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© Direitos reservados à Editora ATHENEU Endocardite Infecciosa 10 Guilherme Sobreira Spina Introdução A endocardite infecciosa é uma doença grave e potencialmente fatal, resultante da invasão de microrganismos em tecido en- docárdico ou material protético. A primeira descrição de quadro clínico sugestivo de en- docardite data de 1646, por Lazare Reviere.1 A maioria dos casos de endocardite em nosso meio encontra correlação com a doença valvar reumática, como demonstra- do na Figura 10.1. A redução da incidência de febre reumática (FR) em países desenvol- vidos proporcionou aumento da incidência da infecção endocárdica em portadores de prolapso valvar mitral, prótese valvar e doenças degenerativas com espessamento e calcificação valvar,2 como observado no idoso. Outras cardiopatias predisponentes são: miocardiopatia hipertófica, estenose subaórtica hipertrófica idiopática e doen- ças congênitas.3 A mortalidade da endo- cardite persiste elevada, apesar da redução expressiva após a introdução da penicilina na década de 1940 e melhora das condições gerais de saúde. Ela mantém-se atualmente em torno de 30%4, em parte relacionada a fatores de pior prognóstico como portado- res de imunodeficiência, próteses valvares, idosos e resistência a antibióticos. A endocardite infecciosa frequente- mente é de difícil diagnóstico, e não é in- comum que o diagnóstico seja realizado apenas meses depois de iniciado o quadro clínico ou que a confirmação diagnóstica só seja possível após cirurgia cardíaca, por meio do exame anatomopatológico de uma valva lesada. Fatores como infecções em outros órgãos, imunocomprometimento e utilização de cateteres são frequentemente observados como predisponentes, favore- cendo o desenvolvimento da lesão endo- cárdica ou facilitando a colononização de uma lesão pré-existente − sobretudo em portadores de doenças valvares ou congê- nitas, merecendo vigilância permanente. Cardiologia Prática 146 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Endocardite infecciosa possível História clínica/exame físico Valva natural Sugestão ATB: Penicilina + Gentamicina + Oxacilina até o isolamento do agente Sem toxemia Sem toxemiaCom toxemia Com toxemia Antibioticoterapia Indicação cirúrgica considerando intercorrências Antibioticoterapia Indicação cirúrgica se apresentar complicações hemodinâmicas/ estruturais Hemoculturas (máximo 3 amostras com 1 h de intervalo) ECO transesofágico ATB ATB provável indicação cirúrgica Prótese > 3 meses Confirmada EIConfirmada EI Figura 10.1 – Roteiro diagnóstico em quadro de endocardite em emergência – valva nativa. EtIopatogEnIa Alguns fatores hemodinâmicos, por exemplo, lesão de jato regurgitante de câ- mara de alta para baixa pressão, como na face ventricular, na insuficiência aórtica ou na face atrial na regurgitação mitral, facilitam a deposição de fibrina e plaque- tas, as quais iniciam a ativação de fatores teciduais de coagulação, e formação de novos depósitos que perpetuam o proces- so (“endocardite trombótica não bacteria- na”). Assim, havendo oportunidade para bacteremia, pode ocorrer colonização pela aderência do microrganismo na lesão (de- pósito) pré-formada. Quadro ClínICo O diagnóstico de endocardite bacteriana em terapia intensiva pode apresentar gran- des dificuldades, face à instabilidade do paciente e a necessidade de diagnóstico rá- pido e terapêutica precoce. Este objetivo só é conseguido com o conhecimento e aplica- ção de critérios diagnósticos cuidadosos. A sistematização de critérios para me- lhoria na sensibilidade e especificidade Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 147 © Direitos reservados à Editora ATHENEU do diagnóstico, na era pós-antibiótica, foi introduzida em 1977, por Pelletier e Petersdorf,2 e revistos em 1981 por von Reyn et al. (Beth Israel Hospital) que res- saltaram o valor de dados clínicos: car- diopatia predisponente, febre, novo sopro regurgitante, fenômenos vasculares com dados laboratoriais fundamentais: hemo- cultura e estudo anatomo patológico. Em 1994, Durack et al.,2,5 da Duke Universi- ty, propuseram um novo esquema para o diagnóstico da endocardite infecciosa com a inclusão de imagem característi- ca (vegetação) ao estudo ecodopplercar- diográfico como de importância maior e considerou três situações, a saber: defini- tivo, possível ou rejeitado (Quadros 10.1 e 10.2).2,5 A endocardite definitiva corres- ponderia à associação de dois critérios maiores, um critério maior e três meno- res ou cinco critérios menores. Havendo melhora do quadro clínico em curto pe- ríodo ou encontrando-se diagnóstico al- ternativo consistente, o diagnóstico seria rejeitado. Os demais corresponderiam à “endocardite possível”. A inclusão de hemocultura positiva para microrganismos típicos (Streptococcus viri- dans, S. bovis, grupo HACEK, além de esta- filococos ou enterococos comunitários na ausência de outro foco, evidência de envol- vimento endocárdico ao ecocardiograma e novo sopro regurgitante são atuais critérios maiores para o diagnóstico de endocardite infecciosa. Outros critérios com a presença de febre ou fenômenos