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DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL ROTEIRO DE CURSO 2010.1 3ª EDIÇÃO AUTORES: ALVARO JORGE E GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDT 03 05 11 13 17 24 25 28 31 33 37 44 48 51 53 61 67 69 80 83 86 Sumário do Curso Direito Constitucional Econômico e Social BLOCO I – SENSIBILIZAÇÃO E INTRODUÇÃO Aula 01: “Constituição Dirigente”: Para que servem as Constituições? Aula 02: Alfabetização”: Estado, Mercado e Terceiro Setor Aula 03: Constitucionalismo Dirigente e “Frustração Constitucional” Aula 04: Constituição de 1988 ou Constituição do Brasil? BLOCO II – AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO ECONÔMICO Aulas 05, 06 e 07: O Estado Regulador Aulas 08 e 09: O Estado Empresário BLOCO III – PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA Aulas 10 e 11: Livre Iniciativa, Valorização do Trabalho Humano e Livre Concorrência Aulas 12 e 13: Função Social “das Propriedades” - Desapropriação no Campo e na Cidade Aula 14: Superação das Desigualdades Regionais e “Federalismo Regiona Aula 15: Defesa do Consumidor BLOCO IV – A ORDEM SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO Aulas 16 e 17: A Previdência e suas Reformas Aulas 18 e 19: Direito à Saúde e o Sistema Único de Saúde na Constituição Aula 20: Comunicação Social: Soberania e/ou Globalização Aulas 21 e 22: Direito à Educação e o Sistema de Ensino no Brasil Aula 23: Cultura e Patrimônio Cultural Aulas 24 e 25: A Constituição e o Meio Ambiente Aula 26: Palestra: Limites, Possibilidades e Tendências do “Constitucionalismo Dirigente” no Brasil FGV DIREITO RIO 3 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL BLOCO I – SENSIBILIZAÇÃO E INTRODUÇÃO Por que inserir na Constituição dispositivos relativos aos “princípios fundamentais da or- dem econômica e social”, ou à “intervenção do Estado na economia”? Quais os fatores polí- ticos, econômicos, jurídicos e sociais que colocaram essas questões na pauta do constituinte? Qual a relevância e quais as conseqüências dessa opção? Na abordagem dessas questões, retomaremos algumas das discussões realizadas em Te- oria do Direito Constitucional (1° período), mais especificamente o problema da decisão constituinte. Afinal, o que vai para a constituição? Exploração de petróleo e gás? Ciência e Tecnologia? Ensino Superior? Previdência? Na verdade, a resposta a essas perguntas não se dá em um código binário, do tipo “sim” ou “não”. É fundamental definir como essas matérias entram na constituição, isto é, qual será a sua forma jurídica específica. Dependendo das ambições do constituinte, a constituição promulgada pode deixar mais ou menos espaço para integração legislativa e para a adoção de políticas públicas. Pode investir os particulares de situações jurídicas mais ou menos consis- tentes, abrindo maior ou menor espaço para a sua aplicação direta por parte do Judiciário. Pode ainda restringir mais ou menos o âmbito de atuação do Poder Público brasileiro em cada uma das esferas em jogo – educação, saúde, desporto e setor financeiro, por exemplo. Vale notar que toda constituição instaura uma “ordem econômica” de alguma forma, mesmo que não haja um capítulo ou mesmo um artigo sequer tratando especificamente do tema. Primeiro, porque “propriedade”, “contratos” e “relação de trabalho” não são realida- des pré-existentes ao direito, esperando para serem ou não “reguladas” pela constituição e pela legislação.1 Ao contrário: o direito cria a propriedade, a liberdade de contratação, de iniciativa e de trabalho. Não existe uma “ordem econômica natural”, de “contratos naturais” e “propriedade natural”, supostamente em harmonia, diante da qual a constituição e as leis precisam estabelecer uma relação – tensa ou também harmônica - no momento de sua cria- ção. Lembre-se do que foi discutido em Introdução ao Estudo do Direito I e II: as normas jurídicas constituem a propriedade, os contratos, a liberdade. Não é por outro motivo que a propriedade e a liberdade de contratação precisam estar positivados e definidos pelo direito vigente para que seus titulares possam invocar a proteção estatal para sua garantia. Segundo, e conseqüentemente, uma constituição que não trate especificamente da intervenção do Estado na atividade econômica – como a Constituição brasileira de 1824, por exemplo – nem por isso deixa de refletir opções econômicas fundamentais. Com a simples positivação do direito de propriedade da disponibilização do aparato judiciário e policial para protegê-lo de intervenções de outros particulares e do próprio Estado, dá-se forma jurídica a uma ordem econômica com características liberais – intervenção estatal limitada à garantia dos direitos necessários ao funcionamento do mercado (propriedade, contratos, liberdade de expressão e de iniciativa etc.). Não positivar limites ao direito de propriedade é também fazer uma escolha – uma escolha que, aliás, tende a favorecer os interesses daqueles que a constituição define como proprietários (o que, no caso do Brasil, tende a coincidir com o conjunto dos que já eram proprietários de acordo com a legislação anterior à Cons- tituição). Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos: “A ’Constituição Econômica‘ vem a ser, pois, o conjunto de normas voltadas para a ordenação da economia, inclusive delineando a quem cabe exercê-la. A Constitui- ção, por ser o elemento fundamental para todos os atos do Estado (administrativos, legislativos e jurisdicionais) acaba sempre tomando uma posição em face da matéria 1 Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.37.: “O mercado – além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica (=institu- cionalizado e conformado pelo direito posto pelo Estado)” . Cf. também Roberto Mangabeira Unger, O Direito e o Futuro da Democracia, passim. FGV DIREITO RIO 4 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL econômica. Se ela não tiver normas explícitas sobre ela, prevalece o que poderíamos chamar de uma ordem econômica implícita, qual seja, a resultante da regulação de determinados direitos como o de propriedade e o da liberdade de trabalho. Eis que esses vão naturalmente dar lugar a uma ordem econômica baseada na livre iniciati- va. Portanto, a ausência de posições assumidas pela Carta Magna ante o fenômeno econômico é própria dos regimes liberais.” 2 Observe-se mais um exemplo de ordem econômica implícita: a Constituição americana de 1787. Nesta, não se discute concorrência, nem exploração estatal de atividades econômi- cas, nem se traçam as diretrizes e princípios fundamentais do sistema financeiro ou do uso da propriedade rural, como faz a Constituição brasileira de 1988. Ela garante direitos de propriedade e a liberdade de iniciativa, restringindo bastante a capacidade das legislaturas de regularem as atividades comerciais em geral. Mesmo assim, é possível identificar qual é a opção econômica feita pela Constituição americana: garantir que aqueles que já eram proprietários na época da Convenção Constituinte manteriam seus direitos de propriedade intactos, tanto contra investidas de particulares, quanto contra confiscos e outras arbitrarie- dades estatais. Para tanto, o governo desenhado pela Constituição deveria ser forte o sufi- ciente para proteger os proprietários quando estes estivessem em minoria, mas fraco demais para que possa representar um risco à livre circulação de capital.3 Neste bloco, além de fazermos os primeiros contatos com conceitos fundamentais como “constituição dirigente”, “ordem econômica” e “estado de bem-estar social”, tentaremos analisar as diferentes opções fundamentais feitas pelo constituinte no tocante à ordem eco- nômica e à ordem social, incluindo os seus efeitos práticos específicos. Além disso, sempre que possível, discutiremos algumas das possibilidades e caminhos que não foram adotados, embora ainda permaneçam em aberto pela via da reforma constitucional. Como já discutimos em Teoriado Direito Constitucional, a rigidez da constituição é um dos atrativos para transformar em matéria constitucional essas decisões fundamentais relati- vas à ordem econômica e à ordem social. Vale notar, porém, que muitos desses dispositivos, embora naturalmente só possam ser alterados ou suprimidos por emenda constitucional, na maioria das vezes não chegam a constituir a cláusulas pétreas (a não ser quando funcionem como normas definidoras de direitos fundamentais, nos termos do art. 60, 4o, IV). Se não fosse assim, a mudança substancial de modelo econômico, por exemplo, dependeria da substituição da constituição vigente por uma outra inteiramente nova. Sintetizando os pontos acima, podemos dizer que este primeiro bloco tem três objetivos principais. 1. Discutir a importância da forma jurídico-constitucional das decisões econômicas e sociais fundamentais; 2. Problematizar os limites e possibilidades da ambição do chamado “constitucionalismo dirigente” de regulamentar a atividade econômica e a organização social, diminuindo a margem de manobra e até substituindo as decisões políticas do legislador infraconstitucional; 3. Apresentar aos alunos uma tendência geral, nas reformas constitucionais dos úl- timos 15 anos, de reconfiguração da presença do Estado na economia (isto é, de algumas opções econômicas fundamentais que o constituinte tinha feito em 1988). 