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Insercao internacional no governo Lula Interpretacoes divergentes

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 34 
Inserção Internacional no Governo Lula: 
interpretações divergentes 
 
Dhiego de Moura Mapa (UERJ) 
 
 
 
RESUMO: O presente artigo procura tecer algumas considerações 
sobre a política externa do governo Lula a partir de dois aspectos: de um 
lado as propostas de governo segundo formuladas por seus condutores e, 
por outro lado, a forma como essas propostas são percebidas pelos 
analistas de relações internacionais. Em meio à abordagem proposta 
será possível perceber que a implementação de uma estratégia de 
inserção internacional que reorienta os rumos tomados pela gestão 
anterior, tem forte conotação ideológica que se insere no debate sobre 
hegemonia no sistema internacional e gera um debate entre perspectivas 
difusas que enriquece e amplia o entendimento sobre a diplomacia do 
governo Lula. 
PALAVRAS-CHAVE: Governo Luis Inácio Lula da Silva; Política 
Externa; Inserção Internacional. 
 
ABSTRACT: This article seeks to make a few remarks about the Lula 
government foreign policy from two aspects: on one hand government 
proposals formulated by his second drivers and, secondly, how these 
proposals are seen by analysts of international relations. Amid the 
proposed approach will be possible to realize that implementing a 
strategy of international insertion that reorients the direction taken by 
the previous administration, has a strong ideological connotation which 
fits into the debate on hegemony in the international system and 
generates a diffuse debate between perspectives that enriches and 
expands the understanding of the diplomacy of the Lula government. 
KEYWORDS: Government Luis Inacio Lula da Silva; Foreign Policy; 
International Insertion. 
 
 
 
 
 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 35 
Atualmente, muito se tem discutido sobre os rumos da política 
externa brasileira. Analistas, especialistas, cientistas políticos, 
sociólogos, pesquisadores acadêmicos, jornalistas e amplos setores da 
sociedade brasileira têm se ocupado de acompanhar e emitir opinião 
interpretativa e parecer crítico sobre as ações e perspectivas do atual 
governo, no campo das relações internacionais. Esta inovadora atenção 
dada, por parte de diferentes setores da intelectualidade brasileira, à 
política externa no governo Lula se deve, por um lado, às expectativas 
geradas pela ascensão ao poder de um grupo político que sempre 
combateu as proposições do neoliberalismo e, por outro, aos impactos 
(internos e externos) gerados pela formulação e execução da política 
externa deste governo, que se pretende inovadora e de rompimento com 
algumas tendências do governo anterior. 
As diferentes análises produzidas sobre a atual condução da 
política externa brasileira têm, por vezes, alcançado conclusões 
divergentes, que podem ser organizadas em três níveis: os defensores, os 
opositores e os observadores apartidários. Enquanto os dois primeiros se 
posicionam pró ou contra a atuação externa do governo atual, os últimos 
procuram colocar na balança os erros e acertos dessa atuação, sem tomar 
partido da situação. No intuito de esboçar as diretrizes da política externa 
do governo Lula, partiremos das diferentes visões que se têm lançado 
sobre ela, a fim de apreender suas especificidades. Antes, porém, 
procuraremos expor como os responsáveis pela formulação da política 
externa do atual governo caracterizam a mesma, observando nesse 
sentido, a existência de uma percepção ideológica do sistema 
internacional muito próxima ao conceito gramsciano de hegemonia. 
Após efetuar essas considerações, procuraremos argüir sobre os diversos 
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olhares que se lançam sobre a política externa proposta pelo governo em 
questão. 
 
1. COM A PALAVRA, O GOVERNO 
 
Dentre os formuladores e executores da política externa do atual 
governo brasileiro, destacam-se as figuras do presidente da República, 
Luis Inácio Lula da Silva, do chanceler, embaixador Celso Luis Nunes 
Amorim, do secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador 
Samuel Pinheiro Guimarães e do assessor especial para assuntos 
internacionais da presidência, professor Marco Aurélio Garcia. Na 
medida em que o primeiro e o último têm maiores ligações com as 
propostas partidárias do grupo petista que assumiu o poder, os outros 
dois são vinculados ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), como 
embaixadores de carreira. Esse fato em si, já denuncia a característica 
dúbia de implementações de novas posturas e perspectivas aliadas à 
busca de objetivos já antigos ao interesse nacional, na atuação brasileira 
no exterior, em um misto de continuidade e ruptura, política de governo e 
política de Estado, pois, se é verdade que o presidente e seu assessor 
especial para assuntos internacionais estão atrelados aos compromissos 
partidários e de campanha, não se pode negar, por outro lado, que a 
presença de Celso Amorim como Ministro de Estado das Relações 
Exteriores – que já havia exercido a mesma função durante o governo 
Itamar Franco, em 1993, tendo tido importante atuação desde então – 
confere continuidade aos aspectos mais importantes da ação brasileira no 
cenário internacional. 
Por se tratar de um governo ora em andamento, a forma de captar 
as propostas e objetivos em política externa se dá através das declarações 
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 37 
à imprensa, discursos, entrevistas, eventuais artigos e/ou obras publicadas 
que demonstram o posicionamento político em determinadas questões – 
sendo este último, o caso de Samuel Pinheiro Guimarães –. Portanto, 
procurar-se-á, aqui, relatar como que a equipe formuladora da política 
externa do governo Lula expõe as diretrizes brasileiras contemporâneas 
no campo das relações exteriores. 
Logo após a vitória no pleito eleitoral de 2002, o presidente recém 
eleito Lula fez um discurso no qual salientou promessas de campanha de 
âmbito social (combate à fome, geração de empregos, fomento à 
exportação, crescimento sustentável, etc) e, em política externa, 
demonstrou comprometimento com a integração sulamericana, pelo 
Mercosul, no qual disse: "Queremos impulsionar todas as formas de 
integração da América Latina que fortaleçam a nossa identidade 
histórica, social e cultural", além de reafirmar o compromisso brasileiro 
com o fortalecimento de organismos internacionais, principalmente a 
ONU1. A prioridade ao Mercosul e a defesa do multilateralismo foram 
pautas reforçadas durante o discurso de posse ao cargo de presidente, em 
2003, em que falou sobre a defesa dos interesses nacionais no cenário 
internacional. 
Ao inaugurar sua gestão, o presidente afirmou que “a ação 
diplomática do Brasil” seria “um instrumento do desenvolvimento 
nacional”, que se daria “por meio do comércio exterior, da capacitação de 
tecnologias avançadas, e da busca de investimentos produtivos”, sempre 
pautado na luta contra o protecionismo e no aumento da exportação 
nacional. Na ocasião, afirmou que o Mercosul era um “projeto político” 
 
1 Discurso do Presidente Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, "Compromisso com a 
Mudança". São Paulo, 28/10/2002. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discurso. Acessado em: 19/05/2009. 
 
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necessário à meta de “construção de uma América do Sul politicamente 
estável, próspera e unida”, expondo ainda uma preocupação com as 
“dimensões social, cultural e científico-tecnológica do processo de 
integração”2. Todavia, o ponto chave de sua proposta de ação 
internacionalse encontra na delimitação do espaço geográfico de atuação 
brasileira no exterior: 
 
Procuraremos ter com os Estados Unidos da América uma 
parceria madura, com base no interesse recíproco e no 
respeito mútuo. Trataremos de fortalecer o entendimento e 
a cooperação com a União Européia e os seus estados-
Membros, bem como com outros importantes países 
desenvolvidos, a exemplo do Japão. Aprofundaremos as 
relações com grandes nações em desenvolvimento: a 
China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre outros.3 
 
 
Percebe-se aí, a idéia de um diálogo igualitário com o governo 
norte-americano, a fim de combater as assimetrias existentes e, ao 
mesmo tempo, a compreensão de que o relacionamento com os países 
desenvolvidos deve ser ampliado. Porém, o que chama atenção é a 
importância dada à necessidade de se “aprofundar” as relações com 
países de peso internacional proporcional ao brasileiro. A preocupação 
em estabelecer maiores vínculos e articulações com países em 
desenvolvimento transparece na reafirmação que faz dos “laços 
profundos que nos unem a todo o continente africano”. Trata-se, 
portanto, de uma perspectiva de ampliação e diversificação da área de 
atuação brasileira no exterior, tanto com países desenvolvidos, como com 
aqueles em desenvolvimento, para melhor defender os interesses 
 
2 Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de 
Posse, no Congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 19/05/2009. 
3 Ibidem. 
 
