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A imagem do corpo em psicanálise - Miller

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A imagem do outro e o corpo próprio 
Em psicanálise, temos primeiramente a imagem do corpo do outro. Ora, acredito que o corpo do 
outro, que é uma imagem, anteceda o corpo próprio, e pude verificar isso justamente em Granada, 
onde vi unia criança de sete meses que, segundo seus pais, não reconhecia sua imagem no espelho. 
Essa criança, diferentemente de seus pais, não lera o texto de iacan sobre esse tema, e ainda não se 
encontrava no nível do estádio do espelho, apesar de seus sete meses, o que, no entanco: lhe teria 
tornado acoisa possível. Em compensação, estava claro que ela reconhecia o rosto de sua mãe e o de 
seu pai, mostrando grande sensibilidade às caretas deste e aos somsos daquela. 
Essa observação me leuou a seguinte conclusão: não é por meio da imagem do corpo pró- 
prio que o corpo se introduz no campo do gozo. mac sim por intermédio do corpo dos outros. 
Pude assim observar que o campo visual era manifestamente uma fonte de gozo p m o bebê, 
com seu acentuado interesse pelos rostos. Vi também que ele ali se encontrava em uma posição 
delicadaisui-ge&s - o que habitualmente náo é o nosso caso - que consiste em estar com a 
cabeça para baixo e os pés no ar Quando seu pai o segumva assim, não parecia haver nisso nenhu- 
ma tortura, muito pelo contrário, parecia algo delicioso. Era uni jogo com a imagem visual. Essa 
criança parecia conhecer uma libidiii7.ação intensa do campo visual, o que talvez não deixe de 
estar ligado a sua falta de interesse por sua imagem, se consideramos a falha de reconhecimento 
demonstrada por ele para com sua própria imagem no espelho, naquele momento. 
Uma questão dificil de resolver é saber. por meio de uma observa@o rápida e pouco cientifica, 
em que medida se pode dizer que ele é uma imagem para o outro. Não há dúvida de que o corpo do 
outro é uma imagem para ele, mas é difícil saber até onde ele sabe que é uma imagem para o outro. 
Todavia, se é difícil solucionar a questão desse status de imagem para o outro, tampouco é 
fácil saber exatamente o que quer dizer essa questão. Uma coisa é cem: no nível subjetivo, essa 
criança é objeto. Não estou falando de qualquer criança, tomo esta como exemplo: ela é objeto 
de manipulação. Há uma nítida distinção a ser operada entre as manipulações "úteis", tais como 
levá-la para comer ou para dormir - movimentos que têm como fim uma "necessidade" - e as 
manipulações agradáveis feitas para o prazer da criança ou, supomosl para o gozo dos que a 
manipulam. Vale dizer, a um só tempo para seu gozo e para o gozo do outro. 
Nessa obsen:ação, não nos sentimos propensos a formular a questão sobre o que isso quer 
dizer. Isso não se apresenta como uma questão sobre o sentido, não nos sentimos tão impeli- 
dos a pensar que se trata de um modo de dizer a criança: "eu te quero muito, você tem o seu 
Opçáo Lacaniana no 52 17 Setembro 2008 
lugar no muiido". O que vem em primeiro plano não é a significação do amo. é muito mais 
unia significaçáo tle gozo, se assim posso dizer Claramente, isso goza do corpo, de sorte que 
a atmosfera é bastante superegóica, quero dizer: ela está envolta ein um imperativo: "goza!". 
Lacan dá razão ao marquês de Sade quaiido este enuncia que se pode gozar apenas de 
uma parte clo corpo do outro. Mas essa não é a verdade do corpo cki criança. No que conceme 
a ela, podemos gozar da totalidade de seu corpo. E, no que lhe cliz respeito, podemos dizer 
que seu corpo, em sua totalidade, é objeto a. Podemos relacionar esse exemplo com a obser- 
vação de Freud sobre a criança do Jort-da, aquela que manipula o carretel. Atas! nesse caso - 
ele é paradigmático para outros casos -> o corpo da criança é nitidamente o carretel. Quando 
isso acontece, quando a criança é o carretel, trata-se por certo cle um estádio anterior àquele 
dofort-da clássico. Não farei disso um estádio típico, tal como o do espelho, nias é interessan- 
te observar que ele antecede a entrada da criança no estádio do espelho, vem justo antes. 
