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Renal comparado

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O Sistema excretor e a regulação da osmolalidade em vertebrados. 
 
A evolução do sistema renal em vertebrados está ligada à manutenção 
da osmolalidade dos líquidos corporais, respondendo adequadamente às 
pressões ambientais. Seja em ambientes aquáticos ou terrestres, os animais 
adaptaram-se a valores extremos de salinidade e de aridez de maneira a 
excretar a urina tão diluída quanto o ambiente em que vivem, como os peixes 
dulcículas, ou extremamente concentrada, como os ratos que vivem no 
deserto. Assim, os animais são classificados como osmoconformadores, que 
assumem a osmolalidade do meio em que se encontram, e os 
osmorreguladores, que mantêm a osmolalidade dos líquidos corporais 
constante. A disponibilidade de água no ambiente também determinou o tipo 
da excreção nitrogenada dos animais, que é realizada através das seguintes 
substâncias (FIGURA 1): 
Amônia (NH3) – produto do metabolismo dos aminoácidos, está em equilíbrio 
com o íon amônio (NH4+). Hidrossolúvel, é a excreta nitrogenada de animais 
aquáticos. Para cada grama de amônia total (NH3 + NH4) excretada são 
necessários 400 mL de água. Moderadamente tóxica para animais terrestres, a 
amônia afeta a barreira hematoencefálica e a excitabilidade neuronal, podendo 
causar convulsões e morte. 
Uréia – quando comparada com a amônia, esta substância requer 10 vezes 
menos água para ser excretada. A importância da disponibilidade de água 
como determinante é nítida nos anfíbios: nos girinos, a amônia responde por 
80% das excretas nitrogenadas. Com a metamorfose, as enzimas de síntese 
de uréia são induzidas e esta se torna a principal forma de excreção de 
nitrogênio no animal adulto. Mamíferos e peixes cartilaginosos também são 
ureotélicos. 
Ácido úrico – quando comparada com a amônia, esta substância requer 50 
vezes menos água para ser excretada. É produzido a partir do metabolismo 
das purinas, e degradado pela enzima uricase. Deste modo, a ausência desta 
enzima em répteis, aves e insetos faz com que o ácido úrico seja a principal 
forma de excreta nitrogenada nestes animais. Além da vantagem de ser menos 
tóxico, sua pouca solubilidade permite a economia de água. 
Neste capítulo estudaremos as características dos grupos mais representativos 
dos vertebrados inferiores. Comparativamente, dentro do grupo dos 
vertebrados, os rins apresentam formas distintas de organização circulatória e 
tubular (FIGURA 1), sendo classificados em: 
1) Pronéfrico: existe apenas em ciclóstomo (peixe-bruxa ou feiticeira). 
Localiza-se na posição anterior e é segmentado. Nele existem túbulos 
abertos para o celoma, que drenam a cavidade e produzem urina a partir 
do líquido celomático pelos processos de reabsorção e secreção ao 
longo do pronéfron. 
2) Mesonéfrico: existe em lampréias, anfíbios e peixes. Localizado em 
posição mediana e segmentado. Além de drenar o celoma, possui 
glomérulo com tufo capilar inserido na cápsula de Bowman. A urina é 
produzida por derenagem da cavidade celomática, ultrafiltração 
plasmática, secreção e reabsorção. 
3) Metanéfrico: Localizado posteriormente em répteis, aves e mamíferos. 
A produção da urina ocorre exclusivamente por ultafiltração plasmática, 
secreção e reabsorção. As estruturas renais denominadas pirâmides, 
com alça de Henle e túbulos coletores é exclusiva de mamíferos. Nas 
aves observamos dois tipos de néfrons: um semelhante ao dos répteis, 
sem alça de Henle e outro semelhante ao dos mamíferos, mas sem a 
mesma organização piramidal, podendo a alça de Henle posicionar-se 
perpendicularmente aos túbulos coletores. Funcionalmente isto implica 
em uma menor eficiência para a concentração urinária, pois não é 
possível estabelecer um gradiente osmótico cortico-medular efetivo. 
 