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 39 
nacionais na arena internacional, onde o combate às assimetrias é o 
cerne, conforme fica patente na defesa que faz do multilateralismo: 
“Defenderemos um Conselho de Segurança reformado, representativo da 
realidade contemporânea com países desenvolvidos e em 
desenvolvimento das várias regiões do mundo entre seus membros 
permanentes”4, dentre os quais o Brasil, que postula um assento 
permanente no Conselho. 
A busca da integração sulamericana a partir do fortalecimento do 
Mercosul, a percepção de que a política externa é um elemento integrante 
do projeto de desenvolvimento nacional, o combate às assimetrias, a 
defesa do multilateralismo – principalmente da reforma do Conselho de 
Segurança das Nações Unidas –, o estabelecimento de parcerias 
estratégicas com países com níveis de desenvolvimento (ou que possuam 
interesses) semelhantes ao brasileiro e a não ruptura do relacionamento 
com países desenvolvidos, conforme delimitados no discurso de posse 
presidencial, seriam as linhas gerais defendidas pelo governo ao longo de 
seu mandato, conforme se evidencia na declaração à imprensa, em 2005, 
feita por ocasião da visita do então presidente dos Estados Unidos, 
George W. Bush, ao Brasil: 
 
Tenho dito, com freqüência, que nossa política externa não é 
apenas um meio de projeção do Brasil no mundo, mas 
também um elemento fundamental de nosso projeto nacional 
de desenvolvimento. Nestes 34 meses de meu Governo 
busquei uma forte aproximação com nossos irmãos sul-
americanos. Aprofundamos as relações bilaterais com todos 
os países da região, ampliamos e reforçamos o Mercosul, 
criamos a Comunidade Sul-americana de Nações, 
mantivemos um excelente relacionamento com os países do 
Caribe, da América Central e da América do Norte, 
impulsionamos uma política ativa em relação à África [...] O 
Brasil abriu-se igualmente para o mundo árabe e o principal 
 
4 Ibidem. 
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resultado desta abertura foi a Cúpula América do Sul – 
Países Árabes. Fortalecemos nossas relações com grandes 
países emergentes, como a China, a Índia, a Rússia, a Coréia 
e a África do Sul. Não hesitamos em abrir novas fronteiras. 
As conseqüências dessa abertura foram os incrementos sem 
precedentes de nosso comércio exterior, a atração de 
investimentos e a internacionalização de nossas empresas. 
Mas esta busca de novos horizontes não comprometeu nosso 
relacionamento com grandes países desenvolvidos como: os 
da União Européia, Japão e, obviamente, Estados Unidos.5 
 
 
Ao longo de seu mandato, o presidente Lula, nos diversos discursos 
pronunciados nas várias cerimônias e eventos oficiais em que participou, 
ao redor do mundo, procurou pontuar, claramente, que um dos objetivos 
de seu governo dizia respeito à tentativa de configurar uma “nova 
geografia econômica e política mundial”, principalmente pelo 
fortalecimento e ampliação da “cooperação Sul-Sul”. Esse 
posicionamento é bem delimitado em um discurso que proferiu durante 
uma sessão de debates da XI UNCTAD (Conferência das Nações Unidas 
sobre Comércio e Desenvolvimento), em 2004: 
 
Como aponta a UNCTAD, a participação do Sul nos fluxos 
globais, tanto comerciais quanto financeiros, cresceu 
extraordinariamente nas duas últimas décadas. 
Esse fluxo não tem uma direção exclusivamente Norte-Sul. 
Está surgindo uma “nova geografia” econômica, em 
particular do comércio mundial, resultante, entre outros 
fatores, do aumento das trocas comerciais entre os países em 
desenvolvimento [...] Essa “nova geografia” não se propõe 
substituir o intercâmbio Norte-Sul. O Norte desenvolvido 
continuará sendo parceiro valorizado e indispensável. Temos 
plena consciência de sua importância como destino para 
nossas exportações e como fonte de investimentos e 
tecnologia de ponta. 
Queremos, porém, criar novas oportunidades e encorajar 
parcerias que explorem as complementaridades entre as 
 
5 Declaração à imprensa do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por 
ocasião da visita oficial ao Brasil do Presidente dos Estados Unidos da América, George 
W. Bush. Granja do Torto, Brasília, 06/11/2005. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 19/05/2009. 
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economias do Sul. A intensificação do comércio Sul-Sul 
ilustra as possibilidades que se abrem.6 
 
 
Trata-se de uma estratégia econômica que busca, por um lado, 
ampliar o comércio de exportações pelo estabelecimento de parcerias 
com países de economias complementares à brasileira, e por outro, 
fortalecer a capacidade de barganha dos países do “Sul”, como um bloco, 
durante negociações de caráter comercial em órgãos multilaterais, como 
é o caso da luta contra os subsídios agrícolas, na OMC. 
Em discurso afinado com o da presidência, o ministro de Estado, 
embaixador Celso Amorim, tem enfatizado, de igual forma, que a política 
externa teria por metas o combate às assimetrias internacionais e o 
auxílio ao desenvolvimento nacional, conforme explicitou, em 2003, em 
seu discurso de posse ao cargo de Ministro de Estado das Relações 
Exteriores: 
 
[...] Coerentemente com os anseios manifestados nas 
urnas, o Brasil terá uma política externa voltada para o 
desenvolvimento e para a paz, que buscará reduzir o hiato 
entre nações ricas e pobres, promover o respeito da 
igualdade entre os povos e a democratização efetiva do 
sistema internacional. Uma política externa que seja um 
elemento essencial do esforço de todos para melhorar as 
condições de vida do nosso povo [...] 7 
 
 
 
6 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na sessão de debate 
da XI UNCTAD "A nova geografia do comércio: Cooperação Sul-Sul em um mundo 
cada vez mais interdependente". São Paulo, 14/06/2004. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos.Acessado em: 19/05/2009. 
7 Discurso proferido pelo Embaixador Celso Amorim por ocasião da Transmissão do 
Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Brasília, 01/01/2003. Disponível 
em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 
19/05/2009. 
 
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Essa afinidade com o presidente seria patente, ainda, durante as 
eleições de 2006, em que Lula se candidatava à reeleição, ocasião em 
que, durante uma entrevista concedida ao “Jornal do Brasil”, o 
embaixador Celso Amorim, ao ser perguntado sobre os candidatos à 
presidência, afirmara que o “Presidente Lula está preparado porque 
conhece os temas de política externa”, enquanto os “outros não têm sido 
muito felizes quando buscam criticar”8. Na mesma oportunidade, quando 
argüido, fez o seguinte balanço da política externa do 1º mandato do 
governo Lula: 
 
Houve o fortalecimento do Mercosul e a inclusão da 
Venezuela no bloco. Construímos a Comunidade Sul-
Americana de Nações e aconteceu a integração com a 
África, países árabes e outros países em desenvolvimento. 
Essa integração não ocorre só em termos formais mas em 
termos materiais. Houve aumentos espetaculares no 
comércio. As pessoas se esquecem de dizer que o 
comércio aumentou mais onde colocamos ênfase na 
política externa.9 
 
 
Apesar de se tratar de um ataque às críticas lançadas contra a 
política externa durante sua gestão ministerial, sua fala demonstra a 
continuidade de objetivos e propostas quanto à posição brasileira no 
plano externo. No mesmo período, a “Agência Reuters” publicou uma 
entrevista com o ministro, cuja pauta seria seu engajamento na campanha 
de Lula à reeleição, no qual declarara que “política externa é de Estado, 
mas é po-lí-ti-ca, ou não estaria nas plataformas de cada candidato” e, na 
mesma publicação, se acrescentou: 
 
8 Entrevista concedida pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador 
Celso Amorim, ao Jornal do Brasil. Brasília, 24/10/2006. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 19/05/2009. 
 
9 Ibidem. 
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 43 
 
O resumo dessa política seria, segundo o chanceler, a 
defesa dos interesses nacionais em negociações 
comerciais, buscando a integração da América do Sul e a 
aproximação com países de dimensões semelhantes (Índia, 
África do Sul, China), e maior contato com a África e 
Oriente Médio, sem perder a interlocução com os Estados 
Unidos e a União Européia.10 
 
 
Logicamente que a defesa da atuação brasileira no plano 
internacional durante o 1º mandato do presidente, por parte do ministro, 
se trata da busca de continuidade ao trabalho realizado. Ademais, deve-se 
perceber a importância atribuída pelo ministro Celso Amorim ao 
fortalecimento e ampliação da cooperação Sul-Sul, conforme expresso na 
entrevista supracitada, o que coaduna, por assim dizer, com as propostas 
de governo do atual presidente. Entretanto, o posicionamento de Celso 
Amorim é anterior ao governo Lula, tendo sido delimitado ainda durante 
sua gestão à frente do MRE, no governo Itamar Franco. 
Nos idos da década de 1990, ao colocar a política externa do 
governo Itamar Franco em perspectiva, Celso Amorim a caracterizou 
como autônoma e voltada ao interesse nacional, cuja inserção 
internacional se daria em várias vertentes – seja o globalismo, 
regionalismo, universalismo ou autonomismo, conforme conviesse ao 
desenvolvimento nacional – e, dessa forma, as prioridades brasileiras em 
sua atuação no estrangeiro seriam, em ordem de grandeza: a integração 
sulamericana pelo fortalecimento do Mercosul; busca de parcerias com 
países africanos devido a “afinidades naturais” (definidas como 
geográficas, históricas e culturais); intensificação e diversificação das 
 
10 Entrevista concedida pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador 
Celso Amorim, à Agência Reuters. Brasília - DF, 13/10/2006. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 19/05/2009. 
 