Se me apóio nessa historieta, digamos que é para representar o gozo do corpo. Uma cerra 
apresentação desse corpo é necessária para sabeinios exatamente onde ele está. Desse modo, 
fazenios uma diferença entre o gozo do corpo coino tal e o gozo fálico, - o gozo tlo falo - 
situávell circunsciitível; fechado sobre si mesmo, 1in1 gozo que é realniente o privilégio de um 
óigão deterininaclo. Assim, eni psicanálise, fazeinos uma distinção entre o corpo entregue ao 
gozo em sua totalickide e a concentraçáo libidinal sobre o órgão. Observando essa criança se 
[poderia achar justificável dizer que o gozo fálico náo se encontra no gozo do coi-po, que os 
clois gozos se separam realmente e que, de certo modo - como lacan o forniula cle maneira 
p~~vocante -: o gozo fálico é fora do corpo, ele faz explodir a tela c10 imaginário corporal. 
Com base nessas consideiações, ~mdenamos distribui6 temporalmente, três moinentos. Primei- 
in: o estado de felicidade que encontrei na criança, na qual a imagem do corpo próprio não captou, 
não aprisionou o gozo do corpo. Fssa criança estava no momento prétio, anterior ao interesse em 
piivilegiar a iniageni de seu corpo! conio se nesse "estádio" o gozo esti\csse lime da coiicentraç20 na 
iinagem do corpo próprio. No segundo tempo, aquele no qual sulponios que ela eiitiará, temos o 
gozo do corpo imagináiio descrito 1mr Iacan. O terceiro momento nessa constniç20 ssu[mstamente 
Iiistónca é o do gozo Fáiico: que Imr fim inceiviria em cada um coino uma anomalia: porquanto o 
gozo do corpo parece ser assexuado. Não sei ao cerro - mai como sabê-Io?se o coipo da uiança 
selia nianipulado cla mesma forna, caso se tratasse de uin corpo feminino, se fosse unia inenininha. 
Até aqui, esta intenpeqáo formulou a questào de saber como se introduz a preemiiiência da 
imagem do corpo próprio. Por que, no segundo tenil~o, se introtluzirá, como supomos, tanto para 
essa cnan~a quanto para as outras, a preeniinência do coqm próprio? Obsennndo esse [peqiieiicho 
de Granada, parecia que ele não precisava disso para nada. 'Blvez por isso ele retarckisse ~ i i i i pouco 
o estádio do espelho, pois, em conipen~ação~ como pude observar> ele tinha um controle de seus 
niovinientos bastarite bom para sua idade, o que é cuiioso para unia criança de sete meses. 
Então, essa preeminência da imagem do corpo próprio é uiii traço da espécie huniana. 
Nos animais, obsenmnos, antes, o lugar e a figura da iniageni clo semelhante. Nos primeiro 
tenipos de seu eiisino! íacan enfatizava a impoitância da figura cla imagem do semelhante no 
próprio desen\.olvimento do organismo animal. Há animais para os quais é necessário ver a 
imagem de uni semelhante, a fim de que a maturação de seu orgaiiismo possa prosseguir. Na 
Setembro 2008 18 Opção iac:iniana no 52 
vida animal, ha também Funçóes cle ~itilizaçáo imaginária clo inimigo. Mas, até onde eu saiba, 
não há nos animais nenhum privilégio do corpo próprio que se possa comparar com o que se 
produz nos seres humanos. 