embólicos e imuni- tários, embora considerados menores, têm importância fundamental na apresentação clínica da endocardite infecciosa. O quadro clínico da endocardite infec- ciosa sofreu mudanças significantes com o diagnóstico mais rápido e a introdução precoce dos antibióticos. A observação de fenômenos imunitários, sobretudo, vem se reduzindo nos últimos anos. Por outro lado, em indivíduo cardiopata com febre, a presença de glomerulonefrite, de manchas de Roth (hemorragia retiniana, com centro Quadro 10.1 – Critérios da Duke University para o diagnóstico de endocardite infecciosa (1994)2,5 Definitivo Critério morfológico Microrganismos demonstrados por cultura ou por análise histológica em vegetação, êmbolo séptico ou abscesso cardíaco ou Lesões patológicas: vegetação ou abscesso cardíaco confirmado por análise histológica demonstrando endocardite ativa Critério clínico – Usando definições específicas: - Dois critérios maiores - Um critério maior mais três menores - Cinco critérios menores Possível Achados consistentes com endocardite infecciosa que não se classificam nos critérios definitivo ou rejeitado. Rejeitado Diagnóstico alternativo sólido. Resolução do quadro com quatro dias ou menos de antibioticoterapia. Nenhuma evidência de endocardite infecciosa na cirurgia ou necrópsia com antibioticoterapia por quatro dias ou menos. Cardiologia Prática 148 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Quadro 10.2 – Definição dos critérios da Duke University para o diagnóstico de endocardite infecciosa (1994)2,5 Critérios maiores Hemocultura positiva Microrganismos típicos para endocardite infecciosa em duas amostras separadas: – Streptococcus viridans, S. bovis ou grupo HACEK ou – Staphylococcus aureus ou enterococos comunitários, em ausência de foco primário ou – Hemocultura persistentemente positiva, definida como microrganismo compatível com endocardite infecciosa isolado a partir de: - Amostras sanguíneas colhidas com intervalos de doze horas ou - Todas de três, ou a maioria de quatro ou mais amostras sanguíneas separadas, com intervalos de pelo menos uma hora entre a primeira e a última Evidência de envolvimento endocárdico Ecocardiograma positivo para endocardite infecciosa: – Massa cardíaca oscilante em valva ou estruturas de suporte, ou em trajeto de jato regurgitante, ou em material implantado, em ausência de explicação anatômica alternativa ou – Abscesso ou – Nova deiscência parcial de prótese Nova regurgitação valvar (aumento ou modificação emsopro pré-existente) Critérios menores Predisposição: condição cardíaca ou vício em droga intravenosa. Febre: > 38°C. Fenômeno vascular: embolia em grande artéria, infarto pulmonar séptico, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntival, lesão de Janeway. Fenômeno imunitário: glomerulonefrite, nódulo de Osler, mancha de Roth, fator reumatoide. Evidência microbiológica: hemocultura positiva, mas sem preencher os critérios maiores ou evidência sorológica de infecção ativa com microrganismo compatível com endocardite infecciosa. Ecocardiograma compatível com endocardite infecciosa, mas sem preencher os critérios maiores. claro), nódulos de Osler (nódulos pequenos, dolorosos, em pele ou dedos, em eminência tenar e hipotenar), ou petéquias, menos es- pecíficas, mais ainda vistas ao redor de 20 a 40% dos casos6 obrigam a suspeita e investi- gação quanto a presença de endocardite. Fe- nômenos vasculares, sobretudo embólicos, são vistos em 22 a 50% dos casos, especial- mente até 1 a 2 semanas da introdução de terapêutica específica.7 A lesão de Janeway (máculas hemorrágicas em palma e sola de pés), outro achado clínico clássico, também é pouco vista, embora possa ocorrer espe- cialmente na infecção estafilocócica. Ou- tros achados não relacionados nos critérios da Duke University como esplenomegalia, provas de atividade inflamatória positiva (proteína C-reativa, velocidade de hemos- sedimentação, alfa-1 glicoproteína ácida), hematúria microscópica (lesão renal subclí- nica) são importantes para o diagnóstico da infecção endocárdica, e poderão ser incluí- dos em novos estudos, a fim de proporcio- nar o aperfeiçoamento diagnóstico. Deve- mos chamar a atenção de que em paciente valvopata com febre de origem obscura o achado de sedimento urinário alterado deve sempre levantar a hipótese de glomerulone- frite por endocardite, secundária à deposi- ção de imunocomplexos. ExamEs subsIdIárIos Na investigação de paciente suspeito de endocardite infecciosa solicitam-se três pares de hemocultura, preferencialmente Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 149 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Figura 10.2 – Roteiro diagnóstico em endocardite infecciosa precoce (< 3 meses) em prótese valvar. Possível endocardite infecciosa em prótese < 3 meses História clínica/exame físico Sem toxemiaCom toxemia Confirmada EI provável indicação cirúrgica de urgência Sugestão antibióticos vancomicina + amicacina até o isolamento do agente Hemoculturas (máximo 3 amostras com 1 h de intervalo) ECO transesofágico Antibioticoterapia Indicação cirúrgica o mais precoce possível de pontos de punção