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92 PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

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92 PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
O método hermenêutico-concretizador propõe, para o auxílio do intérprete/aplicador da Carta, balizas a serem observadas na interpretação das normas constitucionais, com o objetivo de conferir maior teor de racionalidade à tarefa, reduzindo o espaço para pragmatismos exacerbados, tema de críticas acerbas em algumas instâncias 38. Essas guias do processo interpretativo, direcionadas à maior consistência dos seus resultados, foram expostas por Konrad Hesse 39, sob a fórmula de princípios da interpretação constitucional, e convém que sejam conhecidas. Esses princípios foram também recebidos, em língua portuguesa, por Gomes Canotilho 40, vindo a ser, adiante, repetidos por alguns autores brasileiros. Podem ser úteis, 
36 Bockenfõrde aponta uma dificuldade essencial enfrentada pelo método concretizador. O método pretende que o texto seja o limite da atividade de interpretação I concretização da Constituição, mas não fornece um critério vinculante para a extração do sentido das normas. Argui: "( ... ) o problema da interpretação constitucional deriva, por inteiro, da multiplicidade e da indeterminação, da concisão lapidar e da fragmentação da literalidade das normas constitucionais. Obter daí um texto de norma claro e com conteúdo certo é função mesma - função preferencial - da interpretação. Mas, como pode a interpretação estar vinculada ao que ela mesma deve produzir antes de mais nada? Na medida em que a norma é indeterminada, e somente com a interpretação se obtém um conteúdo (...), não ela pode ser ao mesmo tempo elemento de vinculação da interpretação". (Escritos, cit., p. 32.) 
3 7 Novamente, aqui, Bockenfõrde critica o método, por não oferecer critério preciso para orientar essa correlação a ser estabelecida entre o programa normativo e o domínio da norma, ainda deixando a atividade hermenêutica sem calço seguro e sem produzir um parâmetro de controle racional da atividade (Escritos, cit., p. 34). 
38 Müller, a propósito do Tribunal Constitucional alemão, fala em um pragmatismo sem direção, acrítico e desfundamentado - apud Stern, ob. cit., p. 290-291. 
39 Hesse, Escritos, cit., p. 45 e s. 
40 Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 226 e s. 
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como fatores retóricos, mas não devem ser ingenuamente superestimados. Não há uma hierarquia entre eles e, num caso concreto, podem entrar em contradição entre si. Apresentam utilidade, mas com a relativização própria de um "catálogo-tópico dos princípios da interpretação constitucional", como a eles alude Canotilho. 
Hesse, seguido por Canotilho, identifica-os como princípio da unidade da Constituição, da concordância prática, da correção funcional, da eficácia integradora e da força normativa da Constituição. 
O primeiro desses princípios, o da unidade da Constituição, postula que não se considere uma norma da Constituição fora do sistema em que se integra; dessa forma, evitam-se contradições entre as normas constitucionais. As soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elementares do constituinte. Vale, aqui, o magistério de Eros Grau, que insiste em que "não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços", acrescentando que "a interpretação do direito se realiza não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o que bastaria ao intérprete ser alfabetizado" 41. Esse princípio concita o intérprete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como um todo unitário. 
Convém ao intérprete, a esse propósito, pressupor a racionalidade do constituinte, ao menos como ponto de partida metodológico da tarefa hermenêutica. Essa racionalidade - tomada como uma diretiva, mais do que como uma hipótese empírica 42 - leva o aplicador a supor um ordenamento constitucional ótimo, ideal, que não entra em contradição consigo mesmo. Para que o princípio da unidade, expressão da racionalidade do legislador constituinte, seja confirmado na atividade interpretativa, o intérprete estará legitimado a lançar mão de variados recursos argumentativos, como o da descoberta de lacunas axiológicas, tendo em vista a necessidade de confirmar o esforço coerente do constituinte de promover um ordenamento uniformemente justo. 
