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BIOÉTICA E FORMAÇÃO EM SAÚDE AULA 5 Prof. João Luiz Coelho Ribas 2 CONVERSA INICIAL A diversidade sempre foi algo que encantou pesquisadores, especialmente a diversidade humana. Os cientistas tentaram classificar essa diversidade de várias formas. De acordo com formas físicas, comportamentais e até mesmo aspectos socioculturais. A teoria darwinista do evolucionismo inspirou pela primeira vez a hierarquização dos seres humanos em “raças”, colocando algumas como superiores às outras, levando a problemas sérios que infelizmente até hoje não são completamente resolvidos. No entanto, juntamente com Darwin e a evolução da biologia experimental no século XX, outros padrões classificatórios mais profundos foram se desenvolvendo, incluindo-se basicamente o conteúdo genético individual e as características de hereditariedade. Essa foi considerada, pelos seus dados e parâmetros, uma “segunda revolução darwinista”. Sendo assim, a genética aprofundou cada vez mais o enfoque metodológico e passou a ser decisiva para questões sobre diversidade humana, com ênfase particularmente no “genoma” e nas manipulações gênicas que se sucederam a partir desse novo conhecimento. Assim, ela se torna um dos principais tópicos de discussões bioéticas do século XXI. O objetivo desta aula é fomentar a discussão sobre a bioética e a interrupção da vida, contextualizando e seguindo com base na genética médica. TEMA 1 – BIOÉTICA E A INTERRUPÇÃO DA VIDA Tão complexas quanto as discussões bioéticas e o final da vida são as discussões sobre bioética e a interrupção da vida, explicitamente falando sobre aborto. E por falar em aborto, esse é o tema mais debatido, discutido e analisado dentro da bioética. No entanto, isso em hipótese alguma significa que tenham ocorrido avanços substanciais sobre essa questão. No Brasil, de acordo com o Código Penal, o aborto é considerado crime, independentemente de ser consentido ou não pela gestante. Claro que não é considerado crime nos casos em que a concepção se deu em decorrência de estupro, ou quando se trata de salvar a vida da gestante, ou ainda em casos de 3 gestação de fetos com graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais, como exemplo os fetos anencéfalos e, claro, no caso de incapazes. Por se tratar de uma discussão persistente no ramo da bioética, ainda não existe algo concreto, definindo-se a favor ou contra o aborto, pois a bioética também considera importante, nessa discussão, o fato de que muitas vezes essas futuras crianças são geradas de forma violenta, em lares desestruturados e que, possivelmente, se vierem a nascer, terão condições subumanas de sobrevivência. Como administrar tal fato? Será que é válido retirar essa vida do ventre de sua mãe, nos primeiros meses de desenvolvimento, para evitar uma morte prematura dessa criança que, ao nascer, não vai encontrar condições de se desenvolver adequadamente? Podemos considerar aborto como um homicídio? Essas são questões extremamente complexas a serem respondidas e discutidas. Conforme Ribas (2017): Argumentos como a interrupção da vida de um inocente frente à responsabilidade de sua genitora de um lado versus a integridade do filho, e da própria gestante diante de uma maternidade não desejada versus a segurança física e mental da futura mãe são quesitos sempre discutidos, mas sem um consenso a respeito. O mesmo autor ainda explica que: agregados a essas concepções e fatos surgem, atualmente, artigos publicados defendendo o que se chama de aborto pós-parto. Nessa concepção busca-se a adequação ética em matar recém- nascidos portadores de malformações, de doenças ou de características físicas ou mentais que possam gerar algum tipo de sofrimento ao próprio bebê, colocando em risco a harmonia e bem-estar familiar. Esse aborto pós-parto teria sua linha de argumentação pautada em três pontos básicos: recém-nascidos e fetos não têm o mesmo estatuto moral das pessoas reais; a afirmação de que ambos, recém-nascidos e fetos, são potenciais pessoas é moralmente irrelevante; a adoção nem sempre ocorreria no melhor dos interesses. 