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CASO PRÁTICO DA SEMANA 9 e 10 em PDF

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CASO PRÁTICO DA SEMANA 9 – DIR. PENAL 4 
QUESTÃO: Mediante denúncia anônima, foi descoberto que ROBERTO possuía no interior de sua residência, armas 
de fogo e munições de uso permitido com os respectivos registros vencidos. Indagado por policiais, 
informou que tinha conhecimento das regras estabelecidas pelo Estatuto do Desarmamento, mas que não tinha a 
intenção de utilizá-las, mas, de tornar-se um colecionador de armas, pois acreditava ser esta 
conduta permitida por lei. Ante o exposto, com base nos estudos realizados sobre o Estatuto do Desarmamento, 
responda de forma objetiva e fundamentada às questões: 
 
a) Qual a tipificação dada à conduta de ROBERTO? 
O caso concreto versa sobre a controvérsia acerca do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso 
permitido como delito de perigo abstrato (art. 12 da Lei 10.826/2003), elementos de sua caracterização, 
bem como a discussão acerca da incidência do erro de proibição. Foi desenvolvida a questão a partir de decisões 
proferidas pelo STJ, constantes nos Informativos n. 570 e 572. 
A conduta do agente de possuir, no interior de sua residência, armas de fogo e munições de uso 
permitido com os respectivos registros vencidos pode configurar o crime previsto no art. 12 do Lei 
10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). De fato, o cidadão, para ser autorizado a adquirir arma de fogo 
de uso permitido, deverá preencher os requisitos previstos nos incisos I, II e III do art. 4° da Lei 
10.826/2003, quais sejam: a) comprovação de idoneidade, com apresentação de certidões negativas de antecedentes 
criminais e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; b) apresentação de documentos 
comprobatórios de ocupação lícita e de residência certa; e c) capacidade 
técnica e aptidão psicológica para o manuseio do artefato. Ademais, mesmo que previamente autorizado a adquirir, 
somente poderá manter a posse de arma de fogo de uso permitido mediante certificado de 
registro federal, documento temporário, que deve ser renovado por meio da comprovação periódica dos 
mesmos requisitos mencionados. Nesse contexto, estabelece o art. 12 do Estatuto do Desarmamento ser proibido 
possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em 
desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, 
ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa 
b) Uma vez denunciado, quais teses defensivas a serem apresentadas? 
Manter sob guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso permitido com registro vencido não configura 
o crime do art. 12 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). O art. 12 do Estatuto do Desarmamento afirma 
que é objetivamente típico possuir ou manter sob guarda arma de fogo de uso 
permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de residência. Entretanto, 
relativamente ao elemento subjetivo, não há dolo do agente que procede ao registro e, depois de expirado 
prazo, é apanhado com a arma nessa circunstância. Trata-se de uma irregularidade administrativa; do contrário, 
todos aqueles que porventura tiverem deixado expirar prazo semelhante terão necessariamente de responder pelo 
crime, o que é absolutamente desproporcional. Avulta aqui o caráter subsidiário e de 
ultima ratio do direito penal. Na hipótese, além de se afastar da teleologia do objeto jurídico protegido, a saber, a 
administração e, reflexamente, a segurança e a paz pública (crime de perigo abstrato), banaliza - 
se a criminalização de uma conduta em que o agente já fez o mais importante, que é apor seu nome em 
um registro de armamento, possibilitando o controle de sua circulação. Precedente citado: HC 294.078- 
SP, Quinta Turma, DJe 4/9/2014. APn 686-AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/10/2015, 
DJe 29/10/2015. 
