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A posse em Ihering

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ICM – FACULDADE DE DIREITO
Direito Urbanístico – Fabianne Manhães
ALUNO: Luidgi Silva Almeida – 112084023
Ensaio sobre a posse como fenômeno social e instituição jurídica.
O estudo da posse é um tema complexo, as próprias expressões usadas neste tema, através do tempo sofreram modificações, dificultando ainda mais tal saber. Portanto, este instituto deve ser estudado de maneira cautelosa. Savigny e Ihering servem de base para todo o estudo da posse. Seus estudos analisaram o direito romano, para formularem sua teoria, com isso estudá-los é de suma importância para o entendimento do tema. Vale ressaltar que o estudo do da matéria não pode ser desconexa com as questões sociais, pois suas evoluções seguem um caminho paralelo.
A posse é um instituto diferente dos demais, complexo, sendo contrário ao estudo jurídico convencional. Temos de explorar o tema desde suas raízes para criarmos uma base que se sustente. Devido esse fato, a posse não é apenas um reconhecimento legal do seu direito enquanto detentor, mas sim uma realidade social observada pela coletividade e garantida pelo Estado, sendo um dos princípios basilares da sociedade contemporânea, a propriedade privada. Como a posse não é um direito real, supõe-se que o detentor não tenha todas as proteções jurídicas inerentes ao proprietário de fato, porém ele mantém uma expectativa do direito, podendo ser reconhecida judicialmente. É de conhecimento geral que tais temas que incidem sobre a posse em sede judicial, geralmente são morosos e reconhecê-los um tanto difíceis. Porém, com o aumento da tecnologia, e da celeridade processual, veem ficando cada vez mais célere o reconhecimento deste direito. Diante do exposto, nota-se, que a posse em si, para o seu reconhecimento, é necessário, além do reconhecimento do seu direito pela poder jurídico, deve ter o reconhecimento também de toda a coletividade.
Ihering notou que a propriedade não era protegida, com o passar do tempo foi sendo evidenciada uma necessidade de proteção legal. É necessária proteção pois se tratando de um ato de vontade do homem, elas constituem uma categoria econômica diferente, podendo o detentor alienar seu direito à outrem. Por outro lado a necessidade de proteger se dá pela questão social de evitar a violência, se presumindo legalmente a propriedade, constituindo um defesa avançada.
Savigny ao estabelecer sua teoria foi mais pragmático, analisou a história de época e constatou duas espécies de direito sobre a posse, sendo a “propriedade do ager privatus”, defendendo o direito através de uma ação reivindicatória e a “posse sobre o ager publicus”, situação de fato defendida com os interditos possessórios. Talvez seja pelo exposto acima que Savigny acredita que além de deter a posse da coisa, teria de expressar, emanar seu domínio, como se dono fosse, sobre a coisa.
Como a posse não seria tida como um direito, sua turbação não poderia ser visto como algo antijurídico – talvez antiético –, portanto é necessário proteger o instituto sobre a esfera jurídica, tentando com isso evitar a práticas violentas para obtenção da posse. Savigny então encerra seu raciocínio expondo que para a posse é necessário “corpus” e “animus domini”, sendo estes elementos autônomos, mas ambos seria fator chave para o direito à posse. Nota-se que o animus é apenas a externalização da vontade de detenção, sem deter tal bem, enquanto o corpus seria o domínio da coisa sem apresentar a vontade intrínseca de obtenção do direito. Com isso, é de suma importância que ambos os institutos se façam presente para obter a posse. 