A constância com que iacan explicita a preeminência clo corpo própiio nos seres humaiios 
tem a ver com a suposiçio de unia kilta, de unia falha que a imagem do corlm viria preenclie. 
recobrir. Náo se pode compreender o ~~rivilégio esl~ecífico dessa imagem, sua importância para 
os seres humanos, sem a suposição de que ela escontki uma falta essencial. 
A lógica da castração 
Em Lacan, quando se trata de abordar a imagem do corpo, esse tipo de explicação é unia 
constante. Observei que em niuitos lugares há uma preocu1)açào coni os períodos do ensino 
de Lacan, os primeiros e os posteriotss, e uma inquietude quanto ao fato do tema da imagem 
do corpo próprio pertencer aos anos cinqüenta. Mas, na realidade, iacan se niantém constante 
em sua maneiia de explicitar seu ])rivilégio com base na suposiçio de uma k~lta. A tal porito 
que podemos escrever como fórmula geral o seguinte: 
i(a) é a transcriqao lacanianatl;i iiiiageiii do outro, mas abarca também a imagem do corpo 
próprio eni sua distância. Na parte de baixo, a fim de situar aquilo que suponios sustentar a 
iniagem, o que a eleva a sua 11reeiiiinéncia, podemos nos contentar eni escrever um menos 
(-), uma falta que explicita a ele\aiQo dessa imageiii singular A primeira versáo desse menos, 
proposta por lacaii eni seu estádio clo espelho, é um menos orgânico. Ele o encontra na obra 
de Louis Bolk, reiati\:o ao nascimento prematuro do ser humano. E, em relacão a esse corpo 
suposto prematuro, a imagem do cor110 próprio é uiii;i antecipação, ela antecipa a niaturação 
orgânica. Desse modo, pode-se dizer que, referido a essa imagem, comparado com a fomia 
visual integrada? o corpo pról~rio se experimenta ein déficit. Escre\ranios horizontalmente o 
eixo da sucess2o temporal e digaiiios que, sobre o outro e~uo, a paitir da completude da 
imagem i(a), se expressa o déficit orgânico (-) quando. temporalmente, sobre o eixo do 
desenvolvimento, o (-) é anterior. Isto quer dizer que essa conceitualização do estádio do 
espelho contém um mecanismo de antecipaçáo e cle retroação. 
Op<;jo Iacaniana no j 2 
Podemos dizer que colocar ;i castração no lugar do Outro se justifica em Freud, para quem 
essa experiência fundamental incide sobre o corpo do outro: Freud escreve a castração sobre 
a iniagem do corpo do outro. Isso implica a imagem na lógica da castraçáo e, penso eu, no que 
nos diz respeito, é o que realça nossa consideraçáo da iniagem. Isso equivale a dizer que a 
castração é a nossa referència as coisas que concemem as imagens, de tal sorte que não ape- 
nas escrevemos i(a) sobre (-v) como segredo da imageni, nias utilizamos também o matema 
que nos é dado pelo a sobre - ou como preenchimento - do (q) da castração. 
A fórmula desenvolvida i qual gostaria de chegar é a seguinte: i(u), a imageni e: embaixo 
dela, a sobre (-v). Em minha opinião, esse materna resume uma quantidade de considerações 
de iacan sobre a imageni. Isso implica, nesse lugar dou, que a imagem não se sustenta sem 
unia carga libidinal, que sempre deve ser regularizada. E: quando náo o é, podeinos observar 
perturbaçòes no próprio nível tla percep~áo das imagens. O que significa dizer que a carga 
libitlinal da imagem deve sei- I-egularizada? Significa ;ilguma coisa muito simples, nias muito 
importante, a saber: a correlaçáo entre a e (-v) implica toda :i inetáfora paterna, a regulariza^ 
ção do gozo do lado da castração. 
O suporte fundamental da imagem 
Nesse sentido, o su]~oite fundamental das imagens do corpo dos outros e do corpo pró- 
prio é o Nome-do-Pai. O suporte fundamental da imagem i' a ação do Nome-do-Pdi. Sem esse 
suporte, náo podemos ver sequer um semelhante - tanipouco a si niesmo - eni seu lugar. 