A Quinta Turma do STJ já decidiu que possuir arma de fogo com registro vencido não é crime, mas apenas 
infração administrativa. No entanto, a compreensão deve ser dada de modo diverso. Isso porque, ao editar a Lei 
10.826/2003, o legislador se interessou, expressamente, pela incolumidade pública - complexo de condições 
necessárias para a segurança e integridade pessoal dos indivíduos - e valorou tal interesse em uma norma (na 
hipótese, não possuir, de forma irregular, arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido), tutelada pelo 
tipo penal previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. Não há controvérsia, assim, sobre a tipicidade 
formal da conduta em análise. Porém não se pode concluir, no incipiente momento do oferecimento da denúncia, 
que possuir arma de fogo com certificado federal vencido não é materialmente típico, a ponto de afastar o 
alcance do art. 12 do Estatuto do Desarmamento. A conduta delineada, além de formalmente típica, é 
antinormativa. Nesse passo, há doutrina afirmando que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade 
legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação 
da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim 
conglobada na ordem normativa. Posto isso, quando o proprietário de arma de fogo deixa de demonstrar que 
ainda detém, entre outros requisitos, aptidão psicológica e idoneidade moral para continuar a possuir o 
armamento, representa, em tese, um risco para a incolumidade pública, de modo que a lei penal não pode ser 
indiferente a essa situação. Assim, sem investigar as peculiaridades de cada caso, é temerário afirmar, de forma 
automática e categórica, que não é crime possuir arma de fogo com registro expirado, máxime ante a finalidade 
do Estatuto do Desarmamento e porque não existe previsão de penalidade administrativa para tal conduta, não 
podendo a questão ser resolvida na seara administrativa. A Administração, ao contrário dos particulares, nada 
pode fazer senão o que a lei determina. Assim, a subsistir o entendimento de que tal conduta é materialmente 
atípica, os agentes públicos nem sequer poderiam adentrar na residência do particular para reaver as armas de 
fogo com registro vencido ou compeli-lo, por exemplo, a pagar multa. Sob diversa angulação, não é possível a 
aplicação, à hipótese, do princípio da adequação social, vetor geral de hermenêutica, segundo o qual, dada a 
natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, não se pode reputar como criminosa uma ação ou omissão 
aceita e tolerada pela sociedade, ainda que formalmente subsumida a um tipo legal incriminador. Sem embargo 
de opiniões contrárias, possuir diversas armas de fogo e munições, de uso permitido, com certificados vencidos 
não é uma conduta socialmente tolerável e adequada no plano ético. Já sob a ótica do princípio da lesividade, 
tem -se, aqui, que o perigo à incolumidade pública é idêntico àquele ocasionado pelo agente que possui arma de 
fogo ou somente munições sem certificado. Em função dos próprios objetivos da Lei do Desarmamento, o 
postulado da insignificância deve ser aferido caso a caso, de forma excepcional, para verificar a presença dos 
vetores já assinalados pelo STF, tais como a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da 
ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 
O STJ, antes do referido precedente da Quinta Turma, já havia decidido, por meio de sua Corte Especial, que 
"Considera-se incurso no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 aquele que possui arma de fogo de uso permitido com 
registro expirado, ou seja, em desacordo com determinação legal e regulamentar" (APn 686-AP, DJe 5/3/2014). 
Por todo o exposto, o precedente da Corte Especial deve orientar o entendimentodo Superior Tribunal sobre a 
matéria, sem prejuízo de que o aplicador do direito, caso a caso, utilize vetores gerais de hermenêutica para 
restringir o teor literal do tipo penal que, em situações peculiares, pode alcançar condutas socialmente 
admissíveis ou penalmente insignificantes. RHC 60.611-DF, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 15/9/2015, 
DJe 5/10/2015. 
QUESTÃO OBJETIVA: Sobre os crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, assinale a resposta correta. 
a) O crime previsto no art. 14 do Estatuto (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido) versa sobre armas de 
fogo e munições, não contemplando os acessórios entre suas elementares. 
b) Entende-se como posse de arma de fogo a conduta de possuir ou manter arma em casa ou local de trabalho, 
qualquer que seja ele, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. 
c) Comete o crime do art. 14 do Estatuto o praticante de tiro esportivo que transporta arma de fogo municiada, 
quando a guia de tráfego autoriza apenas o transporte de arma desmuniciada. 
d) Para a consumação da infração penal prevista no art. 13 do Estatuto, basta que o sujeito ativo omita as cautelas 
necessárias para impedir que pessoas menores de 18 anos ou portadores de deficiência mental se apoderem de 
munições. 
e) O porte de simulacro de arma de fogo de uso restrito caracteriza o crime previsto no art. 16 do Estatuto. 