distintos, os quais serão repetidos após 24 a 48 horas, caso as culturas iniciais sejam negativas; além de provas de atividade inflamatória, hemo- grama e urina I (sedimento urinário). O hemograma frequentemente mostra anemia normocrômica e normocítica, e ge- ralmente não revela leucocitose nem desvio à esquerda. O achado de leucocitose com ou sem desvio, em geral, está associado a quadros graves, com presença de infecções metastáticas ou complicações graves locais, como o abscesso de anel aórtico. A radiografia de tórax verifica presença de congestão pulmonar, focos embólicos ou de infarto pulmonar, em endocardite de valvas direitas; e infecção associada, ou que afaste a suspeita de endocardite, como broncopneumonia. O eletrocardiograma é importantíssimo para avaliação inicial e deve ser repetido dia- riamente no paciente com suspeita de endo- cardite infecciosa (EI). O eletrocardiograma identifica alterações de ritmo, principalmen- te novos bloqueios atrioventriculares, desde primeiro até de grau avançado, com alto va- lor preditivo para a presença de abscesso de anel aórtico (88%), embora de baixa sensibi- lidade (45%).8 O achado de bloqueios atrio- ventriculares, mesmo os do primeiro grau, é Cardiologia Prática 150 © Direitos reservados à Editora ATHENEU altamente sugestivo da presença de abscesso de anel aórtico. Desta forma, um paciente toxemiado, com bloqueio atrioventricular de primeiro grau e hipótese diagnóstica de endocardite infecciosa, é forte candidato à cirurgia de urgência. Este paciente deve ser conduzido o mais brevemente possível à eco- cardiografia transesofágica e, se confirmado EI, imediatamente à cirurgia cardíaca. O ecodopplercardiograma, pode mostrar imagem característica, ou seja, vegetação, ou abscesso ou “nova deiscência” parcial de prótese, que na presença de hemocultura positiva estabelece o diagnóstico definitivo (Quadro 10.2 e Tabela 10.1). O ecocardio- grama transesofágico deve ser solicitado rotineiramente em pacientes com suspeita de EI, pela melhora na sensibilidade e es- pecificidade, como no estudo de próteses valvares, na avaliação de abscesso de anel, fístula, imagem transtorácica inadequada, pacientes obesos, com doença pulmonar obstrutiva crônica, ou se houver dúvida diagnóstica. O ecocardiograma deverá ser repetido de acordo com a evolução clínica do caso, usualmente, a cada duas semanas, se houver boa evolução, ou em maior fre- quência caso haja piora clínica por falha no tratamento, verificação de aumento ou no- vas vegetações, desenvolvimento de insufi- ciência cardíaca ou disfunção ventricular e suspeita de extensão perianular. Na ausência de dados suficientes para o diagnóstico definitivo de endocardite infecciosa, deve-se sempre buscar outras causas para o quadro clínico apresentado. O diagnóstico definitivo de endocardite torna-se mais fácil na presença de hemo- cultura positiva ou ecocardiograma carac- terístico. A dificuldade ocorre se as hemo- culturas estiverem negativas e persistir a suspeita de endocardite. A evolução clí- nica auxiliará no diagnóstico diferencial. Outras doenças infecciosas, como sepsis, broncopneumonia, infecção intestinal ou urinária, miocardite e pericardite são con- sideradas no diagnóstico diferencial da endocardite, sobretudo no paciente inter- nado em unidade de terapia intensiva. Formas atípICas dE aprEsEntação Doença reUmatológiCa Não é incomum que pacientes com EI sejam inicialmente tratados como sen- do portadores de doença reumatológica. tabela 10.1 – agentes etiológicos na endocardite infecciosa microrganismo Valva nativa Prótese valvar recente Prótese valvar tardia Estreptococo 50 5-10 20-30 Grupo Viridans 35-40 5-10 20-30 S. bovis 10-15 < 1 < 5 Estafilococo 25 40-60 40 S. aureus 20-25 15 10 Coagulase-negativo < 5 35-50 30 Enterococo 10 < 5 5 Grupo hacek 5-10 < 5 < 5 Bacilo gram-negativo 6 10-15 10 Fungo < 1 10 5 Outros e cultura negativa 8 5 5 Frequência em porcentagem/Dados aproximados6,7,9 Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 151 © Direitos reservados à Editora ATHENEU A presença de imunocomplexos circulan- tes, fruto da bacteremia contínua na EI, causa manifestações imunológicas que fre- quentemente são atribuídas à doença autoi- mune. Estes fenômenos imunológicos, em geral, se manifestam como artrite, glome- rulonefrite e pode haver, inclusive, a pre- sença de fator reumatoide positivo. Pode haver também manifestações em esqueleto axial, como espondilodiscites e sacorileítes por endocardite infecciosa. Ao nos depa- rarmos com um valvopata que se queixa de dor lombar de aparecimento recente, sem- pre cabe o diagnóstico diferencial com EI. Pacientes com estas manifestações nor- malmente têm estado geral preservado e endocardite causada por Streptococcus, ocor- rendo intervalo de meses ou até anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico definitivo. A maioria dos pacientes chega ao cardiolo- gista com mais de seis meses de história, em uso de corticoides e imunossupressores, fre- quentemente com grande destruição valvar. A faltade tratamento antibiótico associado ao uso de imunossupressores faz com que a doença evolua até que a