A verificação da consistência da realidade perceptiva - que nos permite ficar eni nosso 
lugar, em nosso site, e perceber os arredores sem demasiada deforniaçáo - é fundamentada 
no Nome-do-Pai. 
Como contra-exemplo, podenios ver as perturbações perceptivas nas psicoses. Quando 
consideramos o caso Schreber, vemos que, quando sua libido se retira do mundo, a iiiiagem 
dos outros se deslibidiniza e ele percebe tão somente "sombras de homens". Ou seja, quando 
a carga libidinal, que grafamos a, se retira' temos iniediatainente um mundo povoado de 
sombras. E quando, em um movimento inverso, a libido invade a imagem, vemos nele seu 
extremo gozo narcísico. Depois de haver experimentado a retirada da libido das imageiis dos 
outros, observamos a concentraçáo da libido na imageiii do corpo próprio. Sua iniagem é, 
então: invadida, por assim dizer, de libido não castrada. Por essa mesma razão, ele percebe a 
Opyão Lacaniana no 52 Z I Sereinbro 2008 
imageiii CIO corpo próprio conio feiiiinina, corpo dotado ele uni gozo que não se reduz ao 
gozo fálico, um gozo que o invade totalniente. 
Ohsenramos tambéin alguma coisa desses fenômenos na histeria, uma vez que para nós 
o sujeito histérico é: por excelêncizi, uma falha, unia falta de sigiiificante representativo tio 
Outro. Hazáo pela qual a imagem do corpo próprio pode funcionar e ter uma importância 
máxinia como tampão da falta ele significante do sujeito. Essa fórmula de referência nos 
permite abrir o caminho segundo o qual a imagem do corpo pode funcionar como uni 
significante. Para compreender o lugar destacado conferido à iniagem do corpo próprio na 
histeria, poderíamos dizer que o sujeito se faz representar rio Outro pela imagem de seu 
corpo próprio, de tal fornia que essa iniagem e sua manipul;ição funcionam como lima 
iiiensagem ao Outro e: ao mesnio tempo, dependeni da niensagem recebida do Outi-o. 
Isso pode ser observado na análise quando, por exeml~lo, um sujeito histérico chega eiii 
uiii certo estado de negligência, ele decadência imaginária, e que, conio efeito da aiiálise: 
procluz-se uma certa renarcisação da iiiiageni do corpo 11ról1i-io. 
Em toela uma categoria de casos de neurose obsessiva, podemos observar o cuidado 
extrenio coni a imagem do corpo próprio, a ponto tle ela aparece. por vezes, totaliiiente 
significantizada e traduzir no imaginário o domínio do Outro, conio se fixasse os traços 
obrigatórios da imagem que o sujeito deve dar de seu corpo. Notar-se-á por exemplo, o 
cuidado ele todas as forcas arniadas elo mundo para com a iniageni do corpo de seus solcla- 
dos. Pocleríamos pensar que as foi-ças armadas estão referidas a I~rutalidade e a violência e 
que a vestimenta! a aparência: a im:igem do corpo não contain. Isso seria discutível em se 
tratando ele guerrilhas, nias no moniento em que triunfani? elas caminham para a regulariza- 
ção ela imagem do corpo. Poder-se-ia dizer que no supereu clas forças armadas há um "cui- 
dem ele!" e um poder de sugestão sobre a imagem do corpo. 
Na neurose obsessiva e na neurose eni geral vemos, ao contrário, que a imagem do corl~o 
pode toinar o valor de um objeto excreinentício quando o que se niostra é uma negligência 
pm\ocadora dessa imagem. É taiiil~éiii um caminho que tle\reiiios abrir quando a imageiii elo 
corpo tonia o valor de objeto. Disse que ela poderia ter uni valor de significante, significaiite 
cihaclo, liniite de todas as figuras sociais que implicam em que se dê uiiia imagem totaliiiente 
standurdizadu, mas ela pode tanibéni ter valor de objeto. 
