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Curso de Direito Imobiliário Editorial www.lumenjuris.com.br Editores João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Adriano Pilatti Fauzi Hassan Choukr Manoel Messias Peixinho Alexandre Freitas Câmara Felippe Borring Rocha Marcellus Polastri Lima Alexandre Morais da Rosa Firly Nascimento Filho Marco Aurélio Bezerra de Melo Augusto Mansur Frederico Price Grechi Marcos Chut Aury Lopes Jr. Geraldo L. M. Prado Mônica Gusmão Bernardo Gonçalves Fernandes Gustavo Sénéchal de Goffredo Nelson Rosenvald Cezar Roberto Bitencourt Helena Elias Pinto Nilo Batista Cristiano Chaves de Farias Jean Carlos Fernandes Paulo de Bessa Antunes Carlos Eduardo Adriano Japiassú João Carlos Souto Paulo Rangel Cláudio Carneiro João Marcelo de Lima Assafim Ricardo Lodi Ribeiro Cristiano Rodrigues José dos Santos Carvalho Filho Rodrigo Klippel Daniel Sarmento Lúcio Antônio Chamon Junior Salo de Carvalho Diego Araujo Campos Luigi Bonizzato Sérgio André Rocha Emerson Garcia Luis Carlos Alcoforado Sidney Guerra Conselheiro benemérito: Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Conselho Consultivo Álvaro Mayrink da Costa Cesar Flores João Theotonio Mendes de Almeida Jr. Amilton Bueno de Carvalho Firly Nascimento Filho Ricardo Máximo Gomes Ferraz Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Flávia Lages de Castro Sergio Demoro Hamilton Antonio Carlos Martins Soares Francisco de Assis M. Tavares Társis Nametala Sarlo Jorge Artur de Brito Gueiros Souza Gisele Cittadino Victor Gameiro Drummond Caio de Oliveira Lima Humberto Dalla Bernardina de Pinho Livraria Cultural da Guanabara Ltda - Centro Rua da Assembléia, 10/20º andar/ SL. 2022 - CEP: 20.011-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel: (21) 3505-5888 Fax: (21) 3505-5865 - Fax Loja: (21) 3505-5872 Madureira - Lumen Juris - RJ Estrada do Portela, nº222, 6ºandar Universidade Estácio de Sá - Madureira CEP: 21.351-900 - Rio de Janeiro, RJ Tel: (21) 2488-1088 São Paulo - Lumen Juris - SP Rua Correa Vasques, nº48 - Vila Clementino CEP: 04.038-010 - São Paulo, SP Tel: (11) 5908-0240 / (11) 5081-7772 Livraria Cultural da Guanabara Ltda - Centro Rua da Assembléia, 10/Loja G/H CEP: 20.011-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel: (21) 3505-5888/ 5854/ 5855/ 5856 FESUDEPERJ - Lumen Juris - RJ Av. 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Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2010 Créditos Copyright © 2010 by Hércules Aghiarian Categoria: Direito Imobiliário Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 10.695, de 1º/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Revisão Formas Consultoria & Editoração Ltda. Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil Dedicatória Aos meus lindos filhos: David, Avram e Rachel. Pedindo a Deus que os proteja. Artigos publicados Da constitucionalização da atividade notarial e registral, obra coordenada por Claudia Tutikian, São Paulo, SP: Editora Quartier Latin (no prelo). Aspectos registrais da ocupação – um novo encargo para o registrador imobiliário, determinado pela Lei nº 11.481/07, in Novo direito imobiliário e registral, obra coordenada por Claudia Tutikian e outros. São Paulo, SP: Editora Quartier Latin. A Desjudicialização de Procedimentos de Família Lei nº 11.441/2007, e a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Exposição no II Congresso Nordestino de Direito de Família, promovido pelo IBDFAM/ESMP, de 02 a 04 de Agosto de 2007 (Artigo disponível na Revista Eletrônica da Escola Superior do Ministério Público de Sergipe). Patrimônio de afetação, in BLA, nº 3 – 1ª Quinzena Fevereiro 2005 – Ano VIII – 8234099 – ADCOAS e inserido no Jus Navigandi nº 607 (7.3.2005). www.jus.com.br, acesso em 21.03.2005. Diário das Leis BDI Boletim do Direito Imobiliário 2º Decêndio Maio/2005 Ano XXV nº 14, pp. 8 e ss. Da modificação do regime de bens, in BLA, nº 2, 2ª Quinzena Janeiro 2004, Ano VII, 8221580, p. 31, ADCOAS. O Anteprojeto de Lei da União Estável, in BLA, nº 32, de 20.11.96, ADCOAS. A natureza jurídica da posse e a reforma do CPC, in BLA, nº 7, de 10.03.97, ADCOAS. Contrato de parceria, pessoas do mesmo sexo, in BLA, nº 17, de 20.06.97, ADCOAS. A resilição contratual locatícia por iniciativa do locador, in BLA, nº 30, de 15.09.97, ADCOAS. Da restituição in integrum conforme o art. 53 da Lei nº 8.078/90, in Doutrina, nº 1, set./99, ADCOAS. Prefácio à nona edição À medida que crescem os conflitos sociais, crescem os conflitos de terras, os conflitos decorrentes da moradia, digna e democrática. Infelizmente, nem sempre acudida pelo interesse público – mais açodado a vieses políticos que a perspectivas particulares com expressão coletiva social –, haja vista que esta, a sociedade, como bem estabelece o étimo, impõe a ideia de conjunto.Mas enfim, caminha firme o Direito Real (o das coisas, como se usava chamar) Imobiliário, notadamente. Amplia-se, como previsto em nossa primeira edição, a um ver e viver sistêmico; cada vez mais, avivado pelas diversas novas aglutinações legislativas que fazem surgir novos ramos do Direito. A propriedade imóvel torna-se, cada vez mais, refém e fim, de diversos ângulos do Direito (civil, processual, penal, administrativo, registral e, sobretudo, econômico). Nesta edição, como sempre fazemos, pedimos desculpas e todas as vênias por faltar algum elemento de atualização ou, pior, de confirmação para lastro, nas mais diversas e ricas bibliografias jurídicas, que se impõem como de fontes. Notadamente, civilista e processual, em alguns casos. Mas a esses notáveis doutrinadores incumbe ao interessado compulsar. Este livro se propõe, como sempre fez, a servir de manual meramente propedêutico (perdoem). Fomos até a nova lei do inquilinato, que de proposição afinada com as novas perspectivas processuais civis, notadamente de cunho de pretensão executiva (Livro II do CPC, aliás, como também do Livro I, Título VIII, Capítulos IX e X). Vê-se mais prestigiado o direito do locador, até mesmo diante do interesse do locatário em relação a fins de comércio ou atividade empresária; contrariamente ao que jamais iria imaginar o legislador de 1979, com a defunta Lei nº 6.649, que chegou, no máximo, a conhecer, por emenda, o assustador pedido por denúncia vazia. Por outro lado, a sociedade que compõe os locatários não é mais a mesma. Não são mais desprovidos de elementos de defesa e acesso à aquisição da propriedade, nem mesmo de acesso à justiça (ainda que tardia). O perfil do desenho urbanístico e rural alterou-se. Aglutinam-se moradias e atividades. Enfim, um novo mundo, uma nova concepção de propriedade, ainda em construção! Contudo, sempre afinada com a ideia liberal, senão com a ideia capitalista, por excelência. Por ironia, quando se constroem e distribuem propriedades à sociedade menos favorecida, em muitos projetos, por doação ou concessão de uso gratuita, mesmo com fim social e de forma coletivizada, típico perfil socialista, acaba-se prestigiando a velha fórmula, toma que é teu! Agora faz o que lhe aprouver. Invariavelmente, vender, ceder, suceder, permutar… Le Ancien Regime... A new social order. Almas velhas em roupagens novas. Agradecemos a confiança e, reiteradamente, desejamos proveito nestas linhas, sempre no aguardo de críticas e sugestões, ao tempo em pedimos que nos escusem, sempre escrevermos com o coração à frente a letra. Atenciosamente, Hércules Aghiarian herculesaghiarian@gmail.com O porquê do Direito Imobiliário? É comum encontrarmos profissionais mais vetustos, daqueles quase contemporâneos de Clóvis Beviláqua, forjados, senão no seu tempo biológico, no seu tempo de literatura jurídica, que refutam o surgimento do Direito Imobiliário como novo ramo necessário ao imensurável mundo das relações jurídicas e, logo, do Direito. Contudo, já não sorriem mais, hoje, os atualizados aos conflitos urbanos e rurais, todos passando pela propriedade e pela posse, a ensejar a realidade de um Direito Imobiliário. No Rio de Janeiro, em vida acadêmica, o gênio irrequieto do Dr. Sérgio Cavalieri estabeleceu, lá se vai mais de uma década, este conteúdo em apartado do programa curricular da Universidade Estácio de Sá, em que, sabidamente, vem a eclodir, em outras instituições, a mesma disciplina e sua regulamentação, como disciplina básica e autônoma, ao lado, aliás, de disciplinas que também soariam menores, como o direito da infância e da juventude, do consumidor, ecológico ou do meio ambiente, enfim, de tantos ramos que fogem ao Direito Civil tradicional, ou ao puro direito administrativo, uma vez que não se limitam ao interesse privado nem, de outra forma, ao interesse do príncipe. Crescem as ofertas de Pós-graduação em Direito Imobiliário e, já, em Direito Registral, não obstante incipientes os até aqui oferecidos. Surgem os cursos de mestrado, que têm por enfoque central os problemas urbanísticos ou da cidade, senão por título, o Direito Imobiliário, workshops de direito imobiliário e consumidor, imobiliário e meio ambiente, revistas especializadas e especialistas. Assim, o Direito das Coisas, no seu tempo, nos forneceu e fornece os elementos de base, os institutos da posse e propriedade em suas variações de concepção assimilada a partir dos diversos direitos reais. O Direito Urbanístico também surge, mais recentemente, desdobrando-se do direito administrativo, porque alcançado, justamente, pela inferência do interesse social e da propriedade privada. Esta a cumprir seu papel maior diante de sua função social, o que exige adequação e integração coletiva, sobretudo a garantir o ir e vir, a saúde pública e o meio ambiente. Não se pode conceber mais a propriedade como um dado em si, mas um verdadeiro valor de meio. Por essa razão, pensar em propriedade é pensar em integração e integração é movimento. Pensar em propriedade é pensar em coletivo, e pensar em coletivo urge ceder e planejar; daí, seria mais conveniente estudarmos o veio do Direito Urbanístico quando vista a propriedade urbana. Daí se dizer, em sentido macro, da necessidade hodierna “de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade”.