manifestação clínica de valvopatia grave leve o médico assistente ao diagnóstico correto. SePSe graVe Em portadores de valvopatia ou prótese valvar que dão entrada no pronto-socorro com quadro séptico grave, é sempre im- portante incluir a EI entre os possíveis diagnósticos. A gravidade do paciente faz com que muitas vezes não seja possível es- perar o resultado dos exames laboratoriais para estabelecermos a conduta. Nestes ca- sos, o ecocardiograma transesofágico de urgência é de extrema valia, permitindo, quando positivo o diagnóstico precoce, tratamento antibiótico precoce e agressivo e indicação cirúrgica precoce. tratamEnto A endocardite comunitária, por estrep- tococos e estafilococos, representa a maior parte dos casos de endocardite e os agentes mais frequentes são os estreptococos e esta- filococos meticilino sensíveis (Tabela 10.1). O início da terapêutica em pacientes suspeitos de endocardite deverá sempre ser baseado na colheita da hemocultura, identificação do germe e antibiograma. A maioria dos casos de hemocultura nega- tiva deve-se ao uso prévio de antibiótico, dificultando a terapêutica específica. Na presença de pacientes graves, toxemiados, com doença em estado avançado após a colheita de três pares de hemoculturas, po- de-se iniciar antibioticoterapia baseada na epidemiologia: as drogas de escolha são penicilina G cristalina e oxacilina por 4 a 6 semanas associadas à gentamicina nos primeiros 14 dias. Após a identificação do microrganismo, o antibiótico será mantido, ou não, de acordo com o antibiograma. Nos portadores de endocardite não complicada por estreptococos, em algumas cepas alta- mente sensíveis à penicilina (concentração inibitória mínima menor ou igual a 0,1 µg/ mL), têm sido utilizado o tratamento por duas semanas com índice de cura elevado, embora a pequena experiência não autorize a administração deste esquema, exceto em grupos isolados.10 A ceftriaxona por quatro semanas é uma opção à penicilina, ainda que seja pouco utilizada nesta situação; en- quanto em pacientes alérgicos à penicilina prefere-se a vancomicina. Os estafilococos constituem o segundo grupo mais frequente de endocardite co- munitária e o predominante em usuários de drogas injetáveis. A droga de escolha é a oxacilina por seis semanas associada a ami- noglicosídeo por 14 dias. Como opção, po- de-se utilizar as cefalosporinas de primeira Cardiologia Prática 152 © Direitos reservados à Editora ATHENEU geração ou a vancomicina quando houver infecção por germes meticilino-resistentes (Tabela 10.2). A endocardite por S. aureus é de pior prognóstico em virtude da maior vi- rulência, frequência aumentada de embolia e formação de abscessos, determinando ne- cessidade de tratamento combinado (clínico e cirúrgico) em muitos casos. Por outro lado, em usuários de drogas injetáveis, a valva tri- cúspide é atingida na maioria das vezes, o risco de embolia é menor, exceto para pul- mão e a resposta terapêutica é mais eficaz. enDoCarDite Por enteroCoCCUS (EntERoCoCCuS SP.) São germes de baixa sensibilidade à peni- cilina G cristalina (concentração inibitória mínima maior ou igual a 2 µg/mL) e even- tualmente aos aminoglicosídeos o que pre- judica o sinergismo entre os antibióticos. Da mesma forma, têm sido descrito cepas resis- tentes à vancomicina, tornando mais difícil o tratamento. Apesar disso, se factível, utiliza- se penicilina G cristalina ou ampicilina em dose elevada ou máxima, associada à estrep- tomicina ou gentamicina por seis semanas, ou a vancomicina em pacientes alérgicos à penicilina. A penicilina G ultimamente tem sido pouco administrada nesta situação, preferindo-se a ampicilina ou outra droga de acordo com o antibiograma. Em cerca de 50% dos casos, especialmente quando ocor- rer resistência ao tratamento clínico (febre persistente) ou presença de prótese valvar surge a necessidade de tratamento combina- do, ou seja, troca valvar mais antibioticotera- pia prolongada, por até 12 semanas. enDoCarDite Por baCilo gram-negatiVo Usualmente aparece em indivíduos susce- tíveis, incluindo hospitalizados, imunossu- primidos, portadores de doenças malignas, de cateteres, próteses, usuários de drogas. A antibioticoterapia depende do agente e sensi- bilidade, incluindo uso de penicilina semis- sintética como ampicilina e aminoglicosídeo (Escherichia coli, Proteus sp.), cefalosporina de terceira geração, como ceftriaxona, asso- ciado à amicacina ou à gentamicina (Kleb- siella sp., Serratia sp., Enterobacter sp.).10 Na presença de Pseudomonas sp.: ceftazidima associada a aminoglicosídeo, ou ainda, car- benicilina e aminoglicosídeo, cuja eficácia atual é reduzida (Tabela 10.3). Infecções por bacilos gram-negativos são quase sempre graves, de evolução ruim e dependentes do estado geral do paciente, ou seja, associação com doenças debilitantes. Melhora o prog- nóstico: o diagnóstico precoce, a resposta adequada aos antibióticos, a retirada de ca- teteres contaminados e, com frequência, a troca de valva nativa ou prótese. enDoCarDite em PróteSe ValVar A endocardite em prótese valvar é de evo- lução grave, com mortalidade em torno de 30 a 70%,4,11 com prognóstico pior nos casos