O princípio da unidade da Constituição tem produzido julgados dignos de nota. Desse princípio, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal extraiu a inexistência de hierarquia entre as normas que compõem o texto constitucional l43. Em outro caso, a relevância prática do princípio, atuando a partir da descoberta de uma lacuna axiológica, mostrou a sua utilidade hermenêutica. Defrontou-se o STF com processo em que se discutia a elegibilidade de quem pretendia suceder o seu cônjuge na chefia do Executivo municipal. A Emenda Constitucional n. 16/97 permitira uma reeleição do titular do mesmo cargo, alterando o § 5 do art. 14 da Constituição. Ocorre que a Emenda não 
41 Eros Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/ aplicação do direito, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 88.
42 Conforme precorliza Carlos Santiago Nino (Consideraciones sobre la dogmáticaj1lrídica, México: UNAM, 1989, p. 90). O mesmo autor, uma página adiante, diz: "o dogmático se refere a um ordenamento jurídico ótimo com afirmações que se referem a um legislador ideal. Como se pressupõe que tal legislador é real, o jurista, sub-repticiamente, dá regra para a 'otinuzação' do direito positivo, para colocá-lo à altura do legislador que o sancionou. Essa otimização, na ideologia do jurista, ainda que não nos fatos, não consiste em reformular o direito positivo, senão que em descobrir toda a sua perfeição, oculta a olhos pouco agudos". Veja-se também nota ao tema "ambiguidade" acima.
43 ADI 815, rei. Min. Moreira Alves, D] de 10-5-1996. 
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modificou o § 79. do mesmo artigo, que torna inelegível o cônjuge do titular do cargo no pleito seguinte ao da conclusão do mandato. Percebeu o STF, em precedente relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence44, que a aversão ao "continuísmo familiar" não mais justificava a norma, uma vez que o próprio titular do cargo eletivo podia se reeleger. Afirmou o Tribunal, então, que o § 72-, "interpretado no absolutismo da sua literalidade, conduz a disparidade ilógica de tratamento e gera perplexidades invencíveis". Por isso, a Corte definiu que a norma deveria ser compreendida como a tornar inelegível apenas o cônjuge ou parente do titular que estivesse no segundo mandato consecutivo. Invocou-se, para esse desate, o princípio da unidade da Constituição, lembrando-se que "é lugar comum que o ordenamento jurídico e a Constituição, sobretudo, não são aglomerados caóticos de normas; presumem-se um conjunto harmônico de regras e de princípios: por isso, é impossível negar o impacto da Emenda Constitucional n. 16 sobre o § 79. do art. 14 da Constituição sob pena de consagrar-se o paradoxo de impor-se ao cônjuge ou parente do causante da inelegibilidade o que a este não se negou: permanecer todo o tempo do mandato, se candidato à reeleição, ou afastar-se seis meses antes, para concorrer a qualquer outro mandato eletivo"45. 
Como é função da Constituição promover a integração política e social, mantido o respeito às diversidades básicas existentes, aponta-se que serve de índice positivo do acerto de uma interpretação o efeito produzido de reforço da unidade política e o favorecimento à integração política e social46. 
Canotilho ajunta ao catálogo de pautas de interpretação o que chama de princípio da máxima efetividade. Atribui-lhe a seguinte formulação: "a uma norma constitucional
44 RE 344.882/BA, D] de 6-8-2004. 
45 Veja-se, ainda, outro precedente, em que se desautorizou a interpretação apegada à literalidade do texto e ao pressuposto de que o constituinte tem sempre um propósito normativo quando emprega termos distintos para tratar de questões semelhantes. Afirmou o STF que se deve estar atento para as consequências da interpretação das normas sobre o pressuposto da unidadeda Constituição. Lê-se na ADI 2.650, D]e de 17-11-2011, rel. o Ministro Dias Toffoli: "A utilização de termos distintos para as hipóteses de desmembramento de estados-membros e de municípios não pode resultar na conclusão de que cada um teria um significado diverso, sob pena de se admitir maior facilidade para o desmembramento de um estado do que para o desmembramento de um município. Esse problema hermenêutico deve ser evitado por intermédio de interpretação que dê a mesma solução pra ambos os casos, sob pena de, caso contrário, se ferir, inclusive, a isonomia entre os entes da federação. O presente caso exige, para além de uma interpretação gramatical, uma interpretação sistemática da Constituição, ( ... ) sempre em busca da máxima da unidade constitucional".