A posse em Ihering : Uma sujeição declarada
Ihering sobre a posse e seus efeitos é uma clara contraposição aos argumentos defendidos por Savigny, tendo-lhe impulsionado para o desenvolvimento de seus escritos. O lapso temporal das duas obras de Ihering sobre a posse deixa claro uma evolução em seu pensamento, de modo a criticar a tese savigniana, mas sem colocar em outro patamar ideológico, mantendo a mesma posição. Em sua obra posterior, já começam a aparecer as reais diferenças dos pontos de vista e o método de abordagem da questão. Nesta obra que Ihering defende que para ter posse, bastava apenas ter “Corpus”, ou seja, ter domínio sobre a coisa, e não era necessário também ter “animus domini” – agir como se dono fosse - sendo o possuidor detentor do direito sobre a coisa, até que se prove o contrário. Devido ao domínio da coisa para si, adquirindo a posse, a proteção desta, seria vista como uma “exteriorização da propriedade”[1: SOARES, L. Fernando – “Ensaio sobre a posse como Fenômeno Social e Instituição Jurídica” (pg.68)]
A maior divergência que paira sobre os escritos de Ihering é a questão social, que ao adotar tal entendimento se veria incompatível com o sistema harmônico da convivência humana e o valor que a propriedade privada representa na sociedade. O indivíduo ao agir de má fé, não respeitando a propriedade privada, independentemente de cumprimento de sua função social, ao invadir e tomar para si o bem deveria ter a posse e gozar de seus efeitos anos depois em um possível reconhecimento de propriedade sobre o bem? Questão de complicado posicionamento. Entretanto nota-se um claro sentido objetivo na teoria de Ihering, onde se analisaria apenas os fatos, enquanto a teoria de Savigny teria de analisar a questão subjetiva da vontade do indivíduo. 
A posse em Ihering: Organização estrutural dos seus elementos
Quando Ihering afirma que apenas o “corpus” é elemento essencial para a efetiva posse, sendo a exteriorização objetiva da vontade do possuidor, portanto não quer dizer que ele descarte a “animus domini”, mas significa que ele considera que a vontade do detentor de igual valor à vontade do possuidor, não caracterizando então uma distinção que fundamente sua linha de raciocínio. Nota-se que ambos institutos são inseparáveis e indissociáveis para Ihering, enquanto a tese Savigniana tais institutos são complementares, podendo até concorrerem entre si. A detenção por sua vez é uma situação residual da detenção sendo então uma posse desqualificada, resultado da atividade estabelecida entre as partes. Com isso a posse seria uma detenção qualificada de todos os atributos jurídicos estabelecidos. 
O contributo historicista de Nieburh e Bonfante e Albertário
A palavra posse, latu sensu sofreu alterações em sua interpretação ao longo dos tempos, advindo de uma característica mais voltada aos imóveis rústicos e posteriormente tendo especificações de âmbito geral, podendo se referir até ao estado das pessoas. Bonfante sustenta a tese que as instituições jurídicas devem ter o aspecto orgânico ou anatômico, especificando suas funções e finalidades. Nota-se que enquanto as estruturas permanecem intactas, as ideias se alteram ao caso, apresentando uma flexibilização em sua ordem. Seu entendimento sobre “corpus” se assemelha ao de Ihering, sendo elemento natural da posse, não se traduzindo necessariamente em característica material e em detenção. Para Bonfante, o “animus” significa unicamente intenção ou vontade de domínio, e não ter a coisa como se sua fosse. Diante do exposto acima, Bonfante estabelece que “A propriedade expressa o poder jurídico enquanto a posse revela o poder social”. Albertario, por sua vez, coloca os outros autores supracitados em uma mesma linha de raciocínio. Apesar de ser uma teoria simplista, ele sustenta que nenhum dos autores até então conseguiu reproduzir a noção de posse, em sua essência, no direito romano.[2: SOARES, L. Fernando – “Ensaio sobre a posse como Fenômeno Social e Instituição Jurídica” (pg.89)]
Uma diretriz sociológica hesitante: Perozzi
Perozzi entende que a posse é um fenômeno social, não sendo apenas um relação jurídica, tendo caráter ético-social, baseado no costume. A garantia da propriedade é um dever do Estado, garantindo a existência de tal instituto. Enquanto o indivíduo é detentor, gozando dos efeitos jurídicos da posse, o terceiro por sua vez deve abdicar de interferir ereconhecer o domínio de outrem, estabelecendo assim uma relação harmônica social. Portanto, “o corpus” sem o “animus domini” seria um verdadeiro atentado às relações sociais como um todo.