4 Dessa forma, para Ribas (2017): Na verdade, essa questão atualmente discutida faz um comparativo confuso e ambíguo com infanticídio e eutanásia infantil, fatos que por si só já geram enormes discussões no campo da ciência e da bioética.Mas o que essa discussão tem a ver com saúde? Tudo, pois é em nossos hospitais que recebemos as mulheres que clandestinamente fizeram a opção pelo aborto e devido a sua criminalização, o procedimento é mal feito e essas mulheres correm sério risco de morrer. Ou seja, dão entrada em nossos hospitais com sangramentos intensos, infecções, perfurações uterinas e até mesmo necessitando de muito apoio psicológico. Além desses problemas originados em “clínicas” clandestinas, sabe-se que muitas mulheres desesperadas recorrem ao aborto utilizando-se de métodos caseiros, que aumentam em grande proporção as chances de complicações como hemorragias e infecções. Portanto, independentemente da razão pela qual essas mulheres deram entrada no hospital, elas têm que ser tratadas por todos os funcionários de acordo com os preceitos bioéticos vigentes. TEMA 2 – BIOÉTICA E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA Quando falamos em manipulação genética de qualquer tipo e de desenvolvimento de tecnologias genômicas, estamos falando em implicações éticas, legais e sociais que incluem temas como o direito à privacidade, o direito à proteção da identidade gênica e o direito à não discriminação. A ciência genética está sendo transformada em uma indústria com investimentos milionários, especialmente investimentos privados. Dezenas de novos testes genéticos têm sido desenvolvidos nos últimos anos. A questão é que esses testes estão rapidamente se tornando uma ferramenta diagnóstica de rotina. No entanto, as informações produzidas por eles estão cada vez mais sendo utilizadas fora do contexto da saúde, indo contra os interesses do paciente. Outra questão extremamente debatida bioeticamente nessa área é que os genes podem nos dizer somente parte da história de um indivíduo e sobre o porquê de algumas pessoas adoecerem e outras não. Além disso, mesmo que conseguíssemos, pelos genes, saber exatamente o que uma pessoa tem, em hipótese alguma seríamos capazes de prever as doenças que afetariam esse indivíduo em uma dada fase de sua vida, mesmo porque os testes nos indicam a probabilidade de desenvolvimento de uma determinada doença em um tempo futuro indeterminado, e não a certeza nem a gravidade de sua manifestação. 5 Sobre esse tema, diversos países se mobilizam em discussões muitas vezes acaloradas para avaliar a aplicação e especialmente o impacto desse novo e crescente conhecimento, que apesar de trazer grandes benefícios, se não tratado eticamente, pode trazer grandes prejuízos ao indivíduo e à sociedade como um todo. Entre essas discussões genéticas, podemos incluir, especialmente: informação genética; terapia gênica; células-tronco; clonagem terapêutica; clonagem reprodutiva. TEMA 3 – BIOÉTICA E A INFORMAÇÃO GENÉTICA A definição de informação genética é extremamente ampla, no entanto podemos descrevê-la como qualquer informação que pode ser obtida a partir de sequências gênicas, ou seja, a partir de exames que levem a um sequenciamento de um ou de vários genes de um indivíduo, uma família ou até mesmo de um grupo. Aqui também podemos considerar a análise de características hereditárias como fazendo parte da informaçãogênica. Isso somente é possível porque todas as informações genéticas de um indivíduo estão contidas em seu material genético, denominado genes. Essas informações são únicas e passadas de pai para filho. Tais informações são, na verdade, extremamente úteis para a realização de alguns tipos de diagnósticos, como para o cálculo da probabilidade de surgimento de alguma anomalia hereditária em uma criança ainda durante a gestação e até mesmo antes dela. Mas até que ponto essas informações que os diferentes testes genéticos nos dão são realmente úteis? No entanto, mesmo com vantagens, temos que lembrar sempre que a informação genética é uma informação pessoal, individual, e que a privacidade desses testes deve ser mantida e somente divulgada a terceiros mediante autorização do paciente. Parece algo básico, mas infelizmente não é. Por isso essas informações são alvo de discussões bioéticas. Devido especialmente ao fato de que, apesar de proibido e antiético, essas informações caírem em mãos erradas, muita 6 discriminação está havendo, por exemplo, a recusa de contratação e promoção de funcionários que tenham uma dada sequência gênica que indiquem uma pré- disposição a uma doença incapacitante, cobrança de valores mais elevados por parte de seguradoras e planos de saúde, entre outras. Além, claro, do fato de que as informações genéticas têm um valor comercial potencial, especialmente para empresas e organizações que introduzem novos produtos e tecnologias no mercado com base nessas informações. Os testes genéticos não estão apenas na mão de profissionais de saúde, como acontece com um procedimento diagnóstico. Eles estão se tornando, infelizmente, uma maneira de se criarem categorias sociais, utilizando esses dados não para avaliar a capacidade individual, mas como estereótipo e previsão sobre seu desempenho ou estado de saúde futuro. TEMA 4 – BIOÉTICA E A TERAPIA GÊNICA Quando falamos em bioética envolvendo as discussões relativas à terapia gênica, obrigatoriamente falamos em manipulação genética, pois, para o desenvolvimento