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relações com países desenvolvidos, tanto por sua importância em termos 
de investimento e mercado quanto pela necessidade de combater o 
protecionismo e as restrições de acesso à tecnologia de ponta; 
compromisso com o desarmamento em prol da segurança internacional, 
desde que não se afete a soberania nacional; estabelecimento de 
intercâmbios e acordos estratégicos com países que possuem “dimensões 
e peculiaridades” semelhantes à brasileira (como Índia, Rússia e China); 
reforço do multilateralismo e, por fim, procurar exercer a chamada 
“diplomacia pública”11. Percebe-se então que, os mesmos objetivos 
traçados à política externa brasileira, desde o início da década de 1990, 
permanecem no governo atual. 
Ao caracterizar a diplomacia do governo Lula, o ministro Celso 
Amorim entende que esta surgiu em face dos problemas gerados pelas 
“limitações do modelo neoliberal, centrado na fé cega na abertura de 
mercados [...] e retração do papel do Estado” e, estando envolta pela 
idéia da busca do “desenvolvimento com justiça social”, seria orientada 
para funcionar como “instrumento de apoio ao projeto de 
desenvolvimento social e econômico do País” e, ao mesmo tempo, 
almeja promover a “cooperação internacional para o desenvolvimento e 
para a paz”12. Essa perspectiva teria por ação estratégica prioritária o 
esforço de integração da América do Sul a partir do Mercosul, pautada na 
busca de benefícios mútuos, convergência política, integração física 
(infra-estrutura em transporte, comunicação e energia) e crescimento 
 
11 AMORIM, Celso L. N. “Uma Diplomacia Voltada Para o Desenvolvimento e a 
Democracia”. In: JÚNIOR, Gelson Fonseca e CASTRO, Sergio Henrique Nabuco de. 
Temas da Política Externa Brasileira II. Vol. 1. Brasília: FUNAG, Paz e Terra, IPRI, 
1997, p. 16-19. 
12 AMORIM, Celso L. N. “Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula”, 
Diplomacia, Estratégia, Política. Brasília: ano I, nº 1, out-dez 2004, p. 41-48. 
 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 45 
econômico, conforme demonstrado pelos avanços obtidos nesse sentido, 
palpáveis nos acordos comerciais firmados entre o Mercosul e os países 
da Comunidade Andina e no projeto de constituição da Comunidade Sul-
Americana de Nações (CASA), que teriam o objetivo mais amplo de 
fortalecer os países da região frente a outros países e blocos (como os 
EUA e a União Européia), principalmente nos fóruns de negociação 
comercial multilateral, a exemplo da criação e consolidação do G-20, na 
OMC13. 
O G-20, aliado à criação do foro IBAS (Índia, Brasil e África do 
Sul) e da Cúpula América do Sul-Países Árabes, demonstra, de outra 
forma, a segunda linha de ação prioritária da diplomacia do governo 
Lula: o estabelecimento de parcerias estratégicas com países em 
desenvolvimento, com destaque para os países africanos de língua 
portuguesa14. Neste particular, segundo o ministro Celso Amorim, reside 
a peculiaridade da política externa do atual governo: 
 
Privilegiados os contatos com o nosso entorno geográfico, 
o Governo Lula distingue-se pela vocação para o diálogo 
com atores de todos os quadrantes e níveis de 
desenvolvimento. A participação do Presidente da 
República nos Foros de Porto Alegre e de Davos, em seu 
primeiro mês de governo, refletiu, a um só tempo, as 
convicções democráticas do Governo e o desejo de influir 
nos grandes debates internacionais emdefesa de uma 
globalização não excludente.15 
 
 
Percebe-se então uma atuação diplomática que, não se submetendo 
às assimetrias geradas por certas restrições e imposições comerciais das 
nações de maior potencial econômico, político, e tecnológico, procura 
 
13 Ibidem. 
14 Ibidem. 
15 Idem, p. 44. 
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costurar alianças e acordos alternativos com países e blocos econômicos 
de interesses e estrutura semelhantes aos brasileiros, sem perder o canal 
de comunicação e intercâmbio com os países e blocos de países 
desenvolvidos, naquilo que o ministro denominou de diplomacia “altiva e 
ativa”. O aumento da pauta e volume de exportações brasileiras, 
principalmente nas rotas alternativas de comércio buscadas no governo 
Lula, além dos avanços obtidos em importantes negociações, como a 
Alca, demonstrariam os acertos desta postura, segundo o próprio ministro 
Celso Amorim16. 
A terceira linha de ação estratégica da diplomacia do governo Lula 
se pauta na defesa e fortalecimento do multilateralismo, principalmente 
pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual o 
Brasil articula um assento permanente. Curiosamente, essa linha de ação 
parece ser orientada pelas propostas do atual secretário-geral das 
Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em seu 
ensaio “Quinhentos Anos de Periferia”, escrito em 1998. Nesta obra, 
Guimarães defende a idéia de que o mundo estaria organizado pela lógica 
das estruturas hegemônicas, segundo a qual os países centrais 
(capitalistas desenvolvidos) estabelecem as regras do jogo imposto aos 
países periféricos (menos desenvolvidos), no sentido de manter as formas 
de influência hegemônica17. No contexto do pós-Guerra Fria, os EUA, na 
condição de superpotência no centro das estruturas hegemônicas, 
manteria uma frente de atuação política, militar, econômica e ideológica, 
em especial na América Latina e no Brasil, a fim de ampliar e aprofundar 
 
16 AMORIM, Celso L. N. “Política Externa do Governo Lula: os dois primeiros anos”. 
Observatório Político Sul-Americano/IUPERJ, nº 4, março 2005. Disponível em: 
http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas.php. Acessado em: 27/03/2009. 
17 GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos Anos de Periferia: uma contribuição ao 
estudo de política internacional. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ed. da 
Universidade/UFRGS/Contraponto, 1999, p. 25-39. 
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sua capacidade de influência internacional, no intuito de elevar ainda 
mais seu poder econômico e político, de forma altamente assimétrica18. 
Enquanto as estruturas hegemônicas procuram sua própria 
“preservação e a expansão”, os grandes Estados periféricos – dentre os 
quais, o Brasil – teriam por objetivo “participar dessas estruturas 
hegemônicas – de forma soberana ou não subordinada – ou promover a 
redução de seu grau de vulnerabilidade diante dessas estruturas”19, 
devendo, para isso, unir forças com seus pares, em acordos estratégicos, a 
fim de combater a condição de periféricos e impotentes. Guimarães 
aponta que o momento oportuno para isso se dá pela necessidade de 
reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, defendido pelas 
estruturas hegemônicas a fim de beneficiar potências econômicas como 
Japão e Alemanha, que carecem de poder político internacional de fato; é 
nessa brecha que deveriam atuar os grandes Estados periféricos, 
garantindo que a reforma proposta, ao cabo, congregue entre seus 
membros permanentes representantes das regiões periféricas, 
assegurando, pelo menos em tese, um sistema internacional mais justo20. 
Nesse aspecto, Guimarães advoga que a candidatura do Brasil a um 
assento permanente no Conselho é fundamental para sua inserção 
internacional e a defesa de seus interesses nacionais, na medida em que 
se tornaria sujeito internacional ativo e não apenas de condição 
periférica, subordinado às determinações diversas geradas pelas 
estruturas hegemônicas, obtendo um poder político que nunca lhe foi 
atribuído21. 
 
18 Ibidem, p. 73-102. 
19 Idem, p. 135. 
20 Idem, p. 108-115. 
21 Idem, p. 115-118. 
 
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O pensamento de Guimarães traduz a percepção de que o cenário 
internacional mais benéfico aos interesses brasileiros seria o do mundo 
multipolar, conforme deixou claro em seu discurso de posse ao cargo de 
secretário-geral das Relações Exteriores, em 2003: 
 
A sociedade brasileira tem de enfrentar quatro desafios. 
Reduzir as disparidades de natureza econômica, de 
natureza social, de natureza étnica e de gênero. Desafio 
secular, agora inadiável [...] Eliminar as vulnerabilidades 
externas que constrangem o nosso desenvolvimento 
econômico, político e social é igualmente tarefa inadiável, 
inclusive para poder executar políticas públicas que 
reduzam com eficácia aquelas disparidades. 
Essas vulnerabilidades são econômicas, e sua síntese é o 
elevado déficit em transações correntes; são tecnológicas, 
e se expressam pela necessidade de importar tecnologia 
devido à reduzida geração de inovações; são de natureza 
política, pela ausência do Brasil dos principais centros de 
decisão mundial, como o Conselho de Segurança da ONU 
e o G-8; são de natureza militar, diante da imensidão do 
território e da instabilidade do cenário mundial.22 
 
 
Percebe-se, na fala de Guimarães, um forte posicionamento anti-
hegemônico, que tem, de certa forma, influenciado a diplomacia 
brasileira atual, que ruma em direção à África, Oriente Médio e Ásia, 
sem tirar os olhos dos EUA e da Europa, e tem procurado fortalecer o 
bloco regional de sua preponderância. Acrescente-se que, essa 
preocupação, principalmente em termos de fortalecimento do bloco 
regional, vão ao encontro das propostas de caráter mais partidário do 
governo, em relação à política externa, conforme fica claro em uma 
entrevista concedida pelo assessor da presidência, Marco Aurélio Garcia, 
 
22 Discurso Proferido pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães por ocasião da 
Transmissão do Cargo de Secretário-Geral das Relações Exteriores. Brasília, 
09/01/2003. Disponível em: 
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acessado em: 19/05/2009. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 49 
à agencia de notícias “Carta Maior (Brasil)”, em 2006, da qual foi 
extraído o seguinte trecho: 
 