Poderíamos nos perguntar se veinos algo disso na anorexia, por exemplo. É que na 
anoresia: de um lado, o (q) esvazia o objeto oral, transfornia o ohjero oral em um nada; ele 
outro, o (-v) recai sobre a própria imagem do corpo. Nos casos graves, é p~ssí\~el reco- 
nhecer a iniageni do grande luto anoréxico, a Virgeni Negra que traeluz a superposição do 
(-v) a iiiiagem do corpo, o que na consulta, se apresenta como a encamação da castraçáo 
até a morte. Na bulimia, onde o objeto oral é utilizado par;! servir de tampão ao (-v), 
podeinos: talvez, dizer que a irnagern do corpo é sacrificada, o amor narcísico é sacrifica- 
do ao gcizo oral. 
Eni resumo, a imagem do corpo traduz sempre - e podemos utilizá-lo assim na aiiálise 
-a relaçáo do sujeito com a castraçáo. O segredo da iniageni, o segredo do campo visual, 
é a casti-ação. 
Sc-teinbi-o 2008 22 Opção Lacaniana no j2 
imagens, produzir imagens desprovidas de sentido, desconectar imagem e sentido, os quais 
sempre foram ligados. Isso se realizou na arte abstrata do século XX, que é quase uma 
castração do sentido. Ela nos faz ver que a arte não ~ o d e mais ser compreendida como as 
imagens anteriores o eram, que há nela alguma coisa como o triunfo da castração imaginária 
e chega até a suprimir o sentido. Se admitimos haver um momento de anorexia imaginária na 
- 
história da arte, por que não admitir também outro momento, no qual somos dominados 
por uma certa bulimia imaginária? Padecemos de uma absorção de imagens intensa e acele- 
rada. Imagens de corpo. Se vocês ligarema televisão, verão sempre pessoas falando. msso 
dizer isso inclusive quanto a mim: como não tenho televisão - para resistir a bulimia iniaginá- 
na -, mal chego em um quarto de hotel, eu a ligo. É sempre esse tipo de imagens que se 
ostenta. Acho, cabe dizer. que para educar as crianças, nada como ter uma televisão em casa. 
Temos então um momento de anorexia imaginária e outro de bulimia imaginária. Rnso 
que todas as analises de Lacan sobre o campo visual desenvolvem o fato de que o segredo da 
imagem é a castração. Para tanto, ele se sence do quadro de Holbein, Os enzbuixudores, no 
Seminário, livro 11> a fim de mostrar que sob o par imaginário a castrarão está presente, para 
fazer perceber a própria estrutura do canipo visual. Quando, dois anos depois, ele faz uma 
análise um tanto desordenada, sobre o quadro de Velá7.quez As meninas, ele o faz também 
para situar o (-rp), no caso, sob as saias da menininha. É como se nos dissesse: "quaiido se 
analisa o visual, convém sempre buscar a castração". 
Podedamos nos perguntar onde está tudo isso na arte abstrata. Em termos precisos, é 
como se essa arte nos apresentasse a castraçào em contato direto, sem mediaç2o. Na alre 
abstrata, a castracão se encontra na marca do quadro, na própria moldura que delineia um 
furo no qual aparece uma imagem sem sentido. Quer dizer, na arte abstrata, uma vez que ela 
nos apresenta pinturas, quadros, a moldura é o (q) ee! no lugar em que se enquadra o (9) 
algo se produz, o que podemos chamar de objetou, por estar fora, não ser significante, não 
ter efeito de sentido ou de significaçào. Assim, a iconologia da ane abstrata é impossível. Há 
certamente uma iconologia que se desenvolve: mas é sempre delirante. É claro que esse delí- 
rio da iconologia é interessante, nias ele nada tem a ver com a iconologia niinuciosa dos 
quadros do Renascimento. 
