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Faculdade Nossa Senhora de Fátima Curso de Bacharelado em Fonoaudiologia Disciplina: Avaliação e Intervenção em Linguagem da Criança Unidade III: Dificuldades Específicas de Linguagem (Disfasias) Profª. Ms. Janice M. Kaminski Caxias do Sul, 2018/01 Existem várias terminologias: afasia congênita, disfasia, distúrbio específico de linguagem, transtorno de linguagem expressiva, etc. O distúrbio específico de linguagem (DEL) é caracterizado por importantes prejuízos, que se configuram como atrasos e alterações persistentes na aquisição da linguagem, na ausência de patologia que desencadeie tal atraso ou alteração. O DEL pode apresentar grande variabilidade nas manifestações clínicas, estando na dependência do grau de gravidade do caso, e pode ser mutável durante o desenvolvimento. Algumas crianças apresentam dificuldades apenas na expressão, outras na expressão e compreensão da linguagem. O termo específico não significa que a criança não possa ter outras dificuldades cognitivas. Em geral as crianças com DEL apresentam dificuldades cognitivas, mas em grau muito inferior quando relacionadas com as dificuldades de linguagem. As crianças com DEL podem apresentar uma série de manifestações não-linguísticas como: -dificuldades no desenvolvimento do jogo simbólico; -hiperatividade; -atenção reduzida; -déficits em habilidades não-verbais; -déficits no processamento auditivo; -déficits na consciência fonológica; -prejuízos nas áreas de memória. As crianças com DEL apresentam maturação de linguagem atrasada em pelo menos 12 meses em relação à idade cronológica; Não tem déficits intelectuais ou sensoriais, distúrbios invasivos do desenvolvimento, dano cerebral evidente; Apresentam condições sociais adequadas. O DEL caracteriza-se por limitações significantes da função linguística que não podem ser atribuídas a perda auditiva, déficit cognitivo ou alterações da estrutura e função fonadora. Nesse sentido, a identificação e o diagnóstico de DEL são feitos geralmente a partir da exclusão de outras patologias, como o autismo em que também aparecem as alterações de linguagem. Sinais e sintomas do DEL: Linguagem expressiva: -ocorre um tempo maior no reconhecimento, recuperação, formulação e produção das palavras => lentificação no processamento das informações => falhas nas representações semânticas e na organização cognitiva. -Podem apresentar simplificações fonológicas, frequentemente desviantes (simplificações não observadas no processo normal de aquisição de linguagem); -vocabulário restrito, com uso demasiado de gestos representativos; -estruturação gramatical simplificada -ordenação de palavras de forma não usual. Linguagem compreensiva: -dificuldades em entender sentenças ou palavras específicas como marcadores espaciais ou temporais; -realização de comandos linguísticos de forma incorreta; -respostas incorretas sob questionamento; -dificuldade em manter o tópico de conversação. As manifestações linguísticas do DEL são variadas, mas geralmente, podemos observar: -uso de processos fonológicos de desenvolvimento e idiossincráticos; -vocabulário abaixo do esperado para a normalidade; -menor número de intenções comunicativas; -déficits nas habilidades morfológicas e sintáticas; -pior desempenho em habilidades cognitivas não-verbais, evidenciado pela dificuldade no desenvolvimento do jogo simbólico. Béfi-Lopes (2004) Os fatores gramaticais e fonológicos afetam o desenvolvimento da linguagem escrita de crianças com DEL. Linguagem escrita: -limitações na estrutura gramatical das sentenças; -erros de soletração, -escrita ininteligível; -déficit no processamento ortográfico; -pobre conteúdo semântico; -erros gramaticais; -dificuldades com pontuação; -baixo desempenho na tarefa de repetição de não-palavras. Bishop e Clarkson (2003) Nas alterações do DEL tem-se a compreensão e a pragmática invariavelmente afetadas, e os achados incluem prosódia aberrante, ecolalia imediata e/ou tardia e perseveração (persistência inapropriada no mesmo tema). Outros sintomas estão também presentes, distinguindo essas crianças daquelas com apenas atraso de linguagem: -perturbações da comunicação não-verbal, -comportamentos estereotipados e perseverantes, - interesses restritos e/ou não usuais e alteração das capacidades sociais. O DEL geralmente é diagnosticado na infância, porém as dificuldades advindas do quadro persistem por toda a vida, como demonstram algumas pesquisas que avaliaram as habilidades comunicativas, sociais, cognitivas, acadêmicas e comportamentais de sujeitos com DEL. O paciente com DEL apresenta manifestações de linguagem heterogênea que ocorrem num “continnum”: Ausência de