Carta Maior – Que avaliação o senhor faz da política 
externa do governo Lula? Marco Aurélio Garcia – Acho 
bom o desempenho na área internacional. Nosso objetivo 
fundamental era articular a América do Sul, num primeiro 
momento, para criar uma solidariedade regional. Numa 
conjuntura adversa, tentamos mudar a correlação de 
forças internacional. Pode parecer pretensioso, mas ou se 
aceita passivamente a correlação de forças, ou se tenta 
alterá-la. Nós interviemos para mudar significativamente a 
região. Penso que tivemos sucesso. Hoje há um grande 
número de governos de esquerda e de centro esquerda que, 
embora distintos entre si, buscam pontos de convergência. 
Mesmo administrações mais conservadoras foram 
empurradas para essa diretriz geral de unidade sul-
americana [grifo do autor].23 
 
 
Desta maneira, pode-se constatar que a implementação de um 
projeto de integração sulamericana amplo, que procure congregar 
governos de esquerda e centro-esquerda da região, ao invés de excluir ou 
de afastar-se dos mesmos, atende, ao mesmo tempo, aos anseios da base 
de apoio políticoao grupo que chefia o governo federal e aos objetivos 
que fazem parte da agenda de política externa brasileira há longa data. 
Entretanto, a particularidade da atuação internacional do governo Lula se 
encontra nos rumos da conduta diplomática, que se deslocaram dos eixos 
vertical e diagonal, e tem se intensificado na direção horizontal, na busca 
de parcerias e acordos estratégicos com países da “periferia”, a fim de 
contornar as desigualdades geradas pelas “regras do jogo” arquitetado 
pelas “estruturas hegemônicas”. Esse posicionamento, implícito ou 
 
23 Entrevista concedida pelo assessor especial para assuntos internacionais da 
presidência, Marco Aurélio Garcia, à Agência de Notícias Carta Maior (Brasil). 
Caracas, 07/06/2006. Disponível em: http://www.voltairenet.org/article139857.html. 
Acessado em: 19/05/2009. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 50 
explícito, pode ser compreendido como uma transposição ao campo das 
relações internacionais do conceito gramsciano de hegemonia, conforme 
proposto por Robert W. Cox24. 
 
2. HEGEMONIA E CONTRA-HEGEMONIA 
 
O conceito gramsciano de hegemonia pode ser definido como o 
controle político e ideológico de uma classe social economicamente 
privilegiada (por exemplo, a burguesia, detentora dos meios de produção 
e que é beneficiada pelas relações de produção capitalista). Essa 
hegemonia, baseada no consenso e na coerção, é hegemonia de uma 
classe dominante e não se deve confundir com o governo (a hegemonia 
está na sociedade civil e não no Estado), já que Gramsci apresenta uma 
concepção alargada de Estado, incluído na visão clássica de Estado (o 
governo, o sistema administrativo) a “estrutura política da sociedade 
civil” que influem na constituição da hegemonia (“a Igreja, o sistema 
educacional, a imprensa”25 e outras instituições do gênero). Dessa forma, 
o aparato de exercício da hegemonia da classe dominante está tão 
arraigado na sociedade civil, que é na sociedade civil que se deve efetuar 
a “guerra de posição” a fim de que uma posição “contra-hegemônica” (de 
classes subordinadas) consiga alcançar uma mudança na estrutura social 
(a revolução). 
A hegemonia, portanto, ocorre quando os interesses de um grupo 
(enquanto construção de instituições e formulação ideológica) se tornam 
dominantes em dada organização social; é a junção entre Estado e 
 
24 COX, Robert W. “Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o 
método”. In: GILL, Stephen (org.). Gramsci, materialismo histórico e relações 
internacionais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. 
25 Ibidem, p. 104. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 51 
sociedade civil, a que Gramsci nomeia de “bloco histórico”, que é um 
grupo coeso pela consciência de classe e fortalecido pela organização 
social e política (institucional e ideológica), podendo, ainda, o “bloco 
histórico” ser hegemônico ou contra-hegemônico.26 
Apesar de não ter tido maiores preocupações com o estudo do 
sistema internacional, é profícua a percepção de Gramsci da dicotomia 
entre “centro e periferia” nas relações entre estados. Nessa perspectiva, 
os grupos sociais hegemônicos dos países que compõem o centro do 
sistema capitalista mundial, exerceriam influxo sobre as elites cooptadas 
dos países periféricos – a idéia de países dependentes e de busca da 
autonomia no sistema internacional.27 
Diante da complexidade do sistema internacional, Cox pondera que 
nesse plano, o conceito de hegemonia se assenta na idéia de uma “ordem 
global”, que “não se baseia apenas na regulação dos conflitos 
interestados, mas também numa sociedade civil concebida globalmente, 
isto é, num modo de produção concebido globalmente”. A hegemonia, na 
ordem global, portanto, é exercida pelas potências e, assim, a 
“hegemonia mundial é, em seus primórdios, uma expansão para o 
exterior de uma hegemonia interna (nacional) estabelecida por uma 
classe dominante”. A hegemonia no sistema internacional, nesse sentido, 
seria “uma ordem no interior de uma economia mundial” que afeta a 
estrutura social, política e econômica dos países que a compões, motivo 
pelo qual, na relação entre centro e periferia, a hegemonia é coerente no 
centro e gera contradições na periferia.28 
 
26 Ibidem, p. 111-113. 
27 Ibidem, p. 114-115. 
28 Ibidem, p. 118. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 52 
Nesse sentido, hegemonia não seria o mesmo que imperialismo, 
mas seria algo ligado à idéia de domínio, ou de períodos de domínio 
exercido por uma potência que garantiria o equilíbrio do sistema 
internacional (o período hegemônico) em oposição a períodos em que o 
domínio seria compartilhado ou não definido (multipolaridade; o período 
não-hegemônico). Assim, desde a década de 1960, apresenta-se um 
período de indefinição, marcado por três tendências (a hegemonia, a não-
hegemonia e a contra-hegemonia dos países do em desenvolvimento). 
A relação entre centro e periferia (ou entre os componentes do 
sistema) é regulada pelas organizações internacionais (ONU, OMC, OIT, 
OCDE) que, de forma análoga às instituições que constituem o aparato 
da estrutura de dominação política e ideológica das classes dominantes 
dentro dos estados, tais organizações se constituem na forma institucional 
de legitimação do domínio do sistema internacional pelos países do 
centro do sistema hegemônico global, ou seja, são “mecanismos de 
hegemonia”. Como resultado da forma como se estrutura a ordem global 
hegemônica (os organismos internacionais), Cox constata que a estratégia 
de luta contra-hegemônica (efetuada pelos países periféricos, ou em 
desenvolvimento) nos moldes da guerra de posição, redundaria em 
fracasso (ou na revolução passiva caracterizada pelo “transformismo”29), 
pois essas instituições (as superestruturas do sistema internacional) estão 
 
29 Nas sociedades (européias) em que a hegemonia burguesa ainda não havia se 
estabelecido de fato, ocorreu o que Gramsci caracterizou como “revolução passiva”, que 
podia ser de dois tipos: o cesarismo (quando surge um “homem forte” para ser o árbitro 
entre as forças progressistas e regressistas, sempre pendendo para um dos lados) e o 
transformismo (uma ampla coalizão de interesses, marcada pela cooptação de possíveis 
oposições organizadas); este último, marcado pela assimilação de forças 
revolucionárias, acaba arrefecendo uma transformação social ampla. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 53 
diretamente “vinculadas às classes nacionais hegemônicas dos países 
centrais”.30 
Portanto, acompanhar a visão gramsciana ao estudo das relações 
internacionais, conforme proposto por Cox, nos possibilita perceber que 
o modelo de inserção internacional proposto pelo governo Lula, ao 
advogar o combate às “estruturas hegemônicas” através do 
estabelecimento da cooperação Sul-Sul, como forma de reorganizar a 
geografia econômica mundial, tendo como arena de luta espaços de 
negociação multilateral (como a OMC e a luta contra o protecionismo 
europeu, ou ainda o esforço em lograr um assento permanente no 
Conselho de Segurança da ONU), ao que parece, apresenta um 
voluntarismo em empenhar-se em um movimento “contra-hegemônico”, 
onde os países da periferia do sistema (da cooperação Sul-Sul, que forma 
blocos estratégicos de negociação e parceria) formariam um “bloco 
histórico”. Nesse aspecto, a dificuldade em alcançar resultados 
favoráveis em algumas negociações em órgãos multilaterais também 
pode, ainda, serexplicada pela idéia da “revolução passiva”, onde as 
forças anti-hegemônicas seriam assimiladas pelo sistema. 
Ademais, essa conotação ideológica existente na formulação de 
política externa do atual governo tem gerado interpretações divergentes 
por parte dos analistas da diplomacia do governo Lula, que demonstram a 
pluralidade de percepções entre a intelectualidade nacional acerca do 
papel internacional do Brasil. 
 