Podenamos dizer também que há cluas vertentes na arte abstrata: ou ela nos mostra 
imagens emancipadas do significante que pretendem ser uma beleza pura, selvagem, nas 
quais a cor domina - seria talvez a vertente Kandinsky -, ou então ela nos apresenta uma 
outra vertente, que seria alguma coisa como o significante matando a imagem significativa. 
Essa vertente foi preparada pelo cuhismo, que nos fez assistir a geometria, uma geometria 
significante - e delirante -, dissolvendo a imagem. Na operaçáo que observamos em um 
quadro cubista, é como se o significante dissolvesse a própria imagem. Isso nos leva a 
Mondrian e a Malevitch, ou seja, às formas geométricas que engoliram a imagem represen- 
tativa. Nessas duas vertentes, a arte abstrata é como a encenação do conflito: do desacordo 
entre o significante e o objeto a . É também a demonstração de que o gozo visual não se 
reduz ao sentido, a um efeito de sentido. De sorte que a arte abstrata é um esforço para 
enfatizar, para isolar o gozo puro. 
Setembro 2008 24 Opçao Lacaniana no 52 
O olhar do Outro 
Neste ponto, deveríamos desenvolver o valor da luz no canipo visual. Pensei em fazé-lo a 
partir de uma fenomenologia da luz, tal como Merleau-Ponty em sua Fenomenologia da 
percepção. O ponto desse livro que interessou a Lacan foi o que trata da percepção da luz e, 
mais exatamente. o que um psicólogo alemão chamou de "a Iógica da iluminação". Acho 
apaixonante acompanhar essa lógica da iluminação na percepção e nas variaçóes perceptivas. 
Sem desenvolver esse capítulo da luz, diria apenas que enquanto a luz nos permite ver, 
enquanto ela dá a visibilidade, o visual continua como algunia coisa análoga ao lugar do 
Outro. Poderia enfatizar como Merleau-Ponty descobre o que podemos traduzir por um efeito 
de sujeito suposto saber É um momento realmente extraordinário de sua análise: 
"Quando me conduzem até o dono da casa, em um apartamento que nào conheço, para que 
o desenrolar do espetáculo visual o/ereçu zon sentido, vá rumo a um finz, em vez de niinz há 
alguém que sabe, e eu me remeto ou me presto a ese saber que nào tenho. Quando me fazem 
uer na paisagem um detalhe que eu não soube distinguir sozinho, há ali alguém que já o uiu, 
quejá sabe onde deventos nossituar e onde se dece olharpara um A ilun~inaçao 
conduz meu olhar e me faz ver o objeto. Eniáo, em certo sentido, é porque ela sabe e ué o 
objeto. Se imagino um teatro sem espectadore.~ enz que a cortina se abre sobre um cenário 
iluminado, parece-me que o espetáculo é en? si mesmo ziisíuel ou prestes a ser visto, e que a luz 
que esquadrinha os planos desenha us sombras e peneira no espetáculo de ponta a ponta, 
realiza diante de nós uma espécie de uisao'". 
É como se a luz incluísse a visão. Conhecemos isso ein psicanálise. O pudor do corpo não 
implica somente que o outro não deva vê-lo. É que, como o sabem muito bem os padres que 
educam as crian~as, o importante é que não devemos gozar de ver nosso corpo. É como se a 
visibilidade fosse uma violação, uma profanaçáo, dado que, na própria luz, na própria visibili- 
dade, há uma encarnação do Outro. 
Isso permitiu reler e reconsiderar o estádio do espelho, pois, nele, a ênfase incide senipre 
na atividade do sujeito, no olhar do sujeito que reconhece ou não sua imagem. Ora, ser olhado 
é justamente o que é colocado em questão, ou seja, a passividade que precede! em muito, 
essa atividade de ver e considerar a imagem do corpo próprio. 