2 Celso Ribeiro Bastos, “Existe efetivamente uma Constitu- ição Econômica?”, in Revista de Direito Constitucional e Internacional, 10, n.39, abril- junho de 2002, pp.92. 3 Charles A. Beard, An Economic Interpretation of the Constitution of the United States (1913), pp.154-155. FGV DIREITO RIO 5 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL AULA 01 “Constituição Dirigente”: Para que servem as Constituições? Nota ao Aluno Nas disciplinas anteriores de Direito Constitucional, afirmou-se inúmeras vezes que as constituições e o próprio constitucionalismo se articulam em torno de dois eixos: organiza- ção do poder e proteção de direitos fundamentais. Neste curso, vamos ir além dessa “dupla função” clássica. A partir das Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), a ma- téria e a dimensão do constitucionalismo se alargam.3 Contudo, alguns destes dispositivos consagram direitos; outros atribuem competências e poderes para realizar determinadas funções. Qual seria então a novidade? Em que medida a simples positivação de normas relativas à ordem econômica e social é capaz de transfor- mar as constituições contemporâneas em algo distinto de seus equivalentes do século XIX e início do século XX? Uma primeira observação se faz necessária. Se a constituição é a lei fundamental de um Estado, é natural que esta lei reflita a concepção contemporânea acerca do papel do Estado. Em um regime organizado como “Estado Liberal”, esse papel se limita basicamente à ma- nutenção da segurança externa e interna, com a necessária garantia de liberdades e alguns direitos fundamentais ligados à autonomia individual. Quando se começa a pensar que também é dever estatal promover algum nível de bem-estar coletivo, e não apenas garantir que os indivíduos tenham liberdade para atingir ou não esse bem-estar - o chamado “Estado de Bem-Estar”-, é compreensível que o conteúdo da constituição também mude. Como observa Raúl Machado Horta: “O constitucionalismo clássico, em suas diversas manifestações nos séculos XVIII e XIX, comportou-se dentro do modelo constitucional de duas dimensões – a organização dos poderes e a Declaração de Direitos e Garantias Individu- ais – e as regras fragmentárias de natureza econômico-social que nele afloraram não alcançaram a estruturação sistematizada do ordenamento econômico (...). A Constituição refletia o liberalismo político e econômico. O primeiro se confundia com as liberdades e as garantias individuais, instrumentos da resistência e da li- mitação do poder, para preservar a indevassável autonomia individual, e o libera- lismo econômico repelia a presença do Estado na atividade econômica, que deveria expandir-se na livre concorrência da economia do mercado. O ingresso da ordem econômica, como matéria da Constituição, coincidirá com o declínio do libe- ralismo econômico e a ascensão das formas não liberais do intervencionismo e do dirigismo econômico. As instituições do capitalismo liberal vão experimentar os abalos decorrentes do confronto com o pensamento, as idéias e os movimentos políticos inspirados no reformismo social.” 4 (grifos nossos) No entanto, o problema principal que vamos discutir nesta aula – e que permanecerá como pano de fundo de todo o curso - não reside apenas no conteúdo em si das normas consti- tucionais, mas também na eficácia jurídica que lhes pode ser atribuída. Durante muito tempo, especialmente até a primeira metade do século XX, a opinião dominante – jurídica e leiga – era a de que não se podia fazer muita coisa com uma norma constitucional que garantisse 3 Raúl Machado Horta. Direito Constitucional. 4ª ed. Pp.252. 4 Rául Machado Horta, op. cit, pp.252. FGV DIREITO RIO 6 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL o “direito ao trabalho”, por exemplo, ou que determinasse que o Estado deveria “universalizar a educação fundamental”.5 Mesmo que esses dispositivos fossem reconhecidos como normas jurídicas – e não apenas como um “conselho” do constituinte para as futuras gerações, a ten- dência geral era de considerar que tais comando se dirigiam apenas para o legislador, não po- dendo ser aplicados diretamente pelo Judiciário. Sua eficácia jurídica era, portanto, limitada. Por trás dessa desqualificação, estava implícita a premissa de que uma boa constituição apenas organiza os procedimentos para que a sociedade (mais especificamente, os seus repre- sentantes eleitos) possa deliberar quais são os fins a serem seguidos – quem vota, quem é eleito, como se decide, sobre o quê se decide e quais são os direitos mínimos para que a participação dos cidadãos na vida política da comunidade de forma efetiva. Mais uma vez, a “dupla função”: organização do poder e garantia de direitos fundamentais. Mas... e se os constituintes quisessem determinar de antemão o resultado dessa delibera- ção, condicionando a atuação do legislador a certos fins e objetivos previamente determinados? E se, ao invés de apenas garantir uma situação já existente contra as decisões políticas futuras (“Constituição Garantia”), sua intenção fosse a de promover transformações – isto é, apontar de antemão o rumo político a ser seguido? Isso pode ser feito por meio da constituição? Como se vê, subjacente a todos esses problemas encontramos um tema já discutido em Teoria do Direito Constitucional: afinal, o que se pode exigir da Constituição? Mais especificamente, o que se pode exigir da Constituição na definição da ordem econômica e social do país? O Caso Tentaremos discutir essas questões a partir da Constituição portuguesa de 1976. Para tanto, vamos conhecer um pouco dos antecedentes de sua promulgação. A Carta foi elaborada como resultado da Revolução de 25 de abril de 1974 (“Revolução dos Cravos”), quando um levante militar derrubou o regime político de inspiração fascista vigente no país desde 1926. O ditador Oliveira Salazar permanecera à frente do governo português desde 1933, saindo do cargo em 1968 por motivos de saúde. Seu substituto foi Marcello Caetano – professor de Direito Constitucional e Administrativo e ex-reitor da Universidade de Lisboa -, que não se afastou muito das linhas gerais do governo de seu antecessor: repressão à oposição, favoreci- mento de alguns poucos grupos industriais e financeiros e manutenção das colônias portugue- sas na África, com violentas represálias aos movimentos locais de independência. Ao contrário do que aconteceu no Brasil, foram alguns dos próprios representantes das For- ças Armadas que,clandestinamente, começaram a se organizar e a conspirar a derrubada do regime. No dia 25 de abril, o golpe militar foi colocado em prática e, de forma quase pacífica (4 pessoas morreram no momento da tomada do prédio onde funcionava a Polícia Política do regi- me), debelaram toda a resistência oferecida pelo regime. Ao fim da manhã, com Caetano ainda no poder, o grupo militar revolucionário fez divulgar a seguinte mensagem para toda a nação: “As Forças Armadas iniciaram uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina. Nos seus comunicados, as Forças Armadas têm apelado para a não intervenção das forças policiais, com o objectivo de se evitar derramamento de sangue. Embora este desejo se mantenha firme, não se hesitará em responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que venha a manifestar- se. Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da nação, o movimento das Forças Armadas prosseguirá na sua acção libertadora e pede à população que se mantenha calma e que recolha às suas residências. Viva Portugal!” 6 5 Sobre o tema, cf. Luís Roberto Barroso, O Direito Constituci- onal e a Efetividade de suas Normas, passim. 6 Disponível no site: http://pt.wikipedia. org/wiki/Cronologia_da_ Revolu%C3%A7%C3%A3o_ dos_Cravos. Acesso em 20 de janeiro de 2006. FGV DIREITO RIO 7 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL Algumas horas depois, o ditador foi levado a entregar o seu cargo e partir para o exílio no Brasil. Conta-se que, no amanhecer do dia seguinte – o primeiro em cinco décadas fora do regime fascista -, alguém começou a distribuir cravos para os soldados revolucionários e para os cidadãos portugueses, que começavam a sair nas ruas. Os soldados então decoraram suas espingardas com as flores vermelhas – daí o nome “Revolução dos Cravos”, pelo qual a Revolução de 25 de abril é conhecida. Imediatamente, formou-se uma “Junta de Salvação Nacional”, composta exclusivamente por militares, para organizar a transição. Nos dois anos seguintes – período chamado de “PREC”, Processo Revolucionário em Curso -, diversas decisões fundamentais e polêmicas foram tomadas, sobretudo no campo econômico. Por exem- plo: foram nacionalizadas todas as grandes empresas em atividade em Portugal. Em 25/04/75 - um ano após a Revolução, portanto – foram convocadas eleições livres para uma Assembléia Constituinte exclusiva. Pela primeira vez em meio século, os cidadãos portugueses participavam diretamente da definição do futuro de sua comunidade. A Assembléia produziu um texto constitucional com características muito peculiares. Veja, por exemplo, o Prêambulo e os artigos abaixo selecionados. Eles falam por si sós: Constituição da República Portuguesa Texto originário da Constituição, aprovada em 2 de Abril de 1976 Preâmbulo A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legí- timos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a cons- trução de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa: ARTIGO 1.