Peixes de água doce: 
Os líquidos corporais destes animais são hiperosmóticos quando comparados 
com o ambiente. Portanto, para não entrar em balanço positivo de água 
absorvida por osmose principalmente através do epitélio branquial e pele, 
excreta o excesso de água livre de soluto. A osmolalidade plasmática é 
mantida em torno de 300 mOsm devido a grande capacidade de captação de 
cloreto por células especializadas das brânquias e da pele. 
A ultrafiltração plasmática é realizada por glomérulos grandes, que garantem o 
elevado ritmo de filtração glomerular e produção de urina tão diluída quanto 20 
mOsm, que mesmo sendo 15 vezes mais diluída que o plasma ainda denota 
perda de solutos, principalmente eletrólitos. O balanço iônico é realizado por 
grande capacidsade .....reabsorção de eletrólitos tanto pelos túbulos renais 
como pelo epitélio branquial garantem a homeostase destes animais. 
 
Peixes de água Salgada: 
Os líquidos corporais destes animais podem ser isosmóticos, hiposmóticos ou 
ligeiramente hiperosmóticos quando comparados com o ambiente. Portanto, 
para não entrar em balanço negativo de água, excretam urina isosmótica ao 
plasma, com grande quantidade de íos bivalentes (Ca2+ e Mg2+). Identificamos 
três tipos de estratégias para adaptação ao ambiente marinho: 
1) Osmoconformadores que apresentam a composição iônica plasmática igual 
a composição iônica do ambiente, por exemplo os ciclóstomos (peixe-bruxa 
ou feiticeira). 
2) Osmoconformadores que apresentam a composição iônica plasmática 
menor que a do ambiente (condrictes e celacantos). Os íons sódio e cloreto 
contribuem com cerca de 600 mOsm de uma osmolalidade plasmática de 
1000 a 1100 mOsm. A estratégia para a adaptação ao ambiente marinho é 
acumular no organismo moléculas osmoticamente ativas, de tal maneira 
que a perda de água por osmose é evitada. Os peixes acumulam uréia e 
óxido de trimetilamina (TMAO). Embora pareça uma má adaptação, os 
efeitos deletérios da uréia (desnaturação de proteínas) são neutralizados 
pela TMAO. Em alguns elasmobrânquios, o balanço positivo do íon sódio é 
evitado pela secreção de cloreto, tanto através de células branquiais como 
através de uma glândula localizada no reto do animal. 
3) Osmorreguladores que apresentam a osmolalidade e a composição iônica 
menores que as do ambiente (teleósteos). A maioria dos peixes regulam 
sua osmolalidade plasmática entre 300 e 400 mOsm, tendo como partículas 
osmoticamente ativas Na+ e Cl-. Neste grupo, a compensação da perda de 
água por osmose é feita por ingestão de água do mar. O esôfago destes 
animais é impermeável a água e absorve íons monovalentes. A partir do 
estômago a água ingerida encontra-se isosmótica em relação ao plasma. 
Ao longo do trato gastrintestinal os íons Na+ e Cl- continuam sendo 
absorvidos acompanhados de água e concentrando Ca2+, Mg2+, SO42-, e 
CO32- na luz intestinal. A precipitação de CaCO3 na porção distal do 
intestino diminui ainda mais a osmolalidade do fluido e permite maior 
absorção de água. O balanço de Na+ é realizado por células branquiais 
especializadas, que secretam Cl- para o ambiente e este é acompanhado 
pelo Na+, que deixa o plasma pela via paracelular. Semelhante ao trato 
gastrintestinal, os rins reabsorvem íons monovalentes e excretam os 
bivalentes. 
 