46 Cf. Canotilho, ob. cit., p. 227, e Hesse, Escritos, cit., p. 47. Pode-se entender que esse princípio, embora não mencionado explicitamente, desempenhou papel importante no chamado caso Raposa Serra do Sol (STF: Pet 3.388/RR, D]e de 25-9-2009, rei. Min. Carlos Ayres Britto). O STF foi chamado, no precedente, a decidir se eram constitucionais a qualificação como indígena e a subsequente delimitação de vasta área da Região Norte do país. Entre vários tópicos relevantes, o STF esclareceu que se deve distinguir terras indígenas de território indígena, excluindo da leitura possível do Texto Constitucional a interpretação de que o constituinte pudesse haver atribuído a essas terras um status político ou uma dimensão de uma instância transnacional. O STF desautorizou a interpretação constitucional que pudesse levar a que qualquer das comunidades indigenas brasileiras viesse a "comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como Nação, País, Pátria território nacional ou povo independente". Fixou, também, que o status de terras indígenas não pode significar a exclusão da presença e da ação do poder público na área. É ocioso salientar o efeito integrador político e favorecedor da unidade nacional que essa interpretação apresenta - sobretudo quando comparada com a leitura concorrente e oposta que foi rejeitada no julgamento. 
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deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê"47. Adverte que, embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior realce no campo das normas constitucionais programáticas e no domínio dos direitos fundamentais. A eficácia da norma deve ser compreendida como a sua aptidão para produzir os efeitos que lhes são próprios. Esse princípio, na realidade, vem sancionado, entre nós, no § l do art. 5º da Constituição, que proclama a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. O reconhecimento de que também as normas programáticas podem levar à inconstitucionalidade de leis que lhes sejam opostas é, igualmente, expressão desse princípio. 
De alguma forma contido no princípio da máxima efetividade, fala-se no princípio da força normativa da Constituição. Com este, propõe-se seja conferida prevalência aos pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do momento, garantindo-lhe interesse atual, e, com isso, obtendo-se "máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso"48. Esse esforço poderá ser de mais pertinência nos casos de normas que se valem de conceitos indeterminados, de textura literal mais flexível. Vale a advertência de Jorge Miranda, contudo, no sentido de que não é dado nem ao legislador nem ao intérprete "transfigurar o conceito, de modo a que cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa"49. 
O princípio da correção funcional, como mais um critério orientador da atividade interpretativa, conduz a que não se deturpe, por meio da interpretação de algum preceito, o sistema de repartição de funções entre os órgãos e pessoas designados pela Constituição. Esse princípio corrige leituras desviantes da distribuição de competências entre as esferas da Federação ou entre os Poderes constituídos 50.
 O princípio da concordância prática tem apelo, nos casos de conflito entre normas constitucionais, quando os seus programas normativos se entrechocam. O critério recomenda que o alcance das normas seja comprimido até que se encontre o ponto de ajuste de cada qual segundo a importância que elas possuem no caso concreto51. Se é esperado do intérprete que extraia o máximo efeito de uma norma constitucional, esse exercício pode vir a provocar choque com idêntica pretensão de outras normas consti