º (República Portuguesa) Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes. ARTIGO 2.º (Estado democrático e transição para o socialismo) A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liber- dades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democrática, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras. ARTIGO 3.º (Soberania e legalidade) 1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição. 2. O Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição. 3. Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional e da democracia política. 4. O Estado está submetido à Constituição e funda-se na legalidade democrática. FGV DIREITO RIO 8 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL ARTIGO 9.º (Tarefas fundamentais do Estado) São tarefas fundamentais do Estado: a) Garantir a independência nacional e criar as condições politicas, económicas, sociais e culturais que a promovam; b) Assegurar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, defender a democracia política e fazer respeitar a legalidade democrática; c) Socializar os meios de produção e a riqueza, através de formas adequadas às características do presente período histórico, criar as condições que permitam promover o bem estar e a qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem. ARTIGO 10.º (Processo revolucionário) 1. A aliança entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos assegura o desenvolvimento pacífico do processo revolucionário. 2. O desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação colectiva dos principais meios de produção. TÍTULO III Direitos e deveres económicos, sociais e culturais ARTIGO 50.º (Garantias e condições de efectivação) A apropriação colectiva dos principais meios de produção, a planificação do desenvolvimento económico e a democratização das instituições são garantias e condições para a efectivação dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais. ARTIGO 62.º (Direito de propriedade privada) 1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. Fora dos casos previstos na Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização. ARTIGO 73.º (Educação e cultura) 1. Todos têm direito à educação e à cultura. 2. O Estado promoverá a democratização da educação e as condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da personalidade e para o progresso da sociedade democrática e socialista. 3. O Estado promoverá a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, à fruição e criação cultural, através de organizações populares de base, colectividades de cultura e recreio, meios de comunicação social e outros meios adequados. ARTIGO 74.º (Ensino) 1. O Estado reconhece e garante a todos os cidadãos o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades na formação escolar. 2. O Estado deve modificar o ensino de modo a superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho. 3. Na realização dapolítica de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; b) Criar um sistema público de educação pré--escolar ; c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo; d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; FGV DIREITO RIO 9 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino; f ) Estabelecer a ligação do ensino com as actividades produtivas e sociais; g) Estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras. ARTIGO 80.º (Fundamento da organização económico-social) A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meias de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras. ARTIGO 81.º (Incumbências prioritárias do Estado) Incumbe prioritariamente ao Estado: a) Promover o aumento do bem-estar social e económico do povo, em especial das classes mais desfavorecidas; b) Estabilizar n conjuntura e assegurar a plena utilização das forças produtivas; c) Promover a igualdade entre os cidadãos, através da transformação das estruturas económico-sociais; d) Operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento; e) Orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões; f ) Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país; g) Eliminar e impedir a formação de monopólios privados, através de nacionalizações ou de outras formas, bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral; h) Realizar a reforma agrária; i) Eliminar progressivamente as diferenças sociais e económicas entre a cidade e o campo; j) Assegurar a equilibrada concorrência entre as empresas, fixando a lei a protecção às pequenas e médias empresas económica e socialmente viáveis; I) Criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia; m) Proteger o consumidor, designadamente através do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores; n) Impulsionar o desenvolvimento das relações de produção socialistas; o) Estimular a participação das classes trabalhadoras e das suas organizações na definição, controlo e execução de todas as grandes medidas económicas e sociais. ARTIGO 82.º (Intervenção, nacionalização e socialização) 1. A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações. 2. A lei pode determinar que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas não dêem lugar a qualquer indemnização. ARTIGO 83.º (Nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974) 1. Todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras. 2. As pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas, fora dos sectores básicos da economia, poderão, a título ex- cepcional, ser integradas no sector privado, desde que os trabalhadores não optem pelo regime de autogestão ou de cooperativa. 10FGV DIREITO RIO DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL ARTIGO 85.º (Iniciativa privada) 1. Nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo Plano pode exercer-se livremente a iniciativa económica privada enquanto instrumento do progresso colectivo. 2. A lei definirá os sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza. 3. O Estado fiscalizará o respeito da Constituição, da lei e do Plano pelas empresas privadas, podendo intervir na sua gestão para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores, em termos a definir pela lei. Após a leitura dos textos e dos trechos selecionados da redação original da Constituição portuguesa de 197610 , reflita: • As duas dimensões clássicas do constitucionalismo estão refletidas no texto desta Constituição? • Existe algum dispositivo que não se enquadra nessa “dupla função” (organização do poder e garantia de direitos fundamentais)? • No que essa Constituição é diferente ou semelhante às Constituições Brasileiras? • Identifique eventuais diferenças e semelhanças entre esta Constituição e a Constituição brasileira de 1988. • Com base nos textos, você diria que esta Constituição é “dirigente”? Por quê? O que isto significa? • Basta que a constituição positive regras para o funcionamento da economia e direitos sociais para ser con- siderada “Dirigente”? Qual a relação entre “ordem econômica” e “Constituição Dirigente”? • Qual a diferença entre uma “Constituição Garantia” e uma “Constituição Dirigente”? • Nesses termos, a Constituição brasileira de 1988 pode ser considerada “Dirigente”? • Em sua opinião, quais são as vantagens, desvantagens e riscos de se promulgar uma Constituição com essas características? Conceitos Constituição Dirigente, Constituição Garantia ou Estatutária, Vinculação do Legislador, Estado Liberal, Estado de Bem-Estar Social Bibliografia Obrigatória: • Celso Ribeiro Bastos, “Existe efetivamente uma Constituição Econômica?”, in Revista de Direito Constitu- cional e Internacional, 10, n.39, abril-junho de 2002, pp.89-96. • Eros Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. pp.. 65-79 e 87-91. • Gilberto Bercovici. “Constituição Dirigente: Algumas considerações sobre o caso brasileiro”, in Revista de Informação Legislativa, pp. 35-44. Complementar: • J.J.Gomes Canotilho. “A Constituição e as revisões da Constituição. De quantas “Constituições” é com- posta a Constituição”? (tópicos 1 a 4), in Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almeidina, 2003. • Carmem Lúcia Antunes Rocha, “Constituição e Ordem Econômica”, in Eros Grau e Demian Fiocca (orgs). Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001. pp.09-32. • Gilberto Bercovici, “A Constituição Econômica”, in Constituição e Desenvolvimento. Uma Leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. Cap. I. • Raúl Machado Horta. “Constituição e Ordem Econômica e Financeira”. In Direito Constitucional, 4ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Pp.251-262. Bibliografia Obrigatória: • Celso Ribeiro Bastos, “Existe efetivamente uma Constituição Econômica?”, in Revista de Direito Cons- titucional e Internacional, 10, n.39, abril-junho de 2002, pp.89-96. • Eros Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. pp.. 65-79 e 87-91. • Gilberto Bercovici. “Constituição Dirigente: Algumas considerações sobre o caso brasileiro”, in Revista de Informação Legislativa, pp. 35-44. Complementar: • J.J.Gomes Canotilho. “A Constituição e as revisões da Constituição. De quantas “Constituições” é com- posta a Constituição”? (tópicos 1 a 4), in Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almei- dina, 2003. • Carmem Lúcia Antunes Rocha, “Constituição e Ordem Econômica”, in Eros Grau e Demian Fiocca (orgs). Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001. pp.09-32. • Gilberto Bercovici, “A Constituição Econômica”, in Constituição e Desenvolvimento. Uma Leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. Cap. I. • Raúl Machado Horta. “Constituição e Ordem Econômica e Financeira”. In Direito Constitucional, 4ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Pp.251-262. FGV DIREITO RIO 11 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIALAULA 02 “Alfabetização”: Estado, Mercado e Terceiro Setor Nota ao Aluno Como já discutido na aula passada, a formulação de cartas constitucionais do tipo “Di- rigente” é algo relativamente novo na experiência jurídica ocidental. Em relação às duas funções tradicionais das constituições escritas, historicamente consagradas no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão7 de 1789, as constituições “Dirigentes” acrescentam uma terceira dimensão normativa. Em seu texto, encontramos dispositivos que vinculam a ação do legislador e dos particulares à realização de certos fins e à obediência de certos valores considerados fundamentais pelo constituinte. No campo da atividade econômica, a novidade na definição desses fins a que a sociedade está vinculada reside no fato de que, no geral, as constituições liberais clássicas reservavam um papel diferente para o Estado. Se a Constituição americana (1787) e a Constituição brasileira de 1824 não regulavam explicitamente o direito à saúde, por exemplo, isto não quer dizer que não havia serviços de saúde sendo oferecidos e utilizados, mas sim que o Estado não interferia na circulação desses serviços, exceto talvez fazendo cumprir as leis penais e civis entre médicos e pacientes, quando fosse o caso. O silêncio da Constituição sobre a prestação de serviços liga- dos à saúde, à educação e à cultura - apenas para citar alguns exemplos - era então algo natural, pois essas atividades eram consideradas como sendo naturalmente de responsabilidade exclusiva do mercado. Eram, portanto, basicamente Cartas Orgânicas. O centro do repertório constitucional dos países ocidentais, o Estado, hoje, figura como responsável pela prestação de serviços de consumo social, produção de mercadorias e regula- mentação dos agentes econômicos. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr. “o Estado, hoje, substitui, ainda que parcialmente, por exemplo, o próprio mercado na coordenação da economia, tornando-se o centro da distribuição da renda, ao determinar preços, ao taxar, ao subsidiar”.8 Essa nova forma de reorganização estatal não poderia ser concebida sem uma alteração na Constituição no sentido de recepção de decisões políticas fundamentais que abarcassem o amplo rol de novas possibilidades de atuação estatal. Assim, em última instância, por trás das reformas constitucionais e das próprias decisões da Assembléia Constituinte de 1998, encontramos basicamente a questão da reorganização das funções estatais. Quando a Constituição determina que o Estado tem o dever de uni- versalizar o ensino fundamental, por exemplo, ela está organizando a prestação de serviços educacionais de modo diferente daquele adotado pelas Constituições de 1891 e de 1824. Organizar a produção de um bem ou a prestação de um serviço de modo diferente pres- supõe, é claro, diferentes possibilidades de realização dessas atividades. Nesta aula, a partir da bibliografia selecionada, vamos tentar discutir algumas das combinações possíveis entre certos tipos de atividades e os atores existentes (Estado, mercado e terceiro setor). Para se preparar para a aula, procure refletir sobre os seguintes pontos: • Como podemos organizar a atividade produtiva e a prestação de serviços em uma dada sociedade? • Quais são os extremos possíveis (capitalismo / socialismo), e quais os níveis interme- diários? • O que significa atribuir a responsabilidade pela realização de uma determinada ativi- dade ao “setor público” ou ao “setor privado”? • Existe algum “meio-termo” possível entre “público” e “privado”? 7 Artigo 16. Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a repartição dos poderes deter- minada, não tem constituição. 8 Tércio Sampaio Júnior. Congelamento de Preços – Tabelamentos Oficiais. Revista de Direito Público, n. 91, p. 76-86, maio 1989. 12FGV DIREITO RIO DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL • Como e por que as responsabilidades estatais vêm se reorganizando nas últimas décadas, especialmente no caso do Brasil? Conceitos Setor Público, Setor Privado, Terceiro Setor, Reforma do Estado, Atividades-Fim e Atividades-Meio, Priva- tização, Terceirização, Publicização Bibliografia Obrigatória: • Luís Carlos Bresser-Pereira. “A Reforma de Estado nos Anos 90: Lógica e mecanismos de controle”, in Ca- dernos do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, n.1, Brasília, 1997. Caps. I (Crise e Reforma) e II (Delimitação da Área de Atuação). Disponível no site: www.planejamento.gov.br/arquivos_down/seges/pu- blicacoes/cadernos_mare/CADERNO1.PDF. Acesso em 10 de janeiro de 2006. Complementar: • Luís Carlos Bresser-Pereira & Regina Silvia Pacheco. “A Reforma do Estado Brasileiro e o Desenvolvi- mento”, in Revista Eletrônica de Reforma do Estado (RERE), n.3, set/out/nov de 2005. Disponível no site: www. direitodoestado.com.br. Acesso em 10 de janeiro de 2006. • Tércio Sampaio Ferraz Jr. “Congelamento de Preços – Tabelamentos Oficiais”, in Revista de Direito Público, n. 91, p. 76-86, maio 1989. Bibliografia Obrigatória: • Luís Carlos Bresser-Pereira. “A Reforma de Estado nos Anos 90: Lógica e mecanismos de controle”, in Cadernos do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, n.1, Brasília, 1997. Caps. I (Crise e Reforma) e II (Delimitação da Área de Atuação). Disponível no site: www.planejamento.gov.br/arquivos_ down/seges/publicacoes/cadernos_mare/CADERNO1.PDF. Acesso em 10 de janeiro de 2006. Complementar: • Luís Carlos Bresser-Pereira & Regina Silvia Pacheco. “A Reforma do Estado Brasileiro e o Desenvolvi- mento”, in Revista Eletrônica de Reforma do Estado (RERE), n.3, set/out/nov de 2005. Disponível no site: www.direitodoestado.com.br. Acesso em 10 de janeiro de 2006. • Tércio Sampaio Ferraz Jr. “Congelamento de Preços – Tabelamentos Oficiais”, in Revista de Direito Público, n. 91, p. 76-86, maio 1989. FGV DIREITO RIO 13 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL AULA 03 Constitucionalismo Dirigente e “Frustração Constitucional” Nota ao Aluno Você certamente se lembra das discussões sobre “Constituição Formal” e “Constituição Material” de Teoria do Direito Constitucional, bem como da “classificação ontológica” das constituições – nominal, normativa e semântica -, proposta por Karl Loewenstein. Puxando pela memória, provavelmente lembrará também que a maior parte das normas que contri- buíam para o caráter nominal (ou semântico) da constituição eram aquelas que refletiam pretensões possivelmente excessivas, ainda que louváveis, diante da realidade brasileira. O exemplo paradigmático se encontra nos dispositivos referentes ao salário-mínimo, à educa- ção, à valorização do trabalho humano, às reduções das desigualdades regionais. Mesmo se partirmos da premissa de que constituição possui “força normativa” - idéia amplamente consolidada na doutrina nacional e estrangeira - e tem portanto a capacidade de provocar mudanças na realidade, é preciso reconhecer que essa mesma realidade não aguarda passivamente a incidência dos preceitos. Como em qualquer outra questão decidida pela cons- tituição, os interesses envolvidos são múltiplos, antagônicos e, muitas vezes, mais fortes do que a própria norma, como a experiência jurídica brasileira já demonstrou inúmeras vezes. No campo da ordem econômica, esse tem sido um dos principais desafios ao projeto de Brasil imaginado pelo constituinte e instituído como parâmetro para a ação futura do legislador. No arroubo de promover reformas sociais e garantir que o legislador e o adminis- trador público do futuro se mantenham fiéis aos rumos traçados na Assembléia, corremos o risco de superestimar o poder transformador da constituição. Os juristas e operadores do direito no Brasil são tradicionalmente criticados por sua insensibilidade em relação a obstáculos empíricos que tornam inúteis ou perigosas soluções jurídicasque, em tese, soam muito bem. Esse traço dos operadores do direito é pejorativamente chamado de “bachare- lismo”, entendido como um apelo formal à retórica em detrimento da aproximação com a realidade, um viés profissional “tendente a ver o jurídico como essência do social, e os respectivos valores como o alfa e o ômega do universo humano”.9 Como já observou Luís Roberto Barroso, “o papel aceita tudo”10 . Mas a realidade, não. Falar de “constitucionalismo dirigente” é também falar de riscos e frustrações, pois existem razões legítimas para que a constituição não regule diretamente determinadas matérias (ou que não se preocupe em detalhá-las). Contudo, essas razões legítimas muitas vezes são in- vocadas em defesa de interesses não tão legítimos. Na prática, é difícil diferenciar as duas coisas. Foi o que aconteceu com as disposições constitucionais relativas ao Sistema Finan- ceiro Nacional (artigo 192). Em sua redação original, o artigo 192 da Constituição é tipicamente “dirigente”. Repare: o legislador tem a obrigação de legislar, mas o conteúdo da legislação não fica ao seu comple- to arbítrio. O constituinte já cuidou de determinar a orientação geral (e algumas orientações específicas) do conteúdo dessa futura criação do legislador. Dizia a sua redação original: CAPÍTULO IV DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: 9 Nelson Nogueira Saldanha, citado em Alberto Venâncio Filho, Das Arcadas ao Bach- arelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2005, p.294. 