3. PERSPECTIVAS CONTRADITÓRIAS: A VOZ DOS 
ANALISTAS 
 
30 COX, op. cit., p. 120-121. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 54 
 
Desde o início do governo Lula, alguns especialistas em relações 
internacionais de matriz diversa têm feito projeções analíticas em torno 
das propostas de política externa apresentadas. Os diferentes olhares 
lançados sobre a conduta diplomática do atual governo, de uma maneira 
geral, têm procurado traçar perspectivas comparativas entre os governos 
Lula e FHC, no sentido de captar rupturas e continuidades, avanços e 
retrocessos, ou, de outra forma, têm por objetivo averiguar a coerência 
entre as intenções anunciadas e as ações efetivas em política externa, ao 
longo do mandato presidencial, a fim de traçar as características da 
conduta diplomática brasileira contemporânea. Nesse processo, 
proliferam interpretações divergentes, que abarcam posições favoráveis, 
contrárias ou apenas analíticas sobre a diplomacia do governo Lula. 
Um dos defensores das tendências apresentadas pela política 
externa contemporânea é Amado Luiz Cervo, editor da “Revista 
Brasileira de Política Internacional”, periódico acadêmico que tem 
congregado pesquisadores universitários que há algum tempo se ocupam 
do estudo das relações internacionais do Brasil. Ao traçar comparações 
entre a política exterior de FHC e Lula, Cervo se posiciona claramente 
vinculado ao pensamento de esquerda, na medida em que critica os 
rumos da diplomacia de Cardoso que, envolta pelo “idealismo kantiano 
da paz e cooperação [...] de um mundo ideal, regulado com legitimidade 
pelas instituições multilaterais”, em uma espécie de “fé” numa “ordem 
global feita de regras transparentes, justas e respeitadas por todos”, 
acabou transformando a década de 1990 na “década das ilusões”31. A 
 
31 CERVO, Amado Luiz. “Editorial - A Política Exterior: de Cardoso a Lula”. Revista 
Brasileira de Política Internacional, vol. 46, nº 01, jan-jun 2003, p. 5-11. Disponível 
em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a01v46n1.pdf. Acessado em: 23/05/2009. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 55 
confiança excessiva na “boa vontade” dos países ricos em instituições 
(G7, FMI e Banco Mundial) e órgão multilaterais (Gatt-OMC) 
responsáveis pelo controle dos fluxos financeiros e regulação do 
comércio internacional, a prioridade secundária conferida à integração 
regional da América do Sul, a relação de privilégio com os EUA e a 
busca de aproximação com a Unia Européia, demonstram que a política 
externa de Cardoso coordenou esforços em direção ao Primeiro Mundo, o 
que, para Cervo, significou o rompimento com “a tradição democrática e 
universalista da ação externa brasileira”, que só seria recuperada com o 
governo Lula32. 
Essa opção pelo Primeiro Mundo, por parte do governo FHC, 
transformou o comércio de “promotor da produção interna” e de “capital 
para os serviços da dívida”, em “variável dependente da estabilidade dos 
preços”, o que provocou o aumento do fluxo de capitais e da dependência 
financeira, além da dependência empresarial e tecnológica, altamente 
maléficas para a economia nacional. Cervo entende que essa estratégia 
faz parte da cartilha neoliberal estabelecida pelo “Consenso de 
Washington”, que determina a abertura econômica e a redução das 
atribuições do Estado, e aponta que Cardoso implementou uma “abertura 
como estratégia sem estratégia de inserção interdependente”, o que 
acirrou a vulnerabilidade externa brasileira33. Por sua vez, o governo 
Lula apresenta uma mudança de modelo de inserção internacional, a 
partir de “quatro linhas de força”: a) recuperação do universalismo e do 
bilateralismo, em uma diplomacia que procura maiores interlocuções 
com países africanos, asiáticos e árabes, se comparado ao anterior; b) 
 
 
32 Ibidem. 
33 Ibidem. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 56 
prioridade estratégica à integração dos países da América do Sul; c) 
combate às dependências estruturais e instrumentalização da política 
externa em prol do desenvolvimento nacional; d) manutenção do 
acumulado histórico, principalmente o compromisso com a “ideologia 
desenvolvimentista”34. 
Ao tratar da questão do modelo de inserção internacional, Cervo 
trabalha com a idéia de transição de paradigmas e política externa 
brasileira, desde o “paradigma liberal-conservador” – que predominou, 
no Brasil, da independência até a Revolução de 1930 –, até o “paradigma 
logístico”, que caracteriza o governo Lula35. O “paradigma logístico” 
seria uma espécie de associação entre liberalismo e desenvolvimentismo, 
cujo foco consiste em “dar apoio logístico aos empreendimentos, o 
público e o privado, de preferência o privado, com o fim de robustecê-lo 
em níveis comparativos internacionais”36. De acordo com Cervo, o 
“governo Lula se afasta da fé na capacidade do livre mercado de prover 
por si o desenvolvimento”37, e tem, por isso, avançado no sentido de 
fortalecer o Mercosul, aproximar-se de países emergentes como Índia, 
Rússia, China e África do Sul, apresentando positiva, embora lenta, 
progressão no sentido de internacionalização econômica das empresas 
nacionais, como Vale do Rio Doce, Gerdau e Petrobrás38, com o objetivo 
de diluir a vulnerabilidade externa, superando as assimetrias 
internacionais, buscando “elevar o patamar nacional ao nível das nações 
avançadas”. 
 
34 Ibidem. 
35 CERVO, Amado Luiz. Inserção Internacional e Política Externa: formação dos 
conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 67. 
36 Ibidem, p. 86. 
37 Ibidem, p. 88. 
38 Ibidem, p. 89. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 57 
Assim como Cervo, Paulo Gilberto Fagundes Vizentini, procura 
traçar um parâmetro entre as políticas externas de Lula e de FHC, e 
pontua que a política externa do governo Lula apresenta três dimensões: 
“uma diplomacia econômica, outra política e um programa social”39. A 
primeira dimensão se caracteriza pelo desejo de cumprir os 
compromissos internacionais (dívida externa), a fim de não gerar 
rupturas no plano internacional. A segunda dimensão é mais ousada, 
sendo marcada pela defesa dos interesses nacionais dentro de um projeto 
de desenvolvimento, de caráter empreendedor. A última diz respeito ao 
engajamento particular do governo Lula no combate à desigualdade 
social que, em ações efetivas, se traduz na campanha contra a fome 
mundial em órgãos multilaterais. Para Vizentini, todas essas dimensões 
denotam o protagonismo do Brasil na cena internacional. 
Ainda mais incisivo, no que tange à defesa da conduta diplomática 
do governo Lula, é o posicionamento de José Flávio Sombra Saraiva que, 
ao advogar um programa de ação internacional voltado para o continente 
africano, efetua duras críticas à atuação externa do governo FHC, que 
acabou se afastando dos paises africanos40. Saraiva entende que o Brasil 
“parece ter transitado entre parâmetros confusos, em política externa, nos 
anos 1990”, cometendo“equívocos de substância” – abertura econômica 
e políticas monetaristas como “vetores de política externa”, além da 
retirada do caráter empreendedor do Estado – e “equívocos de meios – 
 
39 VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa 
(1995-2005)”. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, jul-dez 2005, p. 381-397. 
Disponível em: 
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9/1602. 
Acessado em: 23/05/2009. 
40 SARAIVA, José F. S. “Política exterior do Governo Lula: o desafio africano”. 
Revista Brasileira de Relações Internacionais. Vol. 45, nº 02, jul-dez 2002, p. 5-25. 
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v45n2/a01v45n2.pdf. Acessado em: 
23/05/2009. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 58 
como a crença kantiana e idealista da diplomacia de Cardoso nos foros 
multilaterais”41 –. Dessa forma, para Saraiva, o programa de relações 
internacionais formulado pela equipe do governo Lula parte da percepção 
da “necessidade de rever o padrão de inserção internacional do Brasil”, 
tendo sempre em perspectiva os “novos desafios gerados pela 
globalização, pela interdependência global, [...] pelo protecionismo das 
potências avançadas, pelos Estados Unidos em sua inclinação unilateral e 
imperial”42. Nesse panorama, a atenção conferida a regiões periféricas, 
como a África, 
 
[...] não seria apenas um ato de fé, mas o resultado de dois 
cálculos: um político e outro econômico. Politicamente, ela 
serve para reforçar a idéia de que o Brasil ainda tem um 
projeto cooperativo Sul-Sul, mas em outras bases, a 
engendrar alguma liderança nas novas rodadas de 
negociação de temas globais, na reformulação do Conselho 
de Segurança das Nações Unidas [...] Além disso, uma 
política africana bem concertada com seus parceiros do 
outro lado pode constituir instrumento de barganha na 
vontade de reorientação do eixo diplomático de temas como 
o terrorismo para outros temas, mais construtivos e de 
interesse mútuo do Brasil e do continente africano, como o 
desenvolvimento sustentável e a cooperação Sul-Sul.43 
 
 
Apesar das críticas endereçadas à política de FHC, há, entre os 
defensores da diplomacia do governo Lula, aqueles que apontam 
continuidades entre a atuação externa brasileira durante os dois governos. 
Este é o caso de Alcides Costa Vaz que, no intuito de averiguar as 
especificidades da diplomacia do governo Lula, compreende que esta 
mantém os objetivos e características da política externa brasileira do 
governo FHC, diferenciando-se apenas no que tange às estratégias 
 