[1] O Direito Urbanístico, assim, também sai, de certa forma, do Direito das Coisas e encontra realidade própria em cursos, cadeiras acadêmicas curriculares, livros e especialistas, mas seu objetivo não é a propriedade privada, e sim a ordenação do espaço público, racionalizando, inclusive, a propriedade privada, isto é, cerceando o direito absoluto de domínio e disposição da coisa. O Direito Imobiliário, por sua vez, mantém sua natureza essencialmente privada, uma vez que é o ramo que aglutina as diversas relações jurídicas e conflitos que decorrem da propriedade, seja quanto à sua afeição maior, o domínio, seja quanto aos aspectos registrais, de sucessão, de família, de locação, de cerceamento do direito de construir ou ao modo de simplesmente comercializarem-se os bens que a lei ou a tradição consideram imóveis. Como gostamos de expressar, o Direito Imobiliário é o direito da coisa em movimento, em interação efetiva. Mas como os direitos civis mais puros vêm sofrendo a intervenção do Estado – ora pela chamada publicização, ora pela intitulada constitucionalização –, dito de outra forma, também o Direito Imobiliário enfrenta uma composição de interesse público imanente, seja na forma de comercialização, de uso, ou de qual seja a disposição da coisa, no sentido de sua utilidade.[2] Assim, podemos nos arvorar em conceituar o Direito Imobiliário como o ramo do Direito – público e privado – que regulamenta e compõe as diversas relações jurídicas e os conflitos consequentes, que sejam inerentes à posse e propriedade imóvel, provenham de que ramo tradicional provierem. A morte abre a sucessão. A sucessão é, segundo a lei civil, direito imóvel, logo, nos pertence. A desapropriação é de conteúdo administrativo iminentemente, mas somente existe sobre a coisa, e aí surge a perda da propriedade ou a cessação da locação, logo, imobiliário, e, assim, se pode entender que quaisquer interesses jurídicos, diretamente ligados ou intervenientes com a coisa imóvel, deverão interessar e pertencer ao Direito Imobiliário. Não existe propriedade sem registro, e o direito registral vem de ser vulgarizado pelo mesmo ramo novel. Agora, atentos a isso, não nos descuremos de entender que a propriedade imobiliária e os diversos direitosreais da mesma natureza têm por paralelo o Direito registral. Aí, para muitos, a falta de visão para entender-se a razão de um direito não encontrar reflexo no reconhecimento do Estado. Observamos, nesta obra, o paralelismo que existe entre os direitos reais e registrais. Por isso, procuramos melhorar o Capítulo do Registro de Imóveis. Mas é certo que nenhuma ingenuidade nos anima em acreditar suficiente o que, aqui, foi enfrentado. Felizmente, de forma profética, vemos surgir o Direito Registral (e Notarial) como cadeira de estudo sistematizado, porém com existência autônoma. Fruto, decerto, do acesso ético e democrático por parte dos profissionais do direito, por concurso de provas e títulos – malgrado a resistência de muitos –, à atividade notarial e de registro o que fez pulularem obras e até cursos de pós- graduação stricto sensu. Direitos Reais 1. Introdução Para a teoria realista, segundo Caio Mário,[3] direitos reais se resumem no poder da pessoa sobre a coisa, ou seja, sujeição direta da vontade sobre o bem. Ressaltando o mesmo autor: sem intermediários. Ratificado o conceito, a melhor linguagem personalista da estrutura da relação jurídica, segundo revisão de Windscheid, utiliza o significante sujeição em lugar de relação, próprio a pessoas, dada a necessária comunicação inerente ao fenômeno. Disso resulta discriminar os direitos pessoais dos reais: os primeiros, aqueles oponíveis em face, simplesmente, do outro agente passivo da relação jurídica, a quem incumbe, exclusivamente, e às vezes, intuitu personae, realizar, dar ou fazer alguma coisa, resolvendo-se a negativa, a frustração, em perdas e danos; os segundos decorrem de relações jurídicas caracterizadas por vínculos jurídicos reais, também ditas absolutas; a constrição, ante a negativa do cumprimento, se satisfaz, diretamente, na coisa, na apreensão efetivada pelo Poder Público, representado pelo Poder Jurisdicional. Há que se reconhecer maior amplitude no polo passivo da relação jurídica de direitos reais, visto que ali se encontra o chamado sujeito passivo universal, isto é, toda a sociedade que observa, no sentido de respeitar e reconhecer, a existência do direito do credor (senhorio), da sua obrigação de não molestar este fato: a propriedade alheia; abstém-se, simplesmente, de praticar qualquer ato de exterior pretensão sobre o bem sob domínio. Salvo, por óbvio, em decorrência de renúncia, tácita ou expressa, como se verá na usucapião, onde não se dirá haver conflito, mas sim mera apreensão originária, até porque, em razão de se haver quebrado o elo, o vínculo de atributividade sobre o bem, pelo então proprietário. 2. Objeto de constrição Os direitos reais se manifestam sobre coisa própria – jus in re propria – ou sobre coisa alheia – jus in re aliena. No primeiro caso (sobre coisa própria), verifica-se a propriedade pura, em que o titular do domínio exerce a materialização dos atos de constrição direta do bem e fruição decorrente, daí chamado de direito real pleno. No segundo caso (sobre coisa alheia), quando em face do exercício dos direitos de fruição (enfiteuse, servidão, uso, usufruto, habitação, renda constituída sobre imóvel), de garantia (hipoteca, anticrese, penhor, alienação fiduciária) e mesmo pelo exercício simples da posse, assim como pelo direito real de aquisição, em lição de Caio Mário, na promessa de compra e venda passada em caráter irrevogável, com eficácia de direitos reais.[4] Daí Maria Helena Diniz dizer que só a propriedade se compõe, entre os direitos reais, no exercício de direito sobre coisa própria.[5] 3. Previsão legal absoluta Como é sabido, somente o legislador tem competência para instituir novas figuras de direitos reais, ademais das constantes no artigo 1.225 do CC,[6] bastando apenas, ressalte-se, a previsão em lei. Nesse citado artigo, encontram-se novos direitos reais; lamentavelmente, já são enumerados de forma defasada, haja vista inúmeras leis e medidas provisórias recém-editadas que criaram novos direitos dependentes de registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis, em decorrência de constrição direta com bens imóveis ou como tal assemelhados. Entretanto, a título de ilustração didática, vale lembrar que a velha enfiteuse foi deixada para o direito público administrativo, ou seja, os terrenos de marinha, que constituem patrimônio de afetação dominical do Estado, na forma da Lei nº 9.636/98, que alterou e regulamentou o Dec.-lei nº 9.760, e a Lei nº 2.398/87, assim como o Decreto nº 3.725/01, que, por sua vez, regulamenta aquela primeira lei aqui mencionada. Mas isso tudo fica, de passagem, em comentário, porque vai integrar-se à noção de direito administrativo, não obstante o nexo, por vezes intrínseco, com o Direito Imobiliário. Por outro lado, surge o direito de superfície; coloca-se, no rol, o direito do promitente comprador do imóvel, sabida a existência da Lei nº 10.257/01 e das normas do Dec.-lei nº 58/37, da Lei nº 6.766/79 e Lei nº 4.591/60, esta última alterada pela MP nº 2.221/01, criando novo direito real de garantia, chamado direito de afetação, que será objeto de comentário no lugar próprio. Como sabido, o direito de superfície veio a cumprir o papel de estímulo à função social da propriedade, permitindo que, por instrumento público, o dono do terreno conceda, sem prazo, a terceiro, em caráter de possuidor precário do bem, a constituição de direito de uso para plantio e/ou edificação da superfície, conforme artigo 1.369 do CCB, por tempo determinado ou não, devidamente registrado no RI. A Lei nº 10.257/01, entretanto, também dispõe da mesma questão, parecendo, assim, prevalecer sobre o Código Civil, em face do aspecto mais especial urbanístico, segundo entendem alguns mais doutos em caráter, entretanto, de opinião informal. Aproveita-se, aqui, diante de alguns pontos de semelhança entre a superfície e o direito de enfiteuse, para consignar a hipótese de desdobramento das funções da propriedade, em sua utilização econômica mais eficaz (domínio útil, resolutivo), sem embargo da preservação do interesse do titular concedente (domínio direto). Nesse caso, prevalecendo, também na enfiteuse, o direito proporcional à indenização em caso de desapropriação.