Com a criancinha de Granada, que ainda não acedeu a consideração de si mesma no espelho, 
embora por certo fosse olhada e suficientemente admirada, vimos: His m a j q the baby. 
Embora seja o Outro que nos permite ver e que, além disso, e antes mesnio de nossa visão, 
olha, a questão é a seguinte: aquele que vê é ao mesmo tempo visível? Mas não há reversão 
exata entre ver e ser visível. 
Quando jovem, eu me interessei pelo Panóptico, de J. Bentham. Trata-se de uma prisáo 
que se caracteriza pelo fato de o senhor poder ver sem ser visto. Ou seja, ele é realmente um 
olharcujo ponto de origem é desconhecido, não se sabe deonde ele olha. É adessimetria que 
Lacan generaliza. É claro que no reconhecimento mútuo supomos poder ver e ser visível, 
Opção iacaniana no 52 25 Setembro 2008 
mas, na realidade, é a dessimetria benthamiana que nos ensina a verdade da percepção. Foi o 
que Lacan generalizou quando disse: "Nunca te vejo de onde tu me olhas". O que isso significa? 
Nossa suposição é de que: "eu te vejo e tu me olhas dali de onde tu estás rio mundo". liata-se 
de um olhar suplementar que existe sempre - para retomar o exemplo de Merleau-bnty -, o 
olhar contido na própria visibilidade. Ou seja, além da visão que um outro pode ter de mim, 
há o olhar suplementar do Outro, do Outro escondido. Podemos perceber isso quando a luz não 
apenas oferece um campo visível, nia5 se concentra ao mesmo tempo sobre um ponto luminoso 
que pode ter valor de olhar, que encarna por um momento o olhar onipresente do Outro. 
Concluirei com uma referência a Granada, a fim de saldar uma velha divida, cinco anos 
depois de minha primeira visita a essa cidade. Ela se encontra em um texto de Freud, o que 
me foi assinalado por Jose Luis Chacón. Trata-se de "Um distúrbio de memória na Acrópole" 
(1936), em que Freud efetivamente cita os versos do lamento do rei mouro: 'Ay de miAlhamaX. 
Eu os cito: 
Cartas lefueron ~ienidas 
que Alhaina era galzada: 
ias cartas echó en e1 fuego 
y a1 memagero niarara 
As cartas chegaram 
dizendo que Alhanza bacia sido to~nada, 
as carras aofogoforam lançadas 
e o nlensageiro massacrado. 
Precisamente esse episódio fez surgir para Freud o olhar do Outro. Dizia a si mesmo tratar-se 
aqui de um esquecimento ou de um distúrbio de memória, porque a idéia que lhe veio à mente 
ao perceber a Acrópole, símbolo dessa calma grega da qual Ihes falei, foi: "entáo, tudo isso 
'existe realmente', tal como aprendemos na escola". Freud se interroga sobre esse curioso acon- 
tecimento de pensamento e demonstra que ele implica uma espéciede divisão do sujeito. Con- 
tudo, depois da análise dessa frase, ele compreende - e para ele esta é a chave - que esse acon- 
tecimento de pensamento lhe permite defender-se contra outra idéia, a saber: "o que eu vejo 
aqui não é real" (Was ich hier sebe ist nicht wirklich, em que wirklich é a efetividade do real). 
Para se defender desse pensamento, isto é, para se defender contra um sentimento de estranhe- 
za diante desse magnífico espetáculo da Acrópole, ele produziu essa curiosa frase de um distúr- 
bio de esquecimento. Como dar conta disso com duas palavras? Precisamente porque nesse 
espetáculo da Acról~ole que ele tanto esperara para ver, havia um gozo intenso e um júbilo 
excessivo. Freud enfatiza que, para ele, a culpa sempre esteve ligada a um gozo em excesso. De 
modo que, sob esse sentimento de estranheza, sob essa vacilação da realidade perceptiva, er- 
gue-se a figura de seu pai. Ou seja, no momento em que o espetáculo vacila, ou então - tente- 
mos dizê-lo bem -: no momento em que ele se defende contra a vacilação do espetáculo e do 
sentimento de estranheza que dela advém, ergue-se a figura do pai. Para Freud, estar em Atenas, 
Setembro 2008 26 Opçáo Lacaniana no 52 
que o pai nunca vitx, era estar melhor que seu pai. fieste ponto, ele evoca NapoleXo que: no 
nioniento de ser coroado imperador, volra-se para seu irmão e lhe diz: "o que diria nosso pai se 
ele pudesse estar aqui, agora, se ele pudesse rios ver!" 