oralidade aos 2 anos Atraso significativo no léxico aos 4 anos Distúrbio fonológico grave aos 5 anos Alteração na aquisição da morfossintaxe entre 6 e 8 anos Inabilidade discursiva e grande dificuldade de aprendizagem Não há pesquisas epidemiológicas na população brasileira => diversos estudos têm apontado para uma prevalência maior de prejuízos de linguagem em meninos e afeta aproximadamente 7% da população. Fatores etiológicos: -intercorrências pré-natais (uso de drogas, exposição RX, tentativas de aborto) -genético (malformações) => da polimicrogiria perisilviana ou parietal bilateral). - pode haver associação entre fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura familiar relacional). A queixa mais comum e que mobiliza as famílias a buscarem atendimento fonoaudiológico refere-se a prejuízos na produção verbal, tais como “falar errado” ou “não falar”. Formas clínicas Descrição dos subtipos: • Dispraxia verbal: déficit na programação motora da fala- compreensão da linguagem normal, fala não fluente ou ausente. • Transtorno da programação fonológica: compreensão normal – fala fluente, mas ininteligível • Misto-receptivo-expressivo: déficit sintático-fonológico – frases curtas e agramatismos, fluência e articulação alterada • Agnosia auditiva ou surdez verbal: compreensão verbal alterada, curtas ou produção de palavrasfluência e articulação alteradas • Déficit semântico-pragmático: fala logorréica, compreensão deficiente, modos aberrantes de conversação • Déficit léxico-sintático: pseudogagueira, acesso lexical e construção sintática prejudicadas, compreensão de enunciados complexos deficientes Rapin e Allen (1988) DEL X Processamento auditivo O processamento auditivo de sons em sequência pode estar muito defasado, de modo especial, a memória sequencial auditiva. Um estudo encontrado sugere a associação do DEL ao déficit no processamento auditivo. Pesquisas fornecem evidência de que a discriminação de estímulos breves estaria comprometida em crianças com DEL. Este déficit levaria a dificuldades em desenvolver habilidades fonológicas necessárias para mapear fonemas e decodificar e codificar palavras e frases efetiva e automaticamente. Diagnóstico diferencial entre retardo de linguagem e DEL No retardo de linguagem observa-se que a defasagem respeita as etapas habituais do desenvolvimento e se reduz progressivamente com o tempo, com ou sem intervenção. As manifestações clínicas não são persistentes. Núcleo sintomatológico -> está sobre a fonologia com afetação da sintaxe (com grau variável). Com o aparecimento da oralidade, as manifestações não são desviantes. As simplificações fonológicas são aquelas verificadas em crianças normais menores. A sintaxe costuma ser primitiva, telegráfica, sem alterações na ordem das palavras e o vocabulário é restrito. Já o DEL é sempre descrito como uma alteração importante e durável das capacidades linguísticas, com repercussão sobre a aprendizagem da linguagem escrita. A ausência de oralidade em crianças com 4 anos oumais, em circunstâncias de alteração específica de linguagem sem privação social significativa => caracteriza um distúrbio e não um atraso. Pode ocorrer o surgimento da linguagem na idade esperada (18 meses), porém a evolução da linguagem é lenta: a inteligibilidade demora para melhorar, o vocabulário é limitado, os enunciados permanecem simples, tanto na extensão como na complexidade e o discurso narrativo carece dos recursos linguísticos necessários para se tornar coeso e coerente. Crianças com DEL podem ter limitações em sua capacidade para discriminar e classificar estímulos auditivos verbais => aparecimento de dificuldades em diferentes níveis de processamento da informação linguística, como a compreensão verbal, leitura e escrita. Podem ter dificuldades em processar palavras com baixa relevância fonética => o que prejudica a aquisição de palavras com sentido gramatical (artigos, pronomes, conjunções), pois são palavras curtas com baixa relevância perceptiva. Podem apresentar limitações na memória de curto prazo => a falta dessa memória não armazena a representação fonológica da palavra ouvida => não havendo tempo suficiente para que outros processos superiores, como o acoplamento com a representação do significado, se processem. Avaliação e intervenção no DEL Avaliação: ≠ -observação comportamental -amostra de linguagem espontânea e/ou semidirigida -testes Observação comportamental: É um procedimento no qual se analisa o comportamento geral da criança, incluindo os comunicativos. Analisa-se o que interessa à criança, o que ela pega, como manipula objetos, para onde olha, se presta atenção na fala ou na atividade do outro. Avaliação: PROC Ausência