[7] 4. Distinção entre direitos reais e obrigacionais (pessoais) Da lição de Orlando Gomes, extraem-se as seguintes distinções entre uma e outra relação jurídica, observadas, respectivamente, a relação jurídica de direitos reais e a de direitos obrigacionais:[8] a) objeto da primeira é, necessariamente, uma coisa determinada, enquanto da segunda pode ser coisa genérica; b) a violação dos direitos reais consiste sempre em fato positivo, o que não ocorre, obrigatoriamente, nos direitos obrigacionais; c) o titular adquire a faculdade de gozo permanente em face do caráter de perpetuidade, enquanto o segundo é eminentemente transitório, exaurindo-se no momento da prestação; d) somente os direitos reais se afirmam em face de um sujeito passivo indeterminado, segundo a teoria personalista; no momento da violação, entretanto, passa a haver uma pessoa determinada ou um grupo determinado. Nos direitos pessoais, o sujeito passivo da relação, necessariamente, é pessoa certa; e) distinguem-se, ainda, os primeiros pela característica da tipicidade, elasticidade, publicidade e especialidade. 5. Posse e propriedade 5.1. Concepção instrumental de posse Conceitua-se posse dissecando-se os elementos subjetivos caracterizadores do exercício das prerrogativas inerentes à propriedade, no que se diz que posse se constitui no exercício de um dos poderes, ou faculdades, inerentes à propriedade. Isto é, no exercício do direito de usar e gozar do bem jurídico. Martin Wolff, apud Caio Mário,[9] conceitua posse como o poder efetivo sobre uma coisa, senhorio este que pode exercer qualquerpessoa (física ou jurídica), e sobre qualquer coisa ou partes dela, desde que, visível, acrescentaríamos. Para o insigne Des. Prof. Laerson Mauro, “posse é o fato que consiste no exercício, com autonomia, total ou parcialmente, de algum dos poderes inerentes ao domínio”.[10] O ilustre e festejado professor lembra, com oportunidade e precisão indispensáveis, que a posse “não é o exercício do direito de propriedade, porque, se o fosse, somente o proprietário seria possuidor [...] A posse é um instituto pragmático e economicamente ligado ao direito de propriedade, posto que como o instrumento prático, através do qual o proprietário exerce o seu direito, amealhando as vantagens econômicas de que a coisa é capaz e a que ela faz jus.” A dificuldade está em se entender, com precisão, em que terreno se insere a posse e que figura é esta com a qual já se encontravam engasgados os romanos. Isso porque, posse, inegavelmente, é matéria de espontaneidade cultural das mais primevas na manifestação expansiva do homem. Todo ato de constrição física de determinado bem, ou parte dele, quando desdobrável em sua utilização, aliada à determinação de permanente e exclusivo controle, tipifica a ocorrência de posse, independente de lei ou qualquer outra formalidade de reconhecimento. Assim, até mesmo o ladrão mais vil, ou o mais hediondo esbulhador, conquanto de má-fé, ninguém deixará de reconhecer que possui o exercício em razão de uma determinação íntima oponível, em face do tempo, até mesmo ao legítimo possuidor, ou pelo menos, com proteção do próprio Estado em face de terceiros estranhos ao bem afetado, e ao exercício substitutivo da pretensão não exercida. Concluindo, lembra que posse é direito, e direito real, orientação que acompanhamos, não obstante conhecida a discussão que a matéria traz e comporta, ainda hoje. Com relação a isso, recente obra propondo analisar o cabimento das liminares nas ações possessórias, de autoria do juiz catarinense José Dias Figueira Júnior, deita-se a qualificar a posse como matéria de direitos pessoais, assim como, também, Cândido Dinamarco, na análise do § 2º do artigo 10 do CPC, que mais tarde se analisará. O renomado juiz catarinense conceitua a posse como “uma relação fática socioeconômica com carga potestativa (poder de ingerência) formada pelo sujeito titular e um bem da vida à obtenção da satisfação de suas necessidades, suficientemente apta a excluir terceiros que possam prejudicar de alguma forma o seu normal desenvolvimento, tornando-se geradora de efeitos que se refletem no mundo jurídico”.[11] Concluindo de forma contundente, mais adiante, a partir da noção que elabora: “lembramos ao leitor que, segundo nosso entendimento, as ações possessórias não se revestem de natureza real, sobretudo por não ser a posse um direito real, mas uma situação fáctico-potestativa geradora de efeitos no mundo jurídico.”[12]-[13] 5.2. Teorias explicativas da posse Resumem-se a duas, as mais usuais, a subjetivista e a objetivista. Na primeira encontra-se Savigny, para quem a constrição física encontra no campo exterior de sua manifestação o elemento de verificação da posse, chamado corpus, resumindo-se no poder decorrente da apreensão, seja por ocupação violenta ou consentida, na fruição e defesa contra investida de terceiros estranhos. Aliado a esse elemento externo (objetivo), identifica um outro, interno (subjetivo), como causa legitimadora e caracterizadora dessa disposição de direito próprio afirmado, chamado de animus. Com razão, em parte, Savigny, porque a detenção é o uso para conservar-se a posse em nome alheio (artigo 1.198 do CCB), não se reconhece pretensão de direito no interesse próprio. Falta-lhe, ao detentor assim, o animus próprio que tem o possuidor na exteriorização tal qual titular do domínio. Este que detém a coisa em nome do patrão tem a consciência de sua vinculação limitada ao bem na qualidade de mero preposto. Passaria a haver posse, em sentido próprio, quando afirmada em nome próprio, não obstante, para tanto, iniciada a sua verificação através do esbulho, rompe afirmadamente o vínculo de subordinação, iniciando-se fase de afirmação própria. Sem animus próprio, o detentor ou fâmulo, exerceria uma quase-posse direta do bem em nome alheio, não fosse a clara distinção de aqui, na detenção, haver subordinação, enquanto na posse, mesmo viciada, existir desiderato pessoal no interesse próprio. Caio Mário, de saudosa lembrança, em face do que dispunham os artigos 487 e 497 do CC,[14] observava um exercício razoável do dever de vigilância.[15] Essa determinação íntima, o animus, caracteriza-se pela chamada affectio tenendi, ou seja, elemento de determinação irrefutável através dos atos de utilização – domínio – e defesa de ter a coisa para si como dono. Por óbvio que não se espera, nem se poderia exigir, a certeza da condição de domínio, em que a figura seria de erro quanto ao bem e, em decorrência, insuscetível de apropriação, em face da ausência do vínculo.[16] Nem mesmo ad usucapionem, por restar malformado o elemento de subjetivação como anteriormente dito.[17] Nesse ponto, distinguem-se, de um lado, o fâmulo e o administrador e, de outro, o possuidor, porque aqueles não podem possuir animus caracterizado pela determinação de ter (affectio tenendi), vínculo subjetivo, como se verá, eivado de precariedade, em face da unilateral modificação desse elemento subjetivo de justificação da pretensão de posse pelo detentor violador de sua condição de simples longa manus. Em crítica à teoria subjetivista, Caio Mário[18] lembra que não se constituiriam em posse, segundo Savigny, visto a necessidade do elemento subjetivo, aquelas decorrentes de locação, comodato, ou por mera detenção, não obstante ninguém discutir que posse existe direta e até oponível ao legítimo e exclusivo senhorio, em certas circunstâncias e limites jurídicos, enquanto perdure aquele direito sobre coisa alheia. Em oposição surge Ihering com a teoria objetivista, para quem a simples exteriorização já estabelece a ocorrência do fenômeno da posse, assim posse se resumiria no simples elemento de verificação e atuação exterior de constrição – corpus. Para ambas as teorias, entretanto, a affectio tenendi não se dispensa. Apenas, segundo observa Ihering, apud Caio Mário, o impedimento legal (ou negocial, acrescentaríamos) sustará a conformação da posse em exercício de direito próprio, independente de busca da real sentimentalidade com que se firma o possuidor. Por fim, conforme lembra João Baptista Monteiro, existe ainda a teoria justificadora da posse (teoria sociológica) de Saleilles, para quem a posse se justifica em face de uma “teoria da apropriação econômica”, a depender mais de uma “consciência social” do que de conceitos de animus e corpus. São vários, na verdade, os elementos configuradores da posse, como o título jurídico porque possui a vontade, o poder físico sobre a coisa e a exploração econômica, sendo todos preponderantes entre si.