47 Canotilho, Direito, cit., p. 227. 
48 Hesse, Escritos, cit., p. 48. 
49 Miranda, Teoria, cit., p. 452. 
50 Pode-se imaginar que o prinápio auxiliaria a revelar a inconstitucionalidade, por exemplo, de uma lei estadual que, a pretexto de exercer a sua competência material para proteger o meio ambiente, passasse a legislar sobre desapropriação, tema reservado à União. No plano do relacionamento entre os poderes, esse princípio da conformidade funcional inspirou célebre decisão do STF, no MI QO 107 (rei. Min. Moreira Alves, D] de 21-9-1990), quando se recusou variante interpretativa do mandado de injunção que nele via uma ação de cognição constitutiva, apta para suprir a inércia da regulação. Essa vertente foi tida como imprópria ao princípio da separação dos poderes e ao princípio democrático, em que "as decisões políticas de que afinal resultam os textos legais se subordinam a um sistema de freios e contrafreios de que participam exclusivamente os Poderes Legislativo e Executivo, eleitos diretamente pelo povo". O argumento exprime adesão ao princípio da conformidade funcional. Vale ressaltar que a posição referida passa atualmente por evolução, como o leitor poderá perceber no capítulo sobre mandado de injunção. 
51 Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos, cit., p. 57. Os autores fazem o oportuno alerta de que não será cabível falar em problema de concordância prática, quando é a própria norma constitucional que limita explícitamente uma outra. 
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tucionais. Devem, então, ser conciliadas as pretensões de efetividade dessas normas, mediante o estabelecimento de limites ajustados aos casos concretos em que são chamadas a incidir. Os problemas de concordância prática surgem, sobretudo, em casos de colisão de princípios, especialmente de direitos fundamentais, em que o intérprete se vê desafiado a encontrar um desfecho de harmonização máxima entre os direitos em atrito, buscando sempre que a medida de sacrifício de um deles, para uma solução justa e proporcional do caso concreto, não exceda o estritamente necessário. Como se vê, a exigência da conciliação prática é decorrência do postulado de coerência e racionalidade do sistema constitucional, ínsito ao princípio da unidade da Constituição. O princípio da harmonização terá serventia mais frequente em conflitos, por exemplo, entre liberdade de expressão e direito à privacidade52. A concordância prática há de ser encontrada em cada caso concreto, segundo os parâmetros oferecidos pelo princípio da proporcionalidade 53.
 Repare-se que a invocação desses princípios pode levar a resultados não unívocos. O postulado da máxima eficácia da norma de direito fundamental pode resultar em uma solução desaconselhada pelo princípio da conformidade funcional, por exemplo. Esses princípios não devem ser vistos como elementos de uma fórmula capaz de produzir soluções necessárias e absolutamente persuasivas. Tampouco se há de falar em hierarquia entre eles. Esses princípios da interpretação constitucional apenas auxiliam a que argumentos jurídicos se desenvolvam em um contexto de maior racionalidade, favorecendo algum controle sobre o processo de concretização das normas constitucionais, com proveito, igualmente, para o valor da segurança jurídica 54.
 No âmbito sobretudo da interpretação das leis -posto que também seja pertinente para a compreensão de normas editadas pelo poder constituinte de revisão em face de limitações estabelecidas pelo poder constituinte originário-, há ainda a consideraro princípio da interpretação conforme a Constituição. 
Não se deve pressupor que o legislador haja querido dispor em sentido contrário à Constituição; ao contrário, as normas infraconstitucionais surgem com a presunção de constitucionalidade. Daí que, se uma norma infraconstitucional, pelas peculiarida
52 São vários os casos em que o princípio da harmonização (ou da concordância prática) se torna de invocação pertinente. Apenas para citar um julgado mais antigo, vale a menção à Rp 1507 (rel. Min. Carlos Madeira, D] de 9-12-1988), em que se deu por constitucional uma lei que obrigava as drogarias a terem a assistência de um técnico responsável. Entendeu a Corte que a norma era válida, já que estabelecia uma correta "concordância prática entre a liberdade do exercício do comércio de medicamentos e o seu controle, em benefício dos que visam tais medicamentos". 