Anfíbios: 
Embora freqüentem o ambiente terrestre, os anfíbios não concentram a urina. 
Apresentam rins mesonéfricos, sem alça de Henle, mas são capazes de 
transportar quantidade significativa de água na bexiga urinária que lhes 
garantem alguma autonomia quando estão fora do ambiente aquático. A pele 
destes animais permite altas taxas de evaporação e, havendo necessidade, a 
água armazenada na bexiga é reabsorvida. Para isto, há liberação de hormônio 
antidiurético (HAD), que torna o epitélio vesical permeável à água. A pele da 
região pélvica também é sensível ao HAD, o que permite ao animal absorver 
água do solo húmido. Comparando, a bexiga urinária e a pele dos anfíbios são 
análogos filogenéticos dos túbulos coletores mamíferos. A urina produzida é 
sempre hiposmótica para garantir o equilíbrio hídrico.O equilíbrio eletrolítico é 
garantido também por absorção de sódio pela pele. Alguns anfíbios marinhos, 
como a Rana cancrívora exibem mecanismos osmoconformadores semelhante 
aos peixes condrictes, acumulando moléculas orgânicas e fazendo a regulação 
iônica plasmática. Anfíbios que vivem em ambientes áridos exibem 
comportamento de estiva, e durante este período acumulam moléculas 
orgânicas para aumentar a osmolaridade dos líquidos corporais. Outros, 
secretam um casulo impermeável à água pela pele, de maneira a diminuir 
perdas por evaporação. 
 
Aves: 
No ambiente terrestre as perdas de água por evaporação, nas fezes e na urina, 
representam grande ameaça à homeostase. As estratégias para minimizar 
estas perdas abrangem mecanismos que impedem a evaporação pela 
respiração e superfície corporal. A disponibilidade de água no ambiente 
também pode ser contornada, como fazem alguns répteis que obtêm água 
apenas dos alimentos e do metabolismo intermediário. As aves obtêm mais 
de 90% das necessidades hídricas bebendo mesmo em fontes distantes, mas 
devido ao custo metabólico do Vôo, as perdas pulmonares são tão 
significativas quanto as urinárias. Um mecanismo contracorrente nasal e o ar 
retido entre as penas e a pele minimizam estas perdas. Além disso, a 
reabsorção de Na+ e a precipitação de ácido úrico na cloaca constituem as 
principais estratégias para diminuir as perdas de água nas fezes e urina. Nas 
aves marinhas, que têm excesso de sódio na dieta, uma glândula de sal drena 
para o canal lacrimal este excesso, diminuindo assim as perdas renais de 
água. 
Os rins das aves são peculiares: possuem dois tipos de néfrons, um 
semelhante aos dos mamíferos, com alça de Henle, e outros semelhantes aos 
dos répteis, sem alça de Henle. Grosso modo, a organização estrutural deste 
tipo de rim pode ser comparada a um cogumelo: na área externa do “chapéu” 
concentram-se os néfrons tipo répteis, enquanto os semelhantes aos dos 
mamíferos ocupam a área mais central, com as alças de Henle projetando-se 
ao longo da haste, onde também localizam-se os ductos coletores. No entanto, 
as alças de Henle e os ductos coletores não estão organizados paralelamente, 
o que diminui a eficiência do mecanismo de contracorrente, portanto 
comprometendo capacidade de concentração urinária destes animais. 
Nas aves marinhas, que ingerem excesso de sal na dieta, há uma 
glândula de que secreta sal para o canal lacrimal. Desta maneira o excesso de 
sal é excretado sem perda de água, o que evita a desidratação. 
 
 
 
 
 
 
Atividades: 
1) Preencha as células com as letras dos itens abaixo do quadro. 
Obs.: utilize todos os itens apresentados. 
Animal Osmolalidade 
plasmática em 
relação ao meio 
Osmolalidade 
urinária em 
relação ao 
sangue 
Mecanismos 
osmorreguladores 
Elasmobrânquio 
Marinho 
 
Teleósteo 
Marinho 
 
 
Teleósteo de 
Água Doce 
 
 
a. isotônica 
b. não bebe água 
c. hipotônica 
d. hipertônica 
e. bebe água. 
f. não bebe água. 
g. isotônica 
h. secreta sal pelas brânquias. 
i. isotônica 
j. NaCl hipertônico pela glândula retal. 
k. muito hipotônica 
l. absorve sal pelas brânquias. 
 