[19] 5.3. Destinação econômica própria Caio Mário, em sua invejável lucidez para enfrentamento dos temas jurídicos e sua operacionalização, atenta para a questão da destinação econômica própria, ou, como preferimos identificar em nossas aulas, a verificação da idoneidade do objeto em face de seu fim de exploração econômica. Cada bem jurídico possui uma identidade própria que se encontra nos limites de sua conformação e finalidade. Quando esses dois elementos estruturais encontram aplicação adequada, atingindo o fim a que se declaram úteis certos bens, reconhecer-se-á uma idoneidade do bem quanto ao seu fim, nada impedindo que tais bens assumam, em face de sua diversidade, possibilidades variadas de utilização e classificaçãojurídica circunstancial à sua aplicação. Em matéria de posse, tal idoneidade e destinação econômica devem ser observadas em sua pertinência; assim, livros deixados sobre um banco de ônibus ou metrô, não constituirão, em favor de quem os encontre, bem suscetível de apropriação, porque não necessariamente alguém os abandonou, senão, simplesmente, esqueceu, persistindo o vínculo tênue da afetação de domínio; entretanto, quanto àquele que deixa um livro no terreno baldio, exemplifica Caio Mário, não pode afirmar sua posse, em caso de sub-reptícia constrição por terceiro, porque tal lugar, impróprio para o objeto, não encontra justificativa econômica para uma unidade universal. Não se fala, aqui, de perda, ou outra forma de descontrole, mas quanto aquele que abandona, que coloca o livro em terreno baldio, transforma o tal receptáculo (terreno) em verdadeira lata de lixo, v.g. 5.4. Jus possidendi e jus possessionis Expressões ainda de pertinência na doutrina, não obstante latinistas definirem a primeira (jus possidendi) como o direito de exercer a posse, inclusive nos atos de defesa, enquanto a segunda (jus possessionis) como o próprio direito originado da afetação ao bem, sem qualquer preexistência ou justificativa legal, salvo ante o lesado. A menção é relevante, ante a linguagem usualmente utilizada em estudos de posse e propriedade. Cabe dizer que qualquer sentimento de domínio gera direitos a afirmar tal qualidade, independente do direito, como tal reconhecido – jus possessionis –, inclusive em defesa do bem na utilização dos interditos; a qualidade de possuir, em decorrência do domínio, exaurindo a possibilidade, em órbita econômica,[20] identifica-se como jus possidendi, que somente os detentores do domínio formal e reconhecido podem exercer. Parece-nos, neste instante, mais acessível a distinção que faz Washington de Barros, em dizer quanto ao jus possidendi e ao jus possessionis: “O primeiro é o direito à posse, decorrente do direito de propriedade. Não se confunde com o segundo, que é o direito de posse, resultante da posse exclusivamente, compreendidos o poder sobre a coisa e sua defesa pelos interditos.”[21] Precisa, o autor, a importância prática de tal distinção, muito mais que preciosismo terminológico ou pedantismo latinista extemporâneo: “a finalidade das ações possessórias, em regra, é o jus possessionis. De acordo com o artigo 505, do Código Civil,[22] como se verá oportunamente, não pode o réu invocar, em defesa, o jus possidendi, tornando-se inadmissível, em princípio, o petitório nos aludidos feitos (Cód. Proc. Civil, artigo 923).”[23] O possuidor, mesmo desprovido de título, pode exteriorizar sua pretensão em face do senhorio. Em sede de juízo possessório, pela característica da autonomia dos direitos reais, e pela forma reconhecida de origem em fato, conforme reitera a redação do artigo 1.196 do CC, poderá o possuidor obter tutela jurisdicional que lhe socorra em detrimento da posse do proprietário. E isso sem engendrar-se o conflito ou a declaração sobre ele, em jurisdição que considere a propriedade. Como aliás prevê norma ínsita no CPC, artigo 923, em emenda determinada pela Lei nº 6.820, de 16 de setembro de 1980: “Na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio”, também o parágrafo 2º do artigo 1.210 do CCB e Súmula nº 487 do STF.[24] A redação original do CPC de 1973 parecia-nos, aliás, para esse fim de estudo, mais esclarecedora; era a seguinte a forma revogada: “Na pendência do processo possessório é defeso assim ao autor como ao réu intentar a ação de reconhecimento do domínio. Não obsta, porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa; caso em que a posse será julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio.” Restringe-se a verificação do domínio e procedibilidade de sua oposição em lide de natureza possessória, quando “o artigo 923, 1ª parte, somente se refere a ações possessórias em que a posse venha a ser disputada a título de domínio” (RF nº 252/18 e RP nº 3/142 e a mencionada Súmula do STF nº 487).[25] 5.5. Natureza jurídica da posse Exsurgindo das teorias explicativas da posse a principal dificuldade no estudo da posse, chega-se ao problema, também, de se encontrar a natureza jurídica da posse. Há a corrente que afirma que a posse é matéria fática, por decorrer da espontaneidade das relações, preexistindo de fato ao direito positivo, reconhecida por inevitável realidade de simples política social, assim Trabuchi e Windscheid; para outros, como Ihering e Teixeira de Freitas, entretanto, é um direito como fato jurídico protegido. Savigny, Domat e Lafayette enxergam uma e outra coisa, simultaneamente, ou seja, uma realidade híbrida de fato, capaz de produzir efeitos jurídicos. A bem da verdade, sendo ou não a posse matéria de fato, ninguém se insurge que, em se materializando, passa a ter tratamento de direito, ao que se conclui afirmar que posse é matéria fática com tratamento de direito. 5.6. Característica precípua É direito real, e como tal, sobre bem determinado e oponível erga omnes, se transmite nas condições em que foi adquirida – feição genética –, ou seja, adquirida de má-fé, ou por qualquer forma viciada (violência, clandestinidade, precariedade) tal característica se mantém inerente ao bem, transmitindo-se em todas as relações sucessórias. Salvo, entretanto, se interrompida tal cadeia, por terceiro de boa-fé adquirente dos direitos sobre a coisa, o qual, para tanto, renunciará à união da posse, contando, a partir de sua aquisição o prazo prescricional aquisitivo. A reforma do CPC, no artigo 10, trouxe à baila a possibilidade, para alguns, de voltarem à vexata questio da natureza jurídica da posse como de direitos reais ou pessoais.[26] 5.7. Classificação Posse originária e derivada – a primeira decorre da simples apreensão, originária, “que se adquire por título inaugural, inédito, sem qualquer ligação com possuidor anterior, que inexiste”,[27] enquanto a segunda em decorrência de ato translatício de vontade, em face de relação jurídica antecedente e causal. Posse direta e indireta – no primeiro caso o titular do direito afirmado exerce, física e diretamente, sua vontade sobre a coisa, e em sentido contrário, a posse indireta. Assim, lembram os doutrinadores, como exemplo mais comezinho, a locação. O locador mantém a posse indireta sobre o bem, dado em locação em favor do locatário que passa a exercer seus direitos sobre o bem, inclusive, opondo-se contra o locador e o sujeito passivo universal, em caso de esbulho, turbação ou ameaça. Posse justa e injusta – Artigo 1.200 CC: “É justa a posse que não for (adquirida de forma) violenta, clandestina, ou precária” (acréscimo do autor). A posse adquirida mediante ardil de qualquer dos vícios possessórios dará causa à formação de posse injusta, uma vez que a posse justa é a adquirida mediante forma mansa e pacífica, também chamadas, por essa razão, de posse viciosa e não-viciosa.[28] A cada vício, em particular, corresponderá uma denominação de posse em sua tipicidade. Posse clandestina – a adquirida por via de processo de ocultamento, sem a publicidade do exercício da pretensão possessória, que não basta ser física, exterior, mas clara, sem ocultamento. Posse precária – decorrente de abuso de confiança, como no caso do gestor de negócio ou mero fâmulo, que jamais qualificará sua posse em nível de posse ad usucapionem, dado que permanece, em nível de publicidade ou de confiança, o exercício em nome de terceiro e sua condição indissociável no momento da investidura ou condução; trata-se de enfrentamento à natureza ético-legaldo vínculo, enquanto aquela – clandestina –, quanto à ostensividade e clareza necessárias, dispensadas pelo mero possuidor.