QUESTÃO OBJETIVA. GABARITO LETRA C. (Concurso Público. Ano: 2016Banca: FUNCAB. Órgão: PC-PA. Prova: 
Delegado de Polícia Civil) 
O Estatuto do Desarmamento é uma norma penal em branco 1- Portaria do Exército não revoga lei; 2- A questão 
trata do estatuto do desarmamento, não de regulamentos do Exército; 3- Entendimento dos Tribunais foi 
amplamente destacado pelos colegas que comentaram acima. Logo, opino no sentido de que a questão não está 
desatualizada. 
 
MAS ATENÇÃO: 
"Art. 135-A. Fica autorizado o transporte de uma arma de porte, do acervo de tiro desportivo, municiada, nos 
deslocamentos do local de guarda do acervo para os locais de competição e/ou treinamento." 
PORTARIA Nº 28 – COMANDO LOGISTICO DO EXERCITO, DE 14 DE MARÇO DE 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
CASO PRÁTICO DA SEMANA 10 – DIR. PENAL 4 
No dia 25 de julho de 2014, por volta de 20h30min, em via pública localizada na Estrada Velha de Búzios, 
bairro Tangará, NORBERTO, de forma livre e consciente, conduziu o veículo automotor caminhão VW, 
placa KXX-0000, cor branca, com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, 
conforme laudo de fl. 09. Nas mesmas condições de tempo e lugar, o denunciado praticou lesão corporal 
na direção de veículo automotor, obrando com imperícia e causando lesões em FERDINANDO, descritas 
no Boletim de Atendimento Médico e no Auto de Exame de Corpo de Delito. Momentos após, no mesmo 
local, NORBERTO, também de forma livre e consciente, desacatou funcionários públicos no exercício das 
suas funções. Na ocasião dos fatos, a vítima FERDINANDO estava trafegando na mesma Estrada 
quando, ao reduzir a velocidade para passar por quebra-molas, sentiu um forte impacto na traseira do seu veículo, 
qual seja, um FIAT UNO, cor vermelha, placa KYY-1111, sendo arrastado por cerca de 200m, 
vindo a parar na outra pista, quase colidindo com uma motocicleta que trafegava no sentido contrário. A colisão, 
que gerou lesões corporais na vítima, foi provocada pelo denunciado, que dirigia embriagado e de 
maneira imprudente. Pouco depois, os policiais militares ora arrolados como testemunhas chegaram ao 
local dos fatos, momento em que foram desacatados pelo denunciado que os chamou de "viados", 
"policiais de merda", "ladrões", incitando-os a "cair na porrada". Em sede policial, o denunciado assumiu a prática do 
fato delituoso afirmando, para tanto, que, no dia dos fatos, estava embriagado e, conduzindo 
um caminhão, colidiu na traseira de um veículo e que não lembrava de ter ofendido os policiais." 
Ante o exposto, com base nos estudos realizados sobre a Teoria Geral do Delito e nos delitos previstos 
na Lei.9503/1997, indaga-se: qual a correta tipificação da conduta de NORBERTO? Responda de forma 
objetiva e fundamentada. 
RESPOSTA: O caso concreto versa sobre as controvérsias acerca do delito de embriaguez 
ao volante. Foi desenvolvido a partir de decisão proferida em sede de Apelação criminal 
proferida em dezembro de 2016 (TJRJ). Trata-se de impugnação à condenação pelos 
delitos previstos nos artigos 303, caput e 306, ambos do CTB e 331 do Código Penal, em 
concurso material de crimes. Na questão em exame, se analisa não somente a tipificação, 
mas a ocorrência de conflito a parente de normas. 