53 Sobre o princípio da proporcionalidade, veja o leitor o que se insere no capítulo da teoria dos direitos fundamentais. Adiante-se que vale, aqui, em linhas gerais, a noção, exposta por Hesse (Escritos, cit., p. 46), sobre proporcionalidade. Será proporcional a solução que melhor atender a tarefa de otimização das normas em conflito, considerando-se que cada qual apresenta pesos variáveis de importância, conforme o caso concreto que esteja em exame. 
54 Veja-se, a esse respeito, Hesse: "A correção dos resultados obtidos por meio do processo exposto de concretização das normas constirucionais [refere-se aos princípios da interpretação constitucional] não tem o caráter da demonstração exata, como acontece nas ciências da natureza". Hesse advoga, assim, o mérito possível da pretensão a uma correção relativa das soluções obtidas a partir do método que preconiza. Embora reconhecendo o caráter limitado da pretensão de correção relativa, aponta que dessa forma se colhe um resultado "explicável, convincente e até certo ponto previsível". (Ibidem.) 
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des da sua textura semântica, admite mais de um significado, sendo um deles coerente com a Constituição e os demais com ela incompatíveis, deve-se entender que aquele é o sentido próprio da regra em exame - leitura também ordenada pelo princípio da economia legislativa (ou da conservação das normas). A interpretação conforme a Constituição possui, evidentemente, limites. Não pode forçar o significado aceitável das palavras dispostas no texto nem pode desnaturar o sentido objetivo que inequivocamente o legislador quis adotar55. 
Não se confunda, afinal, interpretação da lei conforme a Constituição, procedimento, como visto, sancionado pela jurisprudência e doutrina, com a interpretação da Constituição conforme a lei, prática que encontra reservas nessas mesmas instâncias. A admissibilidade sem a devida prudência de um tal exercício poderia levar à coonestação de inconstitucionalidades, deturpando-se o legítimo sentido da norma constitucional. Mas não é tampouco admissível desprezar a interpretação que o legislador efetua da norma da Carta ao editar a lei.
 Toda a cautela deve estar em não tomar como de necessário acolhimento a interpretação feita pelo legislador, evitando-se o equívoco de tratar o legislador como o intérprete definitivo da Constituição ou como o seu intérprete autêntico56. À parte esse extremismo, não há por que não recolher da legislação sugestões de sentido das normas constitucionais. A propósito, não são poucas as ocasiões em que o constituinte eleva ao status constitucional conceitos e disposições pré-constitucionais, que foram desenvolvidos anteriormente pelo legislador infraconstitucional. Quando isso ocorre, cabe compreender esses conceitos como foram recebidos pelo constituinte e considerar que não mais estarão expostos à livre conformação do legislador. 
Assim, não se pode desprezar o conceito legal pré-constitucional do júri, para se deslindar o sentido da garantia do art. 59., XXXVIII, da CF. Tampouco se há de prescindir do que o direito processual define como coisa julgada, para se delinear o significado do que assegura o art. 59., XXXVI, da Carta. Não se perca de vista, porém, que as normas infraconstitucionais não hão de ter aplicação automática, devendo ter sempre o seu significado aferido pelo novo sistema constitucional, que pode ter-lhe modificado o sentido atribuído anteriormente. 
55 A propósito, o STF, na ADPF 130 (D]e de 6-11-2009, rei. Min. Carlos Britto), defrontando-se com os limites desse meio de interpretação, assentou que "a técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria". Canotilho, acentuando a necessidade de existir um espaço de interpretação aberto para a leitura que torna válido o preceito, salienta que "a interpretação das leis em conformidade com a constituição deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objetivo claramente recognoscível da lei ou em manifesta dissintonia com os objetivos pretendidos pelo legislador" (Canotilho, Direito, cit., p. 230). O leitor encontrará exploração mais detida desse tema no capítulo do controle de constitucionalidade.
 56 Veja-se, a propósito, Jorge Miranda, Teoria, cit., p. 453.

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