41 Ibidem. 
42 Ibidem. 
43 Ibidem. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 59 
implementadas para o alcance dos mesmos, como é o caso da prioridade 
conferida à integração sulamericana e a “atuação mais assertiva e pró-
ativa na defesa de interesses nacionalmente definidos”44. Entretanto, há 
alguns pesquisadores que, de forma oposta, colocam em xeque as 
inovações propostas pela equipe formuladora da política externa 
brasileira do atual governo, como é o caso de Eduardo Viola e José 
Augusto Guilhon Albuquerque. 
Partindo da constatação de que no mundo contemporâneo prevalece 
o “sistema internacional de hegemonia da democracia de mercado”, 
Eduardo Viola entende que “a ascensão dos países no sistema 
internacional está correlacionada com o aumento da interdependência 
com os centros mais dinâmicos da economia mundial” devido à 
“superioridade do modelo explicativo liberal-neoclássico” sobre o 
“modelo marxista-dependentista”45. Nesse sentido, seria preciso que o 
Brasil completasse seu processo de modernização política e econômica, a 
fim de tornar-se uma “democracia de mercado consolidada”, adequando-
se, assim, às realidades do mundo contemporâneo; tal concepção 
encontra entraves “epistemológicos e culturais” que estão enraizados em 
setores da sociedade brasileira, como, por exemplo, o antiamericanismo, 
o superdimensionamento do papel do Estado em detrimento do papel do 
mercado na organização sócio-econômica e a delimitação do interesse 
 
44 VAZ, Alcides Costa. “O Governo Lula: uma nova política exterior?”. In: 
BRIGADÃO, Clóvis e PROENÇA Jr., Domingos (Org.). O Brasil e a conjuntura 
Internacional – Paz e Segurança Internacional. Rio de Janeiro: Gramma: Fundação 
Konrad Adenauer, 2006, p. 85-96. 
45 VIOLA, Eduardo. “A diplomacia da marola”. Primeira Leitura, nº 50, abril 2006, p. 
90-93. Disponível em: http://www.imil.org.br/artigos/a-diplomacia-da-marola/. 
Acessado em: 23/05/2009. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 60 
nacional a partir de preceitos mais normativos que realistas46. Imbuído 
dessa compreensão, Eduardo Viola argumenta que 
 
A política externa do governo Lula é um desvio com 
relação à convergência com as democracias de mercado 
consolidadas do governo FHC e expressa os obstáculos 
culturais acima enunciados para completar a modernização 
da política externa brasileira: prioridade regional para 
América do Sul, China, África, Rússia, Índia e o mundo 
árabe; negligência das relações com as democracias de 
mercado (NAFTA, União Européia e Japão); concentração 
no objetivo irrealista e de limitado valor de tornar-se 
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, 
em vez de prosseguir o objetivo realista e consoante com o 
interesse nacional de tornar-se membro da OCDE 
[Organização de Cooperação e Desenvolvimento 
Econômico]; rejeição da ALCA e apoio aos regimes 
antiamericanos de Cuba e da Venezuela, com incursões 
esporádicas numa retórica antiamericana; e constantes 
declarações irrealistas da intenção de mudar a geografia 
econômica e comercial do mundo e liderar a luta contra a 
fome. A política externa do governo Lula é dissonante com 
o lugar do Brasil no mundo, como democracia de mercado 
em consolidação.47 
 
 
É nítido que, para Eduardo Viola, a inserção internacional 
brasileira deve, antes, buscar acomodar-se ao sistema internacional 
dominado pelas “estruturas hegemônicas”, do que tentar articular uma 
correlação de forças com países em desenvolvimento a fim de superar as 
assimetrias existentes, o que contrasta diretamente com as propostas de 
política externa formuladas pela equipe do governo Lula. 
Por sua vez, José Augusto Guilhon Albuquerque propõe que o 
governo Lula, ao formular a política externa brasileira, procura atender às 
“demandas de setores internos da coalização governamental” em 
detrimento da mudança sistêmica ocorrida no contexto internacional. 
 
46 Ibidem. 
47 Ibidem. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 61 
Exemplo disso seria a recusa governamental em corroborar a resolução 
da OEA que caracteriza as FARC como movimento terrorista, pois as 
“relações privilegiadas do PT com o movimento guerrilheiro e a ojeriza 
dos setores nacionalistas das Forças Armadas com relação à política 
americana consubstanciada no Plano Colômbia”, seriam mais relevantes 
do que as transformações no contexto internacional geradas pelo impacto 
dos ataques terroristas do 11 de setembro, que redimensionaram o 
combate mundial ao terrorismo48. Da mesma forma, a proposta de 
obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU 
atenderia apenas a setores governistas, pois, segundo Albuquerque, não 
tem razão de ser devido à “capacidade residual de ação sistêmica” e à 
“escassa capacidade de mobilização de recursos para projeção externa de 
poder”, inerentes ao Brasil, só passível de ser explicada, talvez, devido ao 
voluntarismopresidencial, o que leva Albuquerque à hipótese de que o 
governo Lula desconsidera “o contexto internacional na formulação dos 
objetivos, na escolha dos meios e na execução das ações de política 
externa”49. 
Além de setores da comunidade acadêmica, a conduta diplomática 
do governo Lula tem suscitado críticas de representantes (ou formadores) 
da opinião pública, como, por exemplo, o jornalista Carlos Alberto 
Sardenberg que, em um artigo publicado na revista “Exame”, em 2005, 
intitulado “As más alianças de Lula”, teceu considerações mordazes com 
relação à proposta de estabelecimento da cooperação “Sul-Sul”, pelo 
governo, como estratégia de desenvolvimento e incremento da pauta de 
 
48 ALBUQUERQUE, José A. G. “O governo Lula em face dos desafios sistêmicos de 
uma ordem internacional em transição”. Carta Internacional, vol. 01, nº 01, março 
2006, p. 13-21. Disponível em: 
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/assets/docs/CartaInter_2006-01.pdf. 
Acessado em: 23/05/2009. 
49 Ibidem. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 62 
exportações50. Sardenberg utiliza dados estatísticos para comprovar que 
os países ricos (EUA e Europa), são o maior destino de exportação e 
fonte de dinamização econômica e, por outro lado, os países em 
desenvolvimento têm uma participação irrisória na pauta comercial 
brasileira em termos globais. Acrescentando-se a isso o fato de que a 
convergência de interesses entre países periféricos é menor do que a 
competição por mercados e a tendência protecionista, o jornalista conclui 
que “se o objetivo da diplomacia brasileira é melhorar a posição do país 
na geografia mundial, então deveria concentrar-se na Alca e no acordo 
com a União Européia, pois estaria aí envolvendo quase 70% das 
exportações brasileiras”, motivo pelo qual protesta: “política externa não 
é para amadores nem para ideólogos do Sul. Estes partem de um 
equívoco central: acham que, reunindo um pobre, dois pobres, três 
pobres, isso forma um rico”51. 
Dentre os opositores à política externa do governo Lula, destaca-se 
Celso Lafer, que foi Ministro das Relações Exteriores do governo FHC, 
cujas opiniões tem sido veiculadas por meios de imprensa, como o jornal 
“O Estado de São Paulo”. Em uma de suas declarações veiculadas pelo 
referido periódico, por ocasião das eleições de 2006, o ex-ministro 
caracterizou a diplomacia do governo Lula como cheia de erros e 
equívocos, pois “tem se dado com sobreposição dos aspectos ideológicos 
do Partido dos Trabalhadores, sobre o enfoque de inserção econômica do 
Brasil” como, por exemplo, o “afastamento do Brasil dos Estados Unidos 
 
50 SARDENBERG, Carlos Alberto. “As más alianças de Lula”. Exame, São Paulo: nº 
843, 25/05/2005. Disponível em: 
http://portalexame.abril.com.br/degustacao/secure/degustacao.do?COD_SITE=35&CO
D_RECURSO=211&URL_RETORNO=http://portalexame.abril.com.br/economia/m00
44101.html. Acessado em: 23/05/2009. 
51 Ibidem. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 63 
e a aproximação ao governo da Venezuela, de Hugo Chavez”52. Em 
artigo publicado em 2007, no mesmo jornal, Lafer fez um balanço das 
ações diplomáticas do governo Lula, concluindo que “uma das graves 
falhas da diplomacia da Presidência Lula é a inadequação e falta de 
sincronia com que os seus operadores manejam relevância, protagonismo 
e liderança”53. Para Lafer, ao definir a agenda de política externa, um 
governo deve tomar cuidado com o risco de superestimar-se ou 
subestimar-se devendo, para isso, diferenciar bem relevância (capacidade 
de influir sobre um tema da agenda internacional), protagonismo 
(atuação pró-ativa no cenário internacional) e liderança (potencial de 
articulação no sentido de convergir interesses de atores internacionais em 
ações estratégicas)54. Nesse aspecto, faz a seguinte constatação: 
 