2) Esquematize o epitélio branquial de um peixe dulcícula, explicitando os 
mecanismos de transporte iônico das membranas apicais e basolaterais. 
3) Esquematize o epitélio branquial de um peixe marinho, explicitando os 
mecanismos de transporte iônico das membranas apicais e basolaterais. 
4) Esquematize o epitélio da glândula retal de tubarão, explicitando os 
mecanismos de transporte iônico das membranas apicais e basolaterais. 
5) Esquematize o epitélio da glândula lacrimal de uma ave marinha, 
explicitando os mecanismos de transporte iônico das membranas apicais e 
basolaterais. 
6) Encontre nos rins de mamíferos uma estrutura correspondente às 
anteriores, e compare as semelhanças entre as estruturas e as funções de 
cada uma. 
7) Os mamíferos que vivem no deserto apresentam uma variedade de 
adaptações osmorregulatórias para enfrentar o estresse causado pelo calor 
excessivo e a escassez de água disponível para beber. A disponibilidade 
de água e a regulação da temperatura corporal estão intimamente 
relacionadas, pois muitos animais dissipam calor através da evaporação da 
água. Mas será que os animais do deserto podem se valer deste método 
para regular a sua temperatura corporal? 
 
O camelo, por exemplo, apresenta várias adaptações para manter a 
homeostase e enfrentar as adversidades do meio em que vive. Dentre estas 
adaptações podemos citar: 
- a espessa pele do camelo que funciona como uma barreira contra calor do 
meio externo; 
- capacidade de variar a temperatura corporal em até 6°C no decorrer no 
dia; 
- os camelos podem beber até 80 litros de água em 10 minutos; 
Pesquise: 
• Como os camelos evitam a perda de água através de suas fezes e urina? 
Quais são os mecanismos adaptativos envolvidos? 
• Qual é o papel da uréia na conservação de água para o camelo? Que 
outro animal que apresenta um mecanismo osmoregulatório parecido? 
Como funciona este mecanismo? 
• O camelo transpira? Por quê? 
• Observe o gráfico abaixo e explique de que maneira a variação da 
temperatura corporal contribui para a adaptação destes animais ao 
deserto. Indique quais os efeitos físicos (superfície e volume corporal, 
calor específico da água) e fisiológicos (sudorese e comportamentais) 
que podem ser observados nestes gráficos. 
• Por outro lado, os ratos-cangurus evitam as horas quentes do dia 
mantendo-se em uma toca e só saem durante a noite. Eles comem 
sementes secas que contém somente traços de água e não bebem água, 
portanto não há reposição de água excretada pela urina. Estes animais 
sobrevivem à ausência total de água livre para beber e se mantém 
minimamente hidratados através da água metabólica. 
Pesquise: 
• Cite pelo menos duas vantagens que a toca oferece para esse animal? 
• Como devem ser as fezes e a urina deste animal? 
• Explique o que é água metabólica e como o rato-canguru se mantém 
hidratado. 
 
 
 
Figura esquerda: Variação da temperatura corporal de um camelo hidratado e 
outro desidratado. 
Figura direita: Variação dos padrões diários da temperatura em dois mamíferos 
com massas corporais diferentes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FIGURA 1: Metabolismo e excreção de nitrogênio nos animais, 
 
 
 
 
Figura 2: Tipos de rins de vertebrados. 
 
 
 
 
 
FIGURA : Regulação da osmolalidade em peixes de água doce e marinhos. 
 
Referências: 
Eckert,Roger;Burggren,WarrenW;French,Kathleen;Fernald,Russell.Fisiologia 
Animal: Mecanismos e Adaptações.4.ed.Rio de Janeiro:Guanabara 
Koogan,2000. 
Knut Schmidt-Nielsen , Bodil Schmidt-Nielsen , S. A. Jarnum, and T. R. Houpt 
Body. Temperature of the Camel and Its Relation to Water Economy. Am. J. 
Physiol. 188(1):103-112, 1957. 
Knut Schmidt-Nielsen. Fisiologia Animal: adaptação e meio ambiente. 5a 
ed.Rio de Janeiro:Guanabara Koogan,2005.

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