre projetos de novas universidades, e reconhecer instituições privadas. A CONEAU é o principal organismo de acreditação na Argentina, que funciona jurisdicionado ao Ministério de Cultura e Educação, com apoiode Comissões Assessoras e Comitês de Pares de Avaliadores. As atividades de acreditação promovidas e coordenadas por esse organismo se fundamentam nos processos de avaliação institucional realizadas pelas instituições interessadas, que: [ ] deve se realizar de forma permanente e participativa, enquanto um processo contínuo e com caráter construtivo que considera tanto os aspectos quantitativos e quanto os qualitativos, tem como objetivo melhorar a qualidade de uma instituição através de um interrogatório sobre os seus resultados e, especialmente, suas ações, identificando problemas e compreendendo-os em seu contexto. Para tanto, ela serve para interpretar, mudar e melhorar e não para normatizar, prescrever e muito menos como atividade punitiva. (OLIVEIRA, 2009, p.9) Além de gerar relatórios a necessários para a acreditação de escolas particulares, a avaliação ainda tem como objetivo recomendar ações de melhoria para as instituições de ensino superior. Para tanto, o sistema de avaliação deve propiciar: a análise do relatório de Avaliação Institucional para constatação da articulação entre os objetivos e a missão das Instituições de Ensino Superior e o seu projeto institucional; um estudo da capacidade da IES para cumprir os objetivos propostos; e a identificação de pontos fortes e fracos nos setores pedagógicos e de gestão da instituição. (MENEGHEL et al, 2006, p.101) Conforme explicam Barreyro e Lagoria (2009), a CONEAU não cria as normas para a avaliação do ensino superior, mas aplica as aprovadas pelo Conselho de Universidades e pelo Ministério. As funções da CONEAU são: Coordenar e realizar a avaliação externa que as instituições são obrigadas a fazer pelo menos a cada seis anos. A acreditação dos cursos superiores, no caso dos títulos de profissões regulamentadas pelo Estado, cujo exercício poderia comprometer o Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 130 interesse público com risco à saúde, à segurança, aos direitos, aos bens ou à formação dos cidadãos; Credenciar todos os cursos de pós-graduação, Decidir sobre a consistência e viabilidade das novas universidades federais, criadas pelo Congresso, Elaborar relatórios necessários para conceder autorização provisória e credenciamento definitivo das universidades privadas. (BARREYRO e LAGORIA, 2009, p.10). Além da avaliação externa realizada pela CONEAU, as instituições de ensino superior precisam realizar as suas próprias avaliações internas, muitas vezes sem que haja um padrão pré-estabelecido. A educação superior no Brasil, diferentemente da Argentina, é composta por cinco modalidades: a) cursos sequenciais, de formação específica, (que conferem diploma), ou de complementação de estudos, que oferecem certificado de conclusão; b) graduação, que compreende bacharelado e licenciatura. c) graduação tecnológica, confere grau de tecnólogo ao concluinte; d) pós-graduação, composta pelos níveis de especialização (pós-graduação lato sensu), mestrado e doutorado (pós-graduação stricto sensu); e) extensão, representada por cursos livres e abertos a candidatos que atendam aos requisitos determinados pelas instituições de ensino. Os cursos superiores são ministrados tanto por instituições públicas (criadas e mantidas pelo poder público nas três esferas - federal, estadual e municipal), quanto privadas (criadas e mantidas por pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos), sendo que essas instituições, em suas estruturas podem ser reconhecidas como universidades, centros universitários, faculdades, institutos superiores, escolas superiores e faculdades integradas. Antes da década de 1990, principalmente em meados da década de 1980, ocasião em que ocorreu a redemocratização do país, o processo de avaliação do ensino superior conduzido por algumas experiências de avaliação pontuais e pouco integrado, institucionalizou-se em duas vertentes no Ministério de Educação: avaliação institucional e qualidade dos cursos oferecidos. Mas foi a partir da década de 1990 que o tema da avaliação da Educação Superior adquiriu destaque no Brasil, em virtude do crescimento da oferta de cursos e das matrículas, afinal, Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 131 Em um cenário de neoliberalismo, despontou como recurso tanto para tentar assegurar a qualidade do ensino quanto para regular a explosão da expansão