de endocardite precoce, ou seja, até 60 dias após a cirurgia. Usualmente é provocada por contaminação intraoperatória, em cerca de 50% dos casos por estafilococos coagulase- negativos (S. epidermidis) ou germes como S. aureus, bacilo gram-negativo, fungo e es- treptococo (Tabela 10.4). Febre persistente e bacteremia no pós-operatório são comuns, embora alguns casos tenham evolução ca- tastrófica, com insuficiência cardíaca franca, episódios embólicos e formação de absces- sos periprotéticos. O prognóstico depende de diagnóstico e terapêutica precoce (Figu- ra 10.2), feito de acordo com antibiograma ou pela administração inicial empírica de vancomicina e aminoglicosídeo, até o isola- mento do germe, além de, invariavelmente, Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 153 © Direitos reservados à Editora ATHENEU tabela 10.2 – tratamento de endocardite por estafilocos antibiótico Posologia Duração (sem.)** estafilococos sensíveis à meticilina Oxacilina* + Gentamicina 12 a 18 g/d (fracionada 4/4 h) IV 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 4-6 2*** Vancomicina (pacientes alérgicos à penicilina) 30 mg/kg/24 h (máximo 2 g/d) – fracionada 2 a 4 doses 4-6 estafilococos resistentes à meticilina Vancomicina 30 mg/kg/24 h (máximo 2 g/d) -fracionada 2 a 4 doses 4-6 Presença de prótese valvar de implante recente ( < 60 DiaS)# Vancomicina + Amicacina## 30 mg/kg/24 h (máximo 2 g/d) - fracionada 2 a 4 doses 7,5 mg/kg/dose (máximo 1 g/d) 12/12 h IV ou IM ≥ 6 2 *Opção: cefalosporina de 1a geração. **Duração de tratamento frequentemente por seis semanas *** Variável: alguns grupos preferem tratamento curto (3 a 5 dias) # Antibioticoterapia empírica até isolamento do germe e testes de sensibilidade. Considerar associação com tratamento cirúrgico ## Opção: gentamicina. tabela 10.3 – tratamento de endocardite por bactérias gram-negativas* e grupo HaCeK antibiótico Posologia Duração* E. coli/Proteus miriabilis/HaCeK Ceftriaxona + 2 g/d (fracionada12/12 h) – IV 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 4-6 Gentamicina# 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 4-6 Klebsiella sp./Serratia sp./Proteus sp. Ceftriaxona + Gentamicina 2 g/d (fracionada12/12 h) – IV 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 4-6 4-6 Pseudomonas sp. Ceftazidima## ou 6 g (fracionada 8/8 h) – IV 4-6 (Continua) Cardiologia Prática154 © Direitos reservados à Editora ATHENEU tabela 10.4 – tratamento de endocardite comunitária e de valva nativa por estreptococos antibiótico Posologia Duração (sem.) Penicilina G cristalina + Gentamicina 18-24 milhões U/24 h (contínua ou fracionada IV 4/4 h)* 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d), 8/8 h – IV ou IM 4 2 Ceftriaxona 2 g/d (fracionada 12/12 h) - IV 4 Vancomicina 30 mg/kg /24 h (máximo 2 g/d) – fracionada em 2 a 4 doses** 4 * Pacientes altamente sensíveis (MIC ≤ 0,01 μg/mL) considerar dose menor (12 a 18 milhões U/24 h). ** Reservada para pacientes alérgicos à penicilina substituição da prótese contaminada. Em alguns casos, a associação de rifampicina pode ser benéfica. Nos portadores de pró- tese valvar de implante tardio, os estafiloco- cos persistem como agentes mais comuns, ainda que ocorra com nítido aumento na incidência dos estreptococos (Tabela 10.4). As normas do tratamento são idênticas, embora o prognóstico seja melhor e, em algumas situações, particularmente em in- fecção por estreptococos do grupo Viridans, se houver boa resposta a terapêutica anti- biótica o tratamento cirúrgico pode vir a ser postergado. tabela 10.3 – tratamento de endocardite por bactérias gram-negativas* e grupo HaCeK (Continuação) antibiótico Posologia Duração* Pseudomonas sp. Cefoperazona + Gentamicina 6-12 g (fracionada 6 a 12 h) 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 4-6 4-6 Salmonella sp. Ciprofloxaxina 800 mg/d (fracionada 12/12 h) - IV 4-6 Ampicilina ou 12 g/24 h (fracionada 4/4 h) IV 4-6 Cloranfenicol + 4 g/d (fracionada12/12 h) – IV 4-6 Gentamicina 1,5 mg/kg/dose (máximo 240 mg/d) 8/8 h IV ou IM 2 * Tratamento por seis semanas é o mais utilizado por resistência ao tratamento clínico. Considerar abordagem cirúrgica. ** Utilizar após testes de sensibilidade (resistência elevada) # Outros aminoglicosídeos podem ser utilizados (amicacina, tobramicina). ## Penicilina antipseudomonas (carbenicilina) é opção após testes de sensibilidade. Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 155 © Direitos reservados à Editora ATHENEU enDoCarDite Por oUtroS agenteS Grupo hacek São bactérias de crescimento lento, ne- cessitando longo período de incubação, representam 5 a 10% dos casos de endo- cardite em valva nativa6,10 e são identifica- dos, às vezes, em pacientes sob tratamento de endocardite com cultura supostamente negativa. Ampicilina foi o antibiótico de escolha no tratamento de endocardite do grupo HACEK, embora algumas cepas te- nham adquirido resistência e atualmente prefira-se a associação com aminoglicosí- deo ou a administração de ceftriaxona ou cefotaxima (Tabela 10.3). Outros agentes podem ser utilizados de acordo com a sen- sibilidade antibiótica. anaeróbios Raramente são agentes de endocardite infecciosa, sendo encontrados quase que exclusivamente em pacientes hospitalizados. Habitualmente, são sensíveis à penicilina G cristalina associado a aminoglicosídeo por 4 a 6 semanas. Se for isolado Bacteroides fragi- lis, utiliza-se metronizadol. FunGos Endocardite por estes agentes é pouco comum, relacionada a pacientes imuno- comprometidos, portadores de cateteres, usuários de drogas e próteses valvares. Os mais prevalentes são Candida sp. e Asper- gillus sp., caracterizando-se por grandes vegetações, episódios embólicos e hemo- culturas negativas. A única terapêutica comprovadamente eficaz é a anfotericina B até a dose em torno de 1,2 a 1,5 g, de acordo com a evolução clínica. Todos os cateteres sob suspeita de contaminação devem ser retirados e a troca valvar é in- variavelmente necessária. ComplICaçõEs As complicações da endocardite infec- ciosa podem ser cardíacas ou extracardí- acas e são frequentemente observadas em terapia intensiva. As complicações cardíacas mais graves são relacionadas a danos mecânicos às es- truturas valvares. O pior fator de prognós- tico na endocardite infecciosa é a presença de insuficiência cardíaca refratária elevan- do a mortalidade em torno de 50%,4,7 es- pecialmente se associada à disfunção ven- tricular. Deve-se quase sempre à rotura ou à deiscência parcial de prótese – mais comum em posição aórtica. A substituição da valva afetada, ainda que envolva risco de contaminação, melhora o prognóstico12 e será realizada o mais rápido possível.4,12 É desejável que a terapêutica antibiótica seja iniciada antes da cirurgia, idealmente 48 horas antes desta, a fim de assegurar ní- veis séricos adequados de antibiótico. In- felizmente isso nem sempre é possível, em virtude da gravidade do paciente. A extensão da infecção, além do anel valvar, causando o abcesso perianular, é mais comum em portadores de prótese aórtica, sendo reconhecida pela presença de bloqueios atrioventriculares de graus variados ao eletrocardiograma ou novo sopro, sugestivo de comunicação intracar- díaca. O ecocardiograma transesofágico proporcionou melhor reconhecimento da extensão perianular, permitindo interven- ção cirúrgica mais precoce e evitando a destruição do esqueleto fibroso cardíaco, incluindo a região septal e o sistema de condução, com melhora no prognóstico. Nos casos de acometimento do anel valvar em portadores de próteses, pode ocorrer desinserção parcial, que é revelada pelo ecocardiograma, e que requer tratamento cirúrgico urgente. Cardiologia Prática 156 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Episódios embólicos são uma das mais frequentes manifestações extracardía- cas. Ocorrem em 20 a 50% dos casos de endocardite,7 sendo a maioria assintomá- ticos. Os episódios embólicos podem ser revelados somente na necrópsia; outras vezes pode ocorrer infarto do miocárdio, pulmonar, renal, trombose mesentérica, ou isquemia e até perda de membros de acordo com a região atingida. O risco aumenta na presença de grandes vegetações (acima de 10 mm), ou aumento destas na vigência de antibioticoterapia adequada, sobretudo em pacientes portadores de endocardite por fungos, estafilococos e grupo HACEK. A maior parte aparece até duas semanas do início da antibioticoterapia e atinge em cerca de 65% das vezes o sistema nervoso central, em torno de 90% para a artéria cerebral média,7 embora possa atingir coronárias, baço, pulmão, intestino e extremidades. O tratamento cirúrgico será considerado na presença de duas ou mais embolias após o início da antibioticoterapia. Embolia para o sistema nervoso cen- tral é especialmente grave: dificulta não só o tratamento clínico quanto a troca valvar, em decorrência da necessidade de heparinização do paciente durante a cir- culação extracorpórea, com piora signi- ficativa no prognóstico. Entre 20 e 40% dos pacientes com endocardite bacteria- na apresentam algum envolvimento do sistema nervoso central. A instituição da terapêutica é benéfica para regressão do aneurisma, embora a rotura possa ocor- rer meses após o término do tratamento. O acompanhamento é realizado com ar- teriografia cerebral ou angioressonância magnética seriada, na tentativa de identi- ficação de casos com iminência de rotura, embora a opção pela correção cirúrgica seja difícil e decidida em conjunto com equipe de neurocirurgia. Em outras situações, pode haver coloni- zação de bactérias e formação de abscessos; como no baço, podendo ser difícil a diferen- ciação entre o abscesso e infarto. Persistên- cia de febre, toxemia, bacteremia recorrente obriga a procura de novos focos de infecção, incluindo o abscesso esplênico, cuja avaliação complementar é realizada inicialmente com ultrassonografia e tomografia computadori- zada, ou ressonância magnética em caso de dúvida diagnóstica. Confirmada a presença do abscesso, o tratamento consiste em es- plenectomia ou drenagem percutânea13 empacientes sem condições cirúrgicas, antes de possível cirurgia cardíaca, já que aumenta o risco de infecção intraoperatória. tErapêutICa CIrúrgICa (Quadro 10.3) O tratamento cirúrgico na endocardite é administrado se houver falência da con- duta clínica ou aparecimento de complica- ções. Algumas situações apresentam ris- co substancial: como idosos, germes mais virulentos, sobretudo estafilococos, pre- sença de insuficiência cardíaca refratária, má resposta à antibioticoterapia e posição aórtica.4 A princípio, a indicação do trata- mento cirúrgico na vigência da infecção é indesejável, visto que aumenta a possibili- dade de contaminação intraoperatória do material implantado, portanto, a conduta cirúrgica deve ser reservada a casos especí- ficos de maior gravidade ou de importante comprometimento hemodinâmico por com- plicação mecânica, como nas deiscências parciais de próteses.14 Dois ou mais eventos embólicos na presença de antibioticoterapia também consiste em indicação cirúrgica. Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 157 © Direitos reservados à Editora ATHENEU A falha do tratamento clínico deve ser considerada em todo paciente com febre persistente, acima de 10 dias, apesar de antibioticoterapia adequada ou nos quais há evidências de toxemia, insuficiência cardíaca ou renal ou extensão da infecção para região perianular. Devemos considerar o agente etiológi- co, pois além da etiologia fúngica, endo- cardite por bactérias gram-negativas e, eventualmente, estafilococos, cuja respos- ta ao tratamento clínico muitas vezes é fa- lho, têm indicação cirúrgica. proFIlaxIa para EndoCardItE InFECCIosa (tabEla 10.5) Recentemente, a profilaxia antibiótica para endocardite infecciosa ficou em xe- que após a publicação da diretriz da AHA de 2007,15 revogando a diretiz publicada menos de um ano antes,16 que considerava a profilaxia antibiótica classe I. Os artigos com maior impacto sobre a relevância do tratamento dentário como porta de entrada para endocardite infec- ciosa foram publicados por van Meer et al., em 1992.17,18 Os epidemiologistas ho- landeses estudaram 427 pacientes com diagnóstico de endocardite infecciosa, dos quais 275 eram elegíveis para antibiotico- terapia, em função de condições cardíacas preexistentes; os autores observaram que 64 (23,3%) haviam sido submetidos a um procedimento com indicação de antibio- ticoprofilaxia ao longo de 180 dias, sen- do 31 (11,3%) nos últimos 30 dias. Uma primeira implicação dos resultados foi o rebaixamento do valor etiopatogênico de procedimentos médicos e odontológicos em endocardite infecciosa; estimaram que para o período de incubação de 180 dias, aderência total à antibioticoprofilaxia teria evitado endocardite infecciosa em 47/275 (17,1%) dos casos, percentual que cairia para 23/275 (8,4%) considerando 30 dias de incubação; uma segunda implicação dos resultados foi o deslocamento do foco da prevenção da endocardite infecciosa para vias espontâneas, o que no caso do Streptococcus viridans alertou para a pre- servação da boa saúde bucal. Duval et al.,19 baseados em dados de 1999 na França, concluíram, em 2006, que um enorme número de doses de profilaxia evitaria um pequeno número de casos de en- docardite infecciosa. Note-se que os autores estimaram os riscos de contrair endocardi- te infecciosa em 1 para 150.000 para quem recebesse antibioticoprofilaxia, em 1 para Quadro 10.3 – indicações de cirurgia cardíaca na endocardite infecciosa absolutas • Prótese infectada – exceção ocasional para endocardite por Streptococcus em próteses sem disfunção importante • Etiologia – por exemplo, enocardite fúngica é sempre cirúrgica • ICC – a indicação mais frequente de cirurgia na EI. A correção do defeito anatômico é fundamental para o tratamento. • Tipo da alteração morfológica – se houver abscesso, a drenagem é necessária • Falha do tratamento etiológico – mesmo com microrganismo isolado e antibiótico efetivo, persistência da febre por mais de duas semanas relativas • Embolia séptica • Lado direito/esquerdo – endocardites esquerdas são frequentemente cirúrgicas • Insuficiência renal progressiva Cardiologia Prática 158 © Direitos reservados à Editora ATHENEU 54.300 para portadores de lesão em val- va nativa sem antibioticoprofilaxia e em 1 para 10.700 para portadores de prótese val- var sem antibioticoprofilaxia. A proporção cinco vezes maior para prótese valvular em relação à valva nativa endossou o privilégio do maior risco cardíaco conforme elabo- rado pela recomendação francesa e que já havia sido cogitado por Durack.21 Os autores relataram que: “(...) antibio- ticoprofilaxia reduz o risco de endocardite infecciosa após procedimento odontológi- co (...)”; eles, contudo, notaram que “(...) possíveis reações adversas (...) da antibio- ticoterapia teriam que ser consideradas.” É interessante lembrar que a estimati- va para anafilaxia fatal com penicilina é 1:50000,ou seja, superponível à proporção acima mencionada para valva nativa. Antibioticoprofilaxia perante interven- ção odontológica em portador de dis- função em valva nativa é a recomendação classe IIb, nível de evidência C, pela dire- triz AHA sobre prevenção de endocardi- te infecciosa, vigente a partir de abril de 2007.15 A finalidade da diretriz AHA 2007 em rebaixar a profilaxia de I para IIb seria destacar que apenas um pequeno número de casos de endocardite infecciosa seria