[29] Posse violenta – a de quem a obteve mediante ação violenta; hoje, cresce na maior aquilatação da cidadania e direitos ecológico-psicossociais, a violência psicológica, como por aquele que amedronta octogenária em sítio ermo, fazendo-a refugiar-se alhures. Posse de boa e de má-fé – o agente possui a coisa sem a consciência da ilegitimidade ou, no caso da posse de má-fé, consciente do vício. Posse com justo título (presumptio bonae fidei) e sem justo título – o título de aquisição da posse deve ser hábil ou não para o registro e constituição, futura, do domínio. Posse ad interdicta e ad usucapionem – assim se diz que a posse adquirida por forma legítima constitui-se em fundamento de direito para futura ação de usucapião. Toda posse, independentemente de sua condição originária de aquisição, faculta a proteção possessória por parte, em especial pelo Estado, na forma de prestação da tutela jurisdicional, garantindo a manutenção do status do suplicante. Mesmo o furtador vulgar, ou ressalte-se o invasor de domicílio, encontrará proteção possessória preferente, isto é, excepcionando-se em face do esbulhado. Daí se dizer que toda posse é ad interdicta (está para a proteção via interditos), mas nem toda posse (como a viciada) estará para a usucapião, inadmitindo convolar-se em domínio, porque o vício imanente à aquisição ao momento de afirmação do direito à coisa, via esbulho, v.g., deforma o vínculo de tal ordem que torna a posse insuscetível de vir a gerar direitos oponíveis ao legítimo possuidor ou proprietário. No caso do esbulhador, que se mantém em camuflada condição de possuidor exclusivo, apresentando-se como parente do proprietário ou seu representante, por não apresentar-se em sua real condição, impede, a si mesmo, de tornar sua posse em direito ad usucapionem, obsta o início da contagem do prazo de prescrição do direito do legítimo possuidor ou proprietário, para saber-se esbulhado. Entretanto, poderá, contra tudo e todos, defender o bem e sua vinculação (ad interdicta) legitimando-se às ações interditais. Posse nova e posse velha – a que data de menos de ano e dia e a que data de mais de ano e dia de importância processual, em que caberá tutela liminar ou não, procedimento especial ou comum ordinário, respectivamente. Posse natural e civil – “Posse natural é aquela que se configura através da efetiva detenção material da coisa possuída”, e na civil, a prevista em face do artigo 1.784 do CC, “o possuidor é imitido, por efeito direto da lei, portanto, automaticamente”.[30] Composse, posse simultânea ou indivisa – de exercício exclusivo, poderá sê-lo, entretanto, por um grupo, uno na exteriorização do direito, porém plurissubjetivo quando visto o polo subjetivo da pretensão; assim como a copropriedade, a composse é a reunião de compossuidores, a merecer tratamento extensivo àquele dispensado no condomínio. É exercício de direitos comuns sobre bem indivisível. A composse cessará, conforme Caio Mário: a) pela divisão amigável ou judicial; b) pela posse exclusiva (artigo 508 do CC/16),[31] ao que acrescentaríamos, pela perda do bem em alienação, desapropriação ou expropriação ou, simplesmente, pelo perecimento com a destruição do bem ou transmutação em bem fora do comércio (artigo 69 do CC/16).[32] São, por fim, compossuidores, como lembra Orlando Gomes,[33] os condôminos, os comunheiros, os coerdeiros, dentre outros, uma vez que a posse antecede o domínio, “ainda que jurisformizado, antecede o direito”.[34] Interversão da posse – quando a natureza do título de propriedade se transmuda, como se dá na usucapião, em que o mero possuidor obtém a condição de propriedade. A expressão inversão da posse, entretanto, com aquela não se confunde. Esta, a inversão, quando a posse se transmuta de um titular a outro. A figura tem mais uso em direito penal, precisando o momento em que a res furtiva sai do poder da vítima, integrando a do agente do crime.[35] Nada impede alguns doutrinadores de enxergarem no estudo civil possessório a inversão da posse, que, quando de má-fé, se transforma em de boa-fé. 5.8. Característica Por razões de política – aliás, de difícil compreensão –, o Estado e a sociedade admitem a posse como circunstância temporária, em face da mais permissiva possibilidade de fato gerador de conflitos sociais, a exemplo dos simples conflitos de vizinhança. Não obstante, com a vida em edificações cada vez maiores no aspecto coletivo, embora menores, no aspecto individual, mais ocorrente a figura da composse permanente, nos halls de entrada, vagas de garagem em condomínios, plays e toda sorte imposta pela vida comunitária moderna urbana. 5.9. Aquisição e perda da posse Em decorrência de atos inter vivos ou causa mortis, amigáveis ou judiciais, como a compra e venda e demais atos negociais sinalagmáticos, unilaterais gravosos ou mesmo graciosos; transferência por sucessão; ou mesmo por aquisição e perda por hasta pública, excussão. Por forma originária (apreensão), no que a usucapião é exemplificação ideal e corrente. Em decorrência do exercício do direito, quando pela simples afetação continuada do bem com animus próprio. Por forma derivada, decorrente de relação jurídica translatícia, adquirida em face de relação negocial. Constituto possessório – o alienante conserva a coisa em seu poder, em nome do adquirente, in alieno domine, ou traditio brevi manu, seu oposto. O devedor passa a possuir em nome do credor.[36] Estas são, em transcrição livre, as palavras de Caio Mário, ao estabelecer que quando o alienante conserva a coisa em seu poder, mas, por força de uma cláusula do contrato de alienação, passa à qualidade de altero nomine, possuidor por outra pessoa, esta, então, por força da cláusula constituti, adquire a posse convencionalmente. O constituto possessório, em consequência, é um modo derivado de aquisição e, tão frequentemente, usado em negócios de compra e venda como forma tabelioa. Nesse caso, legitima-se a permanência do vendedor na posse de imóvel que alienou, inclusive com a fórmula da imissão na posse, que dá ao comprador. Sua permanência na coisa, não fosse a cláusula constituti, lhe daria a condição de esbulhador, de possuidor ilegítimo; a partir dessa cláusula, passa a exercer a posse em nome do comprador. O expediente legal, ademais de praxe, justifica-se segundo o critério de transmissão da propriedade no Brasil, como será objeto de análise, no presente. Assim como a propriedade de coisas imóveis somente se adquire pela transcrição do título, isto é, pelo registro do título aquisitivo junto ao registro de imóveis competente, surge uma lacuna de faticidade entre a situação jurídica do titular do domínio, que “alienou” a coisa, e o adquirente, assim o primeiro, por laços de lex inter partes, reconhece que para si tem por alienada a coisa, investe o comprador em seu lugar, situação e posse da coisa, ao mesmo tempo em que, caso permaneça nela, considera-se imitido em nome daquele. Gesto que se resumiria em ato de simpatia, quando pela lei, repise-se, o domínio e a venda efetiva somente se considerarão quando do efetivo registro. O novo CCB não dispôs de norma correspondente ao inciso IV do artigo 494 do diploma revogado, ao que parece à primeira vista que o constituto possessório não seja mais meio de aquisição da posse. Assertiva errada, quando se sabe que a posse é matéria metajurídica, e encontra lugar na sociologia e reflexo, quanto aos efeitos, no Direito. Assim, todo contrato é hábil para investir alguém em nome de outrem na posse, tem-se dessa forma a posse por cláusulaconstituti. Entretanto, há várias disposições no CCB que mencionam o constituto possessório fora dos artigos 1.204 e 1.205, que dizem quanto aos meios de aquisição da posse. Assim, o artigo 1.267, onde se lê, quanto à tradição, que a propriedade das coisas móveis não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. O parágrafo único vai complementar que se subentende a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório. De toda sorte, não se pode investir na posse, pela cláusula constitui, quem não tinha, à época da transmissão, a posse efetiva. E se o fez, o adquirente não poderá imitir-se contra terceiro amparado no princípio de que ninguém transmite mais direitos que não possua. Assim, se ocorreu em favor de terceiros a aquisição pela usucapião, nada mais restará ao adquirente que propor ação indenizatória em face do transmitente. Ope legis – 1.784 CC, isto é, por obra da lei, em tradução literal: “Aberta a sucessão o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” Acessio possessionis, quando por acessão, vem acrescer ao bem mais porção física de terra, suscetível de maior extensão no exercício dos direitos de posse, matéria hoje regulada pelos artigos 16 e seguintes do Código de Águas, Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Laerson Mauro[37] lembra ainda, como forma de aquisição e perda da posse, a via da sucessão da posse, quando descendente ou simples sucessor negocial aproveita o tempo do sucedido para contagem do prazo de aquisição futura do domínio (maior efeito da posse), ou da cessão da posse, mediante simples transferência, como ato jurídico usual inter vivos. 