da terapia gênica, o desenvolvimento da manipulação genética é o fator-chave. No entanto, infelizmente, com o avanço da manipulação genética e o desenvolvimento das tecnologias genômicas, muitos problemas bioéticos vieram à tona, como as implicações éticas, legais e sociais que incluem direito à privacidade, direito à proteção da identidade gênica e o direito à não discriminação. O grande problema aqui, senão o maior em termos bioéticos, é que a ciência genética e todos os avanços que ela traz à saúde do cidadão estão sendo transformados em uma indústria com investimentos milionários, especialmente privados, o que leva à manutenção do conhecimento e da utilização dele nas mãos de poucos. A ideia central de toda essa discussão é que a aplicação desse desenvolvimento de tecnologias de caráter genético, especialmente voltadas à terapia gênica, representa sua contribuição na melhoria da qualidade da vida, ao prevenir doenças, evitar riscos e, sempre que possível, contribuir de forma decisiva no processo curativo. No entanto, infelizmente toda essa tecnologia vem sendo utilizada para classificar sociedades e grupos, não mais pela cor da sua pele, mas por sua herança genética, construindo novas identidades raciais. 7 Claro que não podemos deixar de lado as questões que envolvem organismos geneticamente modificados, como sementes, animais híbridos e até mesmo embriões humanos. São atualmente, e infelizmente, mais uma forma de criar lucro para uma pequena parcela da população que pode usufruir desse conhecimento global. Além dessas discussões, é fato que a transferência de material genético é uma inovadora e promissora fonte de tratamento de inúmeras doenças. Esses estudos mais aprofundados, e com resultados extremamente promissores, tiveram seu início na década de 1970. TEMA 5 – BIOÉTICA X AVANÇOS TECNOLÓGICOS X TERAPIA GÊNICA Apesar dos grandes avanços nessa tecnologia, a terapia gênica cada vez mais tem incitado diversas discussões bioéticas e filosóficas, tais como: Quais seriam as consequências da terapia gênica para a pessoa que recebe o material genético? Essas técnicas poderiam modificar definitivamente o patrimônio genético? Quais seriam os danos à saúde provenientes dos procedimentos inerentes à transferência do DNA? O princípio da autonomia sobre o genoma individual é respeitado? E em casos de terapia genética utilizando células germinativas? Quais seriam suas consequências e, especialmente, de onde viria esse material genético? De embriões? Quais os direitos? NA PRÁTICA Em uma cidade, um anúncio nos classificados de jornal tornou algumas discussões bioéticas bastante comentadas por todos os moradores daquela região. O título do anúncio era o seguinte: “Barriga – (humana) para inseminação artificial” – Diário Popular, 28/01/2011, Pelotas, RS (Diário, 2017). 8 No corpo do anúncio ainda apresentava a referência de essa senhora ser “boa parideira”, pois já havia tido dois filhos anteriormente. No dia seguinte, o mesmo jornal divulgou que essa senhora estava endividada (R$5.000,00), sendo este um dos motivos que levaram esta senhora de 39 anos, fotógrafa profissional, a fazer tal oferta. No caso, a remuneração esperada por ela pela gestação estava estipulada entre R$20.000,00 e R$30.000,00, acrescida dos gastos com a gestação, parto e recuperação. E, mesmo cobrando, declarou que se tratava de uma “oferta altruísta”, pois auxiliaria outras pessoas a realizarem o sonho de terem filhos. Supondo que você, como um profissional conceituado na cidade, fosse chamado para dar sua opinião bioética sobre o caso, no mesmo jornal em que foi divulgado o anúncio, o que você argumentaria? FINALIZANDO Nesse tema pudemos observar a evolução das discussões bioéticas associadas à interrupção da vida e à genética médica, as quais são extremamente importantes para o desenvolvimento do raciocínio bioético. 9 REFERÊNCIAS BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Princípios de ética biomédica. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2002. COHEN, C.; FERRAZ, F. C. Direito humano ou ética das relações? In: Bioética. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2002. CONEP. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Disponível em: <conselho.saúde.gov.br>. Acesso em: 22 dez. 2017. DIÁRIO Popular. Oferta de maternidade substitutiva comercial. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/bioetica/matpel.htm?>. Acesso em: 22 dez. 2017. FERREIRA, A. B. H. Dicionário Eletrônico Aurélio – Século XXI. Curitiba: Positivo, 2004. GARRAFA, V. Introdução à Bioética. Revista do Hospital Universitário UFMA, São Luís, v. 6, n. 2, p. 9-13, 2005. GUILHEM, D.; DINIZ, D. A ética na pesquisa no Brasil. In: DINIZ, D.; GUILHEM, D.; SCHUKLENK, U. 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