[...] O Brasil, por suas características, é relevante no campo 
do meio ambiente e da mudança climática. Não tem sido 
nem protagônico nem exercido liderança nesta matéria [...] 
O Brasil tem sido protagônico no empenho em buscar um 
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e 
em promover a conclusão da Rodada Doha da OMC. Não 
logrou, até agora, comprovar a sua relevância no campo da 
segurança, para obter o almejado assento permanente. O 
protagonismo no âmbito da OMC não redundou, até o 
presente momento, numa liderança apta a conciliar os 
interesses nacionais e os do G-20 com os interesses dos 
demais numa visão estratégica apta a levar a bom termo a 
Rodada Doha [...] O mesmo vem ocorrendo no âmbito 
regional sul-americano, outro tema central da Presidência 
Lula. Neste âmbito o Brasil é relevante, tem tido 
protagonismo, mas não logrou uma liderança de cunho 
estratégico capaz, nas difíceis condições atuais, de construir 
 
52 O ESTADO DE SÃO PAULO. Reeleição de Lula aprofundará erros em política 
externa. São Paulo: 21 jun. 2006. Cidades. Disponível em: 
http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2006/not20060621p58192.htm. Acessado 
em: 25/05/2009. 
53 LAFER, Celso. “Novas variações sobre política externa”. O Estado de São Paulo. 
São Paulo: 16 dez. 2007. Opinião. Disponível em: 
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20071216/not_imp96655,0.php. Acessado 
em: 25/05/2009. 
54 Ibidem. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 64 
uma noção de interesse sul-americano compatível com o 
interesse nacional [...]55 
 
 
Percebe-se, nas colocações de Lafer, que seus ataques se 
direcionam, a um só tempo, ao posicionamento ideológico e à atuação do 
governo Lula em relações internacionais. Assim como Lafer, os analistas 
apartidários, procuram contrapor as intenções declaradas com as ações 
e/ou possibilidades de ação no cenário internacional sem, contudo, 
defender ou atacar o governo, da mesma forma que o fazem os 
apologistas ou opositores declarados. 
Essa percepção da multiplicidade de opiniões expressa nos 
trabalhos dos analistas da diplomacia brasileira atual, é dada pelo 
diplomata Paulo Roberto de Almeida, que sistematiza essas posições 
contraditórias em três grupos: as “vozes autorizadas”, os “aliados ou 
simpatizantes” e os “independentes ou críticos”, no qual se inclui56. O 
último grupo é formado tanto pelos opositores declarados – que acusam o 
governo de “terceiro-mundismo” tardio – quanto pelos “acadêmicos 
neutros” – que expõem os obstáculos da realidade do cenário 
internacional aos propósitos “mudancistas” do governo –; nessa 
dinâmica, Almeida identifica que a grande inovação da política externa 
do governo Lula seria o fato de que “pela primeira vez na história da 
diplomacia brasileira, a palavra e a ação governamental nesse campo já 
não recolhem consenso da sociedade e da própria diplomacia 
 
55 Ibidem. 
56 ALMEIDA, Paulo Roberto de. “Uma nova ‘arquitetura’ diplomática? – Interpretações 
divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)”. Revista Brasileira 
de Política Internacional, vol. 49, nº 01, 2006. Disponível em: 
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1603arquitetdiplom.pdf. Acessado em: 
21/04/2009. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 65 
profissional”, conforme ficou nítido na campanha à sucessão presidencial 
de 2006, que colocou a atuação internacional brasileira em debate57. 
A falta de consenso social e diplomático sobre as proposições de 
inserção internacional do governo se deve, em grande medida, ao fato de 
coexistir, no interior do Itamaraty, duas correntes que possuem 
concepções próprias sobre o modelo de inserção internacionala ser 
implementado pelo Brasil: a corrente autonomista (ou nacionalista), que 
prevalece de forma hegemônica no MRE atualmente, e a corrente liberal, 
que prevaleceu na equipe ministerial do governo FHC, conforme 
demonstra Miriam Gomes Saraiva: 
 
A primeira defende uma projeção mais autônoma do Brasil 
na política internacional; tem preocupações de caráter 
político-estratégico dos problemas Norte/Sul; dá maior 
destaque à perspectiva brasileira de participar do Conselho 
de Segurança das Nações Unidas; prioriza as relações de 
cooperação Sul-Sul e busca maior liderança brasileira na 
América do Sul [...] A segunda, sem abrir mão das 
reivindicações da primeira, procura dar maior importância 
ao apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência. 
Defende a idéia de uma inserção internacional do país a 
partir de uma soberania compartilhada [...] busca na 
América do Sul uma liderança mais discreta.58 
 
 
Entretanto, o fato de que uma ou outra corrente se tornou 
predominante entre este ou aquele governo, não deve ofuscar o fato de 
que, tanto atualmente quanto outrora, ambas as posições convivem no 
Ministério das Relações Exteriores e no governo. É no limite entre essas 
 
57 Ibidem. 
58 SARAIVA, Miriam Gomes. “O segundo mandato de Lula e a política externa: poucas 
novidades”. Carta Internacional, vol. 02, nº 01, março 2007, p. 22-24. Disponível em: 
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/index.php?id=70. Acessado em: 
27/03/2009. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 66 
duas posições que parece se situar o pensamento de Paulo Roberto de 
Almeida. 
Participante ativo do debate acadêmico e governista sobre a 
inserção internacional brasileira, Almeida procura apreender, de forma 
crítica, os desdobramentos e possibilidades da diplomacia brasileira 
contemporânea, colocando, por vezes, os dois modelos de inserção 
apresentados em perspectiva, apontando que enquanto FHC colocava as 
prioridades econômicas antes de tudo, “o novo governo assume suas 
prioridades políticas em primeiro lugar”, diferenciando-se do 
“conformismo” do governo anterior que aceitava o mundo tal qual ele se 
apresentava59. De aspecto “voluntarista”, o governo Lula deseja mudar o 
mundo, não se opondo à participação nacional na ordem global, desde 
que seja preservada a soberania nacional. 
Entretanto, ao fazer um balanço dos resultados alcançados pela 
diplomacia ao longo do primeiro mandato da presidência de Lula da 
Silva, Almeida chama atenção para o fato de que esta pode ser delimitada 
por duas linhas de ação: a configuração de uma “presença soberana no 
mundo” e a construção de “forte integração continental”, que possuem o 
agravante de serem objetivos auto-excludentes, de difícil conciliação, na 
medida em que “a busca de maior integração regional se contrapõe, na 
prática, à preservação da soberania nacional, uma vez que aquela implica, 
ipso facto, a diminuição desta”60. Por essa razão, a atuação externa 
 
59 ALMEIDA, Paulo Roberto. “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo 
Lula”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 47, nº 01, Jun. 2004, p. 162-
184. Disponível em: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1260PExtLula.pdf. 
Acessado em: 21/04/2009. 
60 ALMEIDA, Paulo Roberto de. “A diplomacia do governo Lula em seu primeiro 
mandato: um balanço e algumas perspectivas”. Carta Internacional, vol. 02, nº 01, 
março 2007, p. 03-10. Disponível em: 
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/index.php?id=70. Acessado em: 
27/03/2009. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 67 
brasileira, na atual gestão governamental, tem alcançado poucos 
resultados e lentos avanços em pautas de sua agenda, como a reforma do 
Conselho de Segurança da ONU, o reforço do Mercosul e a integração 
regional (devido à dificuldade de convergência de interesses entre os 
países sulamericanos), e o combate às assimetrias econômicas em foros 
multilaterais de negociação, como a OMC (onde o G-20, ao coordenar 
ações brasileiras com paises como China e Índia, pode tornar as posições 
nacionais defensivas e restritivas, o que seria ruim) e as negociações 
entre o Mercosul e a União Européia (que tem encontrado dificuldades 
no protecionismo europeu “em matéria de agricultura”)61. Entretanto, 
Almeida não deixa de registrar o protagonismo presidencial em buscar 
traçar alianças estratégicas com países periféricos (como China, Rússia, 
Índia, países africanos e árabes) e movimentar vários países e órgãos 
multilaterais em prol da resolução de problemas sociais de nível 
internacional (como o programa mundial de combate à fome)62. 
Outra figura vinculada ao ofício diplomático, que tem analisado a 
conduta internacional do governo Lula, desde seu início, é Luiz A. P. 
Souto Maior. Em seu prognóstico, Souto Maior tem procurado 
demonstrar até onde as concepções diplomáticas brasileiras são coerentes 
com o cenário internacional vigente, sempre apontando alternativas 
viáveis ao alcance dos objetivos brasileiros em política externa. 
Observando as atitudes e intenções do governo Lula, Souto Maior afirma 
que “a política externa do atual governo optou por uma linha de defesa 
ativa dos interesses e da soberania nacionais, o que implica trabalhar 
também por uma ordem internacional mais justa e eqüitativa” 
(consubstanciado na defesa da reforma do Conselho de Segurança da 
 