5.10. Efeitos da posse a) defesa por meio dos interditos. Conforme Lafayette Pereira,[38] o principal dos efeitos. As ações possessórias (ou interditos proibitórios) específicas são três, postas pela lei, em capítulo especial do CPC, deixando-se claro que outras ações, contudo, poderão alcançar de forma direta ou indireta a tutela possessória. Em linguagem técnica, segundo opção do legislador processual, sede de juízo possessório se resume nos interditos, vistos nos arts. 920 a 933, que dispõem, para cada lesão-tipo, uma tutela judicial adequada. São três as lesões possessórias, esbulho, quando há a perda da posse pelo que sofre a ação (o esbulhado), há quebra no vínculo direto entre o possuidor e a coisa, por força de ação ilícita ou abuso de direito de terceiro; turbação, quando houver molestamento, incômodo, redução do exercício de livre uso do bem, praticado pelo turbador, enfim, quando houver redução injusta da utilidade pelo uso potencial; e ameaça (esta no campo da hipótese de ocorrência), pode-se resumir a simples admoestação de agravo, ou seja, afetação no campo psíquico do lesado. Define-a Laerson Mauro como a “iminência da agressão material e efetiva à posse, ou seja, ameaça de esbulho ou turbação”.[39] Para a lesão maior – o esbulho – oferece a lei a medida de reintegração de posse, para a turbação, a de manutenção possessória, previstas nos artigos 926 a 931 do CPC. Para a lesão decorrente de simples ameaça, dispõe a lei, em separado, em seção distinta, o interdito proibitório, previsto nos artigos 932 e 933, no mesmo diploma processual, verdadeiro instituto com natureza jurídica de tutela inibitória.[40] Parece óbvio, mas como o instituto tutela a posse, é imperiosa a lesão à posse existente. Assim, a exemplo, não se pode reintegrar quem não exercia a posse e nem se pode conceber estender a proteção a quem tenha sido investido na posse por quem não estivesse nela. Ineficaz, dessa forma, a cláusula constituti por quem não tenha posse, no momento em que, pretensamente, tenta investir alguém em sua falsa condição fática. A questão pode, inclusive, ensejar danos reparáveis, se houver omissão, a que se equivaleria a má-fé.[41] Consagrou o legislador de 73, ao dispor o CPC de forma vestibular em capítulo-esboço, uma teoria geral das ações possessórias, determinando que em sede de juízo possessório, em princípio, se torna irrelevante a afirmação de domínio ou verificação do justo título (artigo 923 do CPC); dispõe sobre o princípio da fungibilidade (artigo 920 do CPC), dada a parcela de alta subjetividade com que o julgador poderá analisar a lesão, desclassificando-a, em face da narrativa, e reclassificando-a, fundamentadamente, em face do tipo de lesão que entende ser o objeto de conflito, assim como concede o remédio pertinente;[42] a natureza dúplice das ações, oportunizando-se que na própria contestação o suplicado possa arguir o reconhecimento do seu direito, opondo sua pretensão respectiva, para ver-se declarado possuidor (artigo 922); a possibilidade de cumulação de pedido de perdas e danos, pena cominatória desmotivadora para novas violações; desfazimento da edificação ou plantação em detrimento da posse (artigo 921 do CPC). No Código de 39, havia seção pertinente à ação de imissão de posse; hoje melhor vista sob a denominação ação de imissão na posse, é admitida como medida processual, ou simples ação petitória. Como ação ordinária, entretanto, tudo será possível se admitir. Observe-se, que, para a atual legislação, a imissão possessória não passa de medida, ainda prevista como providência cautelar ou decorrente de atos de execução, segundo os livros próprios do CPC ou leis extravagantes, como as pertinentes aos imóveis financiados pelo extinto SFH, e ainda a própria lei do inquilinato, quando se descobre, na diligência de citação ou no curso do processo, que o imóvel encontra-se abandonado. Em recente estudo magistral, a propósito da reforma do CPC, que deu nova redação ao seu artigo 461, vem de ser analisada a possibilidade, no sistema processual brasileiro, da adoção, inespecífica, da chamada tutela inibitória. Segundo Luiz Guilherme Marinoni, cabe, com vantagem sobre a tutela cautelar, permitindo enquanto instrução ordinária, alcançar o provimento jurisdicional contra ameaça de direito, sem que ocorra o dano, e dessa forma tutelar o bem da vida antes de qualquer risco, afastando a simples ação ilícita. Entretanto, após brilhante e invejável digressão, acaba por encontrar, no próprio sistema clássico, em matéria possessória, dois institutos que, diríamos, a partir de agora, passam a ter natureza jurídica de tutela inibitória: o interdito proibitório (artigo 932 do CPC) e a nunciação de obra nova (artigo 936, II, do CPC).[43] O referido artigo do CPC, por curiosidade, prevê como cabível ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, quando o juiz poderá conceder tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, poderá determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.[44] b) Presunção de domínio – o exercício da posse estabelece, em face de terceiros espectadores, a certeza do domínio, presunção, entretanto, iuris tantum, conforme dispõe o artigo 1.211, ao estabelecer que quando mais de uma pessoa se disser possuidora manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa. Assim, o fato de alguém perpetuar-se na coisa não incidirá, necessariamente, em presunção de propriedade ou de melhor posse; deve-se presumir, caso a caso, quiçá, até mesmo a existência de comodato.[45] c) Usucapião A usucapião, como se sabe, vem prevista em dois níveis de legislação: um primeiro e tradicional, no corpo da lei civil ordinária (artigos 1.238 a 1.242 do CC – bens imóveis), em face dos quais, exercido o direito à posse física e jurídica (animus de domínio exclusivo) sobre determinado bem, ao longo de 15 anos, afastada a necessidade de comprovação de boa-fé e mesmo justotítulo (o que não leva o legislador a motivar esbulhos e falsificações, mas, simplesmente, por opção político-legal, deixa de observar tais requisitos como de admissibilidade ao direito), reconhece-se o direito. Nesse caso, ainda, conforme o parágrafo único do artigo 1.238, o prazo será reduzido “a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”. Assumindo a celeridade empreendida pelo texto constitucional e pelo Estatuto da Cidade, o Código Civil atual prevê usucapião em prazo de cinco anos, se fixado o homem ou sua família à terra, dando a ela o sentido da função social preconizada. Nesse caso, somente mediante posse direta adquirir-se-á a propriedade de área de até 250 metros quadrados de natureza e região urbana. Ademais de fazê-lo somente uma vez. Quanto ao chamado usucapião ordinário, assim então chamado, não se dispensará a prova do justo título e boa-fé e do prazo de dez anos. Na hipótese de prova de negócio oneroso, reduzir-se-á, se necessário, para cinco anos, “adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico” (artigo 1.242 e parágrafo único). Tal direito, aliás, se reconhece como originário, isto é, prescinde da aquiescência do antigo possuidor ou senhorio, no consentimento do usucapiente; caso, aliás, que geraria a transferência de direitos e, como tal, passível característico de negócio jurídico translatício, gerador de obrigação fiscal em face da transmissão de direitos. O rompimento do vínculo de domínio, contra quem se dirá prescrito o exercício à aquisição dos direitos inerentes à defesa e manutenção da qualidade de senhorio, deixa o bem como que “à própria sorte”, surgindo, após isto, a afirmação autônoma do direito pelo usucapiente. O CPC prevê, no artigo 941, sob aparente procedimento especial, a ação de usucapião de terras particulares. Na verdade o procedimento é o comum ordinário, hoje mais, porque o legislador (Lei nº 8.951, de 13.11.94) suprimiu a audiência de justificação prévia, que complementava o artigo 942;[46] deveria também ter reformulado o título do Capítulo VII, posto que, a partir da Constituição da República de 88 (artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único), deixou de haver a menor possibilidade de usucapião de terras públicas, não obstante opinião daqueles que a admitem em face de imóveis dominiais, e, como tais, não públicos.