10 “Princípios constitucionais brasileiros (ou De como o papel aceita tudo)”, Revista da Faculdade de Direito da UERJ, 1993. FGV DIREITO RIO 14 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso; II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capi- talização, bem como do órgão oficial fiscalizador. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 13, de 1996) III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: a) os interesses nacionais; b) os acordos internacionais; IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do banco central e demais instituições fi- nanceiras públicas e privadas; V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do banco central e demais institui- ções financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo; VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantin- do créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União; VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento; VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras. § 1º - A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sis- tema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento. § 2º - Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabi- lidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados. § 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Rapidamente, surgiu na comunidade jurídica a controvérsia acerca da aplicabilidade dos seus incisos e pará- grafos. Nos termos propostos por José Afonso da Silva, seria uma norma constitucional de eficácia plena ou de eficácia limitada? Depende ou não depende da edição de outras leis para produzir todos os seus efeitos? Grosso modo, a discussão acabava dividindo os juristas de um lado e os economistas do outro. Estes, preo- cupados com os efeitos nocivos que esse suposto “bacharelismo” do constituinte poderia ter sobre a economia e a sociedade brasileira. Aqueles, discutindo a melhor exegese do § 3º do art. 192 – o alcance da expressão “juros reais”, a interpretação sistemática dos parágrafos, as discussões constituintes que deram origem ao artigo -, enfim, preocupados basicamente em determinar como o artigo deveria ser obedecido. Realidade versus Norma – e com argumentos plausíveis para ambos os lados. O assunto foi definitivamente resolvido com a Emenda Constitucional 40, que removeu todos os incisos e parágrafos do artigo 192. Alguns anos antes, porém, a interpretação do alcance do § 3º do art. 192 chegara ao Supremo Tribunal Federal – e é este o caso da nossa aula de hoje. FGV DIREITO RIO 15 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL Ao discutir o caso, procure refletir: • Você consegue separar as questões “estritamente econômicas” das questões “estritamente jurídicas” nesse caso? • “constituição dirigente” é necessariamente igual a “constituição boa para o país”? É possível estabelecer em que condições uma “constituição dirigente” pode dar certo? Quais os riscos envolvidos? O Caso Logo após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Executivo tratou de firmar um entendimento quanto à aplicabilidade do artigo 192 da Constituição. O dispositivo levantava inúmeras dúvidas, mas havia três pontos de maior preocupação: 1) Alguns dos incisos e parágrafos do artigo 192 poderiam ser considerados “auto-aplicáveis”, independente- mente da eventual integração legislativa? 2) No tocante ao limite de 12% para as taxas de “juros reais”, essa “integração” legislativa deveria se dar por Lei Complementar, nos termos do caput, ou por lei ordinária, como a já existente Lei de Usura (Decreto 22.626de 1933)? 3) A eventual Lei Complementar deveria necessariamente incorporar todas as disposições do artigo 192 e de seus incisos e parágrafos, ou o legislador estaria livre para dispor em sentido contrário? Requisitado pelo presidente da República para responder a essas questões, o consultor-geral da República emitiu o Parecer nº. 70. Na peça, afirmava como tese central a inaplicabilidade do § 3º do artigo 192 na ausência de integração legislativa. O consultor-geral, porém, reconhecia que o Poder Legislativo não estava livre para de- cidir o conteúdo da Lei Complementar de que fala o caput do artigo 192 – quando esta norma fosse elaborada, ela deveria incluir a limitação de 12% referente aos juros reais. O Parecer nº. 70 ganhou força vinculante para toda a administração pública federal após ter sido formalmente aprovado pelo presidente da República. Assim, o entendimento oficial – que deveria ser aplicado por todos os órgãos do Executivo, bem como os da administração indireta – passaria a ser o da eficácia limitada da limitação da taxa de juros. Este entendimento gerou polêmica. Quase queimediatamente, o Partido Democrático dos Trabalhadores (PDT) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, alegando que o Pare- cer nº. 70 – transformado em ato normativo com força de lei no momento da aprovação pelo Presidente – viola- va o próprio artigo 192 da Constituição Federal, que seria auto-aplicável. Em determinado momento da petição inicial, o PDT reconhece que a taxa de juros reais que costuma ser praticada desde a década de 70 no Brasil é bem superior aos 12% estabelecidos no artigo 192 da Constituição de 1988. Este fato, contudo, não deve obstar o reconhecimento da auto-aplicabilidade do dispositivo em questão. Segundo o autor da ADIN: “Isto [o argumento de que a taxa de juros habitualmente praticada no Brasil é muito maior do que 12%] desvela a intenção não só de adiar a aplicação do dispositivo limitativo dos juros, como de sepultá- lo definitivamente, por tê-la como ineficaz, tomado o termo na sua acepção de não produzir efeitos no plano econômico-social. Interessassem essas questões ao desate do problema jurídico, e invocaríamos a lição dos economistas, entre eles o maior teórico do capitalismo, Adam Smith, que afirma só ser inócua a fixação normativa dos juros se posta abaixo do mínimo praticado pelo mercado, o que não é evidente- mente o caso. Não nos deixaremos, porém, atrair para esse terreno. (...)” (grifos nossos) Nesse sentido, e com base nos argumentos expostos na inicial, o PDT pedia a declaração da inconstitucio- nalidade do Parecer nº. 70 da Consultoria-Geral da República e, incidentalmente, a interpretação do § 3º do artigo 192 como sendo aplicável independentemente da edição de lei ordinária. Após a leitura da petição inicial, do parecer nº. 70 da Consultoria-Geral da República, dos votos dos ministros Carlos Velloso e José Carlos Moreira Alves e do texto de J.H. Meirelles Teixeira, coloque-se na posição de ministro do Supremo Tribunal Federal. Como você decidiria a questão? Procure refletir sobre as seguintes questões: • Como a idéia de “constituição dirigente” é interpretada na petição, no parecer e nos votos dos ministros? 16FGV DIREITO RIO DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL • Que “questões” são essas que, segundo o PDT, não interessam ao “desate do problema jurídico”? Você con- corda com essa posição do PDT? • Qual é o “problema jurídico” a ser desatado, nos termos propostos pelo PDT? • Em termos de distribuição de poder político, quais seriam os efeitos de uma decisão do Supremo que inter- pretasse a norma como de eficácia limitada? • Você acha que essa decisão contribuiria ou prejudicaria a força normativa da Constituição? Conceitos Eficácia Jurídica e Aplicabilidade das Normas Constitucionais; Integração Legislativa; Efetividade Constitucional e Força Normativa da Constituição; Normas Programáticas, Normas-Tarefa e Normas-Fim; Lei Complementar. Bibliografia: Obrigatória: • J.H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional. Texto organizado e atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. Pp.316-331. • Petição inicial da ADIN 04, do PDT (trechos selecionados) • Parecer n.70 da Consultoria-Geral da República (trechos selecionados) • Votos dos Ministros Carlos Velloso e Moreira Alves na ADIN 04 (trechos selecionados) Complementar: • Luís Roberto Barroso. “A Doutrina Brasileira da Efetividade”, in Temas de Direito Constitucional – V.III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. • ___. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 7a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. • José Afonso da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5a. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. Pp.88- 163 e 225-259. • Raúl Machado Horta. “Constituição e Ordem Econômica e Financeira”. In Direito Constitucional, 4ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Pp.264-265. Bibliografia: Obrigatória: • J.H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional. Texto organizado e atualizado por Maria Gar- cia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. Pp.316-331. • Petição inicial da ADIN 04, do PDT (trechos selecionados) Complementar: • Luís Roberto Barroso. “A Doutrina Brasileira da Efetividade”, in Temas de Direito Constitucional – V.III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. • ___. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 7a. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. • José Afonso da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5a. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. Pp.88-163 e 225-259. • Raúl Machado Horta. “Constituição e Ordem Econômica e Financeira”. In Direito Constitucional, 4ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. Pp.264-265. FGV DIREITO RIO 17 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL AULA 04 Constituição de 1988 ou Constituição do Brasil? Nota ao Aluno Na aula passada, discutimos a relação entre “constituição dirigente” e “frustração consti- tucional”. Em outras palavras: o que acontece quando os legisladores (a quem caberia regu- lamentar a constituição), os administradores e até mesmo os juízes (a quem caberia aplicar a constituição) agem de forma contrária aos preceitos constitucionais? Os motivos para se interpretar a constituição desta ou daquela forma podem ser mais ou menos nobres, mais ou menos pertinentes, mas, para os fins deste bloco, o importante é destacar que o otimis- mo e a pretensão do constituinte podem desaguar em falta de efetividade da constituição. Contudo, como já discutido em Teoria do Direito Constitucional (Direito Constitucio- nal I), é possível alterar a constituição por outras vias, além da interpretação judicial e da in- terpretação legislativa. Mais especificamente, é possível realizar emendas à constituição. Na aula de hoje, discutiremos como o instrumento das emendas constitucionais foi utilizado para dar concretude jurídica a determinados objetivos políticos e econômicos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O que está em jogo, portanto, é a alteração das decisões que o constituinte considerou fundamentais em 1988. Vale notar que, com apenas algumas semanas de promulgação, a nossa atual Constituição já era objeto de críticas e pedidos de reformulação parcial e até completa. Na linha de suas pretensões “dirigentes”, já discutidas na primeira aula do curso, a Constituição ia contra as expectativas dos defensores de uma reconfiguração do papel do Estado na sociedade brasileira. Portanto, o principal alvo das críticas eram os dispositivos referentes à Ordem Econômica e à Ordem Social, que, para muitos juristas, economistas e políticos, tornariam o país “ingovernável”. As primeiras iniciativas de revisão do modelo de atuação estatal na atividade produtiva instaurado pela Constituição de 1988 datam do governo de Fernando Collor de Mello. Para a realização das mudanças pretendidas, optou-se pela via da legislação infraconstitucional (com especial destaque para as medidas provisórias). O resultado prático foi o de que muitas das medidas tomadas começaram a ser questionadas junto ao Poder Judiciário. Assim, mes- mo que diversos objetivos daquele governo tenham sido alcançados de qualquer maneira, ficou claro que, graças aos mecanismos de controle difuso de constitucionalidade, os juízes de primeira instância e tribunais inferiores poderiam dificultar quaisquer reformas futuras que considerassem contrárias aos dispositivos constitucionais.11 Com a subida ao poder de Fernando Henrique Cardoso, os objetivos fundamentais da agenda de reforma - reconfigurar a atuação do Estado na atividade econômica, permitir o equilíbrio orçamentário e flexibilizar e modernizar a administração pública e o sistema previdenciário – foram perseguidos a partir de propostas de reforma constitucional. Na ver- dade, FHC foi eleito com propostas de governo que, na prática, dependiam de reformas na Constituição. Assim, ao contrário do que ocorrera no governo Collor, enfatizou-se a opção mais demorada,também a mais estável e dotada de relativa legitimação democrática, da proposição de emendas constitucionais para discussão no Congresso Nacional. Nas palavras do próprio presidente Fernando Henrique: “(...) a solidez do processo de reformas em curso decorre justamente do fato de que estamos avançando no contexto de regras democráticas. Queremos assegurar sempre 11 Oscar Vilhena Vieira, “Realinhamento Constituci- onal”, in Oscar Vilhena Vieira e Carlos Ari Sundfeld (orgs.). Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999. Como o próprio autor observa, essa foi uma das razões que levaram à criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade por meio da EC n3./93: a necessidade de “blindar” de alguma forma as medidas legais tomadas pelo Governo no sentido das reformas, que, num primeiro momento, poderiam ter legiti- midade questionável junto à população. FGV DIREITO RIO 18 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL o maior grau possível de apoio a mudanças que terão um impacto profundo para a sociedade. O debate e a busca de consensos são características intrínsecas da demo- cracia. O resultado dessa forma de agir é que as reformas ganham em legitimidade e diminuem, assim, os riscos de que possam ser revertidas.(...)” 12 Assim, aproveitando a base partidária que lhe servia de sustentação política no Congres- so, bem como o apoio popular no início de seu governo, Fernando Henrique conseguiu em menos de um ano que o Poder Legislativo votasse diversas emendas extremamente polêmicas. Nos anos seguintes de seu primeiro mandato, bem como em seu segundo man- dato, seguiram-se outras emendas constitucionais. Esse “legado jurídico” do governo FHC perdura até os dias de hoje. Como você pode imaginar, as discussões em torno dos méritos e deméritos dos dispo- sitivos da Constituição relativos à ordem foram terreno fértil para as disputas ideológicas. Tratava-se de pontos que despertaram intensa polêmica na sociedade civil e na academia. Os diagnósticos acerca da necessidade de reforma da Constituição foram os mais díspares. O jurista Oscar Vilhena Vieira, por exemplo, observou em 1998: “Todas essas reformas [dos Governos Collor e FHC] têm sido feitas sob o argumen- to de que é necessário buscar adaptar o Estado brasileiro às demandas da globa- lização. Porém não é segredo que decorrem fundamentalmente da imposição das economias centrais, das agências intergovernamentais de financiamento, como o FMI e o Banco Mundial, e das empresas de caráter transnacional. De acordo com a retórica da globalização, o capital internacional só irá se interessar por investir num determinado território se houver um conjunto de condições adequadas, que vão no sentido da desregulamentação, da flexibilização da legislação social, da ampla liberdade de movimentação de capital, previsibilidade e minimização dos custos fiscais e da estabilidade monetária, que por sua vez exige redução dos gastos públicos e equilíbrio fiscal. Esta a cartilha. Como no Brasil muitas destas questões encontram-se na Constituição, esta a direção das reformas.” 13 Alguns anos antes (1994), em sentido contrário, o economista e ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira observara, por ocasião da Revisão Constitucional (art.1o do ADCT): “A revisão constitucional que está para começar é uma boa oportunidade para se corrigirem algumas das distorções populistas e equivocadamente nacionalistas - porque contrárias ao interesse nacional - da Constituição de 1988, mas não deve ser vista como uma condição indispensável para a estabilização dos preços e a re- tomada do desenvolvimento. A afirmação que o Brasil se tornou ingovernável com a atual Constituição é falsa e perigosa. Ignora que a crise brasileira começou em 1979, muito antes que a nova carta fosse aprovada, e oferece aos autoritários um pretexto para uma nova quebra do regime democrático. Não há dúvida quanto à desejabilidade de se alterarem alguns artigos da Constituição. No plano econômico seria importante eliminar o monopólio da União no petróleo e nas telecomunica- ções, a exclusão das empresas estrangeiras da exploração do subsolo, e a prioridade para as empresas nacionais nas compras do governo. Esta última é uma prática de todos os países, mas nenhum comete a tolice de colocá-la na sua constituição.” 14 Nessa polêmica toda, pelo menos um ponto pode ser considerado pacífico: é sempre positivo que se tente mudar a ordem jurídica a partir de dentro, pelas vias institucionais 12 Discurso do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do seminário organizado pela CONFINDUSTRIA. Roma, Itália – 11/2/1997. Disponível no site http://www.presidencia. gov.br/. Acesso em 10 de janeiro de 2006. 