promovida pela via privada, em especial pelo incremento de instituições não universitárias (Faculdades Isoladas, Integradas e Centros Universitários) no interior do país. (TAVARES et al, 2011, p. 83) O Programa de Avaliação Institucional (PAIUB), instituído em 1993 pelo Ministério da Educação (MEC) para que as universidades criassem sistemas internos de avaliação tinha como objetivo servir a um processo contínuo de aperfeiçoamento do desempenho acadêmico e de prestação de contas da Universidade à sociedade, constituindo-se em uma ferramenta para o planejamento da gestão e do desenvolvimento da educação superior. Dessa forma, o PAIUB estabelece três fases centrais para o processo a ser desenvolvido em cada universidade: Avaliação Interna, Avaliação Externa e Reavaliação. Embora o PAIUB tenha tido uma duração bastante pequena, o programa conseguiu dar legitimidade à cultura da avaliação e promover mudanças visíveis na dinâmica universitária, principalmente após a década de 1990, quando, de acordo com Miceli (2005): A partir da Lei nº 9.131/1995 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996 – foram progressivamente implementados novos mecanismos de avaliação: o Exame Nacional de Cursos (ENC), realizado por concluintes de cursos de graduação; o Questionário sobre condições socioeconômicas do aluno e suas opiniões sobre as condições de ensino do curso frequentado; a Análise das Condições de Ensino (ACE); a Avaliação das Condições de Oferta (ACO); e a Avaliação Institucional dos Centros Universitários. Seus resultados têm tido ampla divulgação na mídia impressa e televisiva, funcionando como instrumento de classificação das instituições de ensino superior e de estímulo à concorrência entre elas. Para dar sustentação e regulamentar esses instrumentos de avaliação, o MEC criou um amplo aparato normativo, e para operá-lo recorreu a comissões constituídas de especialistas das diversas áreas da comunidade acadêmica. (MICELI, 2005, p.16) Com o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, foi instituído pela Lei Federal nº 10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). O SINAES é acompanhado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior - CONAES-, como um órgão colegiado de coordenação e supervisão do SINAES, que tem como função estabelecer os parâmetros gerais e as diretrizes para a operacionalização do sistema de avaliação. Evidencia-se que a operacionalização do Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 132 Sistema está sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. Para promover a qualidade da educação superior, possibilitando o aumento permanente de sua eficácia institucional, o SINAES está apoiado nos seguintes princípios fundamentais: a responsabilidade social com a qualidade da educação superior; o reconhecimento da diversidade do sistema; o respeitoà identidade, à missão e à história das instituições; a globalidade institucional, pela utilização de um conjunto significativo de indicadores, considerados em sua relação orgânica; e a continuidade do processo avaliativo como instrumento de política educacional para cada instituição e o sistema de educação superior em seu conjunto. (CONAES, 2004, p.13) Possuindo uma série de instrumentos complementares: autoavaliação, avaliação externa, Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), Avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação (censo e cadastro), o SINAES é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes. Assim, o SINAES avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos: o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instalações e vários outros aspectos. A Avaliação Institucional interna e externa, proposta pelo SINAES deve ser integrada por diversos instrumentos complementares: Autoavaliação – conduzida pela CPA (Comissão Própria de Avaliação); Avaliação externa: feita por membros externos, pertencentes à comunidade acadêmica e científica; Censo: instrumento independente que carrega importantes elementos de reflexão para a comunidade acadêmica, o Estado e a população em geral. Cadastro: As informações do Cadastro das IES e seus respectivos cursos devem ser disponibilizadas para acesso público Já a Avaliação dos cursos estabelecida pelo SINAES, realizada por uma equipe multidisciplinar de especialistas para avaliar cursos de áreas afins, aos quais junta-se um avaliador institucional, considera em suas análises, três dimensões: a Organização Didático-Pedagógica, o Perfil do Corpo Docente e as Instalações físicas. Quanto à avaliação dos estudantes, o principal instrumento utilizado junto aos alunos chama-se Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE. Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 133 De acordo com a legislação vigente, no ENADE a avaliação do desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, saberes e competências, ao longo da trajetória vivenciada em cada curso, subsidia-se nas Diretrizes Curriculares, nas oportunidades de articulação teoria e prática, e no modo como as competências foram-se construindo, em função das relações partilhadas e dos contextos vivenciados. (POLIDORI et al, 2006, p.432) Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e instituições de educação superior no País. Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). A operacionalização é de responsabilidade do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. As informações obtidas com o SINAES são utilizadas pelas IES, para orientação da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social; pelos órgãos governamentais, para orientar políticas públicas; e pelos estudantes, pais de alunos, instituições acadêmicas e públicas em geral, para orientar suas decisões quanto à realidade dos cursos e das instituições. A maioria dos processos de avaliação da qualidade da educação superior no Mercosul, operados a partir da década de 1990, foram motivados por normas governamentais como demonstrado no quadro resumo a seguir, que especifica a situação na Argentina e no Brasil. Quadro 1 – Normas e Organismos de Avaliação do Ensino Superior PAÍS ARGENTINA BRASIL M a r c o R e g u la tó r io d o S is te m a d e E n s in o S u p e r io r Geral 1-Constituição Nacional/1994 (consagra a autonomia universitária). 2-Lei Federal de Educação Nº. 24.195/1994.3-Lei de Educação Superior Nº.4.521/1995 1-Constituição Federal/1988. 2-Lei Nº. 9394/1996 (estabelece as diretrizes e bases da educação nacional). Específico 1-Lei de Educação Superior Nº. 24.521/ 1995: regulamenta a educação superior universitária e não universitária; faculta ao Estado exercer as funções de controle da qualidade da educação universitária. 2-Resolução Ministerial Nº.1717/2004. 1-Lei Federal Nº. 10.861/ 2004: institui o Sinaes e cria a Conaes - Comissão nacional de Avaliação da Educação Superior, com função de coordenar e monitorar o Sinaes. 2-Resolução Nº. 1263/ 64/ 65 de 2004: regulamentam os processos de regulação, supervisão, credenciamento, autorização de funcionamento e reconhecimento da Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 134 educação superior). 3-Portaria Ministerial Nº. 1.027/2006, cria a CTAA - Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação. O r g a n is m o N a c io n a l c r ia d o p a r a a s s e g u r a r a Q u a li d a d e Denominação 1-CONEAU (Comissão Nacional de Avaliação Acreditação Universitária). 2-Critérios de avaliação da educação à distância - SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). Funções 1-Avaliação institucional. 2-Acreditação das carreiras de graduação. 3-Acreditação das carreiras de pós-graduação. 4-Autorização de funcionamento das instituições universitárias privadas, nacionais e provinciais 1-Avaliação institucional. 2- Credenciamento das carreiras de graduação. 3-Exame do ingresso à educação superior Fonte: Adaptado de: Fernández Lamarra. Educación Superior y Calidad en América Latina y Argentina [Los Processos de Evaluación e Acreditación].Caseros: Universidad Nacional de Tres de Febrero, 2007. CONCLUSÃO Para a construção de sociedades mais justas, humanas e solidárias, e, ainda, para acompanhar as evoluções científicas e tecnológicas, o ensino superior precisa apresentar qualidade e assegurar a formação de pessoas capazes de atuar em diferentes áreas. Desta forma, a avaliação e acreditação do ensino superior, torna-se um fator essencial para o posicionamento e direcionamento de estratégias que permitam a construção de um futuro mais promissor para toda a sociedade por meio de um ensino de qualidade. Os cursos superiores têm por objetivo desenvolver plenamente o potencial dos estudantes a partir de suas habilidades, levando-os a adquirir as competências profissionais necessárias para atuar em um mundo em constante transformação, mas, para atingir esse objetivo, elementos como estrutura física da instituição de ensino, formação dos docentes, diretrizes e conteúdos adequados e um sistema de avaliação, precisam apresentar qualidade. Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 135 Pela pesquisa realizada para o desenvolvimento desse estudo foi possível reconhecer que os sistemas de ensino superior na atualidade encontram grandes desafios para atenderem às exigências sobre qualidade, adequação ao sistema produtivo, competitividade, bem como para garantirem uma credibilidade às instituições formadoras de especialistas e profissionais em suas mais diferentes áreas e, diante tal realidade o tema da avaliação se destaca por possibilitar que as demandas exigidas sejam atendidas, contribuindo ainda para o desenvolvimento sócio econômico. Um sistema eficiente de avaliação do ensino superior representa uma reflexão crítica sobre a prática educacional, capaz de identificar as dificuldades e necessidadesde mudanças e avanços que atendam tanto a demanda produtiva, quanto possibilite ainda, novas descobertas e práticas que contribuam para o desenvolvimento para todos os segmentos. Cada país adota seu próprio sistema de avaliação e acreditação para o ensino superior e, efetuando uma comparação entre os sistemas existentes no Brasil e na Argentina foi possível identificar que ambos os sistemas de educação superior utilizam avaliações externas de cursos e instituições, incluindo a autoavaliação institucional, sendo diferentes, no entanto, no tocante à avaliação e acreditação. Enquanto os sistemas de avaliação visam à melhoria acadêmica, os de acreditação buscam o controle e garantia da qualidade para certificação externa de programas ou instituições, sendo que no tocante a obrigatoriedade da acreditação, na Argentina ela é parcial, enquanto no Brasil ela é totalmente obrigatória. Enquanto a Argentina adota o instituto da acreditação de cursos, o Brasil adota a avaliação de cursos e o credenciamento de Instituições de Ensino Superior (IES), além disso, no Brasil, diferentemente da Argentina, existe uma avaliação sobre os estudantes. Trata-se de um exame aplicado aos alunos, de caráter obrigatório. Uma estratégia política, bastante significativa, adotada pelos países analisados, refere-se à criação de organismos específicos para a disseminação de práticas de avaliação e acreditação. O Brasil se destaca por possuir uma norma particular, que cria e regulamenta um sistema de asseguramento da qualidade da educação superior, caracterizando a avaliação desse nível de ensino como uma política de Estado e não de governo. A Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria CONEAU – sistema de avaliação e acreditação adotado pela Argentina acumulam funções que no Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 136 Brasil são exercidas por vários órgãos, como pela Fundação Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Embora o sistema de avaliação da educação superior no Brasil tenha se constituído em política de Estado apenas a partir de 2004 com o SINAES, nove anos após a implantação da CONEAU na Argentina, o país acumula inegável experiência na avaliação das instituições com: a avaliação, em nível de pós-graduação, executada desde a década de 1960, pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); o Programa de Avaliação institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), desenvolvido na década de 1990 e o Exame Nacional de Cursos- ENC (Provão), utilizado entre 1996 e 2003. Apesar da existência dos sistemas de avaliação do ensino superior, a constante análise sobre os resultados obtidos com a educação, bem como uma comparação com os sistemas de avaliação de outros países contribui para que se tenha uma visão sobre a qualidade do ensino oferecido e quais as eventuais deficiências ou problemas a serem corrigidos. Este trabalho mostrou os sistemas de avaliação do ensino superior existentes no Brasil e na Argentina com o intuito de identificar os pontos de igualdade e diferenças existentes, mas como esse assunto é bastante abrangente e tendo necessidade de reavaliações constantes ele possibilita a continuidade das discussões e estudos que levem ao aprimoramento contínuo do sistema de avaliação do ensino superior, contribuindo para a gestão educacional dessas instituições. REFERÊNCIAS BARREYRO, Gladys Beatriz; LAGORIA, Silvana Lorena. Avaliação e Acreditação da Educação Superior na América Latina: Os casos da Argentina e do Brasil no contexto do Mercosul. In: IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. Florianópolis, novembro de 2009. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/ >. Acesso em: 06 fev. 2014. BELLONI, Isaura. A função social da avaliação institucional. In: DIAS SOBRINHO, José; BILLING, David. 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