61 Ibidem. 
62 Ibidem. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 68 
ONU e nas negociações comerciais em órgão multilaterais), além do 
empenho em integrar a região sulamericana com marcada liderança 
brasileira63. 
Em um mundo caracterizado pela oscilação entre a adoção de um 
sistema unipolar liderado pela potência hegemônica (os EUA, 
principalmente em termos militares e, em certo aspecto, políticos) e do 
sistema multipolar (beneficiado pela ausência de hegemonia 
internacional em termos econômicos), o Brasil, na condição de “potência 
média”, integra um grupo que “busca transformações que levem, pelo 
menos, ao multipolarismo do poder e ao multilateralismo das decisões”, 
o que leva à constatação de que a diplomacia brasileira optou “por uma 
política externa de potência emergente”, que entra em choque com os 
anseios hegemônicos norte-americanos e dos países que vêem benefícios 
nesses anseios64. 
Partindo dessa premissa, Souto Maior aponta três problemas 
possíveis: 1º - o perigo de, ao alinhar-se de forma estratégica às 
reivindicações de países de mesmo porte internacional, chocar-se com os 
interesses da potência hegemônica e de seus aliados; 2º - a dificuldade 
em conciliar os interesses dos países do Cone Sul em torno da integração 
regional e da liderança brasileira na região, de forma aceitável; 3º - o 
risco de a proposição de liderança regional e de defesa do sistema 
multipolar atrair a oposição norte-americana aos interesses nacionais65. 
Essa situação tem levado, em grande medida, os EUA a deixarem um 
pouco de lado a proposta de criação da Alca, devido ao impasse à sua 
 
63 SOUTO MAIOR, Luiz A. P. “Desafios de uma política externa assertiva”. Revista 
Brasileira de Política Internacional, vol. 46, nº 01, jun. 2003, p. 12-34. Disponível em: 
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a02v46n1.pdf. Acessado em: 23/05/2009. 
64 Ibidem. 
65 Ibidem. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 69 
implementação efetiva, adotando a estratégia de estabelecer acordos 
bilaterais com países da região, em termos semelhantes à Associação de 
Livre Comércio ofertada,fato que, conjugado com a divergência de 
interesses e percepções entre o Brasil e seus vizinhos, acabaria minando a 
possibilidade de a integração sulamericana, nos moldes estabelecidos 
pelo Mercosul e a Comunidade Sul-Americana de Nações, alcançar 
grande êxito; o que leva Souto Maior a propor que o governo brasileiro 
adote postura semelhante à norte-americana e fortaleça os acordos 
bilaterais com os países de seu entorno, a fim de garantir certa liderança 
regional e a defesa de seus interesses66. 
Essa concepção de “potência emergente” ou “potência média”, é 
tratada de forma semelhante por Maria Regina Soares de Lima, que 
trabalha com a idéia de “país intermediário”, termo que só alcança 
legitimidade e aplicabilidade a partir de seu “significado social”67. Mais 
complexo do que a questão da potencialidade e recursos ou aspiração e 
autoprojeção de uma nação como “país emergente”, o “significado 
social” diz respeito ao “reconhecimento por parte dos outros estados, 
tanto dos mais poderosos, como dos semelhantes”, da condição de um 
país como “emergente/intermediário” no cenário internacional68. Nesse 
sentido, é possível compreender o protagonismo brasileiro em chefiar a 
missão de paz no Haiti, coordenar o foro IBAS, atuar de forma engajada 
na OMC a partir do G-20, levantar a bandeira da cooperação Sul-Sul, 
 
66 SOUTO MAIOR, Luiz. A. P. “O Brasil e o regionalismo continental frente a uma 
ordem mundial em transição”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 49, nº 
02, dez. 2006, p. 42-59. Disponível em: 
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v49n2/a03v49n2.pdf. Acessado em: 23/05/2009. 
67 LIMA, Maria Regina Soares de. “Brasil como país intermédio: imprecisión 
conceptual y dilemas políticos”. In: J.G.Tokatlián (comp.), India, Brasil y Sudáfrica. El 
impacto de lãs nuevas potencias regionales. Buenos Aires, Libros Del Zorzal, 2007. 
p.169-190. 
68 Ibidem. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 70 
empenhar-se no fortalecimento do Mercosul e na integração regional, 
defender o estabelecimento do acordo entre Mercosul-União Européia, 
aprofundar contatos com países africanos, integrar o G-4 (Brasil, 
Alemanha, Japão e Índia) em prol da reforma do Conselho de Segurança 
das Nações Unidas; essas medidas e outras semelhantes dar-se-iam no 
sentido de obter o “reconhecimento” externo da condição de “país 
intermediário”. 
De igual forma, a dificuldade em se alcançar o status de “país 
intermediário” de forma inconteste, no caso brasileiro, se dá devido aos 
seguintes fatores: desconfiança, por parte dos países da América do Sul, 
com relação às pretensões brasileiras em destacar-se como líder regional; 
as pretensões norte-americanas na região sulamericana, que vão de 
encontro aos objetivos das propostas de integração tal como elaboradas 
pelo Mercosul; a falta de consenso com a Argentina nas propostas de 
reforma do Conselho de Segurança da ONU; o “crescente protagonismo 
de Hugo Chavez” na América do Sul. Além desses fatores externos, 
Lima destaca que são necessárias duas “condições domésticas” para a 
configuração da situação de país intermediário: “a existência de uma 
aspiração nesse sentido e a capacidade das elites governamentais de 
mobilizar recursos para esta finalidade”69; conforme o exposto até aqui, 
estas duas características integram a formulação da conduta diplomática 
em questão. 
Esta perspectiva de conjugação entre política externa e situação 
doméstica está presente, ainda, no balanço que Lima faz da repercussão 
que a política externa do governo Lula causou nos debates eleitorais de 
2006, em que foi acusado pela oposição de privilegiar o relacionamento 
 
69 Ibidem. 
Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações divergentes 
 71 
com países em desenvolvimento em detrimento das relações com países 
ricos: 
 
De certo modo, a polêmica eleitoral em torno da direção 
da política externa esteve fora do lugar. As relações com o 
mundo desenvolvido não foram abandonadas em razão da 
ênfase conferida aos países do Sul. O que não se observou 
de fato foi a busca de exclusividade ou aliança preferencial 
com um lado ou com o outro, até porque há muito a 
política externa abandonou a idéia de alianças 
preferenciais ou automáticas, exatamente pelas 
características estruturais da distribuição equilibrada do 
comércio do País com as quatro macrorregiões: União 
Européia, América do Norte, Ásia e América do Sul. O 
que, sim, ocorreu foi um esforço em incentivar o 
relacionamento com os países do Sul e mesmo de retomar 
relações tradicionais, praticamente abandonadas no 
governo anterior, como com a África, por exemplo.70 
 
 
Essa percepção é reforçada por Ricardo Seitenfus em seu 
diagnóstico sobre as relações internacionais do Brasil. Na condição de 
defensor da atuação externa do governo Lula, Seitenfus destaca o 
“equilíbrio do atual relacionamento externo brasileiro”, perceptível no 
aumento da pauta e volume de exportação brasileira no período de 
governo da presidência Lula da Silva e, principalmente, na atenção 
conferida pela “diplomacia presidencial” de Lula a todos os quadrantes 
do mundo – e não apenas aos países desenvolvidos ou do entorno 
regional – naquilo que configura como sendo a “dimensão mundial da 
política externa brasileira” pois, o protagonismo presidencial junto a 
países em desenvolvimento, não significou descaso com os países 
 
70 LIMA, Maria Regina Soares de (2006). Decisões e Indecisões: um balanço da 
política externa do primeiro governo do presidente Lula. Rio de Janeiro, Observatório 
de Política Sul-Americana/Iuperj. Disponível em: 
http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas.php. Acessado em: 27/03/2009. 
 Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010 72 
industrializados e os da região sulamericana71. Conclusão semelhante 
apresenta Cristina Soreanu Pecequilo ao tratar do tema, pois, de acordo 
com esta, a política externa de Lula não se caracteriza pela aproximação 
de países emergentes e pelo afastamento de países com quem o Brasil 
mantém relações tradicionais (EUA, países europeus), conforme 
protestam os seus opositores, mas sim, destaca-se pela capacidade de 
“combinação dos eixos horizontal e vertical” que, entre outros fatores, 
apresenta a vantagem de aumentar o “poder de barganha frente ao eixo 
vertical e os EUA” em negociações estratégicas, e conclui: “essa 
coadunação dos eixos tem se provado essencial para a recuperação do 
status como potência média emergente, permitindo revitalizar tradições e 
encontrar espaços diferenciados de atuação”72. 
A busca por “espaços diferenciados de atuação”, seria aquilo que 
Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni denominaram de “autonomia pela 
diversificação”, termo definidor da diplomacia de Lula, caracterizada 
como sendo 
 
[...] a adesão do país aos princípios e às normas 
internacionais por meio de alianças Sul-Sul, inclusive 
regionais, e de acordos com parceiros não tradicionais 
(China, Ásia-Pacífico, África, Europa Oriental, Oriente 
Médio, etc.), pois acredita-se que eles reduzem as 
assimetrias nas relações externas dos países mais 
poderosos e aumentam a capacidade negociadora 
nacional.73 
 
71 SEITENFUS, Ricardo. “O Brasil e suas relações internacionais”. Carta Internacional, 
vol. 02, nº 01, março 2007, p. 11-21. Disponível em: 
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/index.php?id=70. Acessado em: 
27/03/2009. 
72 PECEQUILO, Cristina Soreanu. “A política externa do Brasil no século XXI: os 
eixos combinados de cooperação horizontal e vertical”. Revista Brasileira de Política

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