O crime de desacato previsto no artigo 331 do Código Penal, conforme esclarece a doutrina, se tipifica quando o 
agente emprega qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao 
funcionário público, podendo consistir em palavras injuriosas, ameaças, tudo a indicar a intenção de ofender ou 
atacar o prestígio e o decoro da função. Lições de Hungria, Noronha, Rogério Greco. De outro giro, ainda que se 
trate de matéria ainda controvertida, tem prevalecido o entendimento da irrelevância da embriaguez no momento 
da aferição do elemento subjetivo, até porque, em regra, tal infração vem a ocorrer quando o agente se encontra 
exaltado no momento da conduta. Condenação que deve ser mantida no caso concreto, eis que o comportamento 
do acusado de xingar os policiais com palavrões, sem dúvida, objetivava desprestigiar a função por aqueles exercida 
legalmente. Não podendo ser admitido no direito penal moderno o chamado crime de perigo abstrato por força do 
implícito princípio constitucional da ofensividade, apesar da redação econômica do artigo 306 do Código de Trânsito 
Brasileiro, atento ao princípio da proporcionalidade que desautoriza que a infração administrativa que é menos grave 
exija requisito não previsto na infração penal que é mais grave ("estar sob a influência de álcool ou qualquer outra 
substância"), penso que para o reconhecimento do crime da lei de trânsito referido não basta que o motorista esteja 
com o limite referido pela norma de concentração de álcool no sangue, impondo-se a comprovação de que ele estava 
dirigindo sob a influência daquela substância, o que se manifesta numa direção anormal que coloca em risco concreto 
a segurança viária que é o bem jurídico protegido pela norma. Entendimento contrário, consagra a ideia da adoção 
pelo Estado de instrumento simbólico para a conformação de comportamentos desejáveis, ainda que sem ofensa ao 
bem jurídico protegido, com utilização do aparato punitivo como prima ratio e não como ultima ratio. No caso 
concreto, além de ter ficado demonstrado pela perícia técnica o estado de embriaguez do motorista, o acusado 
causou um acidente ao bater na traseira de um carro que havia reduzido a velocidade para transpor um "quebra-
molas", o que indica que o acusado na condição em que se encontrava colocava concretamente em risco o bem 
jurídico protegido pela norma em exame, ou seja, a segurança do trânsito. O juiz possui manifesta discricionariedade 
no calibre da pena base, devendo eventual exacerbação da 
resposta penal naquele primeiro momento estar fundamentada nas circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 
do Código Penal, o que efetivamente ocorreu no caso presente, operada a substituição da PPL por PRD. 
 
 
 
 
 
 
 
QUESTÃO OBJETIVA: Ao manobrar veículo automotor no interior de uma garagem particular, Felisberto, 
descuidadamente, atropela a amiga Marinalva, que orientava a manobra, a qual sofre lesões corporais de natureza 
leve. Durante a investigação do fato, descobre-se que Felisberto não possuía permissão ou habilitação para dirigir 
veículos automotores.Contudo, logo depois, a vítima comparece à Delegacia de Polícia e se retrata da 
representação anteriormente oferecida. Passados seis meses, é correto afirmar que Felisberto: 
a) poderá ser criminalmente responsabilizado por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 
da Lei n° 9.503). 
b) não poderá ser criminalmente responsabilizado. 
c) poderá ser criminalmente responsabilizado por contravenção penal de dirigir veículo sem habilitação (art. 32 do 
Decreto-Lei n° 3.688). 
d) poderá ser criminalmente responsabilizado por dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação, ou 
quando cassado o direito de dirigir (art. 309 da Lei n° 9.503). 
e) poderá ser criminalmente responsabilizado por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 
majorada (art. 303, parágrafo único, da Lei n° 9.503). 
QUESTÃO OBJETIVA. LETRA B. (Concurso público. Ano: 2016Banca: FUNCAB. Órgão: PC-PA. Prova: 
Delegado de Polícia Civil) 
COMENTÁRIOS: Para a caracterização dos delitos de homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de 
veículo automotor relevante a distinção entre culpa consciente e dolo indireto eventual, bem como a 
impossibilidade de compensação de culpas nos casos de concorrência de culpas. Os delitos de homicídio culposo 
e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor podem ser praticados em via particular ou pública, 
diferentemente dos demais crimes de trânsito que exigem sua prática em via pública em decorrência da 
objetividade jurídica, qual seja, segurança viária. 
Acidentes de trânsito: Dolo eventual ou culpa consciente? STF respondeu 
De acordo com nosso Código Penal só há crime se houver dolo ou culpa na conduta do agente. Não havendo um 
desses elementos subjetivos o fato é atípico. E ainda de acordo com o Código mencionado, há dolo não só quando o 
agente quer o resultado (direciona sua conduta especificamente para um determinado resultado – dolo direto), mas 
também quando ele assume o risco de causar um resultado previsto (dolo eventual). É dizer, na letra expressa da 
lei, também há dolo (dolo eventual) quando o agente “assume o risco” de causar o resultado criminoso. 