Ou seja, na realidade, o motivo tlo distúrbio de memória na Acrópole é o olhar do pai que 
se fez presente no espetáculo. Os dois irmãos - pois nessa ocasião Freud estava coni seu 
irmão - puderam ver a Acrópole e essa visão os encantou. Mas: no coração do próprio espetá- 
culo surge o olhar do pai, a olhá-los de um lugar destacado de qualquer lug;ti; de tal iiiodo 
que, no momento eni que eles véeni a Acrópole, é como se esta os visse, como se o próprio 
espetáculo visse os pequenos corpos desses dois judeus na atmosfera (Ia beleza grega. Foi 
como se a Acrópole se transformasse na laca de sardinhas tlo exemplo de Lican, a Lita de 
alumínio que o olhava do mar. Tanto a Acrópole quanto a lata de sardinhas são a encamação 
do olhar do Outro, o que levou iacan a dizer que não era necessário que Freucl a \risse para 
que ela o olhasse. 
Em outras palavras: no exemplo de Freucl, através das imagens fascinantes do espetáculo, 
há o (-v), a castração: não apenas a castraçio do pai que não pôde realizar tudo isso, mas a 
castracão do próprio Freud. Esse episódio, ocorrido no meio de sua vida - ele tinha por volta 
de 40 anos -, foi analisado por ele bem mais tarde, quando tinha 80 anos. Ou seja, em sua 
velhice, Freud então apresenta a si mesnio como um homem quase inipotente e diminuído, 
Dir-se-ia que naquele momento ele se confundia com o (-cp) da castração e que! nesse instante, 
ele pôde descol~rir o segredo que havia nesse episódio ocorrido naquela época. 
Isso nos mostra também que, como é comum experimentarmos esse sentimento de estra- 
nheza, é a extração do objetoa como olhar que nos permite ter um sentimento de realidade 
perceptiva. Assim, cada vez que se impõe o mais cle gozar visual, o olhar pode surgir e se 
impor a nós. Cabe dizer que essa é a conclição usual do sujeito paranóico. Na paranóia, a 
presença do olhar do Outro sevicia permanentemente. 
Poderíamos nos perguntar se, quando o objetoa cai para um analisante, o olhar do Outro 
cai também. Há algo disso, o que se 1.6 no fato de haver desavergonhados entre os analistas. 
Eles o são por não se sentirem mais olhados pelo Outro (o que se chama desculpabiliz;ição). 
Mas não tenho certeza - e me parece que lacan também não tinha -se a queda do olliar do 
Outro é um progresso ético tãogrande. Penso que quando lacan diz que ele ainda está sob o 
olhar de Freud, ele quer dizer que o final tla análise se acorda com a manutenção do olhar do 
Outro. Razão pela qual ele afimia eni algum lugar que o pudor é a única virtude. Aclio que isso 
quer dizer que a única virtude é conservar alguma coisa do olhar do Outro. 
Resta saber se isso significa ser preciso acreditar no juizo filial, quanclo os corpos ressusci- 
tarão para receber sua recompensa. Pois bem, eu responderei assim: acredito no juizo final, 
mas não que ele se produza no final dos tempos. Acredito que o juizo final é rodo dia. 
Te\.to tradurido par \'era Avellar Ribeiro. 
O p ~ ã o lacaniana no 52 ?i Setembro 2008

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