13 Oscar Vilhena Vieira, op. cit. 14 Bresser-Pereira, “Revisão Constitucional”, publicado em 12.11.93. Disponível no site http://www.bresserpereira. org.br. Acesso em 10 de janeiro de 2006. FGV DIREITO RIO 19 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL adequadas. Como observa Luís Roberto Barroso, reformar a Constituição não deixa de ser uma forma de reconhecer efetividade à Constituição – afinal, se ela não servisse para nada, se não tivesse nenhum poder de influenciar no mundo dos fatos, não precisaríamos nos preocupar em emendá-la.15 Bastaria ignorar a Constituição. Mas, se a idéia é alterar a Constituição, em que pontos a sua estrutura deveria ser emen- dada? O que foi preciso (em termos de alteração textual na Constituição) para que a agenda de reformas dos anos 90 pudesse ser concretizada? O Caso Leia com atenção os trechos abaixos:16 - Mensagem da Presidência da República ao Congresso Nacional (janeiro de 1995) A Constituição de 1988 foi elaborada em circunstâncias que estimularam os constituintes a incorporar ao texto constitucional tudo o que pudesse ser incorporado. De um lado, pela razão prática de que tornava-se mais fácil, do ponto de vista do processo legislativo, aprovar uma proposta de dispositivo constitucional do que um projeto de lei ordinária. De outro lado, porque a memória recente do período de autoritarismo alimentava uma enorme preo- cupação em restringir os poderes do Executivo e estabelecer de modo perma- nente a garantia de direitos e o atendimento de demandas sociais. Em função disso, a Constituição acabou impondo restrições exageradas, não só ao exercício eficaz das ações de Governo, mas à própria soberania popular, tal como se manifesta através dos mandatários eleitos, tanto na esfera do Executivo como do Legislativo. A verdade é que a Constituição de 1988 inclui dispositivos que dizem respeito mais propriamente a políticas de governo do que às regras permanentes de funcionamento do Estado e aos direitos dos cidadãos. Na medida em que o eleitorado pode conduzir ao Executivo e ao Legislativo representantes com orientações programáticas distintas das contidas na Constituição, está aberto o terreno para conflitos constantes sobre a constitucionalidade ou inconstitu- cionalidade de medidas infraconstitucionais dos dois poderes. Conflitos cuja solução acaba sendo submetida ao Poder Judiciário, transformado assim, de maneira não prevista pelos constituintes nem desejada pelos próprios mem- bros deste Poder, em responsável último por decisões típicas de governo. O detalhismo da Constituição judicializa a política e despolitiza as decisões. Em vez da independência e harmonia que fundam a governabilidade demo- crática, instaura-se assim o impasse entre os Poderes constituídos. Impasse de conseqüências particularmente nefastas em matéria fiscal e financeira, na medida em que as oscilações naturais da fazenda pública e da economia na- cional chocam-se com a rigidez da ordem constitucional. A constitucionalização de vastas áreas da vida social e econômica acarreta o esvaziamento da atividade parlamentar, relegando o Poder Legislativo à mera reproduçãode normas já incluídas na Lei Maior. Reverter esse quadro preocupante importa em devolver à classe política a capacidade de, por suas maiorias e pelo voto democrático do Legislativo, nas relações com o Exe- cutivo, administrar o País, ou seja, ditar com a necessária flexibilidade os 15 Luís Roberto Barroso, “A Doutrina Brasileira da Efeti- vidade”, in Temas de Direito Constitucional, v. III. 16 Todo o material desta seção foi extraído do site da Presidência da República (www.presidencia.gov.br). Acesso em 10 de janeiro de 2006. FGV DIREITO RIO 20 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL objetivos imediatos e os instrumentos ordinários da ação do Governo. Daí por que as propostas de emenda constitucional do Governo têm como pano de fundo a descons- titucionalização, ou seja, a retirada do texto constitucional de normas que lá não deveriam estar por serem mais propriamente matéria de política de governo, passíveis de tratamento por legislação infra- constitucional. (...) Vem a propósito, aqui, a seguinte afirmativa de Ralph Dahrendorf numa reflexão sobre os destinos da Europa Central após o colapso do comunismo: “Em questões de política constitucional não há dois caminhos, ou melhor, só há dois caminhos: a sociedade fechada ou a sociedade aberta, ao passo que, na política normal, uma centena de opções pode ser oferecida e três ou quatro geralmente o são”. Não deixemos escapar a oportunidade de consagrar no Brasil a sociedade aberta — a Constitui- ção da liberdade, — devolvendo ao âmbito da política normal e da atividade legislativa ordinária a centena de opções que o dia-a-dia da vida social normalmente exige. Tal é o espírito das propostas de emenda constitucional que o Governo encaminhará ao Congres- so Nacional a partir de amanhã. (...) A fim de consolidar a estabilidade econômica e assentar as bases materiais da justiça social, é impres- cindível eliminar da Constituição dispositivos que restringem de maneira descabida a participação do capital privado nacional e o estrangeiro nos investimentos essenciais ao desenvolvimento do País. É o caso do modelo monopolístico do setor de telecomunicações. Mais de 50 por cento das lo- calidades brasileiras, 80 por cento das residências e 98 por cento das propriedades rurais não têm telefone. A carência é estimada em 10 milhões de linhas, uma demanda que pode acentuar-se com a retomada do crescimento econômico. Propondo a eliminação da exigência de controle es- tatal, para que também as empresas privadas possam explorar os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, o Governo não quer mais do que possibilitar investimentos no volume necessário na expansão e modernização da in- fra-estrutura nacional de telecomunicações. Ao mesmo tempo, mantido o regime de concessão, assegura-se ao Poder Público o instrumento básico para a adequada fiscalização do setor. Propõe-se também emenda com o objetivo de flexibilizar o monopólio do petróleo, permitindo à União exercê-lo através de contratos com empresas privadas para a exploração das atividades de pesquisa e lavra, refino, importação e exportação e transporte. Essa mudança possibilitará reduzir os custos de exploração e produção de petróleo, derivados e gás natural. Outra proposta de emenda visa a eliminar o monopólio para empresa estatal estadual na explo- ração dos serviços locais e a exclusividade de distribuição de gás canalizado. Pretende-se, assim, tornar o setor mais competitivo por meio da injeção de investimentos privado, mantendo-se a responsabilidade do Poder Público sobre a atividade, mediante o regime de concessão. A Constituiçãode 1988 estabeleceu discriminação entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional, chegando a prever tratamento preferencial para esta última. Essa discriminação perdeu sentido no contexto da abertura da economia, com a eliminação das reservas de mercado, maior interrelação entre as economias e necessidade de atrair capitais estrangeiros para comple- mentar a poupança interna. Propõe-se, em vista disso, sua eliminação do texto constitucional. Na mesma linha, encaminha-se proposta que permite a pesquisa e a lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica por brasileiro ou empresa brasileira, median- te autorização ou concessão, sem qualquer prejuízo do controle da União. Também será proposta emenda remetendo para a legislação ordinária as eventuais restrições ao ca- pital estrangeiro na navegação de cabotagem. Não faz sentido manter a „reserva de mercado“ para embarcações nacionais na navegação de cabotagem e interior — exigência que implica em menor flexibilidade na contratação do serviço de transporte de carga, acarretando aumento de custos e de preços finais dos produtos, notadamente daqueles em que o custo de transporte é significativo.” FGV DIREITO RIO 21 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL - Plano Diretor para Reforma do Aparelho de Estado (1995) (Elaborado pela Câmara de Reforma do Estado do Governo FHC) “A estratégia da reforma do aparelho do Estado está concebida a partir de três dimensões: a primeira, institucional-legal, trata da reforma do sistema jurídico e das relações de propriedade; a segunda é cultural, centrada na transição de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial; a terceira dimensão aborda a gestão pública a partir do aperfeiçoamento da administração burocrática vigente e da introdução da administração gerencial, incluindo os aspectos de modernização da estrutura organizacional e dos métodos de gestão. Essas dimensões, ainda que guardem certa independência, operarão de forma complementar. A primeira permitirá mudanças estruturais no funcionamento do aparelho do Estado, já que pressupõe a eliminação dos principais entraves no sistema jurídico-legal; a segunda, entretanto, viabilizará a operacionalização da cultura gerencial centrada em resultados através da efetiva parceria com a sociedade, e da cooperação entre administradores e funcionários; finalmente, a terceira possibilitará concretizar novas práticas gerenciais e assim obter avanços signi- ficativos, ainda que os constrangimentos legais não sejam totalmente removidos. A estratégia proposta, nessa dimensão, está orientada no sentido de viabilizar as transformações fundamentais pretendidas com a reforma do aparelho do Estado, em três direções. Em primeiro lugar, permitindo a focalização do Estado no atendimento das demandas sociais básicas. Em se- gundo lugar, facilitando o redirecionamento da maneira