Mas essa fórmula empregada pela lei – “assumir o risco” – torna o dolo eventual muito próximo da denominada culpa 
consciente, o que faz gerar, consequentemente, inúmeros problemas práticos na aplicação de tais institutos. E a 
confusão se dá por duas razões: 
1ª) em ambos os institutos o agente prevê o resultado e mesmo assim prossegue praticando a conduta, ou seja, em 
ambos os casos não há mera previsibilidade (possibilidade de previsão); há mais do que isso, há efetiva previsão do 
resultado; 
2ª) a expressão “assumir o risco”, se tomada em seu sentido comum, leigo, permite considerar como dolosa qualquer 
conduta que a rigor é culposa, já que a culpa nada mais é do que uma conduta arriscada. Exemplificativamente, 
aquele que excede a velocidade do automóvel para chegar a tempo em um lugar praticou conduta arriscada. Aos 
olhos do leigo, “assumiu o risco” do acidente. 
Essa segunda questão acima apontada, de ordem semântica, é muito problemática nos casos de homicídios no 
trânsito. Se o condutor está embriagado ou em situação de “racha” lhe é imputado o crime de homicídio doloso, 
ainda que nos autos não haja um elemento concreto sequer de que o agente de fato tenha atuado com dolo eventual. 
E como o julgamento do homicídio doloso é realizado por juízes leigos (jurados) torna-se muito fácil convencê-los 
de que o réu “assumiu o risco” e por isso agiu com dolo eventual. 
Mas o STF, há sete anos atrás, no julgamento do HC 107801, acertadamente, recolocou o dolo eventual e a culpa 
consciente nos seus devidos lugares, criando assim um precedente que poderá evitar a aplicação indevida de tais 
institutos, principalmente no procedimento do Júri. De acordo com o site oficial da Corte “A Primeira Turma do 
Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, na tarde de hoje (6), Habeas Corpus (HC 107801) a L. M. A., motorista 
que, ao dirigir em estado de embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito. A decisão da 
Turma desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio 
culposo (sem intenção de matar) na direção de veículo, por entender que a responsabilização a título “doloso” 
pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime. Ao expor seu voto-vista, o ministro 
Fux afirmou que “o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída 
ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual”. Conforme o 
entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a 
pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. O ministro Luiz Fux 
afirmou que, tanto na decisão de primeiro grau quanto no acórdão da Corte paulista, não ficou demonstrado que o 
acusado teria ingerido bebidas alcoólicas com o objetivo de produzir o resultado morte. O ministro frisou, ainda, 
que a análise do caso não se confunde com o revolvimento de conjunto fático-probatório, mas sim de dar aos fatos 
apresentados uma qualificação jurídica diferente. Desse modo, ele votou pela concessão da ordem para 
desclassificar a conduta imputada ao acusado para homicídio culposo na direção de veiculo automotor, previsto no 
artigo 302 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro)”.(www.stf.gov.br) 
Como dito acima, tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente, o agente prevê efetivamente a possibilidade 
do resultado e mesmo assim continua a realizar a conduta. Mas, sem embargo dessa semelhança, há uma diferença 
fundamental entre as duas hipóteses: no dolo eventual o agente “assume” (leia-se: aceita) causar o resultado, ou 
seja, ele não se importa se tal resultado ocorrer e vitimar pessoas. No seu íntimo o infrator imagina: “eu não estou 
nem aí se eu matar, ferir etc; eu não quero isso, mas se isso acontecer azar da vítima”; 
Na culpa consciente tudo se passa de forma bem diferente: o agente não aceita jamais a ocorrência do resultado. 
Ele, na verdade, atua com confiança nas próprias habilidades, na certeza de que “apesar do risco”, nada acontecerá 
naquele momento. No seu íntimo o infrator pensa: “o que estou fazendo é arriscado, mas com absoluta certeza nada 
acontecerá”. 