de oralidade Presença de oralidade Caixas de miniaturas: -bonecos, caminha, panelas, sofá, cadeira, mesa, mamadeira, escova de cabelo, pente, escova de dentes, fogão, xícara, prato, caixa de fósforo vazia, esponja de limpeza, pequenos blocos de madeira, pedaço de papel, lápis, pedaços de tecidos, canecas ou cubos de encaixe. -animais, potes para alimentação, alimentos dos animais (cachorro => osso), locais onde os animais ficam (jaula, casa de cachorro, etc), brinquedos e utensílios (cela de cavalo) dos animais. -Alimentos em miniatura para realizar a atividade de mercado ou de restaurante. -Carrinhos, ônibus, trem, caminhão, ferramentas, locais relacionados aos transportes (posto de gasolina, lavagem de carros, oficina, etc). Critérios de análise: Atividade comunicativa: -observar a frequência de comportamentos comunicativos intencionais; -a funcionalidade desses comportamentos; -o grau de participação em atividades dialógicas; -os meios de comunicação utilizados; -o nível de compreensão; -a postura comunicativa dos pais. Atividade lúdica: -forma e o tipo de manipulação dos objetos; -a frequência de ações sobre eles. Na presença de oralidade: -Amostra de linguagem espontânea: Objetivo de obter informações sobre como está a organização dos diferentes níveis linguísticos: fonológico, morfossintático, semântico e pragmático, envolvendo as habilidades de compreensão linguística. Coletar uma amostra de fala utilizando recursos lúdicos. Gravar a amostra de linguagem. -Amostra de linguagem semidirigida: Utilizar brinquedos e/ou figuras para a realização de nomeação dos elementos. Realizar perguntas explorando os brinquedos, explorar as questões relacionadas a advérbios de tempo e espaço, uso de pronomes. Critérios de análise: -Analisar a linguagem em funcionamento, na conversação; -Analisar a recapitulação de experiências do passado; -Observar a construção dos enunciados; -Observar a forma de acesso ao léxico; -Analisar a fonologia dentro do fluxo de fala; -Observar as habilidades conversacionais, a congruência entre a seleção léxico-gramatical e o propósito do falante. Testes de linguagem: Avaliação fonológica => nomeação e imitação Avaliação semântico-lexical => ABFW Avaliação morfossintática => coleta de fala espontânea: estruturação das frases, extensão dos enunciados (MLU), utilização quantitativa e qualitativa das classes gramaticais (substantivos, verbos, adjetivos, etc) Avaliação pragmática => funcionalidade da linguagem Princípios terapêuticos: -A intervenção em linguagem deve ser planejada individualmente para cada criança. -Mesmo duas crianças com alteração de linguagem vão necessitar planejamentos distintos, pois deverão ser estimuladas de acordo com suas inabilidades linguísticas. -Existem duas técnicas de intervenção: modelagem e imitação. As crianças com DEL responderam melhor à técnica de imitação. -Exploração do ambiente e interação comunicativa. -Possibilitar que a criança descubra as regras e regularidades das unidades linguísticas, conceitos e contextos que ocorrem no ambiente. -Realizar repetições múltiplas de situações sistematicamente controladas, mas de eventos variados. -Direcionar a situação para o item a ser adquirido, modelado pela fala e ação do adulto. Orientações à família Inicialmente: forneciam-se regras, normas e condutas que os pais deveriam adotar em relação a seus filhos. Atualmente: oportunidade de escuta, ouvir a família. Distúrbios de comunicação => vem acompanhados de ansiedade, tensão, angústia, dúvidas e preocupações . Importante: compreender a dinâmica familiar. Destinar um tempo da sessão para ser um momento de troca, de reflexão e de questionamentos. Objetivo: buscar a compreensão dos dois lados: -Dentro dos limites da fonoaudiologia => possamos compreender as características da dinâmica familiar; -Possamos ajudar a própria família a compreendê-la. Trabalhar no nível da conscientização dos problemas => mais fácil conseguir ajuda e participação da família. Resistência a mudanças: famílias mais fechadas, pouco suscetíveis a qualquer modificação => mostram-se resistentes a qualquer mudança ou aprendizado => o paciente também agirá dessa forma. Orientações específicas: -alimentação; -Estimulação; -Comportamento; -Escolaridade. Crestani AH, Oliveira LD, Vendruscolo JF, Ramos-Souza AP. DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM: A RELEVÂNCIA DO DIAGNÓSTICO INICIAL. Rev CEFAC, SP, 2012. BEFI-LOPES, D. M.; RODRIGUES, A. O distúrbio específico de linguagem em adolescente: estudo longitudinal de um caso. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, Barueri (SP), v. 17, n. 2, p. 201-212, maio-ago. 2005.
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