A diretriz sociológica de Saleilles: a autonomia social e econômica da posse
Saleilles em sua teoria acredita que a evolução jurídica caminha em comunhão com a evolução social, sendo uma consequência da outra. Como o autor entende que os conceitos jurídicos e, portanto o ordenamento jurídico não são apenas abstrações e interpretações literais, a evolução se dá de maneira progressiva. O conceito de posse não depende unicamente do poder de fato, mas sim de uma consciência social. Com isso, detentor do direito real teria de observar os anseios sociais para manter a posse, iniciando a ideia de posse social. Diante do exposto, o posseiro deveria cumprir a função social para não perder o direito adquirido.
O valor do uso dos bens e a função social da posse.
Pelo fato da posse se ligar ao valor do uso das coisas, o valor monetário em primeiro momento seria subjetivo. Posse se caracterizaria através da riqueza. O possuidor liga valor através do uso de suas coisas, tendo a necessidade e a satisfação como critérios subjetivos para valorar uma posse. A mercadoria, advinda do fruto do uso da posse tem um valor para os outros, que a demanda iria regular os valores.
Ihering reformulou o conceito de posse, trazendo avanços ao tema. Sendo o “animus domini” e o “corpus” indissociável entre si, o indivíduo ao ter a posse do bem já teria exteriorizando seu “animus domini”, sendo assim o corpus caráter fundamental para o instituto da posse. Porém não podemos ignorar as questões sociais que os historiadores trouxeram. Como o direito não deve ser tratado como ciência exata, ele está sempre avançando em conjunto com as questões relativas a sociedade. O terceiro vivendo em harmonia social abdicaria da tentativa de usurpar a posse do primeiro, garantindo assim paz jurídica e paz social, salvaguardando o direito à propriedade privada, considerado o direito fundamental para a liberdade individual. 
Estatuto da Cidade e Suas Diretrizes Gerais
O direito urbanístico surgiu com o intuito de resolver os problemas decorrentes das urbanizações modernas, discutidas em primeiro momento pelo direito civil e posteriormente com a inserção do estudo do direito administrativo para ajudar sanar tais embates. A constituição da república em 1988 abordou o tema pela primeira vez em solo pátrio, considerando o direito urbanístico fundamental para resolver eventuais conflitos e coordenar o desenvolvimento do solo urbano, observando os princípios da função social, da propriedade privada, dignidade do ser humano.
O direito urbanístico então vem trazendo através dos anos uma nova perspectiva sobre tal tema, criando o conceito de política urbana, que seria um ideia diferente dos estudos clássicos civilistas. Em seu artigo 182, o legislador à época teria dado um grande avanço – pelo menos teórico – com a exposição deste artigo. Nota-se que deve ser respeitado a função social da propriedade, como meio de garantir seu direito de posse sobre ela, entretanto, caso não cumpra sua função social, terá sanções progressivas. 
Tal política deve estar alinhada à realidade econômica, e social do país, não podendo ser uma percepção isolada aos fatos atuais. O estatuto das cidades é criado então, para consolidar o direito urbanístico, viabilizando suas funções práticas enquanto teoria. Percebe-se que a citada política urbana, é a base do estatuto, possibilitando assim sua ordenação, sem se esquecer dos anseios e problemas sociais. 
O crescimento, portanto, não é o objetivo primário do direito urbanístico, sendo ele a organização, ou melhor, a possível reorganização das estruturas urbanas, para obter uma melhor estrutura, divisão do solo urbano e, consequentemente, mobilidade urbana. Esse avanço propicia uma maior sinergia da ordem urbana, tentando através dos instrumentos citados atingir o objetivo de transferir para a população uma maior qualidade de vida no meio urbano.