tradicional de atuar do Estado, evoluin- do de um papel executor para um papel de promotor do desenvolvimento social e econômico. Finalmente, a estratégia proposta deverá criar as condições para a implementação do modelo de administração gerencial no setor de serviços do Estado. É importante destacar que o compromisso fundamental do Estado não é o de realizar dentro de seu aparelho todas as funções demandadas pela sociedade. Ao invés, é o de assegurar ou facilitar a sua realização sempre que possível, o que deverá implicar a adoção de mecanismos inovadores de operação e funcionamento. Para a operacionalização das mudanças pretendidas será necessário o aperfeiçoamento do sistema jurídico-legal, notadamente de ordem constitucional, de maneira a remover os constrangimentos existentes que impedem a adoção de uma administração ágil e com maior grau de autonomia, capaz de enfrentar os desafios do Estado moderno. Nesse sentido, a reforma contempla a propo- sição de emendas constitucionais.” - Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso no coquetel em comemoração ao seu aniversário (Clube das Nações, Brasília, DF – 18/6/1997) “Nós estamos descentralizando o Estado. Nós não estamos diminuindo o Estado, no sentido que alguns imaginam. Nós estamos dando novas funções e nova força ao Estado, mas a um Estado queestá sob controle social, e um Estado que regulamenta e que não vai se meter a fazer aquilo que ele não sabe fazer tão bem quanto a própria sociedade é capaz de fazer. É um novo Estado brasileiro. É uma nova sociedade. E, se me permitem, até – no dia do aniversário a gente pode ser mais retórico – é uma revolução cultural. A mudança de percepção das coisas. E toda mudança, no começo, provoca reações. Provoca incompreensões. No decorrer do tempo as pessoas perce- bem, e acabam modificando suas próprias formas de comportamento. E isso está ocorrendo no Brasil. Está ocorrendo, repito, não só no âmbito político, mas no âmbito da sociedade. (...)” FGV DIREITO RIO 22 DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL - Entrevista concedida pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, ao jornal Gazeta Mercantil (Brasília, DF – 19/6/1997) “Eu disse, quando tomei posse, que iria colocar um fim na era Vargas. Este estado foi formado, basi- camente, por dois impulsos autoritários: o do getulismo do Estado Novo e o do autoritarismo militar. Este estado que hoje a esquerda defende é produto de dois momentos autoritários do Brasil. É um es- tado onisciente, onipresente e onicontrolador, em que você confundia o bem da nação com o bem do Estado. Não acreditava no povo e não acreditava na sociedade civil. Isso acabou. O Estado está mon- tado para isso. É um Estado que, ao ser montado, está incrustado de interesses privados e interesses clientelistas do setor político – os dois se fundem. Qual a nossa luta para acabar com isso, nesta nova sociedade? Aí vou falar de três linhas para não cansá-los de tanta falação. A primeira é que você tem que deixar de ser um Estado produtor, a não ser em áreas específicas, para ser promotor, regulamentador e fiscalizador. Isso são as agências de energia, petróleo, transportes, telefonia. Você vai desestruturar todo aquele aparelho burocrático que controlava as empresas destas áreas, dava monopólio e, quando não havia monopólio, botava uma canga no setor privado, como no caso da energia elétrica. Depois acontecia o contrário: o setor privado entrava dentro do Estado ficava aliado à burocracia, fazia os anéis burocráticos e controlava todas as decisões, sufocando a sociedade. Nós estamos acabando com isso.” - Discurso do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na solenidade de apresentação dos estagiários da Escola Superior de Guerra. (Palácio do Planalto, Brasília, DF – 20/6/1997) “Numa certa fase do nosso crescimento, o Estado, necessariamente, era um Estado produtor. Porque ou ele se jogava como um Estado, um governo, capaz de fazer fundos de acumulação de recursos, para investir esses recursos e para, inclusive, criar ou trazer tecnologias, ou não haveria quem o fizesse. Aqui, portanto, não vai um julgamento da História. No momento oportuno, o que foi feito, em termos de um Estado capaz de abrir a siderurgia, de abrir a petroquímica, de abrir o petróleo, era absolutamente necessário ser feito, e assim foi feito. Ocorre que, essa capacidade toda se fez através de impostos. E hoje nós estamos num momento em que falar de aumentar imposto é quase uma condenação, de antemão, à negativa. Mesmo quando se trata de imposto para a saúde, a dificuldade que o governo tem, de fazer com que a sociedade aceite que haja um imposto adicional, é enorme. Imagina explicar que nós precisamos de mais recurso para um investimento produtivo deste ou daquele tipo. Então, o Estado não pode imaginar que ele vai substituir a sociedade, no processo produtivo direto. Isso não o inibirá de continuar atuando de forma indireta nos diversos setores da sociedade, nem o inibirá da sua necessidade de investimento na infra-estrutura de estradas, de portos, de energia, do que seja. Mas, sempre que possível, buscando, através de fórmulas de parceria, de concessões de serviços públicos, capitalizar os recursos existentes nas mãos da sociedade civil, de tal maneira que eles possam ser orientados para a realização daquilo que é essencial e necessário.” Após a leitura dos textos selecionados para esta aula e dos trechos acima, analise as emendas constitucionais promulgadas no Brasil até 2003. Lembre-se: concordando ou não com as motivações ideológicas eventual- mente identificáveis tanto no material de leitura, quanto no material do caso, é importante saber identificar na Constituição os interesses sócio-econômicos em conflito, bem como a forma jurídica escolhida para viabilizar as reformas da Constituição. Nesse sentido, procure refletir sobre as seguintes questões: • O que significa “desconstitucionalização”? Explique o conceito apresente um argumento favorável e um argumento desfavorável a essa proposta. • Que significa dizer que “o detalhismo da Constituição de 1988 judicializa a política”? Você concorda com esse diagnóstico? 23FGV DIREITO RIO DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO E SOCIAL • Quais das emendas constitucionais em análise contribuíram para os objetivos descritos nos pronunciamen- tos de Fernando Henrique Cardoso e nos documentos? • Quais das emendas constitucionais em análise contribuíram para o “fim da Era Vargas”, prometido por Fernando Henrique Cardoso? • Se fosse assessor jurídico da Presidência da República em 1994, você sugeriria alguma outra emenda cons- titucional além das que foram efetivamente propostas e aprovadas? • Você diria que as emendas contribuíram para preencher de que forma o quadro discutido em sala na aula 02 deste bloco? • Você considera que as emendas constitucionais em análise constituem violação aos limites materiais ao Poder Constituinte Derivado? Conceitos Constituição Analítica; Mudança Constitucional: Reforma e Revisão; Emendas Constitucionais de Revisão; Judicialização da Política; Reforma da Administração Pública; Princípio da Eficiência; Desconstitucionalização; Monopólio Estatal; Privatização; Restrições ao Capital Estrangeiro. Bibliografia Obrigatória • Eros Roberto Grau. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, pp. 172-192. • ___. “As Relações entre os Poderes no Décimo Aniversário da Contituição de 1988”, in Eros Roberto Grau e Demian Fiocca (orgs.). Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Pp.69-76. • Celso Antônio Bandeira de Mello. “Funerais da Constituição de 1988”, in Eros Roberto Grau e Demian Fiocca (orgs.). Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Pp.35-46. Complementar • Paulo Bonavides. “Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da constituição e a recolonização pelo golpe do Estado institucional”, in Do País Constitucional ao País Neocolonial. • Sayonara Grillo Coutinho. “Reformas Constitucionais: De Collor a FHC”, in Revista Estado, Direito e Sociedade, n.07, 1996. Disponível no site http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/revista. Acesso em 10 de janeiro de 2006. • Oscar Vilhena Vieira, “Realinhamento Constitucional”, in Oscar Vilhena Vieira e Carlos Ari Sundfeld (orgs.). Direito Global. São Paulo: Max Limonad, 1999. Disponível no site http://www.dhnet.org.br/direitos/ militantes/oscarvilhena/vilhena_unidir.html. Acesso em 10 de janeiro de 2006. • Marcus André Melo. “Reformando o Estado Brasileiro: A Formação da Agenda”, in Reformas Constitucio- nais do Brasil. Instituições políticas e processo decisório. Rio de Janeiro: Revan, 2002. Pp.47 a 58. • Diogo de Figueiredo Moreira Neto. “Políticas Governamentais versus Políticas Nacionais”, in Revista Eletrôni- ca da Reforma do Estado, n.1, fev/mar/abr 2005. Disponível no site http://www.direitodoestado.com.br. • Flávio da Cunha Rezende. “As Reformas e as Transformações no Papel do Estado: O Brasil em perspectiva comparada”, in O Estado Numa Era de Reformas: Os Anos FHC - Parte 1/ Organizadores: Fernando Luiz Abrucio e Maria Rita Loureiro. – Brasília: MP, SEGES, 2002. Disponível no site: http://federativo.bndes.gov. br/bf_bancos/estudos/e0002028.pdf.
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