É bem verdade que essa diferença apontada acima, embora ontologicamente seja bem nítida, na prática é muito 
sutil, o que torna muito difícil – quase um exercício de vidência – saber se o agente atuou com culpa consciente ou 
dolo eventual. Não menos verdade, porém, é que um dos axiomas mais importante do direito é o do “in dubio pro 
reo”, razão pela qual não se pode, à mingua de qualquer elemento concreto de prova, imputar ao agente o dolo 
eventual apenas para satisfazer verdades pessoais ou sentimentos particulares de justiça (o que, aliás, ocorre muito 
na prática judicial deste país). Somente as circunstâncias do caso concreto, devidamente comprovadas nos autos 
permitem afirmar o elemento subjetivo do agente, razão pela qual não se pode generalizar que nos acidentes de 
trânsito em situação de “racha” ou com o condutor embriagado há, necessária e invariavelmente, dolo eventual. 
Em nossas aulas, fornecemos os seguintes exemplos aos alunos: em um caso real, ocorrido na cidade de Curitiba, o 
agente, revoltado com o fim do namoro, passou a efetuar manobras radicais com o automóvel na rua onde a ex-
namorada residia; antes de entrar no automóvel ele avisou algumas mulheres para recolherem os filhos da calçada 
porque ele estava revoltado e não se importava se matasse alguma criança; durante as manobras radicais ele perdeu 
ocontrole do automóvel, avançou sobre a calçada, atropelou e matou uma criança; desceu do automóvel e disse 
“eu avisei”. Nesse caso, diante das circunstâncias do caso concreto, evidenciado ficou o dolo eventual; mas em 
outro exemplo, se um pai sai da festa de formatura da filha e no trajeto causa um acidente matando a própria filha, 
não se pode afirmar que o infrator agiu com dolo eventual apenas porque tomou dois copos de bebida alcoólica 
durante o evento. Da mesma forma que não se pode afirmar que houve dolo eventual na conduta de um filho que, 
socorrendo o pai para o pronto socorro, imprime velocidade excessiva no automóvel e causa um acidente matando 
o próprio pai (esqueçamos aqui a situação de estado de necessidade que não interessa no momento). Veja-se que 
nos três exemplos acima, o agente previu o resultado; nos três exemplos, um leigo diria com a maior certeza do 
mundo que os condutores “assumiram o risco”. Mas certamente o que houve no primeiro exemplo foi dolo eventual 
e nos dos últimos, culpa consciente. 
A propósito, um importantíssimo fator (que ninguém até o momento se ateve) deve ser considerado: o próprio Código 
de Trânsito Brasileiro, com a alteração dada pela Lei 11.705/2008 (Lei Seca) passou a admitir a existência de crime 
culposo em situação de embriaguez do condutor e de “racha”. É que o artigo 291, § 1º, I e II do CTB proíbe a 
aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 quando a lesão culposa for praticada em situação de 
embriaguez do condutor e em situação de “racha”. Em outras palavras, o próprio legislador refere-se à lesão culposa 
em situações de embriaguez e de “racha”. 
Além disso, admitir que nos acidentes de trânsito o agente atua com dolo eventual significa dizer que ele quis o 
suicídio, porque como ele é o condutor do veículo envolvido no acidente, a morte da outra pessoa terá como 
consequência necessária a morte ou lesões do próprio infrator. É preciso concluir que o infrator imaginou o seguinte: 
“se eu morrer ou ficar gravemente ferido não me importo; não estou nem aí; azar o meu”. Um rematado absurdo. 
Acertou o STF, portanto, na decisão acima referida. Quem estava errando, (por omissão), era nosso legislador, que 
teimava em não criar uma forma qualificada de homicídio culposo em situações de embriaguez do condutor e de 
“racha”. Somente agora em 2017, na forma da lei 13.546, de 19/12/2017 houve a inserção do § 3º do art. 302 e § 2º 
do art. 303 do CTB, criando figuras mais gravosas, com a pena cominada na proporção exata à gravidade do delito, 
não havendo mais necessidade de desvirtuamento da lei (leia-se: o desvirtuamento do que realmente é o dolo 
eventual) para se evitar o sentimento de impunidade nesses casos. (É que o sentimento de impunidade existia 
porque a pena máxima cominada ao homicídio culposo – 4 anos de detenção – e ensejava, em regra, substituição por 
penas restritivas de direitos, o que é muito pouco para quem mata nessas circunstâncias acima apontada).

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