Tal avanço no ordenamento jurídico, e posteriormente a aprovação do estatuto possibilita uma possibilidade real de avanços sociais nos temas ligados a convivência e harmonia urbana, entretanto é necessário que tal positivação legal se reproduza em realidade fática para toda a população.
A função social da cidade
A propriedade atualmente em seu sentido literal vem sendo usada de maneiras distintas, querendo dizer o direito real, ou dizendo sobre adequação, como se apropriar de algo para um fim. O segundo sentido quer tentar impedir, ou pelo menos frear a violação do primeiro sentido literal apresentado. A função social da propriedade historicamente constitui um direito excludente, não para si, mas para a coletividade. Enquanto o detentor do bem cumprir sua função específica, ele fica salvaguardado pelo ordenamento jurídico, tendo eficácia “erga omnes”.
Como anteriormente esclarecido na resenha sobre o estatuto das cidades, o legislador ao formular o artigo 182 da constituição federal, em consonância com o artigo 1º da lei 10.257/2001, não quis somente estabelecer a área de atuação do direito urbano, mas adequá-la em comum acordo com a realidade social vigente, tentando de algum modo resolver os problemas urbanos. Nota-se que o descumprimento da função social geraria um ônus progressivo, então, o mal uso da propriedade na teoria geraria prejuízo, até a total perda do bem. 
É muito mais difícil determinar o que necessariamente quer dizer função social em solo urbano, tendo em vista que no caso do solo rural, as plantações e criações de animais já demonstraria o cumprimento deste instituto. Apenas a moradia garantiria o cumprimento da função social nas cidades, ou outros quesitos também deveriam ser analisados? Talvez não, pois uma pessoa que possuí mais de um imóvel não conseguiria morar em locais diferentes ao mesmo tempo, deixando claro que estamos excluindo a prática do aluguel por exemplo.
Como a propriedade privada é um dos princípios basilares das sociedades contemporâneas, o Estado garantindo a proteção do seu direito e a coletividade abrindo mão de sua expectativa de direito em relação à propriedade privada , sustentaria a propriedade individual. Práticas como o plano diretor, sanções diversas ao desuso e abandono, IPTU progressivo, edificação e parcelamento compulsório e desapropriação depois de esgotadas todas as sanções devem ser colocadas em prática e encorajadas.
Direito urbanístico, Estatuto da Cidade e Regularização Fundiária.
Nos países com desenvolvimento tardio, a ocupação urbana se deu de modo desigual, com claro déficit habitacional, serviços precários e ínfima infraestrutura. Nota-se o desrespeito ao meio ambiente, a ineficácia do transporte público e o medo social em relação ao crime. Tais problemas também ocorrem em países ditos de “primeiro mundo”, Inglaterra por exemplo, com o aumento de sua população nos grandes centros urbanos apresenta tais desarranjos urbanos. O fato maior para a contribuição dessa realidade social das metrópoles mundo afora, é a falta da política habitacional, os precários planos diretores, ou o desrespeito social dessas práxis.
Então a política organizacional deve tentar proporcionar harmonia urbana e social. O primeiro passo seria embutir na sociedade o sentimento de coletividade e consciência para superarmos o mau uso do solo urbano. Foi com esse intuito que o legislador à época regulou o estatuto das cidades. Procurando desenvolver a regulamentação dos solos urbanos sem deixar de lado as questões sociais que atingem toda a coletividade.
O solo urbano deve ser aproveitado com o fim de melhor servir a coletividade. O poder executivo deveria observar os problemas com certa celeridade, pois corre o risco de cair no esquecimento, caso outra equipe política venha assumir o controle da cidade. Como a moradia é uma garantia constitucional, o poder judiciário também deveria acelerar as regularizações fundiárias em consonância com opoder executivo, assegurando assim, na prática, o que garante a teoria.

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