[47] Se, entretanto, afirmar-se alguém na posse contínua e aparente por mais de cinco anos, poderá evocar o direito de usucapião não pela lei civil, mas pela concessão constitucional trazida em 1988, por isso chamado de usucapião especial. Admite-se tal direito àqueles que não possuam outra propriedade imóvel, residam, sem oposição, em imóvel urbano, não superior a 250 metros quadrados (artigo 183, CR), ou, de natureza rural o imóvel pela sua destinação – e se encontre em região rural – (artigo 191, CR), da área de terra extraiam sua subsistência, “tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia” no limite de 50 hectares. Diante dos requisitos da usucapião, entre eles, a posse incontestável e o tempo decorrido necessário, a sentença que declara o direito é meramente declaratória, podendo-se, em termos de procedimento, aurir em defesa do direito de propriedade conforme a Súmula nº 237 do STF. Tais dispositivos, aliás, vêm a perfeccionar a função social da propriedade, prevista nos artigos 5º, XXIII, 182, § 2º, e 186 e incisos, da CR/88. Antes da promulgação da atual Carta Maior, vigia, plenamente, a Lei derrogada nº 6.969, de 10.02.81, dispondo “sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais”. Tal lei, segundo opinião que acompanhamos, encontra-se vigente em seu artigo 4º, utilizado como procedimento para a usucapião rural, ou ainda, enquanto em favor daqueles que somavam após a promulgação em 88, seu prazo quinquenal, com surgimento em anos de anterioridade, que avançavam por 88 ou mesmo se haviam consumado. Após, contudo, cinco anos de vigência da atual Constituição, passou-se a recusar o reconhecimento de direitos amparados na mesma lei, diante do texto fundamental, autoaplicável. Permanece, ressalte-se, vigente o artigo 4º da Lei nº 6.969/81, como procedimento adequado à usucapião constitucional, rural ou urbano. Esquematiza Nelson Luiz Pinto[48] os requisitos para concessão da usucapião por labore ou especial: usucapiente pessoa física possuir em nome próprio; não ser proprietário rural, nem urbano; que a posse exista há mais de cinco anos, ininterruptos; que se exerça sem oposição; que a terra se tenha tornado produtiva; que nela tenha fixado residência; e que não ultrapassasse 25 ha de área ou seja igual ao módulo rural da região.[49] Só se reconhece usucapião de servidões (artigo 1.379 do CCB) e posses aparentes, como lembra o Des. Laerson Mauro,[50] em sua nova obra sobre Direitos Reais, porque as não aparentes não geram posse, tornando impossível a conformação do domínio.[51] Analisando a questão das servidões aparentes e não aparentes, o jurista ensina que as primeiras “se revelam exteriormente através de sinais materiais, como as de esgoto, de aqueduto, de travejar na parede vizinha. Não-aparentes são aquelas outras que não contêm sinais de existência, como a de luz e as negativas em geral. Consequência prática da maior relevância que se extrai é que só as primeiras induzem posse”;[52] concluindo, “apenas as servidões aparentes podem se adquiridas por usucapião. Enquanto isso, nos termos ditos acima, as não-aparentes só pelo registro podem constituir-se”.[53] Lamentavelmente, entretanto, a simplicidade do instituto da usucapião, de essência administrativa, diante de sua sumariedade de pressupostos – posse ininterrupta, incontestada e, eventualmente, justo título – a exigir do Estado somente a declaração de sua realidade, encontra os maiores óbices em burocratas jurídicos que descaminham qualquer ação prática ajuizada. Confundem o ônus da urbanização com o ônus da prova simples do domínio adquirido pelo tempo. Os mais vetustos juristas processuais do início do século já reconheciam até mesmo a possibilidade de se declarar a usucapião em caráter de defesa, via simples exceção de domínio, mas muitos dos nossos práticos, de hoje, parecem sequer conhecer essa bibliografia ou não se conformam em reconhecer a alguém a aquisição de um direito que lhes pareceu fácil.[54] Se obter a sentença em processo ordinário de usucapião demanda em muitos casos outros 20 anos de lide, totalizando 40 da posse originária, a viabilidade de se registrar uma sentença em decorrência de defesa soa, senão jocosa, ao menos fantasista para muitos expertos. Comumente são vistos juízes, advogados e promotores, quando não também, desembargadores, a inviabilizar a declaração simplória, quando mesmo inexistente interesse oposto por quem conste do título, da circunstância física do imóvel ou de pretensão superveniente, mergulhando a análise do conflito sobre a origem da propriedade, seu elo com as sesmarias, seu destino quase que da gênese bíblica. O Estado-administração, insistindo em seu interesse, sem dizer o porquê, ou quando pior, por total desconhecimento quase genérico da matéria, insistindo que o bem é de natureza pública, quando se sabe que para isso exige-se o processo discriminatório prévio (Lei nº 6.383/76), quando não esteja inserido em área da União ou outras exceções, sendo a regra a da propriedade privada. Recente decisão do STJ veioa confirmar que não se presume público o imóvel, nem como terra devoluta, se não houver registro em favor do Estado, ou de seus entes ou, como deveria, sem procedimento discriminatório. Mesmo em área de fronteira e, nesse caso, pode ocorrer a aquisição por usucapião.[55] O Estatuto da Cidade, recém-editado, Lei nº 10.257/01, também resolveu legislar sobre usucapião, criando, inspirado na CR, aliás, quanto aos prazos e os requisitos para sua concessão, surgindo a chamada usucapião coletiva, ou especial de imóvel urbano, deferindo, segundo o artigo 9º, para quem possuir como sua área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.[56] Já bem ultrapassada, a lei nova ressalva que se concederá a homem ou mulher (§ 1º), assim como a ambos, independentemente do estado civil. Mas ressalva contrariamente, pela lacuna da CR, que tal direito não será concedido mais de uma vez a uma mesma pessoa (§ 2º), ressalvando-se, por fim a acceptio temporis, em favor dos possuidores sucessores por atos inter vivos e herdeiros causa mortis (§ 3º), desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Quanto à usucapião coletiva, dispõe o artigo 10, da Lei nº 10.257/01, na esteira da CR, que onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural, podendo, reitera-se, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas, conforme sentença judicial que valerá como título para registro, em ação de rito sumário, artigo 14, podendo-se arguir tal direito em exceção de defesa. Na sentença o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas, respeitada a Lei nº 6.766/79, ou a necessária constituição de condomínio edilício para as benfeitorias, que serão registradas vinculadas ao critério de fração ideal, pela Lei nº 4.591/64. Tanto é verdade que no § 4º, do artigo citado, a Lei nº 10.257/01 ressalva a indissolubilidade do condomínio especial constituído como indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. Segundo o artigo 12, da mencionada lei, são partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente, compossuidores, bem como substitutos processuais, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. Sendo, como de regra, aqui também, obrigatória a intervenção do Ministério Público, resguardados os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis. Por fim, não se há de esquecer, nessas breves linhas, da norma de transitoriedade, prevista nas disposições finais do Código Civil em vigor, artigos 2.028 e 2.029, que preveem prazos especiais para a prescrição à defesa da intentada preensão de usucapião. Na primeira hipótese, os prazos, quando reduzidos pelo Código (em razão dos prazos anteriores qualquer que seja a lei, haja vista que o legislador não circunstanciou o tipo causal da usucapião), se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada ficaram preservados. Ou seja, ficam mantidos os 20 anos revogados se passados mais de dez, quando da vigência da atual lei civil ordinária. Quanto ao segundo artigo, da mesma forma, em caráter de transitoriedade – até dois anos após a entrada em vigor do atual Código –, “os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior”; como também, “nos casos a que se refere o § 4º do art. 1.228”. d) Percepção dos frutos – Artigo 1.214 do CC – Tal como em favor do proprietário, a quem pertencem os frutos, também por analogia, considerando-se o possuidor de boa-fé como tal, a ele pertencem os frutos do bem sob afetação de sua vontade. Como lembra Caio Mário,[57] o possuidor de má-fé responde, inclusive, pelos frutos que culposamente deixou de colher, assim como pelos percebidos por antecipação forçada. Já o possuidor de boa-fé, em estado de erro, passa a ser tratado como de má-fé, após cientificado, ou citado, para a ação possessória, pelo que passa a responder pela reposição dos frutos pendentes. Quanto à legitimidade para o seu exercício, fica reconhecido a qualquer possuidor direto ou indireto. Na hipótese de usucapião decorrente do Estatuto da Cidade e de fundo constitucional, entretanto, somente pelo exercício pessoal ou da família, poderá o possuidor direto usucapir. O prazo, entretanto, de regra, poderá ser, na modalidade de usucapião ordinária ou extraordinária, desde que civil, somado pela acessio temporis. Em caso de falecer o usucapiente, seus herdeiros ou seu cônjuge ou companheiro poderá, em nome próprio, exercer tal direito, em complementação ao prazo. Nada impede, ainda, que o espólio promova a ação, como decidiu o Min. Barros Monteiro, em decisão em que foi relator.[58] e) Direito de retenção – Artigo 1.214 do CC, in fine – É direito que se reconhece exclusivamente ao possuidor de boa-fé, quando este tenha, em oposição ao legítimo possuidor, crédito a ser oponível, a título de compensação. f) Indenização pelas benfeitorias – Artigo 1.214[59] do CC – A regra disposta pelo Código Civil, vai, inclusive, nortear as relações de locação como se verá, no capítulo próprio. Segundo o CC, o possuidor de boa-fé deve ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, quanto às voluptuárias, de mero deleite, poderá levantá-las, sem prejuízo do bem principal a que aderiu, ou renunciar a ele que passará a integrar o imóvel. Ao possuidor de má-fé, somente se indenizarão as benfeitorias necessárias, porque essenciais à segurança e integridade do próprio imóvel. Justificasse, ainda, a indenização exclusiva do dispêndio na reforma e conservação do bem, restando seu trabalho não pago, onde se poderia ver sua gestão como compensação para o esbulho.