prevenido por antibioticoprofilaxia peran- te manipulação odontológica, caso ela fos- se 100% eficiente. tabela 10.5 – recomendações para profilaxia antibiótica em endocardite20 Procedimentos dentários, trato respiratório e esôfago Situação antibiótico regime Profilaxia geral Amoxacilina ou Ampicilina 2 g ou 50 mg/kg* VO 1 h AP** ou 2 g (IM/IV) ou 50 mg/kg 30 min AP Alérgico a penicilina Clindamicina ou Cefalexina*** 600 mg ou 20 mg/kg VO/ 1h AP ou IM 30 min AP ou 2 g ou 50 mg/kg VO/ 1 h AP Procedimento gastrointestinal (exceto esôfago) e geniturinário Paciente de alto risco Ampicilina + Gentamicina 2 g (IM/IV) ou 50 mg/kg 30 min AP + 6 h AP 1 g ou 25 mg/kg de ampicilina (ou amoxicilina 1 g VO) + 1,5 mg/kg (até 120 mg) IM/IV 30 min AP Paciente de alto risco e alérgico à penicilina Vancomicina + Gentamicina 1 g ou 20 mg/kg IV (administrado em 1 h) até 30 min AP + 1,5 mg/kg (até 120 mg) IM/IV 30 min AP Paciente de risco moderado Amoxicilina ou Ampicilina 2 g ou 50 mg/kg VO 1 h AP ou 2 g (IM/EV) ou 50 mg/kg 30 min AP Paciente de risco moderado e alérgico à penicilina vancomicina 1 g ou 20 mg/kg IV (administrado em 1 h) até 30 min AP * Utilizar dose em mg/kg na administração para crianças ** AP = antes do procedimento *** Opções: Cefadroxil, azitromicina, claritromicina, cefazolina20 Capítulo 10 – Endocardite Infecciosa 159 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Em geral, há indicação de profilaxia para endocardite infecciosa em toda si- tuação em que há fluxo turbulento no en- docárdio e/ou lesão valvar importante. As diretrizes da American Heart Association, de 2007, entretanto, preconizam a profila- xia para EI nas seguintes situações (classe IIb, nível de evidência B): ■ prótese valvar; ■ antecedente EI; ■ cardiopatia congênita:* – cardiopatia cianótica não corrigida (mesmo com shunt ou conduite pa- liativo); – cardiopatia congênita com correção total (cirurgia ou device) (por apenas seis meses após intervenção). ■ lesão residual no lugar ou próximo de patch ou prostetic device (inibição da endotelização); ■ transplantado cardíaco que desenvolve valvopatia. Devemos conhecer a diretriz, mas aplicá-la criticamente. A diretriz parte do princípio que endocardite em valva nativa é doença benigna,sem muitas complica- ções, o que absolutamente não é verdade. As complicações da endocardite são mui- tas e frequentemente fatais. A mortalidade atual da endocardite infecciosa é cerca de 20%, podendo ser considerada extrema- mente alta. Além disso, em seguimento de longo prazo, menos de 10% dos pacientes com endocardite prévia, não desenvolve- ram nova endocardite, morreram ou ne- cessitaram de troca valvar.22 Dessa forma, devemos prevenir a en- docardite infecciosa de todas as formas possíveis, pois não existe endocardite de baixo risco, em nossa visão. Partindo des- te pressuposto, a profilaxia antibiótica é bem-vinda e deve continuar a ser realiza- da em nossa população. A prevenção da endocardite não passa só pela profilaxia antibiótica, mas também pela manutenção de boa saúde bucal. Afinal, para o valvopa- ta, mais perigoso que ir ao dentista e não usar profilaxia é não ir ao dentista e ter uma saúde bucal péssima, predispondo-o a frequentes bacteremias e altíssimo risco de endocardite. Um fato importante que devemos ter em mente: em nosso meio, a maioria das endocardites ainda ocorre em cardiopa- tas reumáticos, com valvopatia nativa ou prótese valvar, situação bastante diferente dos EUA ou Europa, onde a maioria das endocardites ocorre em portadores de cardiopatias congênitas ou próteses valva- res por cardiopatia não reumática. Assim, em nosso meio é razoável que continuemos usando profilaxia antibiótica para portado- res de valvopatia reumática, segundo as re- comendações do consenso de 1997,20 com os regimes listados abaixo. A melhor forma possível para termos dados confiáveis para decidir em uma des- tas condutas seria realizar um estudo pros- pectivo randomizado sobre prevenção de endocardite infecciosa, já que agora uma pesquisa assim é possível (já que a profi- laxia deixou de ser classe I). Entretanto, uma pesquisa esclarecedora como esta di- ficilmente será realizável: Durack21 estima que: “...um estudo randomizado a fim de avaliar o risco-benefício de antibioticopro- filaxia no contexto requereria, em função da baixa incidência da doença, no mínimo, 6.000 voluntários...”. Como não há interes- ses da industria farmacêutica em promo- ver o uso de antibióticos baratos e sem pa- tente, dificilmente este estudo conseguiria financiamento para sua realização. Cardiologia Prática 160 © Direitos reservados à Editora ATHENEU rEFErênCIas bIblIográFICas 1. Child JS. Risks for and prevention of infecti- ve endocarditis in Cardiology Clinics – Diag- nosis and Management of Infective Endocar- ditis. Cardiology clinics 1996;14(3):327-43. 2. Grinberg M, Décourt LV. Princípios de Os- ler, critérios de Jones e métodos propedêuti- cos modernos no diagnóstico da endocardite infecciosa. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1995;5:389-97. 3. Ramos, MC. Patogênese das endocardites bacterianas. 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