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CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DO CEARÁ DAVI MORAIS DA SILVA PEIXOTO PIMENTA NO ÚTERO ALHEIO É REFRESCO FORTALEZA - CEARÁ 2018 Pimenta no útero alheio é refresco Davi Morais da Silva Peixoto O velho dito popular já dizia que pimenta na vista alheia é refresco, pensamento astuto para ilustrar que as dificuldades da vida, quando ocorrem com outras pessoas, são muito mais fáceis de serem encaradas do que quando ocorrem com você. É fácil julgar o estado do outro sem saber o que ele está passando, complicado é quando o julgamento vem de um semelhante, alguém que, de certa forma, entende a situação do outro. O que leva uma mulher, que assim como muitas outras experimenta todos os meses os incontroláveis sintomas da menstruação, a tratar cólicas e dores físicas como simples “mimimi” (frescura)? A ignorância e a falta de sensibilidade apresentada na campanha que será abordada neste ensaio mostra que, pimenta no útero alheio nem sempre é refresco. Em 2015, a Novalfem, marca de remédio voltada para o público feminino, que trabalha no alívio de cólicas menstruais, dores de cabeça e enxaquecas, lançou a campanha “Sem MiMiMi” tendo como porta-voz, Preta Gil, também conhecida como filha do cantor Gilberto Gil. Na peça publicitária audiovisual publicada na internet, os sintomas do ciclo menstrual são tratados como “mimimi”, ou simplesmente algo banal. Uma pool party 1 é realizada com mulheres se divertindo ao redor de uma piscina enquanto Preta, acompanhada de duas dançarinas, exclama versos que declaram explicitamente que as cólicas e dores menstruais são pura bobagem, e que enquanto algumas mulheres estão em casa sentindo esses desconfortos, outras estão na balada pois, tomaram o remédio apresentado no vídeo. O termo Fotografia - Preta Gil e dançarina durante uma pool party enquanto os dizeres “MiMiMi” aparecem na tela. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=tCwxzpnuDGQ (2015) ________ 1 Festa à beira da piscina. chulo e polêmico, tema central da campanha, aparece durante grande parte do vídeo em diversas cores, algumas vezes acompanhado de hashtag 2, fazendo alusão ao modo como as pessoas produzem textos nas redes sociais, local onde o mesmo foi veiculado. A estrutura do comercial é feita em formato de vídeo musical, com variações de roupas e locais, trazendo para o tema abordado um tom ainda mais sarcástico e, para ser gentil, brincalhão. Pois bem, segundo Patton e Thibodeau (2002, p. 468 – 472), a menstruação é a descamação das paredes internas do útero quando não há fecundação. As cólicas menstruais se dão pois, o útero libera a prostaglandina, substância que faz com que o órgão se contraia, liberando o endométrio (camada interna do útero), em forma de sangramento, durante o ciclo menstrual feminino. É justamente esse processo que faz com que mulheres sintam grande desconforto durante esse período, algumas em maior intensidade que outras, acarretando também em dores na coluna e nas pernas, fadiga, cansaço, enxaquecas e dores de cabeça. A endometriose, doença que ocorre quando o sistema reprodutor feminino não consegue expelir todo o endométrio, é um dos agravantes do período menstrual que pode levar mulheres a sentirem dores anormais e nos piores casos, a causar infertilidade. Como publicitários, é nosso dever conhecer profundamente o assunto que será abordado em uma campanha, não podemos fazer um trabalho competente em território desconhecido. No caso apresentado, a falta de informação foi tamanha a ponto de uma mulher fazer pouco caso de uma situação tão delicada e importante, e que pode acarretá-la em qualquer momento da sua vida. A justificativa dos responsáveis pela peça criada foi a de que eles pretendiam abordar o tema tão sério, de uma forma mais leve, baseada no humor. O tiro acabou saindo pela culatra e o vídeo foi alvo de intensas críticas por parte de mulheres, que se sentiram desrespeitadas e viram sua saúde íntima ser exposta de maneira tão grotesca e sem pudor. O machismo é algo que ocorre diariamente em conversas de esquina, dentro de lojas, durante reuniões de negócios, de maneira explícita ou muitas vezes velada. Ao contrário do que se pensa, atitudes machistas não são exclusividade de homens, pelo contrário, existem mulheres que praticam esse ato de violência completamente ignorante tanto quanto o sexo oposto; muitas porque foram ensinadas a agirem assim, outras porque não sabem a maneira certa de se expressarem e por aí vai, são muitas as alternativas. Ainda contrariando o ________ 2 Palavra-chave antecedida pela cerquilha (#), muito utilizado em redes sociais. pensamento popular, ser machista não é apenas o ato de inferiorizar uma mulher, é também desrespeitá-la e profanar coisas degradantes sobre a mesma, como no caso da campanha “Sem MiMiMi”. Mulheres são abusadas (física e psicologicamente) todos os dias, em seus locais de trabalho, dentro de suas residências e até mesmo diante de amigos. É inaceitável que no momento em que estamos, onde cada vez mais a consciência acerca do respeito e tolerância com as minorias (negros, mulheres, homossexuais) seja discutida pelos veículos de comunicação, campanhas como essa sejam veiculadas sem antes haver um raciocínio lógico de saber se o conteúdo apresentado é relevante, se vai agregar valor a alguém ou se simplesmente serve como mais um desserviço para uma sociedade patriarcal e machista como a nossa. O Conar abriu um processo para averiguar o caso mas, antes mesmo de entrar em ação a Novalfem retirou o vídeo do ar e se desculpou com o público-alvo atingido pelo conteúdo ignorante da campanha, devido ao grande número de críticas negativas recebidas. Preta Gil foi às redes sociais também se desculpar pelo ocorrido, em comunicado ela disse: Quando fui convidada para fazer a campanha #SemMiMiMi fiquei muito feliz e achei a ideia super divertida e pra cima. A campanha nasceu para discutir um assunto sério de uma forma leve, humorada, que tem tudo a ver comigo. Em nenhum momento enxerguei como algo machista ou que desmerecesse quem sente cólicas fortes. Mas o fato foi que muitas mulheres se sentiram desrespeitadas. Li muitas coisas e me solidarizo com a maioria dos depoimentos e em consideração a elas, a campanha foi interrompida. Muitos beijos. Com carinho, Preta. De 2015, ano em que a campanha foi veiculada, até hoje muita coisa mudou; o feminismo tem vencido barreiras de preconceito e intolerância e alcançado cada vez mais adeptos. As redes sociais se tornaram campo de batalha importante na hora de debates sobre temas importantes para a sociedade, entre eles, o respeito pelo ser humano, especialmente pelas minorias. Em todo esse contexto atual, é imprescindível que os profissionais da área de Publicidade & Propaganda, saibam o que falar em suas campanhas. Precisamos usar nossas vozes para pregar o amor, o respeito, a solidariedade com o próximo. Usar mulheres seminuas para vender cervejas ou mostrá-las como meras donas de casa é algo que ficou enterrado no passado, as marcas têm mudado suas imagens, empoderando cada vez mais o comportamento feminino, dando à mulher a atenção e igual respeito que ela merece se comparada ao homem. É pensando nisso que, ao invés de divulgarmos material publicitário discriminatório e desnecessário, devemos aproveitar os diversos canais ofertados pelo grande avanço da tecnologia para mudarmos nossa sociedade pois, só assim seremos capazes de mudar o mundo.
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