[60] g) Indenização pelos danos – Como lembra Washington de Barros,[61] o possuidor de boa-fé, por possuir a coisa como sua, com animus domini, não responde pelo perecimento da coisa, uma vez que em sede de erro, acreditava estar dando ao bem o tratamento que daria à sua propriedade. Já o possuidor de má-fé deixa perecer o bem por dolo, porque sabe que não sendo seu poderá restituí-lo a qualquer tempo, razão porque, além de não ser indenizado pelas benfeitorias úteis que fizer no imóvel, deverá ser responsabilizado, ainda, pela conservação que não fizer do imóvel, estando à vista sua necessidade. Por fim, será ainda responsabilizado por reintegrar, às suas custas, o esbulhado na posse do bem que o privou. h) Autodefesa – Também chamada de desforço pessoal, encontra amparo na legítima defesa civil – artigos 188, I, e 1.231 do CC, no sentido de permitir, a quem seja possuidor, ante a iminência de agressão, em ato contínuo e necessário, limitado às circunstâncias impostas pelo violador do direito, despender a necessária resistênciafísica (parágrafo único do citado artigo 1.231 do CC). 5.11. Peculiaridades 5.11.1. A natureza jurídica da posse e a reforma do CPC Um dos temas mais debatidos em direito, e menos dissecado em nível de consenso, indubitavelmente, é o da posse: sua natureza, feições e efeitos no mundo jurídico, e até político, vistos os conflitos de terras hoje crescentes. Por essa razão, notamos, com especial atenção, a assertiva contundente de Cândido Dinamarco[62] sobre a posse como fenômeno de direito pessoal, isso defendido com irrestrita convicção e euforia, adesão que vemos justificada por um decorrente e traiçoeiro foro íntimo civilista. É o seguinte o texto do respeitável processualista: “Não tem objetivo puramente terminológico o § 2º trazido ao artigo 10 do Código de Processo Civil pela Lei nº 8.952. Ele visou a eliminar a dúvida que após tanto tempo ainda permanecia quanto a ser pessoal ou real o direito versado nas ações possessórias.” Concluindo, alguns parágrafos mais adiante: “Toma partido pela corrente que nega à posse o caráter de direito real.”[63] A admiração e encanto acadêmico devotados ao processualista nos fizeram ainda obter sua 3ª edição, onde, mesmo assim, encontramos reiterado idêntico entendimento ali asseverado. Retorna, na verdade, o Eminente Mestre à Celso (escola de) porque sua posição vai de encontro à teoria que fundamentava no próprio direito material o direito de ação nele inserido – “O que caracteriza essa teoria, não obstante as variantes imprimidas por seus adeptos, é que a ação se prende indissoluvelmente ao direito que por ela se tutela.”[64] Viagem inconsciente, no túnel do tempo, capaz de desconstituir a “Polemica Intorno all’Actio” ou mesmo a concepção autônomo-funcional de Wach (porque “a ação é um direito autônomo”). Como se sabe, passou a dispensar o CPC a vênia conjugal de um dos cônjuges nas ações que versam sobre questões de direitos reais (como a posse, v.g.), salvo se ambos participam na construção do fato jurídico material, o que justificará, em face do fenômeno do litisconsórcio, a necessidade-possibilidade de virem juntos, e de juntos serem chamados, para compor um dos polos da relação jurídico-processual. Dispõe o caput do artigo 10: “O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.” Nesse sentido, vale lembrar, já se pronunciara o STF, como dá notícia, inclusive, Theotonio Negrão, no seguinte verbete, em excerto: “A capacidade ativa ou passiva de o cônjuge ser sujeito de relação processual está condicionada ao consentimento do outro somente no caso de envolver direito real imobiliário (STFRJ 82/419; RF 262/41).” O conflito da análise exsurge da redação do § 2º, que dispõe que: “Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticado”, porque aqui se pretende ver, enxergar, a adesão à corrente civilista da posse com natureza jurídica de direito pessoal. Algumas opiniões se foram buscar, diante da inflexão que nos levou à obrigatória e decorrente reflexão, em face, sobretudo, de sua máxima autoridade jurídica. Entre outros, o próprio Theotonio, também em verbete, lembra que o Código adotou posição discriminante diante de o direito de ação poder versar sobre direitos imobiliários decorrentes de relação tanto pessoal quanto real. Sem embargo, ainda, de gerar direitos às ações interditais, muito embora distinta a sua conformação jurígena material com base em título obrigacional ou real. Assim, se do contrato obrigacional se obtém a posse, e com base nesse instrumento se busca a tutela do Estado-juiz, razoável que somente aquele que figura como titular do próprio direito material esteja bastante legitimado, em nível de direito subjetivo processual, para pleitear, com a mesma autonomia, o direito exclusivo de tutela. De outro lado, quando o direito material, para perfazer-se, exigir o concurso de mais de uma vontade, como do marido e da mulher na aquisição de imóvel ou atos de exercício de aquisição possessória, há que se exigir não apenas a vênia, mas a participação de ambos, visto que o direito subjetivo processual, para se perfeccionar, depende de ambas as vontades, máxime não se enfrentando questão necessária ou unitária, processualmente vista. Por isso o legislador determina que não será indispensável a participação do cônjuge senão quando ambos praticarem atos, e por direito próprio devam exteriorizar sua pretensão. A questão é analisada, ainda, nas seguintes opiniões quanto ao âmbito comprometido do § 2º do artigo 10 do CPC: “Nesses casos, na verdade os fatos discutidos dizem respeito a ambos e a necessidade do litisconsórcio não seria por força do fenômeno da posse, mas pela circunstância de ninguém poder sofrer pelo resultado do processo, sem dele ter participado.”[65] “Em razão da interminável dúvida sobre se a posse é direito real ou pessoal, discussão que repercute nos institutos tratados pelo artigo 10 sob comentário, o CPC, neste § 2º, passa a disciplinar expressamente a participação dos cônjuges nas ações possessórias.”[66] “Isto quer dizer que atualmente, o possuidor mesmo casado, pode propor ação possessória, sem a participação obrigatória do cônjuge, se entre ambos não estiver praticamente configurada a composse.”[67] Observe-se que Costa Machado reconhece a velha questão, porém sem comprometer a matéria processual, chegando a vê-la reveladora quanto à natureza civil da posse. Aproxima-se, a nosso modesto ver, o CPC da maior razão sociológica (não obstante remota) que se traduz em pura opção política do legislador, surgida em meio à bandeira do “Acesso à justiça”. Se espraia, ainda, a distinção legitimadora, na total emancipação da mulher casada, e cada vez maior distinção patrimonial entre casais, quando se exemplifica que mesmo o possuidor casado pode propor ação possessória. Com o mesmo empreendimento e paixão, porém em sentido oposto, Carreira Alvim se dispõe a ver no mencionado parágrafo a mesma independência que vemos do texto processual em face do civil. Isso porque entendemos que a disposição de independência do CPC apenas prestigia a teleologia do diploma civilista no artigo 488, v.g., admitindo, a partir mesmo da composse a possibilidade de manifestação autônoma protetiva. Divisa distinguir as múltiplas existências de vários interesses construtores do direito material em si, de forma até a defenderem suas quotas-partes ou, necessariamente, o todo, enfrentados seus direitos individuais atingidos. Assim se manifesta este também festejado autor: “Apesar da divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da posse – se de direito real ou pessoal – e do disposto no artigo 95 que acena com o seu caráter real, resolveu-se a lei, sem se comprometer com a tese, estabelecendo, no § 2º do artigo 10, a necessidade da participação do cônjuge do autor ou do réu apenas nos casos de composse ou de ato praticado por ambos.”[68] (destaque nosso) A matéria é, segundo entendemos, de pura questão litisconsorcial, permanecendo válida, assim, a lição de Athos Gusmão Carneiro, no dizer que “o litisconsórcio passivo necessário de marido e mulher (ambos, portanto, devem ser citados) quando réus em ações reais imobiliárias; ou em ações resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles” (Intervenção de Terceiros, São Paulo: Saraiva, 3. ed., 1986, p. 16). Materializa-se o tratamento processual da composse ou da posse autônoma, porque decorrente de obrigação pessoal, vista no mencionado § 2º, sem que com isso se pretenda invadir a natureza jurídica da posse, realidade civil
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